Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:47/19.3 BEPDL
Secção:CT
Data do Acordão:11/25/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
- INADMISSIBILIDADE DO RECURSO
Sumário:1. O recurso previsto no artigo 280/3 do CPPT só é admissível quando a decisão de que se recorre esteja em oposição com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário de 1ª instância e se invoquem unicamente questões de direito.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

N. R. D. P., notificado da decisão sumária proferida pela ora Relatora, ao abrigo do disposto no artigo 656º do CPC, com respeito ao recurso jurisdicional interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada que julgou improcedente a oposição por si deduzida contra a execução fiscal nº 3018201501037110, dela reclamar para a conferência, nos termos do disposto no artigo 652/3 CPC, pretendendo que sobre a decisão recaia um acórdão.

Na reclamação apresentada, conclui:

A. O despacho reclamado violou o disposto no artigo 280.º, n.º 3 do CPPT e artigo 9.º, n.º 1, do CC, porquanto a única interpretação teleologicamente admissível do preceito é no sentido de que a oposição de julgados aplica-se, quer a sentenças, quer (por maioria de razão) a acórdãos, e não apenas a sentenças.
B. Aliás, entendimento diverso colidiria frontalmente com a unidade e coerência do ordenamento jurídico, pois que se uma decisão é contraditória com mais de 3 decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância, a mesma é merecedora de cognição pelo tribunal superior (em sede de recurso),
C. Então não há forma de não reconhecer igual tratamento e estatuto a uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal de hierarquia inferior, quando o sentido da sua decisão afronta e desafia mais de 3 decisões proferidas por tribunais superiores,
D. Pois neste caso ainda mais se justifica (atenta a filosofia inerente à necessidade de pacificação de julgados em caso de oposição) a pronúncia e veredicto dos tribunais superiores sobre tal questão.
E. Assim mesmo vem entendendo o tribunal de cúpula – Supremo Tribunal Administrativo, dado que a coerência do regime processual dos recursos implica um tratamento identitário comum e não discriminatório.

Termos em que mui respeitosamente se requer a V. Exas se dignem julgar procedente a presente reclamação, admitindo em consequência o presente recurso interposto, devendo o mesmo prosseguir com a sua ulterior tramitação e a final se conclua pelo seu provimento, mais se revogando a sentença recorrida, com todas as legais consequências.


Notificada a parte contrária, a mesma nada disse.

O Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da improcedência da reclamação

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir:


II- Fundamentação

II.1 – De facto

Em 23 de junho de 2020, foi proferida a decisão reclamada que se transcreve em seguida:

I - Relatório

N. R. D. P., inconformado com a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Ponta Delgada que julgou improcedente a oposição por si deduzida contra a execução fiscal nº 3018201501037110, instaurada no Serviço de Finanças da Ribeira Grande, relativamente à devedora originária N. P., Unipessoal, Lda., para cobrança coerciva de dívida de coimas, do ano de 2015, no montante global de € 1 104,42, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Nas alegações de recurso apresentadas, formula as seguintes conclusões:

