Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04317/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/26/2013
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IRS. PROVEITOS E CUSTOS. QUANTIFICAÇÃO.
Sumário:1. Mesmo perante comprovada quebra dos deveres de declaração, documentação e colaboração do contribuinte, a lei pressupõe que a administração tributária/at continue a agir segundo a legalidade, porque não é o facto de aquele faltar ao cumprimento de privativos deveres que, por si só, a desonera de cumprir os seus.
2. Uma atuação segundo a legalidade implica, como regra de conduta, a orientação do procedimento de modo a atingir a verdade material, permitindo concretizar tributação segundo o rendimento real, ou seja, exige, entre o mais, a efetivação de operações corretivas que sejam adequadas a evitar a consumação de situações de flagrante injustiça para o contribuinte.
3. Na situação julganda, ao nível da quantificação da matéria tributável, que, em parte, suporta a liquidação impugnada, objetivamente, detecta-se o estabelecimento de um resultado irreal e injusto, derivado da circunstância de os intervenientes serviços da at, embora impelidos a tomar iniciativa de liquidar imposto, por virtude da falta de entrega da competente e anual declaração de rendimentos, pelos sujeitos passivos, terem fixado o montante de € 183.801,07, a título de rendimento sujeito à incidência de IRS, categoria C, correspondente à soma dos valores de proveitos inscritos, pelo impugnante marido, nas declarações periódicas de IVA, do mesmo ano de 2000, sem considerarem quaisquer custos inerentes ao exercício da atividade comercial/industrial em apreço.
4. Ao invés da perspectiva assumida no tribunal recorrido, o cerne do problema não reside na oportunidade e local apropriado para invocar e comprovar a assunção de custos inerentes à percepção de determinados ganhos. Verdadeiramente nuclear e decisivo, é compreender o sentido da atuação dos serviços da at, conformada pelo respeito de princípios gerais orientadores, que deve, na medida do possível, apontar na direção do alcance de resultados susceptíveis de se imporem por serem, intrinsecamente, justos, equitativos.
5. A ocorrida violação de lei, aliás, apresenta-se-nos imperdoável, na medida em que, estando a at, legalmente, autorizada a efetuar avaliação indireta, dispunha de um meio privilegiado, idóneo, de apurar custos, presumidamente, incorridos, enquanto necessários à geração dos proveitos, que aceitou serem os declarados para efeitos de IVA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I
A...e esposa B..., contribuintes n.ºs ...e ..., com os restantes sinais dos autos, impugnaram judicialmente liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, do ano de 2000.
No Tribunal Tributário de Lisboa, foi proferida sentença, julgando a impugnação totalmente improcedente, que os impugnantes visaram, com a interposição de recurso jurisdicional, cuja alegação integra as seguintes conclusões: «
1- A presente Impugnação foi deduzida atempadamente.
2- A quantia liquidada oficiosamente pela Administração Fiscal em sede de IRS, aos Recorrentes, referente ao exercício do ano 2000, foi efectuada ilegal, e, erroneamente, tendo apenas levado em consideração os elementos de receita/proventos, constantes das declarações entregues pelos Recorrentes, em sede de IVA, desse exercício, e não levou em conta para o efeito os elementos/valores destas constantes, em sede de custos/despesas/compras de material.
3- A presunção de rendimentos, efectuada pela AT, mercê da prova produzida pelos Recorrentes, e, até das próprias e simples declarações periódicas que em sede de IVA, referente ao ano 2000, os Recorrentes apresentaram, cede, por força destes elementos.
4- A Administração Fiscal, além dos valores das receitas que já possuía e, nos quais se baseou para liquidar o imposto em causa, também possuía todos os elementos referentes aos custos da respectiva actividade profissional do Recorrente, constantes das declarações que este entregou em sede de IVA, e nas quais se deveria ter também baseado para efectuar a liquidação do imposto referente ao exercício de 2000.
