Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1545/21.4BELSB
Secção:JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:04/08/2022
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:CONFLITO
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ARTIGO 18º, Nº2 DO CPTA
Sumário:
Votação:DECISÃO SUMÁRIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
DECISÃO

I. RELATÓRIO

A Autora, G …………………………………….., inconformada com a sentença do Juízo comum do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, em que este se declarou territorialmente incompetente para julgar a acção administrativa que intentou contra a Ordem dos Advogados, vem, ao abrigo do disposto no artigo 105.º, n.º 4 do CPC, requerer a intervenção do Presidente deste Tribunal para dirimir a questão da competência territorial, concluindo a sua motivação do modo que segue:

a) A Reclamante, intentou em 06-09-2021 junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, acção contra a Ordem dos Advogados acção administrativa de condenação para a prática de acto devido - nomeação de patrono oficioso ao abrigo do deferido apoio judiciário da Segurança Social, no ………….. Setúbal, em 31-05-2016, para o processo de inventario por divórcio nº ……………………. do Tribunal de Comarca de Lisboa- Instância Central- 2.ª secção de Família e Menores de Almada- J2.) – com reporte à data de 16 de Outubro de 2020;

b) Cumulativamente requereu a nulidade dos despachos proferidos pela Ré (uma vez que não tem a mesma qualquer legitimidade legal ou competência funcional para proferir despachos cuja matéria decisória é da exclusiva competência da SS),

c) Apresentou ainda o pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais e o pagamento de custas processuais e dos honorários da mandatária – decorrente da responsabilidade civil extracontratual.

d) Para o efeito fundamentou a sua acção nos artigos 4.º .ºs 2 al. a) e c) 10.º n.º 2, 37.º n.º 1 al. b), 66.º, 67.º n.º 1 al. b) (1.ªa parte) do CPTA, e no que à questão da competência territorial invocou o art.º 22.º do CPTA.

e) Em sede de Contestação, a Ré – Ordem dos Advogados- invocou a excepção dilatória de incompetência territorial;

f) A Reclamante/Autora na sua Réplica, reitera que o Tribunal territorialmente competente é o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, isto estamos perante uma situação de cumulação de pedidos.

g) Ora se é certo que, numa primeira e incompleta análise, de acordo com disposto no artigo 16.º do CPTA o Tribunal territorialmente competente para conhecer dos pedidos de condenação para a prática de acto devido e demais pedidos de declaração de nulidade é o tribunal do domicílio do Autor, ou seja, Almada;

h) Também é certo que atendendo ao disposto no art.º 18.º do CPTA o Tribunal competente, para conhecer a matéria relacionada com a responsabilidade civil extracontratual é o Tribunal de Círculo de Lisboa.

i) Acresce ainda que estando perante uma situação de cumulação de pedidos o art.º 21.º CPTA confere a possibilidade de o Autor proceder à escolha do Tribunal territorialmente competente não responde à competência territorial para os presentes Autos;

j) Mas mais, a Autora na sua Réplica refere expressamente que há um familiar de um membro Dirigente da Ré – Ordem dos Advogados, em exercício de funções, no mesmo edifício do TAF de Almada, podendo, desnecessariamente, colocarem-se questões nada abonatórias/ conflitos de interesse para a Ré (entre outros).

k) Conclusos os autos entendeu a Mma Juiz “a quo” que, o tribunal territorialmente competente para conhecer do presente processo, é, de acordo com os supracitados artigos 16.º, n.º 1 e 18.º, n.º 2 do CPTA, e com as áreas de jurisdição dos tribunais administrativos definidas no mapa anexo ao Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de dezembro, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, o que determina a remessa oficiosa do processo ao tribunal competente (cf. artigo 14.º, n.º 1, do CPTA).

l) Não concorda a Reclamante com tal decisão.

m) S.m.o. a Mma Juiz “a quo” não valorizou, ou sequer esteve atenta ao facto de existir um laço familiar (cônjuges) entre um Juiz a exercer funções no mesmo edifício em que funciona o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, e o representante da Ré - Ordem dos Advogados.

n) Facto que é público e notório e não carecia de indicação dos nomes quer do Exm.º Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados o Sr. Professor Doutor Luis Menezes Leitão, quer da sua cônjuge a Exma Sra. Dra. Margarida Menezes Leitão, Juiz no Juiz 1 dos Juízos de Execução de Almada actualmente a exercer funções Juíza coordenadora do Juízo de execuções de Almada e do Juízo do trabalho de Almada, no mesmo edifício onde se encontra sediado o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.