A) Oponente não se conforma com o determinado na douta Sentença, designadamente o decidido no ponto 3 – Da falta de culpa pelo não pagamento da dívida (coima)
O segmento decisório em crise apresenta a seguinte fundamentação:
“No caso em apreço, o despacho de reversão convoca o artigo 8.º, nº 1, alínea b), do Regime Geral das Infrações Tributárias, como fundamento da responsabilidade subsidiária do oponente (cfr. 15)).
É jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo (designadamente no acórdão de 9 de abril de 2014, processo n.º 0341/13, e no acórdão de 30 de abril de 2013, processo n.º 0175/13, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt), que o artigo 8.º do Regime Geral das Infrações Tributárias não consagra qualquer presunção de culpa e, por isso, recai sobre o órgão de execução fiscal o ónus de alegar a culpa do gerente pela insuficiência do património social.
Mais se decidiu que, se for alegada a falta de culpa do responsável subsidiário na oposição à execução, recai sobre a Fazenda Pública o ónus de provar este pressuposto, sob pena de se considerar a ilegitimidade do mesmo e de arcar com uma decisão desfavorável, em conformidade com o disposto no artigo 74.º, nº 1 da Lei Geral Tributária.
Pois bem, compulsado o teor do despacho de reversão constata-se que não é invocada qualquer factualidade a respeito da culpa do oponente.
Todavia, no articulado de contestação, a Fazenda Pública concretiza os motivos pelos quais considera que tal culpa se verifica e é imputável ao oponente (possibilidade que o Supremo Tribunal Administrativo consente - cfr. o já referido acórdão do Pleno de 16 de outubro de 2013, no processo n.º 0458/13).
Acresce que, a circunstância de a falta de prova da culpa do oponente dever ser valorada contra a Fazenda Pública (posto que o ónus da prova deste pressuposto impende sobre si), não é fundamento para o oponente se demitir de alegar factos concretos, em ordem a colocar em dúvida a existência desse requisito (a distribuição do ónus da prova consiste na conveniência de assumir a iniciativa probatória, sob pena de ter que suportar uma decisão probatória adversa; é coisa diversa da distribuição do encargo da prova – cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida in Direito Processual Civil, Vol. II. 2015, págs. 230 e ss, apud Tribunal Central Administrativo Sul, processo 13518/16, de 02-02-2017).
Mais: o princípio da aquisição processual ou da comunidade das provas (segundo o qual o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las – cfr. artigo 413.º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e Processo Tributário) permite ao tribunal extrair das alegações e documentos apresentados pelo oponente factos contrários à sua pretensão.
Apesar de a apresentação ao PER poder demonstrar algum empenho do oponente, no sentido de reconhecer e pagar os créditos e preservar o património societário, tal medida foi tomada de forma extemporânea, sendo certo que não se vislumbra a adoção de qualquer outra medida gestionária significativa, no sentido de alterar a situação financeiramente insustentável da sociedade devedora originária.
De facto, do exercício 2014 para o exercício 2015, o saldo negativo do capital próprio da sociedade devedora originária passou de - € 68.453,05 para - € 148.692,54 (cfr. 25) e 26)).
Quer isto dizer que, é muito elevada a possibilidade de a sociedade devedora originária se ter apropriado dos montantes do IVA para solver as necessidades muito prementes de caixa (apesar de ilegítima, a experiência de vida demonstra que esta prática ocorre com frequência), indicio que se estriba no facto de as dívidas provenientes do IVA se avolumarem, de forma particularmente expressiva, a partir do ano 2017 (cfr. processos de oposição à execução pendentes contra o oponente), isto é, justamente na antecâmara da declaração de insolvência (cfr. 13)).
Em face do exposto, improcede o alegado sobre esta questão”
B) .Ora, saldo o devido respeito por opinião contrária, o aqui Recorrente não se pode conformar com tal sufrágio, que na sua modesta opinião contraria e vai no sentido oposto, quanto à mesma questão de direito, e dentro da mesma disciplina normativa, do habitualmente decidido pela jurisprudência superior, o que sempre justifica a admissão do presente recurso ex vi n.º 3 do artigo 280.º do CPPT.
C) Com efeito, a nodal divergência do Recorrente contra o acolhido na sentença centra-se e decompõe-se em duas questões fundamentais de direito:
O despacho de reversão (na sua qualidade de ato administrativo) deve ou não conter, e em exclusivo, os pressupostos de alegação que o fundamentaram; ou seja, é ou não é admissível que a Fazenda Pública venha a invocar (pela primeira vez) a alegação (e consequente prova, necessariamente) a posteriori dos fundamentos de tal ato (designadamente em juízo), depois de consumada a decisão (ato administrativo propriamente dito) de efetivação de responsabilidade subsidiária;
No caso da reversão de coimas, não existindo presunção de culpa para o seu eventual responsável (sempre a título subsidiário), a Fazenda Pública está ou não irrenunciavelmente (do ponto de vista do ónus probatório) adstrita ao convencimento da insuficiência patrimonial do devedor primitivo ser devida (segundo uma relação de causa-efeito) à atuação comissiva ou omissiva do responsável subsidiário; e que no caso de reversão de coimas tal insuficiência se prende com a ausência de meios para pagar as referidas coimas (que não os eventuais tributos subjacentes – com efeito, pode até só ter ocorrido violação de obrigações fiscais declarativas, que não de pagamento).
D) No entendimento do aqui Recorrente, a sentença laborou num duplo erro ou vício de direito, dado que:
Apesar de ter considerado (e bem) que o despacho de reversão não continha qualquer fundamentação ou alegação de qualquer factualidade pressuposta do acionamento daquela responsabilidade derivada ou subsidiária, ainda assim o considerou plenamente apto a fundar a legalidade de tal execução por reversão, ao invés de considerar logo a ilegitimidade do oponente;
Por outro lado, ainda, consumada a reversão, equivocou-se quanto ao regime de responsabilidade dado que aplicou às coimas o mesmo critério das dívidas tributárias, quando o que estava em causa e em apreciação nos autos era se a sociedade devedora originária não havia pago aquelas mesmas coimas (não os impostos, reitera-se) por culpa/responsabilidade do seu gerente.
E) E. tal confusão resultou ainda mais nítida com a alusão feita ao IVA liquidado pela sociedade.
Se a sociedade recebe tal imposto que liquida e não o paga ao Estado (seu proprietário e destinatário final) houve quase que necessariamente culpa do gerente, dado que lhe desviou o fito.
F) Mas ao invés, a sociedade pode não ter pago as coimas com fundamento em insuficiência patrimonial para o efeito, pois que da sua atividade pode não ter resultado, necessariamente, a geração de proveitos e a liquidez consequente para pagar tal responsabilidade contraordenacional.
G) Em síntese, o aqui Recorrente entende, na esteira da jurisprudência superior, que o ato de reversão padece de ilegalidade, tout court, sendo inválido e inoponível (caso se destine à efetivação da responsabilidade subsidiária para cobrança dos montantes devidos a título de coimas ou sanções contraordenacionais); caso não esteja sustentado na contemporânea e correspetiva alegação da culpa do responsável (dado que ela nunca é, legalmente, presumida), sendo espúrio o exercício de procurar alegá-la a jusante (designadamente em juízo), atenta até a magna regra da proibição da fundamentação dos atos administrativos a posteriori.
H) E também no mesmo sentido, a Fazenda Pública só logrará obter vencimento da sua pretensão se em juízo (formulada oposição quanto à culpa, e aqui até a despeito de ter alegado ou não os respetivos pressupostos) tiver demonstrado que o valor das coimas (não o valor dos impostos) não foi pago pela sociedade comercial em virtude de atuação culposa do seu legal representante, que desviou, desbaratou ou delapidou tal pecúlio ou suficiência patrimonial.
I) Ora, dos autos não resultou minimamente demonstrado e/ou evidenciado (novamente até desconsiderando a premissa de que tal factualidade devia ter sido antes, obrigatoriamente, alegada no despacho de reversão) que foi por atuação culposa do aqui Recorrente que a sociedade (que teria de ter a disponibilidade e libertação de liquidez para tanto) não efetuou o pagamento do valor respeitante à coima em apreço.
J) Sendo para o efeito imprestável e inaplicável o raciocínio acolhido pela Sentença (tanto quanto se alcança) do critério respeitante às dívidas tributárias (maxime, impostos), pois no caso de alguns impostos, se aqueles foram liquidados e recebidos, necessariamente houve a entrega, pelos devedores à sociedade, dos correspondentes meios de pagamento.
K) Dito de outra, bastará pensar numa sociedade com prejuízos para se compreender que nem sempre há libertação de liquidez, a qual é pressuposta para a existência dos meios de pagamento necessários à liquidação das responsabilidades (aqui em concreto por referência aos montantes das coimas aplicadas).
