Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:248/04.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/08/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:SISA,
VALOR DE MERCADO,
PREÇO REAL DA TRANSACÇÃO,
ART. 57.º.
Sumário:Para que se possa dar como preenchido o requisito legal de existência de elementos fundados para suspeitar de que o valor sobre que incidiu a sisa é inferior ao preço real por que o imóvel foi transmitido para efeitos da avaliação nos termos do artigo 57.º do CIMSISSD é necessário que os elementos apurados pela AT sejam aptos à prova de que o preço real da transação foi superior ao declarado, o que se distingue da prova do preço de mercado que não se encontra abrangido pelo âmbito normativo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

J....., veio deduzir impugnação judicial do ato de liquidação adicional de sisa, no montante de 18.196,05€.

A Fazenda Pública vem recorrer contra a sentença que julgou procedente a impugnação judicial, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:
«i. Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a impugnação judicial, deduzida por J....., do acto de liquidação adicional do imposto de sisa, no montante global de €13.196,05.

ii. Dispunha à data o artigo 57.º do CIMSISSD, no seu parágrafo único que a autorização para avaliação de prédios inscritos na matriz só deverá ser concedida havendo elementos fundados para suspeitar que o valor sobre que incidiu ou incidiria a sisa é inferior em 100 contos, pelo menos, ao preço por que os bens foram transmitidos, salvo se, compreendendo a transmissão vários prédios, o contribuinte tiver contestado o valor de apenas alguns.

iii. Face a este preceito legal, a Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto e direito relevante nomeadamente dos pressupostos previstos no artigo 57.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações [doravante CIMSSD].
Se não, vejamos,

iv. Não existem dúvidas de que nos termos do artigo 57.º do CIMSISSD, o Chefe do Serviço de Finanças pode, no prazo de 180 dias a contar da liquidação, promover a avaliação dos bens transmitidos mediante previa autorização da Direcção Geral dos Impostos.

v. Neste seguimento e face ao valor declarado e às características do imóvel adquirido, foi solicitada informação aos Serviços de Inspecção Tributária a fim de aferir se existiam suspeitas fundadas de que o valor da transmissão é superior ao valor declarado para efeitos de liquidação de sisa.

vi. Face a este pedido constataram os serviços de Inspecção de que a referida moradia, construída em alvenaria se encontrava em bom estado, pois haviam decorrido obras de beneficiação em todo o prédio. Aferiram da sua localização, numa zona de moradias, bem localizada e com bons acessos e recolheram informações na publicidade em agências imobiliárias das proximidades, com as quais concluíram que os preços para as moradias idênticas na zona seriam superiores a €225.000,00.

vii. Face às informações recolhidas permitiram, pois, formar a convicção de que o valor real de transmissão teria sido bastante superior ao valor declarado, ou seja, face aos valores indicados e a ausência de motivos para preço inferior ao valor real (nomeadamente, arrendamento ou relações familiares), os requisitos previstos no artigo 57.º do CIMSISSD, estariam preenchidos.

viii. Entende a douta sentença que “que a autorização da avaliação impugnada nos presentes autos não enuncia quaisquer factos que, fundadamente, permitam suspeitar que o valor de compra declarado pelo Impugnante diverge do preço real de aquisição do imóvel.”

ix. Ora a informação junta aos autos a folhas 38 revela inequivocamente a existência de suspeitas fundadas nos factos apurados, nomeadamente, as características da vivenda, a área de construção, da garagem e da superfície descoberta, bem como os preços normais de imóveis semelhante e a ausência de factos que justifiquem preço de favor (comprador e vendedor eram estranhos). É ainda expressamente referido naquela informação que a vivenda sofreu obras de beneficiação, pelo que, essa informação terá igualmente sido considerada, elementos que, permitem concluir que o preço efectivo da transacção terá sido superior ao declarado.

x. Contudo entendeu a douta sentença que “o que ressalta do teor dessa fundamentação é que, com base em informações recolhidas na publicidade e junto de agências imobiliárias (…) sem que existam outros fundamentos sérios de que o preço declarado não corresponde efectivamente ao preço verdadeiro.”

xi. Com o devido respeito, mas o recurso a informações junto de agências imobiliárias, ou seja, informações obtidas junto de entidades especializadas, é mais uma informação que permite, em conjunto com os demais elementos, formar a convicção de que o valor real da transmissão foi muito superior ao valor declarado, isto é, o pressuposto da suspeita fundada a que se refere o artigo 57.º do CIMSISSD

xii. No mesmo sentido o Digno Magistrado do Ministério Público, pronunciou-se no sentido da improcedência da impugnação, com os fundamentos expressos a fls. 81 a 83 dos autos.