5- Os Recorrentes declararam custos da actividade/compras nesse ano, em sede de IVA, de €: 139.781,60,
6- Como tal, o imposto a liquidar relativamente aos Recorrentes, relativo ao ano de 2000, deverá ter como referência a rendimento bruto e real, dos Recorrentes, de apenas €: 44.020,07, que é a diferença entre os proveitos (€: 183.801,07), e os custos, e sobre este valor então, calcular-se o real imposto efectivamente a pagar.
7- Por outro lado, nesse mesmo ano os Recorrentes suportaram a título de despesas de saúde o valor de €: 2,407,06, devendo este valor também influir e contar para o real apuramento da matéria colectável.
8- É justamente com base no disposto nos artigos 59° n°s 1 e 2 do C.P.P.T e 65° n° 1 do CIRS, que o acto de liquidação efectuado pela Administração Fiscal deveria ter sido realizado, e, deve ser realizado, face à reclamação graciosa que eles deduziram atempadamente.
9- Constituindo obrigação da Administração Fiscal, nos termos do disposto no artº. 59° do C.P.P.T., tributar, de acordo com o rendimento real dos Recorrentes, tendo por base todos os elementos de que disponha ou venha a obter - e a AT dispunha, tanto dos elementos relativos aos proveitos, quer dos elementos relativos aos respectivos custos, constantes das declarações periódicas de IVA, referentes ao ano 2000, e deles não se utilizou, apenas tendo lançado mão de um deles - os das receitas - para mais considerando ainda, ter sido deduzida atempadamente, pelos ora Recorrentes, e pelo meio próprio, a devida reclamação, com todos os seus elementos, supra referidos.
10- Deveria a Administração Fiscal, ter procedido, de acordo com princípios de Justiça Tributária, e de Capacidade Tributária, o que, no caso não aconteceu.
11- Porquanto, o Contribuinte, que apenas ganhou €: 44.020,07, vai pagar €: 82.120,56, ou seja, vai pagar em sede de imposto, quase o dobro do que ganhou, o que não é legal, nem justo, e, nem constitucional.
12- Assim, a Administração Tributária, bem como o Tribunal à Quo, violaram o disposto nos art°s. 55°; 58°; 73°; 78° da LGT; o n° 1 do art°. 65° do CIRS; n° do art°. 59° do C.P.P.T., e, 104° n° 2; 107° n° 2, e 266° n° 2 da C.R.P.
13- E, no que tange à norma contida no n° 2 do art°. 66° do CIRS, é manifesto, que, a AT, no caso em apreço, interpretou-o como se fosse uma presunção inilidível, o que é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 104° n° 2 e 107° n° 2 da C.R.P., por violação clara, quer do princípio da capacidade contributiva, quer dos princípios da Igualdade e Justiça tributárias.
14- Para além do que, nos termos do disposto no art°. 73° da LGT, as presunções consagradas nas normas de incidência tributária, admitem sempre prova em contrário, o que foi, o que os ora Recorrentes fizeram, quando procederam à reclamação graciosa, e, posteriormente, até, à instauração da presente acção.
15- A AT, sendo conhecedora dos dois valores - o da facturação, e o das despesas, pelas respectivas declarações periódicas, de IVA, elaboradas pelos Recorrentes, apenas se serviu de um dos valores - o da facturação bruta - para apurar a matéria colectável, olvidando o das despesa, como se o valor destas, não interessassem para apuramento da matéria colectável, furtando-se assim, de forma injusta a uma mera operação aritmética de subtracção, e, não se coibindo de apresentar um resultado manifestamente injusto.
16- Pelo que, tendo sido omitido, pela AT, o dever de apreciar essa identificada questão, houve manifesta omissão de pronúncia, havendo assim, que, proceder à sua apreciação por ofensa do núcleo essencial do invocado princípio da capacidade contributiva, gerando assim, nulidade da decisão recorrida, nos termos do disposto no art°. 668° n° 1 al d), do C.P.C..