L) E note-se uma vez mais: à margem da questão respeitante à responsabilidade, ou não, do contabilista certificado quanto ao (in)cumprimento do dever de entregar as declarações fiscais, uma coisa é a geração da coima pelo inadimplemento da obrigação (declarativa), outra bem distinta é a (in)suficiência culposa de património societário a mobilizar em ordem a efetuar o pagamento daquela.
M) E só na circunstância de não ter ocorrido o pagamento da coima por falta de meios por banda da sociedade, insuficiência essa causada pelo gerente/administrador, é que ocorre a possibilidade de demandar a responsabilidade subsidiária deste último.
N) Conforme resulta demonstrado de forma abundante dos autos, até o património pessoal do aqui Recorrente foi alienado na sua insolvência, perdendo, inclusivamente, a sua casa morada de família, pelo que nenhuma culpa foi evidenciada quanto a hipotéticos desvios por este causados no património da sociedade, assim a impedindo, ilicitamente, de pagar as correspondentes coimas.
O) Acresce ainda que, com efeito, uma coisa é a insuficiência dos meios de pagamento da coima, a outra o contributo eventual para o não cumprimento ou cumprimento defeituoso da correspondente obrigação declarativa (as coimas são objecto de reversão por falta de pagamento do montante sancionado, sendo que a responsabilidade (pelo seu pagamento) do gerente é meramente subsidiária, sendo apenas hipoteticamente responsabilizado se tiver originado (pela sua conduta) a falta de meios de pagamento do devedor quanto à liquidação monetária da sanção.
P) Ademais, no caso dos presente autos, o aqui Recorrente logrou demonstrar que a sociedade (sujeito passivo) entrou em declínio por força da crise, o que originou que viesse a ser recusado o PER apresentado, e posteriormente aprovado um Plano de Insolvência (no qual até foi deferido um plano de pagamento prestacional por banda da Autoridade Tributária, que assim aceitou do devedor principal o recebimento dos montantes em dívida – o que desde logo igualmente prejudica/inviabiliza o acionamento da responsabilidade do ente que apenas subsidiariamente por ela poderá ser demandado) – sendo que a insolvência foi considerada não culposa – ou seja, a falta de meios de pagamento da sociedade não foi originada em desvio de meios financeiros pelo gerente para fins pessoais e/ou extra societários.
Q) Finalmente, e com relevância para a sorte do litígio, o aqui Recorrente logrou igualmente demonstrar que foi entrementes decretada a sua insolvência pessoal, inclusivamente com venda (em liquidação insolvência) da sua casa morada de família, o que também atesta e corrobora a sua falta de culpa na insuficiência patrimonial da sociedade, pois que até em termos pessoais se viu despojado do seu principal património.
R) Com efeito, mister é reconhecer-se que a Autoridade Tributária, desde logo, não alegou no despacho de reversão os factos que determinaram a imputação da culpa do gerente, conforme lhe competia quando decidiu pela efetivação da responsabilidade subsidiária (ou seja, no momento em que determinou que o gerente seria responsável pela causação da diminuição patrimonial do devedor principal ou primitivo),
S) Assim como a Fazenda Pública não logrou convencer o Tribunal, conforme privativamente lhe competia, atenta a legal repartição do ónus probatório, que o gerente, aqui Recorrente, causou por comportamentos seus essa insuficiência patrimonial, através de factos concretos reveladores
T) Em síntese, ao Oponente não pode ser, justa e sensatamente, imputado um juízo de culpa pela insuficiência patrimonial do sujeito passivo quanto à sua capacidade para ter pago a coima em causa nestes autos, tal como a lei exige e determina, donde, também por aqui, decorre o provimento do presente recurso.
U) Ao decidir como o fez, a douta Sentença violou o disposto, inter alia, nos comandos normativos ínsitos no artigo 8.º, n.º 1, alínea a) do RGIT em articulação com o disposto no artigo 1.º do DL n.º 433/82, de 27 de outubro, aplicável ex vi artigo 3.º alínea b) do RGIT, nos artigos 22.º, n.º 4, 23.º, n.º 4 da LGT, no artigo 159.º do CPPT e nos artigos 151.º, n.º 1, alínea d), 152.º e 153.º do CPA.
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto amparo e agasalho legal de V. Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso, assim se revogando, nessa conformidade, a sentença em crise, mais se determinando a final a extinção da presente execução, com fundamento em ilegitimidade do oponente, ou caso assim não se entenda, na não verificação dos pressupostos substantivos da responsabilidade subsidiária in casu, com o que se fará a devida e costumeira JUSTIÇA!

