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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07830/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/03/2015
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:EXECUÇÃO POR COIMAS; INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE DE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL; PAGAMENTO DA DÍVIDA EXEQUENDA POR PARTE DA REVERTIDA DENTRO DO PRAZO DE OPOSIÇÃO.
Sumário:1) A oposição à execução fiscal por coimas constitui o único meio processual que o revertido pode utilizar para a defesa dos seus direitos e interesses legítimos, tendo, por isso, de lhe ser assegurado neste processo não só as condições de defesa idênticas às que são proporcionadas ao arguido no processo contra-ordenacional, como, também, todas as demais condições de defesa dos seus direitos e interesses legítimos, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional.

2) Havendo pagamento voluntário da dívida exequenda por parte da revertida, daí não se extrai a inutilidade superveniente da lide de oposição à execução fiscal, na medida em que esta última contesta na oposição os fundamentos da reversão, do bem fundado dos quais cabe ao tribunal conhecer.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO
I- Relatório
A Fazenda Pública interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida a fls. 66/79, que julgou procedente a oposição deduzida por Maria ……………………. contra a execução fiscal n.º ……………. e apensos, que corre termos no Serviço de Finanças de Almada, originariamente instaurada contra a devedora originária P……. e V……….. – ………………….., Lda.” por dívidas de coimas, no montante de €4.385,13.
Nas alegações de fls. 142/145, a recorrente formula as conclusões seguintes.
a) O órgão de execução fiscal diligenciou no sentido de comunicar ao Tribunal a ocorrência do pagamento da dívida exequenda na totalidade, verificando-se a extinção do processo de execução fiscal, onde havia sido deduzida a oposição judicial de cuja sentença agora se recorre.
b) Na sentença proferida pelo Tribunal "a quo", não se deu cumprimento ao plasmado no n.º 5 do artigo 203º do CPPT, que dispõe que: "O órgão da execução fiscal comunicará o pagamento da dívida exequenda ao tribunal tributário de 1a instância onde pender a oposição, para efeitos da sua extinção.".
c) A razão de ser da comunicação ao Tribunal, por parte do órgão de execução fiscal, da ocorrência de pagamento voluntário no âmbito do processo de execução fiscal, jaz na inevitabilidade da extinção da oposição por inutilidade superveniente da lide.
d) Tendo em consideração o pagamento da totalidade da quantia exequenda realizado pela oponente, e a consequente extinção do processo de execução fiscal, estava o Tribunal "a quo" impedido de conhecer do mérito da oposição à execução fiscal.
e) Verificando-se o pagamento da dívida exequenda, após decurso do prazo de dedução da oposição, como ocorreu no caso aqui em discussão, extinguindo-se o processo de execução fiscal, deveria ter sido extinta a própria oposição, por inutilidade superveniente da lide.
f) O Tribunal "a quo", não podia ter apreciado da legitimidade da oponente, como o fez, uma vez que foi praticado o ato de pagamento voluntário perante a administração tributária, que justificava a extinção do processo de oposição judicial aqui em causa.
g) Ao invés de decidir pela procedência da presente oposição, o Tribunal "a quo" deveria ter declarado a extinção da oposição por inutilidade superveniente da lide.
h) Consequentemente, não poderia a Fazenda Pública ter sido condenada em custas quando, na sequência da correta decisão, antes devendo ser condenada em custas a parte que deu causa à ação, por pagamento voluntário no processo de execução fiscal;
i) Ao decidir como decidiu nos presentes autos o Tribunal "a quo", pronunciando-se pela ilegitimidade da oponente, incorreu em erro de julgamento, violando assim, o n.º 5, do artigo 203.º, do CPPT, bem como a alínea e), do artigo 277.º do CPC, aqui aplicável por força do disposto na alínea e), do artigo 2.º, do CPPT.

Não há registo de contra-alegações.

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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 104, dos autos), no qual se pronuncia no sentido recusa de provimento ao presente recurso jurisdicional.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.
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II- Fundamentação.
1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
1. Em 23 706/2006 foi autuado o processo de execução fiscal n° ………………. que corre termos no Serviço de Finanças de Almada 1a, no montante de € 3.643,83 em que é executada a sociedade comercial por quotas sob a firma P……… e V…………. - ………………………., Lda. referente a coimas (cfr. doc. junto a fls. 1 e 2 do processo executivo junto aos autos).
2. Ao processo identificado no ponto anterior foram apensos os processos executivos n° ……………….., …………………., ………………………., ……………………., ……………….. e ……………………. referentes a coimas e IRC de 2004 e 2005 no montante global de € 7.481,93 (cfr. dos junto a fls. 38 do processo executivo junto aos autos).