17- Acresce ainda, ser ilegal, e nula a decisão recorrida, por omissão de pronúncia, em virtude do Tribunal à Quo, se ter abstido de julgar o mérito do pedido, com fundamento em que a acção de impugnação não seria o meio próprio para tal, e antes devendo ser a acção administrativa especial, pelo que, nesse caso, deveria ter procedido à convolação da acção, visto em ambos os casos ter sido a mesma tempestivamente proposta.
18- Ora, o erro na forma do processo, é de conhecimento oficioso, nos termos do disposto nos artigos 199° e 202°, ambos do CPC, aplicáveis ao contencioso administrativo, (art. 97°, n° 2 do CPPT), pelo que, deverá deve o tribunal, oficiosamente, convolar o processo para a forma adequada, de acordo com o preceituado nos art°s. 52°; 97°, n° 3, da LGT e 98°, n° 4, do CPPT, se a tal nada obstar, como, é, na verdade, no caso concreto, sendo aqui a convolação do processo a forma de sanação de tal nulidade.
19- Tendo assim, se formado acto tácito de indeferimento, da reclamação apresentada pelos ora Recorrentes (art°. 106° do C.P.P.T.), ao final de seis meses, ou seja, em 23 de Junho de 2005, os ora Recorrentes intentaram a presente acção, em 27 de Julho de 2005, ou seja, cerca de l mês e três dias após o início do prazo para o efeito, ou seja, perfeitamente dentro dos 90 dias, que, para o efeito dispunham em sede de acção Administrativa especial.
20- Ou seja, ou se considera ter sido a Impugnação judicial, a forma certa do processo, e, nesse caso ocorrera nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, ou, então, a ser a Acção Administrativa especial, o procedimento correcto, deveria ter o Tribunal à Quo, convolado, neste tipo de acção, os presentes autos, v.g. art°. 98°, n° 1; 2 e 4 do C.P.P.T., sendo de convolar, por se mostrar tempestiva, a petição inicial de impugnação em petição de acção administrativa especial, por força do disposto nos art.°s 98°, n.° 4, do Código de Procedimento e Processo Tributário, 97°, n. 3, da Lei Geral Tributária, e 199°, n.° 1, do Código de Processo Civil, para apreciação do respectivo mérito, seguindo-se os demais termos até final.
21- Dispõe ainda, o n° 2 do art°. 45° da LGT que no caso em apreço, ou seja, de liquidação oficiosa de imposto pelos Serviços da Administração Fiscal, o prazo de caducidade do direito à liquidação do respectivo imposto por métodos indirectos, é de três anos apenas, e, contando-se tal prazo a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, ou seja, em concreto, a partir do final do ano de 2000, resulta claro que, na data em que foi elaborada e posteriormente notificada a liquidação do respectivo imposto aos ora Impugnantes, ou seja, Dezembro de 2004, já tinham passado quatro anos, e, por conseguinte, mais um ano do que aquele que a Lei prevê para que o respectivo imposto fosse liquidado, verificando-se a caducidade do respectivo direito à liquidação do respectivo imposto, este não é legalmente exigível, devendo ser anulada a respectiva liquidação.
22- Consequentemente a quantia devida efectivamente à Administração Fiscal pelos ora Recorrentes não é a que consta do acto de liquidação impugnado, mas a que resultar do apuramento supra indicado.
23 - E, não o tendo sido dessa forma, é a decisão recorrida, ilegal, e nula, devendo ser anulada, e substituído por uma outra que o contemple expressamente, nos termos supra expostos.

Pelo exposto, deve reparar-se o Agravo e, em
consequência, revogar-se a Decisão recorrida,
nos termos supra.
Decidindo nesta conformidade será feita
JUSTIÇA ! »
*
Não há registo de contra-alegação.
*
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido do não provimento do recurso.
*
Apostos os vistos de lei, compete conhecer.