o) Para estas situações – em que existem laços familiares entre um magistrado da circunscrição em que corre a acção e uma das partes dessa mesma acção, e para prevenir qualquer tipo de suspeita que possa abalar os princípios de imparcialidade e transparência da Justiça e dos Tribunais, entendeu o legislador no art.º 84.º do CPC que a acção deverá ser tramitada na circunscrição judicial cuja sede esteja a menor distância da sede daquela.

p) Ou seja, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

q) Assegurando-se/pugnando-se deste modo as garantias de isenção, imparcialidade e justiça das decisões.

r) Tais riscos, tem sérias e graves consequências no apuramento da verdade dos factos e na justa e devida decisão da causa, portanto são factores que não se podem desprezar ou ignorar nas decisões que há a tomar s) Não cuidou a Mma Juiz “a quo” analisar a Réplica, nomeadamente o que é referido no ponto 34.

t) Caso o tivesse feito, concluiria que atenta a disposição constantes´ no disposto no art.º 84.º do CPC, o Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, é o tribunal territorialmente competente para dar prosseguimento aos presentes autos.

u) Andou mal o Tribunal “ a quo” ao julgar-se territorialmente incompetente.

v) O tribunal territorialmente competente é o Tribunal de Círculo de Lisboa, atentas as normas constantes nos art.º 21.º e 22.º do CPTA, também o art.º84º do CPC, ex vi art.º1 do CPTA.

Peticionando a final que seja declarado como territorialmente competente o Tribunal de Círculo de Lisboa.

Notificada da reclamação interposta, a Ordem dos Advogados veio responder, terminando com o seguinte quadro conclusivo:

A. A Autora nos autos, por petição inicial apresentada em 06.09.2021, veio propor acção administrativa contra a Ré Ordem dos Advogados,

B. Aí tendo peticionado a apreciação de legalidade de acto praticado ou omitido pela Ré e consequente condenação na prática de acto devido, bem como a condenação da Ré no pagamento de quantia indemnizatória.

C. A Ré apresentou a sua defesa em 21.10.2021 e fls. 1012, tendo, desde logo apresentado a sua defesa tanto por impugnação, como por excepção, sendo certo que, por conta deste último exercício, expressamente invocou a incompetência territorial do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa,

D. Atento o facto, confessado na petição inicial, da Autora residir habitualmente em Almada, o que a Autor nunca negou.

E. Por requerimento com entrada nos autos electrónicos em 21.11.2021 e a fls. 1309, veio a Autora apresentar uma pretensa Réplica com mais de 400 (quatrocentos) artigos e instruída com diversa matéria nova e requerendo a produção de prova documental,

F. Atentando de tal exercício se mostrar como extravasando de forma manifesta o âmbito da admissão legal de apresentação do articulado referente à Réplica, bem como a impertinência da prova requerida para a boa decisão da causa e a inexistência de qualquer justificação para a apresentação extemporânea da mesma,

G. A Ré apresentou requerimento em 06.12.2021 a fls. 1393 requerendo, entre o mais, que fossem dados como não escritos, por não serem legalmente admitidos e conformarem prática processual nulo, os artigos a da pretensa Réplica dado que destinavam meramente a impugnar a impugnação aduzida pela Ré na sua Contestação,

H. Em 05.01.2022 e fls. 1402 dos autos o Tribunal reclamado proferiu Sentença, ainda que esta só tenha vindo a ser notificada às partes em

I. Por Requerimentos também de 05.01.2022, mas ulteriores à data em que a Sentença proferida, veio a Autora aduzir diversa prova documental sobre a qual o Tribunal nunca se havia pronunciado, designadamente, quanto à sua admissão.

J. Em 06.01.2022, não se conformando com a Sentença que reconheceu a incompetência relativa, em razão da conexão territorial com o litígio em causa, a Autora veio apresentar Reclamação da referida decisão,

K. Sem que, contudo, lhe caiba qualquer razão, de facto ou de direito, só se podendo ter a decisão ora reclamada como correcta e validamente sustentada, tanto de direito como de facto, condição, aliás, que o exercício da Autora não tem o condão de perigar.