3. A oponente foi gerente de direito da sociedade executada entre 19/02/1999 e 31/12/2003 (cfr. doc. junto a fls. 34 e 35 dos autos - Certidão do Registo Comercial de Lisboa).
4. A oponente renunciou à gerência da sociedade executada em 31/12/2003 (cfr. doc. junto a fls. 35 dos autos - Certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa).
5. A oponente foi notificado para exercer o seu direito de audição prévia por ofício de 19/03/2009 (cfr. doc. junto a fls. 39 e 40 do processo executivo junto aos autos).
6. O oponente exerceu o seu direito de audição prévia (cfr. doc. junto a fls. 44 a 53 do processo executivo junto aos autos).
7. Em 17/04/2009 foi elaborada uma informação da qual consta que não tendo a oponente sido gerente depois de 31/12/2003, apenas devem reverter contra si os processos executivos referentes a coimas do seu período de gerência (cfr. doc. junto a fls. 54 do processo executivo junto aos autos);
8. Em 20/04/2009 foi proferido despacho no sentido de apenas reverterem as dívidas referentes aos processos executivos n° ………………….. e …………………….. (cfr. doc. junto a fls. 55 do processo executivo junto aos autos).
9. A oponente foi citada do despacho identificado no ponto anterior em 22/04/2009 (cfr. doc. junto a fls. 59 e 60 do processo executivo junto aos autos).
10. A oponente efectuou o pagamento das dívidas exequendas (cfr. doc. junto a fls. 57 dos autos).
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Em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, consignou-se o seguinte:
«Dos factos constantes da oposição, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita. // A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório».
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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
11. Em 05.11.2009, a oponente efectuou à ordem do processo executivo n° ……………………, o pagamento da quantia de €4.598,61 – fls. 58.
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2.2. De Direito.
2.2.1. Nos presentes autos, vem sindicada a sentença proferida a fls. 66/79, que julgou procedente a oposição deduzida por Maria ……………………………. contra a execução fiscal n.º ………………….. e apensos, que corre termos no Serviço de Finanças de Almada, originariamente instaurada contra a devedora originária P…………… e V………. – ……………………, Lda.” por dívidas de coimas, no montante de €4.385,13.
2.2.2. Para julgar procedente a presente oposição, a sentença recorrida estruturou, entre o mais, a argumentação seguinte:
«(…) por considerarmos que a Fazenda Pública não alegou, nem provou que foi por culpa da oponente que as coimas deixaram de ter sido pagas e uma vez que tal fundamento deveria constar do despacho de reversão, julgaremos procedente a presente oposição, nesta parte. De facto, a AF limita-se a alegar que não existe património para fazer face às dívidas exequendas não se pronunciando quanto à culpa dos gerentes revertidos. Nem se diga que a falta de inquirição das testemunhas arroladas poderia resultar na prova da culpa, pois para tanto era necessário que a mesma fosse o fundamento da reversão e tal não aconteceu».
2.2.3. A recorrente censura a sentença recorrida, na parte que julgou procedente a oposição e condenou a recorrente no pagamento de custas, porquanto devia ter procedido à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com a condenação em custas da parte que deu causa à acção, no caso, a oponente, por pagamento voluntário, sustenta.
Vejamos.
Em abono da tese expendida pela recorrente, sempre se poderia afirmar que: «[o] processo de execução fiscal extingue-se, além do mais, pelo pagamento da dívida exequenda e do acrescido (cfr. art.º 176º n.º 1 al. a) do CPPT), no estado em que se encontrar (cfr. art.º 264º n.º 1 do mesmo diploma adjectivo), devendo o órgão de execução fiscal onde correr o processo declarar a extinção da execução em consequência daquele pagamento (cfr. art.º 269º do citado CPPT). // (…) // Assim, verificado o pagamento da dívida exequenda e acrescido e decretada a extinção da execução fiscal tendente a cobrança coerciva daquela dívida, ocorre, natural e necessariamente, a inutilidade superveniente da lide de oposição à execução, com a consequente prejudicialidade do conhecimento das questões nesta porventura invocadas» [Acórdão do STA, de 02.06.2004, P. 01022/03].