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II
Mostra-se exarado, na sentença: «
FUNDAMENTAÇÃO
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Factos Provados
x
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a sua decisão:
1 - No ano de 2000, o impugnante A..., com o n.i.f. ..., estava colectado pelo exercício da actividade de comércio a retalho de material de bricolage, equipamento sanitário e ladrilho, CAE 052463, sendo sujeito passivo de l.R.S., rendimentos de categoria C, e, em sede de I.V.A., estando enquadrado no regime normal e trimestral, pertencendo à área do 4°. Serviço de Finanças de Loures (cfr. documento junto a fls.54 do apenso administrativo; cópia de relatório da inspecção tributária junta a fls. 26 a 30 do apenso administrativo; informação exarada a fls. 95 a 106 do apenso administrativo);
2 - Em 20/6/2000, realizou-se escritura de compra e venda no 22°. Cartório Notarial de Lisboa, através da qual os impugnantes, A...e esposa, B..., venderam a C...e esposa, pelo preço de € 149.639,37, o imóvel urbano sito na Rua ..., lote 32, Quinta da Areeira, freguesia e concelho de Loures, descrito na 1a. Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n°.2908 (cfr. cópia certificada da escritura de compra e venda junta a fls. 43 a 52 dos presentes autos);
3 - Durante o ano de 2000, os impugnantes exploraram um estabelecimento de venda, a retalho, de materiais de construção sito em Frielas, no concelho de Loures (cfr. depoimento das testemunhas arroladas pelos impugnantes constante de gravação áudio apensa aos presentes autos e que dos mesmos faz parte integrante);
4 - Relativamente ao ano de 2000, o impugnante A...apresentou junto da A. Fiscal as quatro declarações trimestrais de l.V.A. no âmbito das quais fez constar uma base tributável derivada do exercício da actividade identificada no n°. 1 no montante total de € 183.801,07 (cfr. documentos juntos a fls.4 a 7 do apenso de reclamação graciosa; cópia de relatório da inspecção tributária junta a fls. 26 a 30 do apenso administrativo);
5 - Os impugnantes não procederam à entrega, junto da A. Fiscal, da declaração de rendimentos de l.R.S. relativa ao ano de 2000 (cfr. informação exarada a fls. 95 a 106 do apenso administrativo; factualidade admitida pelos impugnantes na p.i.);
6 - Em 23/12/2003, o impugnante A...foi notificado pessoalmente no sentido de entregar, no prazo de quinze dias e no seu Serviço de Finanças, a declaração de rendimentos de l.R.S. relativa ao ano de 2000, mod.3, acompanhada do respectivo anexo G, tudo em virtude dos rendimentos auferidos com a realização da escritura identificada no n°. 2 supra (cfr. documentos juntos a fls. 88 a 90 do processo administrativo apenso);
7 - Em 6/10/2004, na sequência de acção de inspecção interna dos rendimentos auferidos pelo sujeito passivo A...derivados da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, a A. Fiscal elaborou relatório do qual constam, no que aos presentes autos interessa, as seguintes considerações (cfr. documentos juntos a fls. 26 a 30 do processo administrativo apenso):
a) que o sujeito passivo auferiu rendimentos da categoria G nos termos do art°. 10, n°. 1, al. a), do C.l.R.S., como tal sujeitos a tributação em l.R.S., calculando-se a mais valia fiscal derivada da venda do imóvel identificada no n°. 2 supra, no montante de € 6.779,69;
b) que o sujeito passivo exerceu no ano de 2000 a actividade de comércio a retalho de material de bricolage, equipamento sanitário e ladrilho, CAE 052463, tendo entregue as declarações periódicas de I.V.A. das quais fez constar uma base tributável no montante total de € 183.801,07 (cfr. documentos juntos a fls. 4 a 7 do apenso de reclamação graciosa; depoimento das testemunhas arroladas pelos impugnantes constante de gravação áudio apensa aos presentes autos e que dos mesmos faz parte integrante);
c) que tal actividade se consubstancia como rendimento sujeito a l.R.S., da categoria C, não tendo o sujeito passivo entregue a respectiva declaração de rendimentos, com o respectivo anexo B1, em consequência do que se deve fazer constar do rendimento sujeito a tributação em l.R.S. o aludido montante de € 183.801,07;
8 - Em 23/10/2004, o impugnante marido foi notificado de todo o conteúdo do relatório identificado no n°. 7 (cfr. documentos juntos a fls. 31 e 32 do processo administrativo apenso);