Por um lado,

L. Porque resulta manifesto e incontrovertível que, no caso, a regra atinente à competência territorial é, precisamente e atentando nos pedidos vertidos pela Autora na petição inicial, a da residência habitual da Autora, cfr. art.º 16.º e n.º 1 do art.º 18.º do CPTA

M. Sendo certo que, nos termos do n.º 1 do art. 44.º do ETAF, a matéria que a Autora pretende ver apreciada sempre caberá na competência subsidiária dos tribunais administrativos de círculo,

N. Ao que acresce o facto de, nos termos do previsto no art.º 3.º DL n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, que define a sede, a organização e a área de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, concretizando o respectivo estatuto, e do mapa anexo a este diploma, o Tribunal competente in casu será sempre o tribunal administrativo de círculo de Almada, i.e., o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, com exclusão de qualquer outro.

O. Tal entendimento, acolhido pelo Tribunal ora reclamado na Sentença em apreciação, mostra-se de límpida correcção, não resultando, ainda assim, prejudicado pelo que fica invocado pela Autora na reclamação apresentada,

P. Por outro lado, a Reclamante, em manifesta oposição com a letra da lei, parece querer retirar da redacção do art.º 21.º do CPTA, que dispõe sobre os pedidos cumulados, a prerrogativa de escolher qualquer tribunal, independentemente da existência de qualquer elemento de conexão entre o litígio e a competência territorial do tribunal em apreço, como acontece no caso do TAC de Lisboa.

Q. Ora, tal não é legalmente admissível e, nem sequer, entra no escopo da previsão legal do art.º 21. do CPTA que pretende resolver as situações em que da cumulação de pedidos resulta mais do que um tribunal territorialmente competente para a apreciação do litígio, dado que, no caso, da cumulação de pedidos resulta unicamente como competente o tribunal da residência habitual da Autora.

R. Por fim, invoca ainda a Autora a aplicação do art.º 22.º do CPTA, para sustentar a competência territorial in casu do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, no entanto, e conforme referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha,
«Esta constitui uma disposição de salvaguarda para as hipóteses de nenhuma das regras de atribuição de competência territorial constantes dos artigos anteriores ser aplicável ao caso. Tratando-se de uma regra de competência residual, que só opera quando não seja possível aplicar qualquer das regras dos artigos anteriores, ela intervém quando não funcionem os critérios especiais dos artigos 17.º a 21.º, nem tão pouco o regime geral do artigo 16.º.» (negrito e sublinhado nossos)

S. Ora, não é esse, manifestamente diga-se, o caso nos autos, não havendo, por isso mesmo, lugar à aplicação do referido dispositivo de salvaguarda, na medida em que ambos os critérios aplicáveis, os constantes do art.º 16.º e n.º 1 do art.º 18.º do CPTA, apontam de forma clara e inequívoca como competente o Tribunal da residência habitual da Autora.

T. Pelo que, a Sentença mostra-se correcta e inequivocamente fundamentada, sendo certo que o invocado pela Autora quanto a este aspecto, e porque se limita a repisar fundamentação já apreciada, não se apresenta como susceptível de infirmar o a apreciação judiciosa do Tribunal reclamado.

Acresce que,

U. A Autora, ora Reclamante, veio, ainda no exercício de reclamação, invocar novo fundamento para sustentar a pretensão de ver o litígio apreciado pelo Tribunal Administrativo de Círculo.

V. Entende a Reclamante que, atendendo ao facto da cônjuge do actual titular do órgão da Ré referente ao Bastonário exercer funções como magistrada nos Juízos de Execução de Almada, no quais, aparentemente e alguma instância a Autora terá sido interveniente em litígio conduzido pela Exm.ª Magistrada em questão,

W. Não poderá, por isso mesmo, o presente thema decidendum ser colocado à apreciação do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, por assim o impor o disposto no art.º 84.º do CPC.

X. Ora, a falibilidade de tal raciocínio e a sua capciosidade ficam desde logo demonstrados à saciedade se se tiver em conta que a Autora, ora Reclamante, olvida o facto de, atenta a matéria em causa, ao presente litígio caber a apreciação por jurisdição distinta, autónoma e independente daquela onde a Exm.º Magistrada em causa exerce as suas funções, facto este que é do conhecimento pessoal da Reclamante, pois procedeu à propositura da presente acção na jurisdição correcta.