Sucede, porém, que nos termos do disposto no artigo 9.º, n.º3, da LGT, «[o] pagamento do imposto nos termos da lei que atribua benefícios ou vantagens no conjunto de certos encargos ou condições não preclude o direito de reclamação, impugnação ou recurso, não obstante a possibilidade de renúncia expressa, nos termos da lei»; de referir também que, nos termos do artigo 23.º, n.º 5, da LGT, «[o] responsável subsidiário fica isento de custas e de juros de mora liquidados no processo de execução fiscal se, citado para cumprir a dívida constante do título executivo, efectuar o respectivo pagamento no prazo de oposição».
Como se consigna no Acórdão do STA, de 09.09.2015, P.01198/13,
«Efectivamente, constitui entendimento jurisprudencial consolidado nesta Secção do Supremo Tribunal Administrativo que embora o pagamento voluntário da dívida exequenda possa acarretar a extinção da instância de oposição por inutilidade ou impossibilidade da lide, o certo é que quando esse pagamento é efectuado pelo responsável subsidiário dentro do prazo de oposição – para assim beneficiar da isenção de custas e multa nos termos do art. 23º, nº 5, da LGT – tal não pode implicar a preclusão do seu direito de impugnar o acto de onde emergem as obrigações em cobrança, porquanto o nº 3 do art. 9º da LGT reconhece expressamente que «o pagamento do imposto nos termos da lei que atribua benefícios ou vantagens no conjunto de certos encargos ou condições não preclude o direito de reclamação, impugnação ou recurso, não obstante a possibilidade de renúncia expressa, nos termos da lei» – cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 7/09/2011, no proc. nº 0421/11, de 21/09/2011, no proc. nº 0560/11, de 23/02/2012, no proc. nº 0884/11, de 20/06/2012, no proc. nº 0537/12 e em 27/06/2012, no proc. nº 0430/12. (…) // Por conseguinte, nem sempre ocorre a inutilidade/impossibilidade da lide de oposição na sequência do pagamento voluntário da dívida, como acontece, nomeadamente, quando se pretende discutir a legalidade da dívida ao abrigo das alíneas a), h), ou b), do nº 1 do art. 204º do CPPT, ou quando o pagamento da dívida é realizado pelo responsável subsidiário para poder aceder a determinado benefício. // Ora, relativamente às dívidas provenientes de coimas aplicadas à sociedade e que cujo pagamento foi exigido ao oponente após acto de reversão da execução contra si, é inquestionável que nunca lhe foi dada a possibilidade de se defender no processo contra-ordenacional, nem de interpor recurso da decisão administrativa de aplicação da coima, pois só a entidade condenada (isto é, a arguida) tem legitimidade para interpor recurso dessa decisão, em conformidade com o disposto no art. 59º, nº 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Dec. Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, aplicável ex vi do art. 3º, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias. // Pelo que a oposição constitui o único meio processual que o revertido pode utilizar para a defesa dos seus direitos e interesses legítimos, tendo, por isso, de lhe ser assegurado neste processo não só as condições de defesa idênticas às que são proporcionadas ao arguido no processo contra-ordenacional, como, também, todas as demais condições de defesa dos seus direitos e interesses legítimos, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 268º, nº 4, da Constituição».
Nos presentes autos, está em causa a cobrança coerciva de dívidas de coimas. A oponente efectuou o pagamento do montante em dívida próximo do prazo para deduzir a oposição (1). Na oposição invocou a falta de preenchimento dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, em particular no que respeita à culpa pela falta de património da devedora originária para fazer face às dívidas exequendas. Donde resulta que têm plena aplicação ao caso em exame, quer os normativos citados, quer a jurisprudência consolidada do STA, no sentido de que havendo pagamento voluntário da dívida exequenda por parte da revertida, daí não se extrai a inutilidade superveniente da lide de oposição à execução fiscal, na medida em que esta última contesta na oposição os fundamentos da reversão, do bem fundado dos quais cabe ao tribunal conhecer. Como sucedeu no caso em exame, com a consequente procedência da oposição por falta de demonstração da culpa da oponente e extinção da execução, quanta esta última. Sendo as custas do processo devidas pela recorrente/Fazenda Pública, na medida em que é parte vencida – artigo 527.º/1 e 2, do CPC.
Ao julgar no sentido apontado, a sentença em apreço não merece a censura que lhe é desferida, pelo que é de manter na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
DISPOSITIVO
Acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(Cristina Flora- 1º. Adjunto)

(Pereira Gameiro- 2º. Adjunto) (Vencido, pois entendo que não está posta em causa a legalidade da dívida e que só vem defendida a irresponsabilidade da oponente – fundamento da oposição na al. b) do nº1 do artº204º do CPPT, pelo que concederia prov. ao recurso.)
(1) N.ºs 9, 10 e 11, do probatório.