9 - Em 17/11/2004, com base no relatório identificado no n°. 7, os serviços da Administração Fiscal efectuaram a liquidação de I.R.S. n°. 2004 5004260300, relativa ao ano de 2000 e no montante total de € 82.120,56, já incluindo juros compensatórios, em virtude do apuramento de rendimento colectável na quantia de € 190.580,75, liquidação esta cuja data limite de pagamento foi fixada no pretérito dia 3/1/2005 e da qual surgem como sujeitos passivos os impugnantes (cfr. documento junto a fls. 9 dos presentes autos; informação exarada a fls. 95 a 106 do apenso administrativo);
10 - Em 15/12/2004, os impugnantes foram notificados da liquidação identificada no n°. 9, através de carta registada com a.r. (cfr. documento junto a fls. 9 dos presentes autos; documentos juntos a fls. 59 a 62 do apenso administrativo; informação exarada a fls. 95 a 106 do apenso administrativo; factualidade admitida pelos impugnantes na p.i.);
11 - Em 23/12/2004 deu entrada no 4°. Serviço de Finanças de Loures uma reclamação graciosa tendo por objecto a liquidação identificada no n°. 9 supra e sendo deduzida pelo impugnante marido (cfr. cópia da p.i. de reclamação graciosa junta a fls. 2 do apenso de reclamação graciosa);
12 - Em 29/7/2005, não tendo havido decisão da reclamação identificada no n°. 11, deu entrada no 4°. Serviço de Finanças de Loures a impugnação apresentada por A...e esposa, B..., a qual deu origem ao presente processo (cfr. carimbo de entrada aposto a fls. 1 dos presentes autos);
13 - Dá-se aqui por integralmente reproduzido o conteúdo dos documentos juntos a fls. 58 a 230 dos presentes autos.
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Factos não Provados
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Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação e objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
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Motivação da Decisão de Facto
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A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos e apensos constam, tal como nos depoimentos das testemunhas arroladas pelos impugnantes, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
Igualmente se levou em consideração os mecanismos de admissão de factualidade por parte dos impugnantes, enquanto espécie de prova passível de utilizar no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr. art°. 361, do C.Civil). »
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Uma vez que os Recorrentes/Rtes assacam (1) nulidade à sentença recorrida, por omissão de pronúncia, está, por, comum, precedência lógica, delimitada a inicial questão decidenda.
Quanto ao primeiro motivo, em que se esteia tal imputação, uma pretensa contaminação da decisão judicial por conduta omissiva da administração tributária/at, no âmbito do procedimento que conduziu à emissão da liquidação impugnada, onde deixou de apreciar questão referente à valoração de determinados custos no estabelecimento da matéria colectável, não procede, porquanto a versada sentença se pronunciou, explicitamente, sobre tal matéria, no tramo que passamos a reproduzir: « (…), sempre se dirá que não podem os recorrentes em sede de impugnação judicial vir alegar pretensos custos que não foram oportunamente invocados em sede de procedimento tributário para fixação da matéria tributável (relembre-se que foram notificados especificamente para o efeito e nada fizeram - cfr. n°. 6 da matéria de facto provada) e que, por isso, não foram objecto de decisão administrativa, pois o contencioso tributário, nesta sede, reveste a natureza de contencioso de anulação no âmbito do qual somente compete ao Tribunal sindicar a legalidade dos actos tributários e não substituir-se à A. Fiscal na fixação da matéria colectável dos recorrentes (cfr. ac. T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2002, proc. 5942/01). ». É certo que, desta forma de entender, resultou, na prática, também, a ausência de debruce, por parte do tribunal recorrido, sobre a identificada questão, envolvendo a consideração de custos, alegadamente incorridos. Porém, esse circunstancialismo pode vir a envolver a afirmação de erro de julgamento (vício substancial) e nunca de nulidade (vício formal), perpetrado pela sentença.