xiii. Atento ao exposto, afigura-se a liquidação efectuada em cumprimento das normas legais vigentes, pelo que, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de apreciação da prova, de erro de interpretação de lei, nomeadamente, do artigo 57.º do CIMSISSD.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossa Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo” assim se fazendo a costumada Justiça.»
***
O recorrido, devidamente notificado para o efeito, não contra-alegou.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pela recorrente Fazenda Pública nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir, consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao considerado que a liquidação de SISA impugnada viola o disposto no art. 57.º do CIMSISSD. Entende a recorrente que foram recolhidas suspeitas fundadas para a aplicação daquele preceito legal.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1 - Em 1 de Abril de 2003, o Impugnante compareceu no Serviço de Finanças de Cascais 2 e declarou que pretendia pagar a sisa devida pela compra do prédio urbano destinado a habitação, sito no lugar de Mato Largo, em Cascais, inscrito na matriz predial da freguesia da Parede sob o artigo n.º 2….., com o valor declarado de 100.000,00 Euros – cfr. termo de declaração da sisa n.º 57……/2003, a fls. 39 do PAT, que se dá por reproduzido;

2 - Em consequência da declaração referida no parágrafo anterior, foi liquidada sisa no valor de 2.908,08 Euros – cfr. liquidação da sisa n.º 57…/2003, a fls. 39 do PAT, que se dá por reproduzido;

3 - Em 30 de Junho de 2003, a Repartição de Finanças de Cascais 2 elaborou uma informação sobre a fiscalização externa à sisa n.º 57…./2003, liquidada em 1 de Abril de 2003, na qual conclui que se encontram verificados os pressupostos para promover a avaliação prevista no artigo 57.º do CIMSISSD – cfr. documento de fls. 36 a 38 do PAT, que se dá por reproduzido;

4 - Em 14 de Julho de 2003, por ofício com o n.º 1….., o Serviço de Finanças de Cascais 2 requereu ao Director de Finanças de Lisboa:


«autorização para promover a avaliação nos termos do artigo 57.º do C.I.M.S.S.D aos bens transmitidos constantes da sisa n.º 5…., paga em 2003.04.01 por J..... (...)

Conforme fotocópia da sisa e informação da Fiscalização anexas, verifica-se o seguinte:

1 – Valor presumível praticado na transacção .................. 225 000,00 Eur.
2 – Valor declarado ......................................................... 100 000,00 Eur.
3 – Valor patrimonial .......................................................... 8 809,93 Eur.
4 – Valor sobre que incidiu a liquidação ........................... 100 000,00 Eur.
5 – Diferença (entre 1-4) .................................................. 125 000,00 Eur.

Face aos elementos apurados considera-se fundamentada a suspeita que o valor sobre que incidiu a sisa é inferior a 125 000,00 Eur. ao preço porque o bem presumivelmente foi transaccionado.
(...)» – cfr. ofício de fls. 35 do PAT, que se dá por reproduzido;

5 - Em 28 de Julho de 2003, a Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Património e outros Impostos da Direcção de Finanças de Lisboa elaborou a informação n.º 1…../2003, com o seguinte teor:
«1 – Através do ofício n.º 1….., de 14-07-2003, vem o Chefe do Serviço de Finanças de Cascais 2 (Carcavelos) solicitar autorização para promover a avaliação nos termos do art.º 57.º do CIMSISSD, do prédio urbano destinado a habitação sito no lugar de Mato Largo, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Parede sob o artigo n.º 2….., referida no termo de sisa n.º 57…./2003, pago no Serviço de Cascais 2 (Carcavelos), em 01-04-2003, por J..... (...).
O preço sobre o qual incidiu a sisa foi o preço declarado de € 100.000,00.
2 – O prédio acima descrito é uma moradia composta de rés-do-chão (com duas divisões assoalhadas, cozinha, casa de banho e garagem) e 1.º andar (com quatro divisões assoalhadas e duas casas de banho).
3 – Da informação prestada pelo Serviço de Inspecção Tributária importa salientar:
3.1 – O prédio urbano, construído em alvenaria, tem cerca de 30 anos de construção, com uma área coberta de 88 m2, descoberta 287,5 m2, tem a garagem 10,5 m2, encontrando-se em bom estado de conservação, até porque decorrem obras de beneficiação em todo o prédio.
3.2 – O prédio situa-se numa zona de moradias, muito bem localizada e com bons acessos;
3.3 – Os preços praticados na zona para moradias de idêntica composição são superiores a € 225.000,00;
3.4 – Não se descobriram provas documentais que indiquem valores superiores ao valor declarado na escritura de compra e venda lavrada em 04 -04-2003;
3.5 – Das informações recolhidas na publicidade e em agências imobiliárias, verifica-se que as transacções de moradias com as mesmas características apontam para valores muito superiores ao declarado no termo de sisa;
3.6 – Não foram detectadas quaisquer condições especiais que tenham influenciado a transacção;
3.7 – O preço presumivelmente praticado na transacção rondará os € 225.000,00;
3.8 – Não existe qualquer relação entre os vendedores e os compradores.
4 – Perante aqueles valores, entendeu o Chefe do Serviço de Finanças solicitar autorização para promover a avaliação, nos termos do art. 57.º do CIMSISSD, tendo nomeado como louvado, nos termos do art. 93.º, § 1.º, do mesmo diploma, o perito distrital Sr. L......
5 – O preço sobre o qual incidiu a sisa é inferior em € 125.000,00, pelo menos, ao valor presumível praticado na transacção.
6 – O prazo de 180 dias para promover a avaliação termina em 28-09-2003» –
cfr. informação de fls. 43 e 44 do PAT, que se dá por reproduzido;

