Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2707/06.0BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
114.º RGIT
PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário:
I-Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, deve entender-se que a infração depende da liquidação sempre que a determinação do tipo de infração ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida.

II-Tendo sido imputada infração à Arguida/Recorrente punida pelo artigo 114.º, nºs.1, 2, e 5, al.f), do RGIT, e estando a mesma dependente do apuramento do imposto em falta, já liquidado, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional tem de ser igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, nº.4, da LGT, é de quatro anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário;

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

S….., SA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente o recurso apresentado contra a decisão administrativa de aplicação da coima proferida no processo de contraordenação nº ……69 que correu termos no Serviço de Finanças de Lisboa …, pela prática da contraordenação prevista no artigo 96.º, nº1, alínea a), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), e punida pelos normativos 114.º, n.ºs 2, 5, alínea f) e 26º, nº4, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

1.               No âmbito do processo contra-ordenacional contra si instaurado, foi a Recorrente notificada da decisão de aplicação de uma coima, no montante de € 30.000, por alegada prática da contra-ordenação prevista no artigo 114.°, n.° 5 f) do RGIT.

2.               Por se encontrar eivada de nulidades, a notificação foi anulada pelos serviços que emitiram uma nova notificação a qual estabelece que, afinal, o acto de fixação da coima é de € 30.150.

3.               A aplicação da referida coima é, no entanto, ilegal por; i) se encontrar prescrito o respectivo procedimento; ii) falta dos elementos essenciais da ilicitude e da culpa para que os actos da Recorrente integrem a previsão normativa da contra-ordenação que lhe é imputada e, iii pela nulidade da decisão de aplicação da coima e da sua notificação.

4.               De facto, nos termos do disposto no art. 33.°, n.° 2 do RGIT, e 121° do CPP o prazo prescricional do processo de contra-ordenação já se completou.

5.               Em Setembro de 2004 a recorrente procedeu à entrega da declaração de limitação dos pagamentos por conta por ter entendido que não iria haver matéria colectável e consequentemente imposto devido a final nesse ano.

6.               A Recorrente pagou em Setembro de 2004 a importância de €180.572,78 a título de pagamento por conta do imposto devido a final referente a Julho de 2004, montante apurado, nos termos do disposto nos artigos 96.° e 97.° do Código do IRC.

7.               Nesse exercício a Recorrente veio a ser reembolsada do montante entregue a titulo de pagamento por conta.

8.               Assim não pode ser imputada à Recorrente conduta típica, ilícita e culposa susceptível de punição com coima.

9.               A arguida, ora recorrente, não cometeu a infracção por que foi condenada, pelo que deve, ser revogada a sentença recorrida, que assim o não entendeu.

10.            De acordo com o facto típico modelado pela alínea f) do n.° 5 do artigo 114.° do Regime Geral das Infracções Tributárias, para que a falta de pagamento por conta constitua infracção tributária punível de forma equiparável a «falta de entrega da prestação tributária», torna-se absolutamente necessária a existência de lucro tributável ao final do período do respectivo pagamento por conta.

11.O que não sucedeu nem o tribunal a quo relevou se teria sucedido.

12.A sentença em crise também é nula por falta de apreciação de factos imprescindíveis para o apuramento da existência da eventual infracção ou, no mínimo para graduação da coima. A saber o agravamento do imposto, a entrega de declaração de dispensa de pagamentos, a anulação de um acto por parte dos serviços de finanças que a sentença apreciou como se estivesse vigente na ordem jurídica.

13.A Recorrente agiu nos termos da lei, de acordo com os dados de que dispunha no período a que respeita o pagamento por conta alegadamente em falta.

14.Ademais, não houve prejuízo algum da receita fiscal que cabe ao Estado, visto ter sido adiantado o IRC que foi depois restituído.

15.Seria a Recorrente que teria direito a quaisquer juros por adiantamento indevido de imposto.

16. Ao aplicação de uma coima que tem por efeito o agravamento do limite máximo da coima aplicável é expressamente vedada para efeitos de aplicação da coima.