O segundo motivo, coligido pelos Rtes, apresenta-se-nos, total e completamente, incompreensível, pois, compulsada, na íntegra, a sentença recorrida, em parte alguma se encontra a apontada abstenção “de julgar o mérito do pedido, com fundamento em que a acção de impugnação não seria o meio próprio para tal, e antes devendo ser a acção administrativa especial, (…).”. Contudo, importa registar que, mesmo a ter ocorrido a invocada falta de iniciativa, do tribunal, na convolação processual, estaríamos, novamente, confrontados com a existência de um vício de natureza substancial, decorrente de errado julgamento relativamente a questão de conhecimento oficioso e, jamais, de nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (2).
Portanto, não é nula, a sentença recorrida.
A questão que, de seguida, se nos coloca, respeita ao tratamento, conferido pelo tribunal a quo, à invocada caducidade do direito à liquidação, aspecto que, na perspectiva dos Rtes, se encontra mal dirimido.
Sobre o assunto, expendeu-se na sentença: «
“In casu”, o impugnante chama à colação o art°. 45, n°. 2, da Lei Geral Tributária, o qual estabelece que o prazo de caducidade do direito à liquidação é somente de três anos nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo ou de utilização de métodos indirectos por motivo de aplicação à situação tributária do mesmo dos indicadores objectivos de actividade previstos na lei.
Ora, conforme resulta da matéria de facto provada, os impugnantes não apresentaram qualquer declaração de rendimentos de I.R.S. relativa ao ano de 2000, igualmente o acto tributário impugnado não se fundamentando na aplicação de métodos indirectos (cfr. n°s. 5 a 7 da matéria de facto provada), pelo que não é aplicável ao caso “sub judice” o prazo de três anos previsto na norma em análise, antes sendo de aplicar o prazo geral de quatro anos consagrado no art°. 45, n°. 1, da Lei Geral Tributária (cfr. ac. S.T.A.-2ª. Secção, 28/4/2010, rec. 1001/09). O prazo de caducidade de quatro anos teve o seu termo inicial a partir do final do ano de 2000, dado que o I.R.S. é um imposto periódico (cfr. art°. 45, n°. 4, da L.G.Tributária), portanto em 1/1/2001, e o termo final em 31/12/2004. Tendo a liquidação impugnada sido notificada aos recorrentes em 15/12/2004 (cfr. n°. 10 da matéria de facto provada), não operou a caducidade do direito à liquidação por estes defendida.
Face ao exposto, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente este fundamento da impugnação. »
Insistindo, os Rtes, no prazo de caducidade de três anos, por, exclusivo, motivo de utilização de métodos indiretos – conclusão 21, não têm razão, porque, objetivamente, o recurso a esta metodologia de modo algum envolveu a aplicação de “indicadores objectivos da actividade”, previstos na lei geral tributária (3), sendo, pois, como defendido no tribunal recorrido, aplicável o prazo geral de quatro anos, contado desde 31.12.2000, que não se encontrava completado, em 15.12.2004, quando os impugnantes foram notificados da liquidação objetada.