6 - Em 31 de Julho de 2003, a Chefe de Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Património e Outros Impostos da Direcção de Finanças de Lisboa apôs o seguinte despacho sobre a informação referida no parágrafo anterior:
«Do informado pelos serviços considero que se encontram reunidas as condições previstas no § único do art. 57.º do CIMSISSD.
Autorizo. Para Presidente da Comissão indico o perito Dr. I….. e confirmo também perito Eng.º L……» – cfr. despacho de fls. 43 do PAT, que se dá por reproduzido;

7 - Em 12 de Agosto de 2003, o Serviço de Finanças do Concelho de Cascais - Carcavelos autuou o processo para avaliação de bens nos termos do artigo 57.º do CIMSISSD, com o n.º …../2003, referente ao Impugnante – cfr. autuação de fls. 34 do PAT, que se dá por reproduzido;

8 - Por ofício de 18 de Agosto de 2003, recebido por terceiro em 20 de
Agosto seguinte, a Repartição de Finanças de Cascais 2 informou o Impugnante do despacho referido no parágrafo 6 acima, bem como para comparecer nesse Serviço de Finanças no prazo de oito dias para nomear o louvado da sua parte, sob pena de não o fazendo ser nomeado à revelia – cfr. ofício e aviso de recepção de fls. 45 e 46 do PAT, que se dão por reproduzidos;

9 - Em 27 de Agosto de 2003, o Impugnante designou como louvado o Senhor J….. – cfr. documento de fls. 47 do PAT, que se dá por reproduzido;

10 - Em 8 de Outubro de 2003, foi elaborado um termo de avaliação no
âmbito do processo identificado no parágrafo 8 acima, do qual resulta que o imóvel em causa foi avaliado no valor de 202.816,00 Euros – cfr. termo de avaliação de fls. 55 do PAT, que se dá por reproduzido;

11 - Em 27 de Outubro de 2003, o Serviço de Finanças de Cascais 2 emitiu a liquidação adicional de sisa n.º 57……, nos termos da qual o valor da sisa devida equivale a 20.281,60 Euros, que reduzida do valor da sisa paga pelo Impugnante na sequência do acto de liquidação identificado no parágrafo 2 acima, determinou um valor de sisa a pagar correspondente a 17.373,52 Euros, acrescido do imposto de selo no valor de 822,53 Euros – cfr. documento de fls. 57 do PAT, que se dá por reproduzido;

12 - Por ofício de 29 de Outubro de 2003, recebido por terceiro em 10 de Novembro de 2003, o Serviço de Finanças de Cascais 2 informou o Impugnante do seguinte:
«Fica V. Exa. notificado de que a avaliação efectuada nos termos dos Art. 57.º do C.I.M.Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, do prédio urbano sito no lugar e Mato Largo, freguesia da Parede, concelho de Cascais, inscrito na respectiva matriz predial sob o art. n.º 2….., a Comissão de Avaliação atribuiu o valor patrimonial de € 202 816,00.

Igualmente fica notificado(a) de que não concordando com o resultado da avaliação, poderá requerer, querendo, dentro do prazo de oito dias contados da data da assinatura do aviso de recepção desta carta, uma segunda avaliação nos termos do art. 96.º do Código da Sisa, nomeando para o efeito novo louvado.
Mais fica notificado(a) de que, conformando-se com o referido valor, deverá solicitar neste Serviço de Finanças, no prazo de 30 dias a contar da presente notificação, guias de pagamento para as importâncias de:
Imposto Municipal de Sisa (art.º 115.º n.º 4 do Código) ............ € 17 373,52 Imposto de Selo de verba (art.º 50.º , n.º 1 da Tabela) ..................... € 822,53 Total ..................................................................................... ........... € 18 196,05

Deverá ainda no prazo de 10 dias, solicitar guias para pagamento da importância de € 88,16, proveniente de salários e transportes contados no processo em epígrafe, assim como da importância de € 215,31, proveniente de custas.
Na falta de pagamento de qualquer das importâncias acima referidas, proceder- se-á à extracção de certidões de dívida para cobrança coerciva, nos termos do art.º 78 do Código do Procedimento e do Processo Tributário.
Mais se informa que, no prazo de 90 dias, poderá, querendo, impugnar a presente avaliação, mas somente com fundamento em preterição de formalidades legais, conforme previsto no Art. 134.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário» – cfr. ofício e aviso de recepção de fls. 59, 60 e 61 do PAT, que se dão por reproduzidos;

13 - O Impugnante não requereu a segunda avaliação patrimonial do imóvel adquirido – artigo 1.º da contestação e parágrafo 5 da secção A. da informação oficial de fls. 69 a 79 do PAT, que se dá por reproduzido, não impugnado pelo Impugnante (cfr. resposta à excepção de fls. 48 a 51 dos autos);

14 - Em 9 de Fevereiro de 2004, o Impugnante instaurou o presente processo de impugnação – cfr. carimbo de entrada no Serviço de Finanças de Cascais 2 a fls. 3 dos autos (suporte físico).
*
Dispõe o n.º 1 do artigo 134.º do CPPT que «[o]s actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade», e o n.º 7 que «[a] impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação».