17.Termos em que, tudo visto e ponderado se conclui pela não verificação, no caso em apreço, de qualquer violação de um dever de pagamento por conta, a título de negligência, e consequentemente, a infracção em causa

18. Se assim não se entender, no que não se concede, deve, em qualquer caso, ser dispensado o pagamento da coima que venha, eventualmente, a ser aplicada, por se encontrarem preenchidos os respectivos pressupostos de dispensa, uma vez que, no caso dos autos, a alegada prática da infracção não ocasionou prejuízo efectivo à receita tributária, estando devidamente paga e, em face da factualidade assente na sentença recorrida, não poder ser assacada à Recorrente se não um diminuto grau de culpa.

Por conseguinte, tomando em consideração o exposto, o recurso deve ser julgado procedente, sendo revogada a decisão recorrida e, em consequência absolvida a Recorrente, anulando-se a decisão de fixação de coima, por nulidades insupríveis, inexistência da infracção e falta de imputação subjectiva da conduta, ou ser aplicada a dispensa de coima, nos termos do artigo 32.°, n.° 1, do RGIT; ou se assim não se entender, o que não se concede, uma coima especialmente atenuada, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 32.°, n.° 2, e 114.°, n.° 2, ambos do RGIT e 18.°, n.° 3, do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social.”


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A Recorrida apresentou contra-alegações nas quais formula as seguintes conclusões:

“1              A aplicação da coima não é ilegal por que o procedimento não se encontra prescrito.

2 - Por força do disposto no n° 3 do art° 28° do RGCO, aditado pela Lei n° 109/2001, de 24.12., aplicável subsidiariamente ( art° 3o al. b) do RGIT ) o prazo máximo de prescrição do procedimento contra-ordenacional tributário, no caso de ter havido interrupção desse mesmo prazo, como no caso sucedeu, por último com a notificação da decisão de aplicação da coima, é (ressalvado o tempo de suspensão ) de sete anos e meio;

3 - A recorrente foi acusada e sancionada por actos integradores da contra- ordenação que lhe foi imputada que se sucederam no tempo o último dos quais em 29.10.2005.

4 - Logo, não decorreu ainda o prazo de prescrição do procedimento.

5 - A sentença não omite factos essenciais para a imputação da ilicitude, nem dá como assentes factos irrelevantes para a decisão.

6 - A sentença contem todos os factos pertinentes à apreciação da ilicitude da conduta da recorrente.

7 - Na graduação da coima a sentença em causa atendeu aos dos critérios fixados no n° 1 do art° 27° RGIT, tendo ponderado todos os elementos a que o preceito citado manda atender, considerando a moldura abstracta da coima aplicável.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul apôs o seu visto.

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Colhidos os vistos dos Exmos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Consideram-se documentalmente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:

1.            Foi, em 26/07/2005, levantado o auto de notícia que constitui fls. 3 dos autos e aqui damos por integralmente reproduzido segundo o qual a Arguida não o pagamento por conta referente a Julho de 2004 no valor de €180.572,78 cuja data de cumprimento da obrigação havia ocorrido em 31/07/2004,