Y. Não se vislumbrado, desde logo, quais as preocupações de imparcialidade que a Reclamante pretende que sejam acauteladas, atenta a manifesta, absoluta e objectiva impossibilidade da Exm.ª Magistrada ter qualquer intervenção nos presentes autos.

Z. Por outro lado, e ainda atendendo no invocado, olvida, mais uma vez providencialmente, a Reclamante que propôs a presente acção contra a Ordem dos Advogados, pessoa colectiva de direito público, e não contra qualquer um dos titulares dos seus órgãos, facto este que, obviamente, também do conhecimento pessoal da Reclamante,

AA. Pelo que, nunca a situação concreta terá cabimento no referido articulado e na hipótese legal em referência, na medida em que não se trata de acção em seja parte o juiz, seu cônjuge ou parente.

BB. Ora, tendo em conta que, no caso é inequivocamente competente para a apreciação do presente litígio o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, sempre se deverá referir que, em qualquer caso, na circunscrição deste Tribunal há mais do que um juiz,

CC. Facto que, só por si e desde logo, impõe que não seja aplicado qualquer um dos n.ºs 1, 2 e 3 do art.º 84.º do CPC.

DD. Não existe, por isso mesmo e de forma evidente, qualquer fundamento que impeça que o presente litígio seja apreciado pelo Tribunal territorialmente competente, sendo certo que, em qualquer caso, este sempre será o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.

Interessa ainda,

EE. Atento não só o facto da Reclamante, por um lado, apresentar reclamação manifestamente infundada e, por outro lado, vir aduzir novos factos, que na verdade não passam de lucubrações insidiosas e destituídas de qualquer fundamento de facto e de direito, apenas nesta sede apesar de confessadamente ter conhecimento dos mesmos à data da propositura da petição inicial,

FF. Mas relevando o todo o comportamento processual da Autora, ora reclamante, proceder ao juízo de apreciação deste para concluir que o mesmo deverá ser punido, por se mostrar como tendo cabimento no instituto da litigância de má fé,

GG. Pois, a Autora tinha, desde logo, conhecimento pessoal de que havia proposto acção no contexto da jurisdição administrativa e fiscal e não na jurisdição judicial,

HH. Sendo certo que, também era do seu conhecimento que a Exm.ª Magistrada que nomeia como fundamentado o pedido deduzido á luz do art.º 84.º do CPC exerce funções na jurisdição judicial, estando, por isso, absoluta e objectivamente impedida de ter qualquer intervenção nos presentes autos.

II. Sabia, por também ser do seu conhecimento pessoal, ainda a Reclamante que havia proposto a presente acção contra a Ordem dos Advogados, associação profissional, dotada de personalidade jurídica própria e que integra a denominada administração autónoma e não contra a pessoa de qualquer um dos titulares dos seus órgãos,

JJ. Estando, por isso, em causa interesses próprios da Ordem dos Advogados e não quaisquer interesses pessoais dos titulares dos seus órgãos.

KK. Conhecia também, conforme resulta confessado pela Reclamante, toda a factualidade que apenas agora aduziu e que não se pode dar como anteriormente invocada por mera insinuação inconcretizada num artigo da pretensa Réplica apresentada pela Autora nos autos.

LL. Ora, acrescentando-se a tudo isso uma actuação processual muito para lá do meramente temerário, de que são exemplo a apresentação de uma Réplica com mais de 400 (quatrocentos) artigos, dos quais mais de ¾ não têm qualquer cabimento legal, bem como a junção aos autos de documentos supervenientes já depois de proferida Sentença e sem que o Tribunal, depois da expressa oposição da Ré à admissão da junção dos mesmos, alguma vez se tenha pronunciado sobre a sua admissibilidade,

MM. Deverá, de forma clara e evidente, ser condenada em multa por litigância de má fé, bem como, a indemnizar a Ré pelos custos que para si advieram da litigância protagonizada pela ora Reclamante.

NN. Assim sendo, como é, sempre estará a Reclamação apresentada e a que se responde, conforme já ficou supra mencionado, fatalmente votada ao insucesso por carecer em absoluto e de forma manifesta de qualquer fundamento que a sustente.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Ex.ª certamente suprirá, deverá o intento da Reclamante ser considerado como improcedente in totum, por não provado,



I. 1. Questões a apreciar e decidir:

A questão colocada na presente reclamação consiste em saber qual o tribunal territorialmente competente para apreciar e decidir a presente acção administrativa: se o Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, tal como defende a ora Reclamante, ou o Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, como foi entendido na sentença reclamada.