No mesmo sentido, o artigo 86.º, n.os 1 e 2, da Lei Geral Tributária (doravante, “LGT”) dispõe que a avaliação directa é susceptível de impugnação contenciosa directa, a qual «depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».

Ora, o artigo 96.º do CIMSISSD, entretanto revogado, dispunha o seguinte:
«Se o contribuinte ou o chefe da repartição de finanças não concordarem com o resultado da avaliação, poderá ser requerida ou promovida, no prazo de oito dias contados da data da notificação, uma segunda avaliação, a efectuar por louvados diferentes, em número de três, sendo dois nomeados pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, um dos quais só terá voto de desempate, e o terceiro pelo contribuinte, seguindo-se, quanto ao mais, o estabelecido para a primeira avaliação».

É com este fundamento legal que se vem entendendo que é necessário ao interessado, como condição para que possa recorrer a juízo, provocar uma segunda avaliação, nisso consistindo o esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação para efeitos de liquidação da sisa. Deste modo, a primeira avaliação não seria um acto contenciosamente sindicável, aqui ecoando o princípio da exaustão dos meios graciosos [cfr., neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Novembro de 1999 (processo n.º 23912), de 21 de Junho de 2000 (processo n.º 24542) e de 2 de Abril de 2003 (processo n.º 2007/02), e Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 16 de Dezembro de 2004 (processo n.º 274/04), de 28 de Outubro de 2003 (processo n.º 5644/01), de 13 de Julho de 2016 (processo n.º 8571/15), disponíveis em www.dgsi.pt]

E esta necessidade de esgotamento dos meios administrativos previstos no procedimento de avaliação existe mesmo que a discordância do interessado com o acto de avaliação incida sobre matéria de direito, já que a lei não contempla qualquer limitação relativamente aos poderes de cognição das comissões competentes para proceder a essa avaliação [cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23 de Março de 2017 (processo n.º 1548/10.4BELRS), disponível em www.dgsi.pt].
Porém, a regra da insindicabilidade contenciosa directa do resultado da primeira avaliação patrimonial não tem aplicação quando o contribuinte não funde a impugnação judicial do acto de fixação do valor patrimonial resultante da primeira avaliação na errónea fixação desse valor. Como, aliás, decorre do elemento literal do artigo 96.º do CIMSISSD, ao dizer que quando o sujeito passivo ou o chefe da repartição de finanças «não concordarem com o resultado da avaliação, poderá ser requerida ou promovida, (...), uma segunda avaliação» (realce nosso) — assim evidenciando que é essa discordância com o valor patrimonial fixado que justifica o recurso ao mecanismo da segunda avaliação patrimonial.

Assim sendo, essas normas do artigo 86.º, n.º 2, da LGT e do artigo 134.º, n.º 7, do CPPT têm que ser interpretadas restritivamente, reconduzindo o seu alcance aos limites que decorrem da sua razão de ser. E, em consequência, a exigência de requerer a segunda avaliação como pressuposto da impugnação judicial do acto de avaliação deve ser afastada quando a impugnação não se basear numa discordância com esse valor, mas antes em fundamentos distintos. Desde logo, quando a causa de pedir dessa impugnação se traduza na falta de verificação dos pressupostos legais de que depende a realização da avaliação, já que nesse caso o que está em causa não é sequer o procedimento de avaliação com a sua índole tendencialmente técnica (e, por isso, entregue à competência de louvados), mas antes um procedimento autónomo, lógica e cronologicamente prévio, do qual resulta uma decisão (interna) de sujeitar ou não determinado imóvel a avaliação [cfr., neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de Julho de 1999 (processo n.º 13491) e de 6 de Novembro de 2002 (processo n.º 0968/02), disponíveis em www.dgsi.pt; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, volume II, 6.ª edição, 2011, p. 431]. E a mesma desnecessidade de recurso à segunda avaliação patrimonial justifica-se quando o fundamento do pedido impugnatório do acto de (primeira) avaliação assenta na falta de fundamentação do valor apurado, até porque, não estando a primeira avaliação fundamentada, o sujeito passivo pode inclusivamente estar impossibilitado de saber se o apuramento do valor enferma de alguma invalidade e se concorda ou não com ela [cfr., neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Abril de 2008 (processo n.º 04/2008), de 19 de Outubro de 2011 (processo n.º 0311/11) e de 15 de Janeiro de 2014 (processo nº 01101/13), disponíveis em www.dgsi.pt].
É insofismável que o segundo acto impugnado nos presentes autos é o acto de (primeira) avaliação do imóvel adquirido pelo Impugnante, resultante do termo de avaliação de 8 de Outubro de 2003, que justamente atribui ao imóvel o valor de 202.816,00 Euros (cfr. parágrafo 10. do probatório acima), notificado ao Impugnante pelo ofício de 29 de Outubro de 2003 (cfr. parágrafo 12 do elenco da matéria de facto provada). Aliás, está assente nos presentes autos que o Impugnante não requereu a segunda avaliação do mencionado imóvel, tendo intentado (directamente) a presente impugnação judicial (cfr. parágrafos 13 e 14 do probatório).