2.            A decisão de fixação da coima contém:

Descrição sumária dos factos - Ao (à) arguido(a) foi levantada o Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Imposto/Tributo; Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) 2-Valor da prestação tributária em falta €180.572,78 4. Período a que respeita a infracção: Julho de 2004 (1.º Pagamento por Conta) 5 Termo do prazo para cumprimento da infracção: 31/07/2004, os quais se dão como provados. Normas Infringidas e Punitivas: Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) indicado(s), punido(s) pelo(s) artigo(s) referido(s) no quadro e aprovado pela Lei n° 15/2001 de 05/07, constituindo contra ordenação(ões). Normas infringidas art° 96° n°1 al.a ) do CIRC - Falta da entrega do Pagamento por Conta. Normas Punitivas art.º 114° n° 2, 5 f) e 26° n° 4 do RGIT — Falta entrega de pagamento por conta. Período de tributação 200407; Data da infracção 2004-07-31. Responsabilidade contra-ordenacional - A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do facto do art° 7.º do Dec..Lei n° 433/82, de 27/10, aplicável por força do art° 3.º do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenação(ões) identificada(s) supra. Medida da Coima - Em abstracto, a medida da coima aplicável ao(s) arguido(s) em relação à(s) contra-ordenação(ões) praticada(s) tem como limite mínimo o valor de Eur. 30.000,00 e limite máximo o montante de Eur.30.000,00, dado tratar(em)-se de pessoas colectiva(s). Para a fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva d(s) contra-ordenaçoes(ões) praticada(s) para tendo importa ter presente e considerar o seguinte quadro (art° 27° do RGIT). Requisitos/Contribuintes S….. SA.,- Actos de Ocultação - Não;Benefício Económico - 0,00; Frequência da Prática — Acidental;- Negligência — Simples; Obrigação de não cometer infracção - Não; Situação económica e Financeira - Baixa; Tempo decorrido desde a prática da infracção <6 meses. DESPACHO — Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima de acordo com o disposto no art° 79° do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 30.150,00 cominada no(s) Art(s) 114° n° 1 e 26° n° 4, do RGIT, com respeito pelos limites do art.º 26° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas nos termos do n° 2 do Dec. Lei n° 29/98 de 11 de Fevereiro. Notifique-se o arguido nos lermos da presente decisão, juntando-se-lhe cópia, para, efectuar o pagamento da coima ou deduzir recurso judicial no prazo de 20 dias, sob pena de cobrança coerciva, advertindo-o de que vigora o Princípio de Proibição de “Reformatio in Pejus" (em caso de recurso não ê suscepttvel de agravamento, excepto se a situação económica efinanceira do infractor tiver melhorado deforma sensível). Lisboa, em 2005-09-06. ” (fl. 30 e 31 dos autos);


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Consta na decisão recorrida enquanto factualidade não provada o seguinte:
“Nada mais foi provado com interesse para a decisão a proferir.”

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A motivação da matéria de facto constante no despacho decisório é a seguinte:
“A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos.”

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Atento o disposto no artigo 431.º, al. a), do CPP, ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi artigo 3.º, al. b), do RGIT, são alteradas as redações dos pontos 1 e 2 do probatório, que passam a ter o seguinte teor:

1. A 26 de julho de 2005, o Diretor de Serviços de Cobrança, emitiu auto de notícia em que era identificado como “Sujeito Passivo Infrator”, a ora Recorrente “S….., SA”, por infração aos artigos 96.º, nº1, a) do CIRC, punidas pelos normativos 114.º, n.º 2, 5 f) e 26º, nº4, todos do RGIT, do qual se extrai, designadamente, o seguinte:

“(texto integral no original; imagem)”


(cfr. fls. 3 dos autos);
2. A 06 de setembro de 2005, o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa …, por delegação de competências do Diretor Distrital de Finanças de Lisboa, proferiu decisão administrativa de aplicação de coima no âmbito do processo de contraordenação nº …..69, com o seguinte teor:




“(texto integral no original; imagem)”


(cfr. fls. 30 e 31 dos autos);

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Ao abrigo do disposto nos artigos 428.º e 431.º, al. a), do CPP, ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi artigo 3.º, al. b), do RGIT, adita-se a seguinte matéria de facto:

3) Na sequência, do auto de notícia referido em 1., o Serviço de Finanças de Lisboa …, em 26 de julho de 2005, instaurou o processo contraordenacional n.º …..69 (cfr. autuação a fls.1-C dos autos);

4) De ofício do Serviço de Finanças de Lisboa …, datado de 27 de julho de 2005, endereçado para a “S….., SA”, recebido a 02 de agosto de 2005, foi a mesma notificada para exercer defesa no âmbito do processo de contraordenação nº …..69 (cfr. fls. 3 a 5 dos autos);