II. Fundamentação

II.1. De facto

Com relevo para a apreciação da reclamação emergem dos autos as seguintes ocorrências processuais:

A. Em 6.09.2021 a Autora, G …………………., com residência na Rua ……….., nº 22, …………….. C……………………., Almada, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa uma acção administrativa contra a Ordem dos Advogados, na qual formula os seguintes pedidos:

“1. Condenar a Ré, Ordem dos Advogados, nos termos do disposto no art.º 67.º n.º 1 al. b) do CPTA, a proceder à nomeação de Patrono à Autora; reportando tais efeitos à data de 16-10-2020 (ao abrigo do DEFERIDO apoio judiciário da SS nº ……………………… no âmbito do processo de inventário por divórcio nº …………………………., cujos termos correm no Tribunal da Comarca de Lisboa – Juízo de Família e Menores de Almada – Juiz 2, em prazo não superior a 5 dias a contar da data da prolação de Sentença transitada em julgado.
Cumulativamente e nos termos do disposto no art.º 4.º n.º 2 als. c) e a)
2. Declarar nulo e sem qualquer efeito nos termos do disposto dos art.º 152.º, 153.º, 161.º e 162.º do C.P.A.:
a. os despachos de ARQUIVAMENTO proferidos pela Ordem dos Advogados constantes nos autos do Processo de Inventário por divórcio nº ………………………, com data de 16/10/2020 (refª Citius nº 27419363); e no Oficio ……………, de 04/03/2021, e no Ofício ……………….. de 23/03/2021, por ser ilegítimos e estarem em manifesta violaçãoda lei, nomeadamente art.ºs 1.º, 2.º e art.º 30.º n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007 de 28 de Agosto, e art.º 20.º da CRP.
b. Os despachos constantes nos ofícios …………….. de 22/04/2021 e …………….. de 14/06/2021 de por manifesta violação da lei e falta de compreensibilidade, pois o seu conteúdo não é suscetível de compreensão racional, é vago e ininteligível, o que conduz à falta de fundamentação, violando o disposto nos art.º 152.º 153.º do C.P.A. e 268.º da Constituição da República Portuguesa.
3. Condenar a Ré nos termos do disposto no art.º 567.º do Código Civil ao pagamento de todos os danos patrimoniais, danos emergentes e lucros cessantes cujo valor será fixado em execução de Sentença, mas em quantia nunca inferior a 400.000,00€ (quatrocentos mil euros), onde se inclui:
a. Créditos da Autora sobre o património comum, que rondam o montante de 100.000,00€ (cem mil euros) – créditos, esses, que se podem tornar incobráveis.
b. Créditos que são devidos à aqui Autora pelo CC no processo de inventário por divórcio que rondam o montante de 300.000,00€ (trezentos mil euros) – créditos, esses, que se podem tornar incobráveis.
c. Valor a que a Autora foi condenada a título de multa por se ter dirigido ao Tribunal no valor 1 UC.
4. Condenar a Ré ao pagamento de todas as demais despesas e prejuízos que decorram da situação gerada pela O.A, a apurar concretamente em sede de sentença nos presentes autos, entre as quais:
a) O pagamento de todas as rendas de aluguer de imóvel semelhante à casa de morada de família da Autora (a título de lucros cessantes) – durante o lapso temporal que decorra desde a alienação ilícita do imóvel da V.27 da RB e o final das partilhas no processo de inventário;
b) O pagamento do prejuízo causado à aqui Autora, a apurar, decorrente da venda ilícita e indevida do imóvel da V.27, por valores inferiores aos praticados no mercado à data da verificação do facto.
5. Condenar a Ré ao pagamento de todos os custos da presente ação que não esteja coberto pelo pedido de apoio judiciário, nomeadamente pagamento de honorários com o mandatário,
6. Condenar a Ré ao pagamento de todos os danos não patrimoniais cujo valor será fixado em execução de Sentença, mas em quantia nunca inferior a 50.000,00€ (duzentos e cinquenta mil euros),

7. Aos montantes ora peticionados deverão acrescer juros de mora e juros compulsórios, vencidos e vincendos, à taxa legal desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento.”».

B. Na contestação apresentada, a Entidade Demanda suscitou a excepção dilatória inominada da impropriedade do meio processual utilizado, a incompetência territorial do tribunal e da caducidade do direito de acção.