O terceiro motivo de crítica, do julgado, para os Rtes, reside no entendimento, sustentado pelo tribunal recorrido, quanto à verificação de vício, aduzido pelos impugnantes e afetante do ato tributário visado, de violação de lei decorrente de errónea quantificação da matéria tributável, segundo qual, em suma, nesta sede de impugnação judicial, não podiam ser alegados “pretensos custos”, que deixaram de ser, oportunamente, invocados no competente procedimento tributário, dado, apenas, competir ao julgador sindicar a legalidade e não substituir a at na tarefa de fixação da competente matéria colectável. Para aqueles, esta forma de entender é errada, por, em última instância, considerar proveitos e nenhuns custos, respeitantes à atividade comercial desenvolvida pelos impugnantes; aliás, constantes das mesmas declarações periódicas de IVA, que serviram de suporte, aos serviços da at, para fixarem os rendimentos, categoria C, sujeitos a IRS, no ano de 2000.
Contemporaneamente, deve entender-se que a qualquer tipo de atuação da at têm de presidir, de forma concertada, interativa, primados incontornáveis da disciplina jurídica global dos tributos, particularmente, os princípios da legalidade e da justiça (4), objetivando o melhor equilíbrio possível entre os respectivos domínios, de molde a obter um resultado justo, capaz de, por um lado, defender o interesse público da obtenção de receitas para satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades e, por outro, respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos. Assim, no que com este apelo se conecta, mesmo perante comprovada quebra dos deveres de declaração, documentação e colaboração do contribuinte, a lei pressupõe que a at continue a agir segundo a legalidade, porque não é o facto de aquele faltar ao cumprimento de privativos deveres que, por si só, a desonera de cumprir os seus. E uma atuação segundo a legalidade implica, como regra de conduta, a orientação do procedimento de modo a atingir a verdade material, permitindo concretizar tributação segundo o rendimento real, ou seja, exige, entre o mais, a efetivação de operações corretivas que sejam adequadas a evitar a consumação de situações de flagrante injustiça para o contribuinte.
Posto isto, na situação julganda, ao nível da quantificação da matéria tributável, que, em parte, suporta a liquidação impugnada, objetivamente, detecta-se o estabelecimento de um resultado irreal e injusto, derivado da circunstância de os intervenientes serviços da at, embora impelidos a tomar iniciativa de liquidar imposto, por virtude da falta de entrega da competente e anual declaração de rendimentos, pelos sujeitos passivos, terem fixado o montante de € 183.801,07, a título de rendimento sujeito à incidência de IRS, categoria C, correspondente à soma dos valores de proveitos inscritos, pelo impugnante marido, nas declarações periódicas de IVA, do mesmo ano de 2000, sem considerarem quaisquer custos inerentes ao exercício da atividade comercial/industrial em apreço. Por outras palavras, queremos significar e sustentar que, abrangendo o apuramento da matéria tributável, regra geral, a operação de valores referentes a proveitos e custos, podendo mesmo afirmar-se a irrealidade da existência dos primeiros sem os agentes económicos suportarem os segundos, uma vez chamada a exercer os poderes conferidos, por lei, nesta matéria, a at se encontra obrigada, vinculada, à procura e ativação de um meio de apurar custos, capazes de, razoavelmente, serem assumidos como geradores necessários dos proveitos fixados. De modo algum são sustentáveis, quanto à legalidade, situações, como a que nos ocupa, onde a matéria tributável firmada, pela at, só incorpora proveitos de uma atividade comercial/industrial.
Como decorre do exposto, ao invés da perspectiva assumida no tribunal recorrido, o cerne do problema não reside na oportunidade e local apropriado para invocar e comprovar a assunção de custos inerentes à percepção de determinados ganhos. Verdadeiramente nuclear e decisivo, é compreender o sentido da atuação dos serviços da at, conformada pelo respeito de princípios gerais orientadores, como os inicialmente coligidos, que deve, na medida do possível, apontar na direção do alcance de resultados susceptíveis de se imporem por serem, intrinsecamente, justos, equitativos.