Lendo atentamente a petição inicial do Impugnante, verifica-se que ele (i) invoca a violação de formalidade legais na designação dos louvados e no tipo de avaliação realizada ao imóvel (cfr. artigos 22.º a 27.º da petição inicial) e (ii) sustenta que as condições do imóvel à data da transmissão eram distintas das existentes à data da avaliação, razão pela qual imputa erros de facto e de direito no apuramento do valor do imóvel cuja aquisição ficou sujeita a sisa em causa nos autos (cfr. artigos 31.º a 36.º da petição inicial). Mas (iii) alega igualmente que o acto de avaliação não indica os critérios que pautaram a avaliação, incorrendo em falta de fundamentação (cfr. artigos 28.º a 30.º da petição inicial), e (iv) imputa vícios ao próprio acto autorizativo da avaliação realizada pelo serviço de finanças competente, os quais contagiam potencialmente o acto de (primeira) avaliação impugnado nos autos e, atento o que se deixou dito atrás, devem ser conhecidos como causa de pedir do pedido impugnatório dirigido contra este acto de avaliação.

Face ao exposto, cabe concluir que o acto de primeira avaliação do imóvel não é, em bom rigor, inimpugnável, já que a realização de uma segunda avaliação do imóvel não opera como um pressuposto processual de todo e qualquer pedido impugnatório do acto de (primeira e única) avaliação patrimonial. E é justamente isso que ocorre no presente caso. Em relação às causas de pedir identificadas em (i) e (ii) do parágrafo acima, é indisputável que os artigos 86.º, n.os 1 e 2, da LGT, 134.º, n.º 7, do CPPT e 96.º do CIMSISSD impunham ao Impugnante que providenciasse com sucesso pela realização de uma segunda avaliação do imóvel, em momento prévio à propositura da presente impugnação judicial, sob pena de deixar consolidar o resultado da avaliação patrimonial inicial e única. Já em relação aos fundamentos identificados em (iii) e (iv) do parágrafo anterior, a prévia realização de uma segunda avaliação não constitui um pressuposto processual da impugnação do acto de (primeira e única) avaliação do imóvel.

E, por isso mesmo, não se verifica qualquer preclusão do direito de impugnar contenciosamente o segundo acto impugnado nos presentes autos − que é justamente a primeira e única avaliação do imóvel cuja aquisição deu lugar à liquidação de sisa sub judice. Está, porém, vedado a este tribunal conhecer dos vícios de violação de formalidade legais na designação dos louvados e no tipo de avaliação realizada ao imóvel, bem como dos erros de facto e de direito no apuramento do valor do imóvel, que (também) fundam esse pedido impugnatório, já que em relação a eles deveria o Impugnante ter requerido, com sucesso, a realização de uma segunda avaliação do imóvel.
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Não se verificam outras nulidades ou questões prévias que cumpra oficiosamente conhecer e obstem ao conhecimento do mérito do processo.

QUESTÕES A DECIDIR

Face ao teor dos articulados das partes e atentas as decisões que resultam da fase de saneamento, as questões que ao Tribunal cumpre solucionar nos termos do segmento final do n.º 1 do artigo 123.º do CPPT são as seguintes, ordenadas nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 124.º do mesmo Código:
Da verificação dos pressupostos de autorização de avaliação do imóvel e da violação do artigo 57.º do CIMSISSD;
Da (falta de) fundamentação do acto de primeira e única avaliação do imóvel.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com relevância para a decisão do mérito da causa, consideram-se provados os factos elencados acima para a decisão da excepção inominada de preclusão do direito de impugnar o acto de (primeira) avaliação do imóvel adquirido pelo Impugnante.
*
A decisão sobre a matéria de facto foi formada com base no exame dos documentos constantes dos autos, não impugnados, e do processo administrativo tributário anexo, bem como com fundamento nas posições assumidas pelas partes nos seus articulados e informações oficiais, tudo conforme discriminado nos vários parágrafos do probatório.
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Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, atenta a causa de pedir.

E não se vislumbram factos alegados que devam considerar-se como não provados e relevantes para a decisão da causa.»

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Com base na matéria de facto supra transcrita, a Meritíssima Juíza do TAF de Sintra julgou procedente a impugnação judicial e anulou a liquidação de SISA que surge na sequência de uma avaliação efectuada nos termos do art. 57.º do CIMSISSD.