C. Por decisão de 05.01.2021 o Juízo Administrativo Comum do TAC de Lisboa declarou-se territorialmente incompetente para conhecer da presente acção administrativa, atribuindo essa competência ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.

D. Em 20.01.2022, a Autora, veio apresentar o requerimento de reclamação dirigido ao Presidente deste TCAS.



II.2. DE DIREITO

Como é entendimento generalizado da Jurisprudência dos Tribunais Superiores e da Doutrina, a competência do tribunal “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)” (…) A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor compreendidos aí os respectivos fundamentos, não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão” (cfr. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 91; por todos, o acórdão do Tribunal de Conflitos de 4.07.2006, proc. n.º 11/2006).

Nos termos do artigo 13.º do CPTA [o] âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”.

Por sua vez, dispõe o n.º 1 do artigo 5.º do ETAF que “a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente. E as regras sobre a distribuição da competência territorial constam do CPTA, concretamente dos artigos 16.º a 22.º.

A regra geral em matéria de competência territorial encontra-se prevista no artigo 16º do CPTA, no qual se estatui, no seu n.º 1, que: “[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes e das soluções que resultem da distribuição das competências em função da hierarquia, os processos, em primeira instância, são intentados no tribunal da residência habitual ou da sede do autor.”

Os processos são, em princípio e em primeira instância, intentados no tribunal da residência habitual ou sede do Autor ou da maioria dos Autores, visando de tal modo favorecer-se os particulares que, não raras vezes, têm a seu cargo a iniciativa processual. No entanto, esta regra geral comporta várias excepções que são enumeradas nos artigos 17.º a 22.º do CPTA.

Vejamos a situação em apreço.

A decisão recorrida adoptou o seguinte discurso fundamentador, o qual se transcreve na parte relevante:

“(…)

A Autora instaurou a presente ação administrativa, peticionando a condenação da Entidade Demandada a dar cumprimento ao ato de deferimento de concessão de Apoio Judiciário na modalidade de nomeação de patrono. Cumulativamente, peticiona que sejam declarando nulos os atos que identifica, designadamente, o de arquivamento do pedido de nomeação de patrono e que a Entidade Demandada seja condenada a ressarcir os danos decorrentes das “recusas de proceder à nomeação de Patrono” (responsabilidade civil extracontratual).

De acordo com as regras atributivas de competência territorial, estabelecidas nos artigos 16.º e seguintes, do CPTA, a competência, em razão do território, dos tribunais administrativos em primeira instância para conhecer os processos respeitantes à prática (ou omissão) de atos administrativos é determinada por aplicação da regra estabelecida no artigo 16.º, exceto quando estejam em causa atos administrativos sobre bens imóveis (artigo 17.º), pretensões em matéria de responsabilidade civil extracontratual (artigo 18.º), ou quando o autor do ato seja uma das entidades referidas nos n.ºs 1 e 2, do artigo 20.º, ou seja, quando esteja em causa a prática (ou omissão) de atos administrativos das Regiões Autónomas, das autarquias locais, assim como entidades por elas instituídas, e das pessoas coletivas de utilidade pública.

No presente caso, foram deduzidos vários pedidos, pelo que, há que atender, também, ao disposto no artigo 21.º do CPTA, que no seu n.º 2 prevê o seguinte: “Quando forem cumulados pedidos para cuja apreciação sejam territorialmente competentes diversos tribunais, o autor pode escolher qualquer deles para a propositura da ação, mas se a cumulação disser respeito a pedidos entre os quais haja uma relação de dependência ou de subsidiariedade, a ação deve ser proposta no tribunal competente para apreciar o pedido principal.”

Ora, pese embora tenham sido deduzidos vários pedidos, constata-se que, para a apreciação dos mesmos se afigura ser competente o mesmo tribunal (artigos 16.º e 18.º, n.º 2 do CPTA).

Com efeito, estabelece o n.º 1 do artigo 16.º do CPTA, o seguinte:

“Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes e das soluções que resultem da distribuição das competências em função da hierarquia, os processos são intentados no tribunal da residência habitual ou da sede do autor.”

Por sua vez, dispõe o n.º 2 do artigo 18.º que “Quando o facto constitutivo de responsabilidade seja a prática ou a omissão de um ato administrativo ou de uma norma, a pretensão é deduzida no tribunal competente para se pronunciar sobre a legalidade da atuação ou da omissão.”