5) Na sequência da notificação referida na alínea antecedente, a “S….., SA” apresentou, a 4 de agosto de 2005, defesa com o seguinte teor:



“(texto integral no original; imagem)”


(cfr. fls. 3 dos autos);

6) A 16 de setembro de 2005, o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa …, expediu ofício com a epígrafe “Notificação artº 79.º nº2 RGIT” e com o seguinte teor:


“(texto integral no original; imagem)”


(cfr. fls. 20 dos autos);

7) Na sequência da notificação referida na alínea antecedente, a “S….., SA”, interpôs recurso junto do Serviço de Finanças Lisboa …, a 24 de outubro de 2005 (cfr. fls. 6 e 7 dos autos);

8) A 13 de julho de 2006, o funcionário do Serviço de Finanças Lisboa …, proferiu informação com o seguinte teor:
(cfr. fls. 26 dos autos);





9) Na mesma data, o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa …, proferiu despacho de concordância com a informação constante no número anterior e com o teor que se reproduz:

“ Concordo com a informação que antecede, pelo que anule-se o processado posterior à notificação, inclusive.

No concernente ao processo executivo nº …70 declaro nulo o título executivo, pelo que igualmente se declaram extintos os autos de execução fiscal.

Notifique-se o contribuinte do teor da presente informação e despacho”

(cfr. fls. 27 dos autos);

10) A 24 de julho de 2006, foi emitido ofício pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa …, com o seguinte teor:


(cfr. fls. 27 dos autos);

11) Na sequência da notificação do ofício constante do número anterior acompanhado da decisão administrativa de aplicação de coima referida em 2), a “S….., SA” apresentou a 17 de agosto de 2006, via carta registada, junto do Serviço de Finanças da Moita, recurso judicial referente à decisão administrativa de aplicação de coima referida em 2) (cfr. fls. 32 e 33 dos autos);

12) A Recorrente e o Ministério público foram notificados, o primeiro, por ofício datado de 27 de agosto de 2008, e o segundo, pessoalmente, a 1 de setembro de 2008 do despacho de admissão do presente recurso judicial (cfr. fls. 76, 77 e 84 dos autos);


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente o recurso interposto da decisão administrativa de aplicação de coima, proferida no âmbito do processo de contraordenação nº …..69.

Em ordem ao consignado no artigo 411.º, do CPP ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art.º 3.º, al. b), do RGIT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, apreciar se o procedimento contraordenacional se encontra prescrito, em caso negativo se a sentença é nula por omissão de pronúncia, e por falta de especificação de factos. Improcedendo as arguidas nulidades se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por não se encontrar preenchido o elemento do tipo constante no artigo 114.º do RGIT. Subsidiariamente, sendo caso disso, analisar-se-á a dispensa de aplicação de coima e, in fine, a atenuação especial de coima.

Apreciando.

Uma nota inicial para evidenciar que, regra geral, conhecem-se, preliminarmente, os vícios formais da sentença, existem, porém, derrogações a essa regra geral quando, designadamente, nos encontramos perante uma questão prévia que possa tornar inútil o seu conhecimento.

Com efeito, como doutrina Jorge Lopes de Sousa

[1] “(…)não é forçosamente prioritário o conhecimento das nulidades, a relação entre o seu conhecimento e o dos restantes vícios da sentença coloca-se em termos semelhantes àqueles em que deve ser equacionado o conhecimento de quaisquer vícios, o que viabiliza, assim, poder considerar prejudicado, quando ele se tornar inútil (art. 137.º do CPC), o conhecimento de nulidades na sequência de um juízo sobre a procedência ou improcedência da pretensão formulada no processo.”.

Ora, é precisamente uma situação dessas que sucede no caso vertente, visto que a Recorrente convoca a prescrição do procedimento contraordenacional, a qual configura uma causa extintiva que precede o conhecimento do mérito da causa, e que, a lograr provimento, torna inútil a apreciação de qualquer questão, mormente, a existência de eventuais nulidades da sentença[2].