Repercutindo a forma de entender que vimos de assumir, impõe-se afirmar a razão, dos Rtes, no reparo, dirigido à sentença recorrida, de haver incorrido em errado julgamento, quando não conclui que a at violou a lei ao promover quantificação da matéria tributável suportada, exclusivamente, em proveitos, sem abate de qualquer custo inerente, imprescindível, na parte relativa aos rendimentos da categoria C do IRS. Ademais, esta violação apresenta-se-nos imperdoável, na medida em que, estando a at, legalmente (5), autorizada a efetuar avaliação indireta, dispunha de um meio privilegiado, idóneo, de apurar custos, presumidamente, incorridos, enquanto necessários à geração dos proveitos, que aceitou serem os declarados para efeitos de IVA. Mesmo sendo, em tese, aceitável que não pudesse, como propõem os Rtes (6), relevar o montante referente aos “custos da actividade/compras”, do ano de 2000, em sede de IVA, a at não podia, sob pena de incongruência e insustentabilidade do resultado da quantificação, deixar de apurar e entrar em linha de conta com uma qualquer verba mínima de custos, habituais, comuns, no exercício do tipo de atividade comercial em causa.
Neste ponto, portanto, a sentença sob vistoria errou, pelo que, por ilegal, tem de ser rejeitada a correção do rendimento colectável, dos impugnantes, para o ano de 2000, quanto ao montante de € 183.801,07, referenciado no item 7 c) dos factos provados.
O afastamento desta correção, obviamente, em nada contende com a legitimidade e manutenção da que respeita à fixação de rendimentos da categoria G, do IRS, de 2000, relativos a mais valia fiscal, decorrente da venda, pelos impugnantes, de um imóvel, no valor de € 6.779,69 – cfr. ponto 7 a) dos factos provados. Por outro lado, subsistindo a liquidação impugnada na parte correspondente (imposto e juros) à identificada mais valia tributável, não há, contudo, lugar ao abate das “despesas de saúde”, mencionadas na conclusão 7, por, desde logo, estando em causa uma, potencial, dedução à colecta, enquanto benefício fiscal, importava, para poder ser reconhecida, constar da competente declaração anual de rendimentos, em cédula de IRS; documento cuja entrega os impugnantes omitiram.
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III
Ante o expendido, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se:
- conceder parcial provimento ao recurso;
- revogar a sentença recorrida, quanto à subsistência da correção do rendimento colectável, dos impugnantes, para o ano de 2000, pelo montante de € 183.801,07, respeitante a IRS, categoria C, e, na parte correspondente, anular a liquidação impugnada.
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Custas a cargo dos recorrentes e recorrida (Fazenda Pública), na proporção dos respectivos decaimentos; os primeiros em ambas as instâncias e a segunda somente na 1.ª instância.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 26 de fevereiro de 2013

ANÍBAL FERRAZ
EUGÉNIO SEQUEIRA
PEREIRA GAMEIRO


1- Conclusões 16 e 17.
2- Como vem sendo reconhecido, de forma constante, pela doutrina – cfr. Estudos sobre o Novo Processo Civil, de Miguel Teixeira de Sousa, ed. de 1966, Março/Julho, A. Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., pág. 686, e pela jurisprudência – v.g. Acórdãos STA de 27.10.1999, rec. 022554 e de 28.5.2003, rec. 01757/02, a falta de apreciação de eventual questão de conhecimento oficioso, que não foi colocada pelas partes, não integra omissão de pronúncia e por isso não gera a nulidade da decisão: em tal caso existirá apenas um error in judicando e não um error in procedendo.
3- Este é um dos casos específicos em que se pode efetuar avaliação indireta da matéria tributável – arts. 87.º n.º 1 al. c) e 89.º LGT, o único que, a par de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo, pode fazer funcionar o prazo, especial, de três anos de caducidade do direito à liquidação.
4- Afirmados no art. 55.º LGT e concretizados, pelo legislador ordinário, nos arts. 3.º e 6.º CPA/Código do Procedimento Administrativo.
5- Cfr. arts. 87.º n.º 1 al. b) e 88.º al. a) LGT.
6- Conclusão 5.