Com efeito, é o seguinte o discurso fundamentador da sentença recorrida: “O Impugnante alega que inexistiam elementos fundados para suspeitar da existência de uma divergência entre o preço efectivamente pago no acto de aquisição do imóvel em causa nos autos e o preço declarado para efeitos de liquidação da sisa. Já que a autorização de avaliação patrimonial do imóvel fundou-se exclusivamente na localização do imóvel e na informação recolhida junto de agências imobiliárias sobre os valores praticados em transacções de imóveis com características idênticas – que, no entendimento do Impugnante, não constituem elementos válidos para efeitos do disposto no artigo 57.º do CIMSISSD.
A este respeito, o Representante da Fazenda Pública, por remissão para o teor da informação oficial da Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa, de fls. 69 a 79 do PAT, defende que, face às características da moradia, a área de construção, da garagem e da superfície descoberta, bem como face aos preços normais de imóveis semelhantes informados pelas agências imobiliárias da proximidade e tendo em conta a ausência de motivos (arrendamento, relações familiares ou outras condições especiais) que justificassem um preço inferior ao valor real, foi possível concluir, sem margem para dúvidas, que o preço efectivo da transacção terá sido superior ao declarado, estando preenchidos os requisitos de aplicação do regime do mencionado artigo 57.º do CIMSISSD.
Apreciando.
O artigo 57.º do CIMSISSD, na redacção introduzida pela Lei n.º 14/2003, de 30 de Maio, em vigor ao tempo da prática do acto autorizativo de avaliação do imóvel (cfr. parágrafo 10 do probatório) dispunha o seguinte:
«Dentro do prazo de 180 dias, a contar da liquidação ou do acto ou facto translativo dos bens, se a ela não houver lugar, poderá a Fazenda Nacional, representada pelo chefe da repartição de finanças, promover a avaliação dos bens transmitidos, mediante prévia autorização da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.
§ único. A autorização para avaliação de prédios inscritos na matriz só deverá ser concedida havendo elementos fundados para suspeitar que o valor sobre que incidiu ou incidiria a sisa é inferior em 100 contos, pelo menos, ao preço por que os bens foram transmitidos, salvo se, compreendendo a transmissão vários prédios, o contribuinte tiver contestado o valor de apenas alguns» (realce nosso).
A sisa era um imposto que incidia sobre as transacções onerosas de imóveis, sendo o respectivo valor determinado em função do preço efectivo da aquisição (artigo 19.º do CIMSISSD), irrelevando, para este efeito, o valor de mercado do prédio transaccionado. A este propósito, referem E. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, «o imposto de sisa está estruturado no sentido de tributar o dinheiro gasto na aquisição de imóveis, sendo o preço de aquisição que importa indagar ao solicitar-se autorização para a avaliação», e que, face ao teor do artigo 57.º do CIMSISSD, «o que releva para decidir sobre a autorização a conceder não é o valor real ou aproximados dos imóveis, que nem sempre é aquele pelo qual são transaccionados, mas sim o facto de o preço efectivo da transacção ter sido superior ao declarado» (cfr. Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações Anotado, 4.ª edição, comentário ao artigo 57.º, p. 544). Por isso mesmo, refere Vítor Faveiro, citado por Albano Alves Moreira, que na aplicação do critério que funda o uso da faculdade prevista no artigo 57.º do CIMSISSD «não basta o conhecimento de que o valor da coisa é superior ao preço. É necessário que se suspeite com sério fundamento de que o preço declarado não corresponde, efectivamente, ao preço verdadeiro» e, por isso mesmo, «para o uso do processo de avaliação aí previsto, os funcionários fiscais não poderão dar-se por satisfeitos com o pedido de avaliação feito com fundamento na divergência entre o preço declarado ou o resultado da matriz e o valor efectivo dos bens transmitidos. Se, nos termos do artigo 19.º, a sisa incide sobre o valor por que os bens foram transmitidos, é ao preço efectivo que o funcionário tem de reportar as suas investigações, para concluir que, na realidade, o valor por que os bens foram transmitidos é superior em 50 contos ao valor por que a sisa foi liquidada». (cfr. Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, Comentado e Anotado, 1963, comentário ao artigo 57.º, pp. 313 e 314).
Embora se admita que a determinação do valor de mercado dos bens transaccionados possa funcionar como indício que, conjuntamente com outros, alicerce a suspeita séria de divergência entre o preço real e o valor declarado, é certo que a avaliação a que se refere o artigo 57.º do CIMSISSD não deve ter lugar nas situações em que apenas se constatem divergências entre o preço declarado e o valor de mercado do bem vendido, mas antes naquelas em que, por outros motivos, a Administração Fiscal tenha sérias razões para suspeitar que o sujeito passivo não disse a verdade e que o preço declarado pelas partes não corresponde ao preço real do negócio (cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Setembro de 2013, processo n.º 1115/12, disponível em www.dgsi.pt).
No caso vertente, é a própria Administração Tributária que expressamente afirma inexistirem provas documentais que indiquem que o valor do negócio foi superior ao declarado na escritura de compra e venda (cfr. ponto 3.4. da informação que fundou o despacho de autorização da avaliação, transcrita no parágrafo 5 do probatório). Por outro lado, os pontos 3.1. e 3.2. da fundamentação do despacho autorizativo da avaliação fazem referência à área coberta e descoberta da moradia em causa, bem como à sua muito boa localização e bons acessos (cfr. parágrafo 5 do elenco da matéria de facto provada), mas trata-se de referências genéricas e descritivas, das quais a Administração tributária não extrai qualquer ilação, em termos que permitam qualificar essas informações como indícios fundadores de uma suspeita de divergência entre o preço real do negócio e o valor declarado para efeitos de liquidação da sisa.
O que ressalta do teor dessa fundamentação é que, com base em informações recolhidas na publicidade e junto de agências imobiliárias, o Serviço de Finanças verificou que o valor de mercado do imóvel em causa nos autos seria, em primeiro lugar, superior ao declarado e, em segundo lugar, essa divergência de valores seria presumivelmente de € 125.000 (cento e vinte e cinco mil euros), reunindo, por isso, os pressupostos previstos no artigo 57.º do CIMSISSD. Dito de outro modo: foram as informações sobre o valor do mercado do imóvel adquirido pelo Impugnante que determinaram a suspeita de divergência entre o preço real e o valor declarado, levando a Administração tributária a autorizar a avaliação do referido imóvel; sem que existam outros fundamentos sérios de que o preço declarado não corresponde efectivamente ao preço verdadeiro.
Assim sendo, considerando que, como se deixou dito atrás, o valor de mercado do imóvel não tem a virtualidade de, pelo menos exclusivamente, objectivar a fundada suspeita de discrepância entre o valor real de aquisição do imóvel e o valor declarado para efeitos de liquidação da sisa e ponderando ainda o carácter genérico, descritivo e igualmente não sustentado em factos das referências à área e localização do imóvel, resulta que a autorização da avaliação impugnada nos presentes autos não enuncia quaisquer factos que, fundadamente, permitam suspeitar que o valor de compra declarado pelo Impugnante diverge do preço real de aquisição do imóvel. E, portanto, a autorização dessa avaliação está ferida de invalidade por violação do disposto no parágrafo único do artigo 57.º do CIMSISSD; invalidade esta que contagia os actos subsequentes dos quais é pressuposto, rectius, o acto de fixação do valor patrimonial do imóvel e o acto de liquidação adicional da sisa, impugnados nos presentes autos. (…)”