Vejamos, então.

Cumpre, então, saber se já se completou o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional.

Comecemos por convocar o quadro jurídico que releva para o caso dos autos.

Conforme resulta do probatório a decisão da Autoridade Administrativa consubstancia-se na infração ao artigo 96.º, nº1, al. a) do CIRC e punida pelos normativos 114.º, n.º 2, 5, alínea f), e 26º, nº4, ambos do RGIT.

A norma punitiva do artigo 114.º, n.os 1, 2, e 5, alínea f) do RGIT, com a redação à data aplicável, dispunha o seguinte:

“1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.

2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido. (…).

5 - Para efeitos contraordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:

f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta.”

Estatuindo, por seu turno, o artigo 33.º, n.º 1, do RGIT, relativamente ao prazo de prescrição do procedimento contraordenacional:

 “[o] procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos”,

Mais dispondo o seu n.º 2 que:

“[o] prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.”(destaques e sublinhados nossos).

Sendo que nos termos do disposto no artigo 119.º do CP, aplicável por força do artigo 32.º do RGCOC, o prazo de prescrição corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.

Significa, então, que regra geral o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é de cinco anos, podendo ser encurtado para o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração dependa daquela liquidação.

Conforme doutrinam jorge lopes de sousa e manuel simas santos:

“A infração depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infração ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar o seu valor[3]”.

Entre os casos em que a existência da contraordenação depende da liquidação da prestação tributária encontramos precisamente o ilícito contraordenacional constante no artigo 114.º do RGIT[4].

Com efeito, tem entendido a Jurisprudência, na esteira de JORGE LOPES DE SOUSA, que, “[p]ara efeitos de aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, deve entender-se que a infracção depende da liquidação sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida (cfr., por todos o Acórdão deste STA de 28 Abril de 2010, rec. 0777/09) e que, sendo aplicável o prazo especial previsto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, o procedimento extingue-se logo que decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação da respectiva prestação tributária, pois que, de outro modo, não se asseguraria a coincidência de prazos que o legislador terá pretendido)”[5].

Em face do que vem sendo dito, sendo a infração que fundamentou a aplicação de coima à Recorrente punida pelo artigo 114.º, nºs.1, 2, e 5, al.f), do RGIT, estando dependente do apuramento do imposto em falta, já liquidado, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional tem de ser igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, nº.4, da LGT, é de quatro anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário[6].

Aplicando os aludidos conceitos ao caso dos autos, e tendo presente que a infração respeita ao período 200407, temos que o dies a quo, é o dia 31 de dezembro de 2004.

Significa isto que, aplicando o aludido prazo de prescrição ( 4 anos) e na hipótese de não ter ocorrido qualquer causa de interrupção ou suspensão, o procedimento contraordenacional prescreveria em 31 de dezembro de 2008.

Porém, na contagem do referido prazo de prescrição tem de ser ressalvado o tempo de interrupção e suspensão da prescrição.

De relevar, neste particular, que existindo causa de interrupção do prazo de prescrição o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, uma vez que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição (cfr. n.º 2 do artigo 121.º do CP ex vi artigo 32.º do RCGO, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT).

Por seu turno, a suspensão do prazo de prescrição impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou, ou seja o prazo de prescrição só volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão (cfr. n .° 6 do artigo 120.° do CP, ex vi artigo 32.º do RCGO, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT).

Atentemos, ora, nas causas de interrupção e suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional.

No concernente às causas de interrupção dispõe o artigo 28.º do RGCO que o prazo de prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se nos termos estabelecidos na lei geral, consignando de forma expressa que:
“1 - A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2 - Nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.
3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.”

Em matéria de suspensão da prescrição do procedimento por contraordenação, o normativo contido no artigo 27º-A do RGCO, aplicável ex vi artigo 33.º nº 3 do RGIT, estabelece o seguinte:

“1. A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:

a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;

b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa nos termos do artigo 40º;

c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.

2. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”

Por sua vez, a norma do artigo 33.º nº 3 do RGIT prevê causas específicas de suspensão do procedimento contraordenacional tributário consignando-se aí que a suspensão da prescrição se verifica também:
Ø -Por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º;
Ø -No caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento.

Visto o direito aplicável ao caso sub judice, façamos a competente transposição para a situação fática dos autos.

No caso vertente, são causas de interrupção as elencadas nos números 2, 3, 4, 6 e 10 do probatório, sendo que a última causa ocorreu em 24 de julho de 2006, com a notificação da decisão administrativa de aplicação de coima, após a supressão das reconhecidas irregularidades.

Relativamente às causas de suspensão, importa apenas considerar uma causa de suspensão, concretamente, a prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 27º-A, ou seja, a relativa aos presentes autos. Sendo certo que, quanto a esta última e em ordem ao consignado no citado artigo no seu nº2, tal causa de suspensão tem como limite máximo o prazo de 6 meses.

Concretizando.

Contado o prazo prescricional de quatro anos, a partir 24 de julho de 2006 e contemplando a aludida suspensão verifica-se que o prazo de prescrição consumou-se em 24 de janeiro de 2011.

De relevar, neste particular, que, in casu, não é necessário aplicar o prazo máximo supletivo de prescrição, acrescido de metade, ou seja, na presente situação de seis anos (4+2), uma vez que o prazo ordinário de quatro anos se completa primeiro que nessa última situação que só se completaria em 1 de julho de 2011[7].

Conclui-se, pois, à luz dos citados preceitos legais, que o procedimento contraordenacional se encontra integralmente prescrito.

Encontrando-se prescrito o procedimento contraordenacional relativo à infração objeto dos presentes autos, verifica-se exceção perentória que determina a extinção do procedimento contraordenacional e obsta à apreciação da matéria de fundo, procedendo a pretensão da Recorrente e ficando, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões.

No concernente a custas, declarado extinto o procedimento de contraordenação por prescrição, inexiste condenação da Arguida, não sendo, por isso, devidas custas processuais por esta. De relevar, outrossim, que não estando prevista, em situação alguma que o Ministério Público suporte as custas, dado ser entidade isenta do seu pagamento, e inexistindo norma no regime legal de custas aplicável em processo de contraordenação tributária que preceitue a condenação da Autoridade Tributária, a presente lide será sem custas, como se determinará no dispositivo[8].


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, e, em consequência, julgar extinto o processo de contraordenação nº …..69 por prescrição, e o oportuno arquivamento dos autos.

Sem Custas.

Registe. Notifique.


Lisboa, 24 de janeiro de 2020

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Tânia Meireles da cunha)


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[1] Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado Volume II 6.ª edição 2011 pág. 373- anotação18 ao artigo 125.º. Vide neste sentido Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 2528/11.8, de 13.12.2019
[2] Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no recurso nº 04847/11, de 15.11.2011
[3] in Regime Geral das Infrações Tributárias Anotado, 2.ª edição. 2003, pág. 283.
[4] Vide, Ob. Citada, p.258; por todos, Acórdão do STA, proferido no processo nº 0326/12, de 30.05.2012, e TCA Sul proferido no processo nº 241/13.0, de 13.09.2018, ambos referentes a uma situação de falta de entrega de prestação tributária-pagamento por conta.
[5] In Acórdão do STA, proferido no processo nº 0679/11.8 BEALM, de 30.04.2019.
[6] Vide, designadamente, Aresto do STA, proferido no processo nº 0777/09, de 28.04.2010.
[7] Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 0456/12, de 10.10.2012 e TCA Sul proferidos nos processos nºs 08986/15, 280/11, de 14.03.2016 e 14.11.2019, respetivamente.
[8] Vide, designadamente, Acórdãos do STA proferidos nos processos 01408/15, 01106/16 e 01355/17, datados de 24.02.2016,  23.11.2016 e 14.03.2018, respetivamente.