Resulta dos autos que a residência da Autora se localiza no concelho de Almada.

(…)”.

No caso dos autos não restam dúvidas de que a pretensão da Autora visa a condenação da Entidade Demandada a dar cumprimento ao acto de deferimento da concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono oficioso, pedido que lhe foi deferido pelos serviços do Instituto da Segurança Social, I.P / Secção de Setúbal (Proc. nº ………………..), em 31.05.2016, para patrocinar o processo de inventário por divórcio nº……………..A, cujos termos correm no Tribunal da Comarca de Lisboa – Juízo de Família e Menores de Almada – Juiz 2. Cumulativamente peticionou que fossem declarados nulos os actos de arquivamento do pedido de nomeação de patrono e a ré condenada a indemnizá-la, a título de responsabilidade civil extracontratual, pelos prejuízos que lhe causou com “as recusas de proceder à nomeação de patrono”.

A questão em dissidio nestes autos reconduz-se, portanto, à apreciação da legalidade do acto praticado ou omitido pela Ré e a consequente condenação na prática de acto devido, a que a Autora cumula diversos pedidos de índole indemnizatória.

Como se disse, as acções devem, em principio, ser propostas no tribunal da residência do autor (artigo 16.º do CPTA) e no que se refere à distribuição de competência territorial nos casos de responsabilidade extracontratual, estipula o artigo 18º do CPTA que: “1 - As pretensões em matéria de responsabilidade civil extracontratual, incluindo ações de regresso, são deduzidas no tribunal do lugar em que se deu o facto constitutivo da responsabilidade. // 2 - Quando o facto constitutivo de responsabilidade seja a prática ou a omissão de um ato administrativo ou de uma norma, a pretensão é deduzida no tribunal competente para se pronunciar sobre a legalidade da atuação ou da omissão.

Como ensinam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª Ed., 2021, p.170:

“O presente artigo simplificou as regras de competência territorial relativamente às acções de responsabilidade civil extracontratual, reduzindo a dois os critérios de determinação do tribunal competente. É competente o tribunal do lugar em que se deu o facto constitutivo da responsabilidade, excepto se esse facto tiver consistido na prática ou na omissão de um acto administrativo ou de uma norma, hipótese , na qual o tribunal que for competente para se pronunciar sobre a legalidade da actuação ou da omissão, por aplicação dos artigos 16º e 17º ou 20º, será também o competente para a acção de responsabilidade civil (…) [sublinhado nosso]”

Ora, se é verdade que a Autora cumula no petitório diversos pedidos de índole indemnizatória, certo é que todos eles se encontram em conexão com o pedido de condenação da ré, Ordem dos Advogados, à prática do acto omitido – nomeação de defensor oficioso, para o processo nº………………………, da 2º Secção de Família e Menores de Almada – 2º juízo. Donde, cair a situação em apreço na previsão da 2.ª parte do artigo 18.º do CPTA.

E a esta luz a Senhora Juíza do Juízo Administrativo Comum do TAC de Lisboa decidiu acertadamente e sem violação de lei, ao considerar que o tribunal competente para apreciar e decidir o litigio em causa nestes autos é o Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, por ser esse o tribunal do domicilio da Autora com competência especializada, nos termos do disposto nos artigos 9º, nº5, al. c) e 44-A, nº1, alínea c), do ETAF (na versão dada pela Lei nº114/2019, de 12/09), conjugado com o disposto na al.a) do artigo 4º do Decreto-Lei nº174/2019, de 13/12, e alíneas c) do artigo 1º da Portaria nº121/2020, de 22/05, bem como o mapa anexo ao Decreto-Lei nº325/2003, de 29 de Dezembro (na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 182/2007, de 09 de Maio).

O demais alegado não tem conexão com o pressuposto processual da competência (territorial), podendo apenas e eventualmente relevar para efeitos do regime de impedimentos e suspeições. Pelo que a sua alegação é aqui irrelevante.



III. Decisão

Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação e mantém-se a decisão reclamada que declarou competente para os ulteriores termos do processo o Tribunal Administrativo de Fiscal de Almada - juízo administrativo comum - por ser esse o tribunal territorialmente competente para o efeito.

Custas pela Reclamante.

Notifique.

O Juiz Presidente do TCA Sul

Pedro Marchão Marques