A recorrente Fazenda Pública não concorda com o decidido, entende que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter considerado que a liquidação de SISA impugnada viola o disposto no art. 57.º do CIMSISSD. Entende a recorrente que foram recolhidas suspeitas fundadas para a aplicação daquele preceito legal.

Porém, sem razão.

Com efeito, não se verifica qualquer erro de julgamento de facto, nem de direito na medida em que é correta a valoração efetuada pela Meritíssima Juíza a quo dos indícios recolhidos pela AT, bem como o art. 57.º do CIMSISSD foi corretamente interpretado, em conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, e, por conseguinte, nenhum reparo há a fazer à sentença recorrida.

Efetivamente, desde logo, há que considerar o entendimento vertido no acórdão do STA de 11/09/2013, proc. n.º 1115/12, sobre a interpretação do disposto no art. 57.º do CIMSISSD, que aqui também sufragamos:

“I - Nos termos do art. 57º do CIMSISSD, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 115/84, de 5.04, a Fazenda Pública pode promover a avaliação de prédio transmitido por título oneroso, no prazo de 180 dias a contar da liquidação do imposto ou do facto translativo, se não houver liquidação, mediante prévia autorização do Director de Finanças, a conceder no caso de haver fundadas suspeitas de que o valor sobre que incidiu a sisa é inferior em 100 contos, pelo menos, ao preço por que os bens foram transmitidos.
II - No âmbito da sisa, a determinação do valor de mercado dos bens transaccionados era inócua para servir, de per si, como fundamento da suspeita séria de divergência entre o preço real e o declarado, e, por conseguinte, de fundamento para autorizar a avaliação.
III - A autorização a que se refere o § único, do art. 57º do CIMSISSD tem, sobretudo, relevância para efeitos internos de disciplina da actuação dos serviços de finanças, sendo, por isso, autonomamente irrecorrível. Porém, a sua legalidade pode ser sindicada no âmbito da impugnação da avaliação que, na sua sequência, venha a realizar-se, mormente se estiverem em causa os pressupostos determinantes dessa avaliação.
IV - Não enunciando a promoção/autorização de avaliação do prédio quaisquer factos que, fundadamente, permitam suspeitar que o preço declarado não corresponde ao preço real, tal autorização constitui acto ferido de ilegalidade, que atinge, inexoravelmente, o sequente acto de avaliação que, nesta circunstância, tem de ser anulado in totum.”

Portanto, como muito bem se entendeu na sentença recorrida, a avaliação a que se refere o artigo 57.º do CIMSISSD não se aplica às situações de mera divergências entre o preço declarado e o valor de mercado do bem vendido, mas antes naquelas em que, haja elementos fundados para suspeitar de que o valor sobre que incidiu a sisa é inferior ao preço real do negócio.

Ora, o dissídio assenta no entendimento da recorrente de que as informações que foram recolhidas permitiam formar a convicção de que o valor real de transmissão do imóvel em causa, teria sido bastante superior ao valor declarado pelo Impugnante, e assim, ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, existem fundadas suspeitas (conclusão VII, VIII). Mais salienta a recorrente que as informações obtidas junto de agências imobiliárias devem ser ponderadas juntamente com os demais elementos, permitindo formar a convicção de que o valor real da transmissão foi muito superior ao declarado (conclusão XI).