A Recorrida contra-alegou, com base no seguinte quadro conclusivo:

A) Como questão prévia, deveria o presente recurso ser rejeitado por insuficiência do valor da causa para atingir o valor da alçada, uma vez que o que se discute, essencialmente, é uma reapreciação da prova, e não – como pretende fazer valer o recorrente com a invocação do n.º 3 do artigo 280.º do CPPT – a existência «de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito».
B) Com efeito, o recorrente não dispõe de valor que lhe permita recorrer, pelo que não pode pretender que haja uma oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito, até porque não individualizou nem delimitou qual entende ser a questão fundamental de direito que se encontra em oposição de julgados, atendendo à prova produzida.
C) Neste apeto, é indiciário o endereçamento das presentes alegações de recurso «relativamente ao mesmo fundamento de direito» ao Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, pelo que deverá ser rejeitada liminarmente a petição de recurso, por não se verificar o pressuposto necessário que lhe permite recorrer ao mecanismo do n.º 3 do artigo 280.º, por pretender a reapreciação da prova.
D) Por outro lado, e como questão prévia também, sendo uma questão estritamente de direito, a competência para a sua decisão caberá ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do número 1 do artigo 280.º do CPPT.
E) Quanto à alegação de (1) inexistir aptidão do despacho de reversão para fundar a legalidade da execução por reversão, sempre se dirá que andou bem o Tribunal a quo, ao considerar que «no articulado de contestação, a Fazenda Pública concretiza os motivos pelos quais considera que tal culpa se verifica e é imputável ao oponente (possibilidade que o Supremo Tribunal Administrativo consente - cfr. o já referido acórdão do Pleno de 16 de outubro de 2013, no processo n.º 0458/13)».
F) Concluiu também o Tribunal a quo que «o princípio da aquisição processual ou da comunidade das provas (segundo o qual o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las – cfr. artigo 413.º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e Processo Tributário) permite ao tribunal extrair das alegações e documentos apresentados pelo oponente factos contrários à sua pretensão.
E, efetivamente, o oponente alega na petição inicial que a dívida foi causada pelo incumprimento do contrato de prestação de serviços de contabilidade, situação inteiramente imputável ao contabilista certificado (matéria que o tribunal deu como não provada)».
G) Determinou o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 129/2009, publicado no Diário da República, II série, de 16 de abril de 2009, que «o que está em causa não é, por conseguinte, a mera transmissão de uma responsabilidade contraordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa coletiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas».
H) Aí se dispõe que a «responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes assenta, não no próprio facto típico que é caracterizado como infração contraordenacional, mas num facto autónomo, inteiramente diverso desse, que se traduz num comportamento pessoal determinante da produção de um dano para a Administração Fiscal», sendo que é «esse facto, de carácter ilícito, imputável ao agente a título de culpa, que fundamenta o dever de indemnizar, e que, como tal, origina a responsabilidade civil».
I) O que significa que não é a sanção aplicada pelo ilícito contraordenacional que se transmite, mas a responsabilidade culposa pela frustração da satisfação do crédito correspondente, que se efetiva contra o gerente ou administrador que, no incumprimento de deveres funcionais, não providenciou no sentido de a sociedade efetuar o pagamento das coimas em que foi condenada, o que reflete o caso sub judicio.
J) Umbilicalmente ligada com esta questão atá a alegação de o regime da responsabilidade aplicado às coimas pela sentença não ser o correto, por entender o recorrente que o Tribunal a quo aplicou às coimas o mesmo critério das dívidas tributárias no que se refere à responsabilidade pelo seu pagamento.
K) O que se encontra em causa é a responsabilidade culposa pela frustração da satisfação do crédito, o que se demonstrou plenamente caber ao único sócio e único gerente da sociedade, tendo a sociedade que comandava sido notificada para o seu pagamento, assim como para o pagamento do imposto sobre o valor acrescentado, tendo incumprido em ambos os casos.
L) Ao pretender que o Tribunal a quo decida de maneira diferente do decidido, está o recorrente a radicar as suas alegações em dois fundamentos inexistentes, pretendendo, essencialmente, que seja efetuada uma reapreciação da prova produzida, o que não cabe no âmbito destes autos de recurso.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao presente recurso, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

O Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso

Cumpre apreciar e decidir, nos termos do disposto no artigo 652/1.b) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 280º CPPT.

II- Fundamentação

II.1 - Matéria de facto

A matéria de facto pertinente, sumariamente provada, é a que se retira na minuta e alegações do presente recurso.

II.2 - Matéria de direito

Atendendo ao valor da presente ação (€ 1 234,76), este é inferior à alçada dos tribunais tributários de 1ª Instância, todavia, o presente recurso foi interposto por oposição de julgados, ao abrigo do artigo 280/3 CPPT, ou seja, é admissível independentemente do valor da causa.

Trata-se de um recurso previsto para os casos em que a decisão recorrida perfilha solução oposta à adotada em mais de três sentenças de tribunal de igual grau. Nessa situação, ainda que o valor da causa não ultrapasse a alçada fixada para os tribunais judiciais de primeira instância, o que impediria, em princípio, o recurso ele torna-se admissível à luz do n.º 3 deste preceito legal.

Uma vez que a questão apresentada é em tudo idêntica à apreciada nas decisões sumárias proferidas no âmbito dos processos nº56/19.2BEPDL e nº 57/19.0BEPDL, em que as partes são as mesmas, e idênticos são os factos e os argumentos explanados no recurso, a cuja fundamentação aderimos sem qualquer reserva, e que seguiremos de perto, por não vermos razões para divergir

Bastaria assim a simples remissão para os fundamentos daquela decisão. No entanto, em vez de juntarmos cópia da decisão, iremos transcrever, no essencial, a fundamentação da decisão com a qual se concorda inteiramente, proferida em 2021.04.30, no processo nº 56/19.2BEPDL:

Efetivamente, dispõe aquele preceito legal, na redação atual, dada pela Lei 118/2019, de 17/09 que “3 - Para além dos casos previstos na lei processual civil e administrativa, é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário.”.
Na verdade, o legislador veio alterar o regime do recurso por oposição de julgados que vigorava anteriormente no n.º 5 do art. 280.º do CPPT.
Atualmente, o recurso de oposição de julgados, por um lado, deixa de ser interposto exclusivamente para o Supremo Tribunal Administrativo, e por outro lado, admitia-se que a oposição de decisões entre a sentença recorrida pudesse ser com um acórdão de um tribunal superior pois expressamente se referia que a oposição poderia ser entre a sentença recorrida “com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.”.
Ou seja, o regime do recurso por oposição de julgados na redação dada pela Lei 118/2019, de 17/09, que é a aplicável ao caso dos autos, a oposição é exclusivamente entre sentenças de 1.ª instância, do mesmo ou outro tribunal tributário, porque o legislador eliminou do n.º 3, do art. 280.º do CPPT, a referência a “uma decisão de tribunal de hierarquia superior”.
Em suma, no regime jurídico atualmente vigente, o recurso por oposição de julgados apenas é admissível quando as decisões fundamento são sentenças de 1.ª instância, e já não decisões proferidas por tribunais superiores.
Assim sendo, importa concluir que o presente recurso não é admissível, pois a Recorrente indica como decisões fundamento, para as duas questões fundamentais de direito, o acórdão do TCAS de 11/04/2019, proc. n.º 2968/12.5BELRS, bem como o acórdão do STA de 09/04/2014, proc. 0341/13, e acórdão do STA de 10/07/2013, de proc. n.º 0341/13, acórdão do STA de 27/09/2017, proc. n.º 0377/17, acórdão do STA de 13/03/2019, proc. n.º 0447/13.2BEVIS 038/18, acórdão do TCAS de 17/03/2016, proc. n.º 09122/15, e acórdão do TCAN de 11/10/2017, proc. n.º 02934/09.8BEPRT. Ou seja, não se indicam três sentenças como exige o n.º 3, do art. 280.º do CPPT, pelo que o recurso não é admissível”.

Pelas razões expostas, chega-se precisamente à mesma conclusão de inadmissibilidade do recurso neste caso.

III – Decisão

Em face do exposto, rejeita-se o recurso interposto.

Custas pelo Recorrente, pelo mínimo, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Lisboa, 23 de junho de 2021


II.2 – De direito

Veio a ora Reclamante requerer que recaia acórdão sobre o despacho por que o Relator não admitiu o recurso que interpôs ao abrigo do disposto no artigo 280/3 do CPPT.

Nas alegações, o Reclamante não trás novos argumentos, mas apenas razões de discordância com o decidido.

Desde já diremos que não se vislumbram razões para alterar o despacho reclamado, e que transcrevemos supra em consonância, aliás, com a mais recente jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo Sul nos acórdãos de 2021.11.11, proferidos nos processos nº 51/19.1BEPDL e 52/19.0BEPDL, ainda inéditos, além das decisões já citadas no despacho.

Com efeito, mantém-se a convicção de que o recurso previsto no artigo 280/3 do CPPT só é admissível quando a decisão de que se recorre esteja em oposição com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário de 1ª instância e se invoquem unicamente questões de direito.

Em face do exposto, apreciadas as alegações da Recorrente, não vemos razão para alterar o decidido, quer quanto à decisão de inadmissibilidade do recurso, quer a respetiva fundamentação, pelo que se confirma, na íntegra, o despacho reclamado


III – Decisão

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da 2ª Subseção do Contencioso Tributário, em indeferir a presente Reclamação para a Conferência, mantendo-se a Decisão Sumária reclamada, proferida em 23 de junho de 2021.

Custas do incidente, pelo Reclamante, que decaiu, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Lisboa, 25 de novembro de 2021

Susana Barreto


Tânia Meireles da Cunha


Cristina Flora