Ora, na sentença recorrida entendeu-se, e bem, que as informações recolhidas pela AT não são suficientes para sustentar a existência de fundadas suspeitas que permitissem a avaliação ao abrigo do disposto no artigo 57.º do CIMSISSD.

Efetivamente, analisada a informação vertida no ponto 5 do probatório, na qual assenta a liquidação impugnada, e ao contrário do que entende a recorrente Fazenda Pública, importa concluir que a sentença recorrida fez uma correta valoração dos elementos que constam da informação no sentido de que não foram recolhidos indícios consistentes de que o preço declarado não corresponde ao preço real do negócio.

Na verdade, são os seguintes os indícios recolhidos e vertidos na informação que consta do ponto 5 dos factos provados que passamos a analisar.
“2 – O prédio acima descrito é uma moradia composta de rés-do-chão (com duas divisões assoalhadas, cozinha, casa de banho e garagem) e 1.º andar (com quatro divisões assoalhadas e duas casas de banho).”
3 – Da informação prestada pelo Serviço de Inspecção Tributária importa salientar:
3.1 – O prédio urbano, construído em alvenaria, tem cerca de 30 anos de construção, com uma área coberta de 88 m2, descoberta 287,5 m2, tem a garagem 10,5 m2, encontrando-se em bom estado de conservação, até porque decorrem obras de beneficiação em todo o prédio.
3.2 – O prédio situa-se numa zona de moradias, muito bem localizada e com bons acessos;
3.3 – Os preços praticados na zona para moradias de idêntica composição são superiores a € 225.000,00;
3.4 – Não se descobriram provas documentais que indiquem valores superiores ao valor declarado na escritura de compra e venda lavrada em 04 -04-2003;
3.5 – Das informações recolhidas na publicidade e em agências imobiliárias, verifica-se que as transacções de moradias com as mesmas características apontam para valores muito superiores ao declarado no termo de sisa;
3.6 – Não foram detectadas quaisquer condições especiais que tenham influenciado a transacção;”

Ora, os elementos descritos poderão indiciar que o preço de transação do imóvel é inferior ao preço de mercado, como resulta, sobretudo, da conjugação dos pontos 3.1, 3.2, 3.3. e 3.5, mas de modo algum consubstanciam elementos fundados para suspeitar de que o valor sobre que incidiu a sisa é inferior ao preço real por que o imóvel foi transmitido, que permita a avaliação nos termos do artigo 57.º do CIMSISSD.

Como bem se salienta na sentença recorrida é a própria AT que afirma que “Não se descobriram provas documentais que indiquem valores superiores ao valor declarado na escritura de compra e venda lavrada em 04 -04-2003;” e assim sendo, não se vislumbra como poderão ser considerados elementos fundados factos que apenas dizem respeito ao valor de mercado, e não como se impunha, ao preço real da transação que implica uma análise de cariz subjetivo da transação, casuística e densificada, e não de cariz geral e abstrato do valor de mercado dos imóveis da zona.


Ou seja, a AT teria de ter ido mais longe na recolha dos elementos para que se possam qualificar como fundados para efeitos artigo 57.º do CIMSISSD, nomeadamente ter apurado indícios atinentes ao negócio realizado entre as partes, apurando elementos concretos da relação jurídica estabelecida entre o comprador ou do vendedor, se necessário através da recolha dos seus depoimentos e de terceiros, apontando divergências e/ou incongruências, analisando contratos-promessa que eventualmente existissem, levantando o sigilo bancário. Porém, tal não sucedeu, a AT satisfez-se com o circunstancialismo apurado que dizem respeito ao valor de mercado, o que é insuficiente para preenchimento do requisito do normativo em questão.

Em suma, conjugando todos os indícios apurados e que constam do ponto 5 dos factos provados, incluindo as informações obtidas junto de agências imobiliárias, importa concluir, como na sentença recorrida, que os mesmos são insuficientes para que se possa dar como preenchido o requisito legal de existência de elementos fundados para suspeitar de que o valor sobre que incidiu a sisa é inferior ao preço real por que o imóvel foi transmitido, que permita a avaliação nos termos do artigo 57.º do CIMSISSD.

Pelo exposto, improcedem todos os fundamentos do recurso.

Vencida na presente causa a Recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).
Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

Para que se possa dar como preenchido o requisito legal de existência de elementos fundados para suspeitar de que o valor sobre que incidiu a sisa é inferior ao preço real por que o imóvel foi transmitido para efeitos da avaliação nos termos do artigo 57.º do CIMSISSD é necessário que os elementos apurados pela AT sejam aptos à prova de que o preço real da transação foi superior ao declarado, o que se distingue da prova do preço de mercado que não se encontra abrangido pelo âmbito normativo.
III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 8 de outubro de 2020.

Cristina Flora

Tânia Meireles da Cunha

António Patkoczy