Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1632/10.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores: IRC; PROVISÕES
Sumário:I. As provisões são, por definição, custos estimados de um exercício, correspondentes a despesas cujo montante ainda não é certo ou a despesas que são de eventual ocorrência futura.
II. Quando a Administração Tributária não põe em causa que, em relação ao exercício em que é contabilizada a provisão, se verificam e comprovam os requisitos previstos no nº 1 do artigo 34º do CIRC, não pode depois corrigir a matéria tributável, desconsiderando a provisão efectuada pela Impugnante, com o único e exclusivo argumento de que dívida de que esta tem para com o seu cliente é superior ao crédito que detém sobre ele.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por F..........., Lda, após indeferimento da reclamação graciosa interposta, contra o acto de liquidação adicional de IRC relativo ao exercício de 2004, no montante total de 89.163,29€.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação porquanto se o valor inicial, que por lapso não se viu que foi anulado, correspondia a todo o exercício de 2004, então este valor do segundo semestre já se incluía no valor total do exercício. Por outro lado, não logra o relatório apurar a existência e o montante duma dívida da impugnante à S........, não pode por em causa, por falta de compensação que não consegue demonstrar ser devida, a indispensabilidade de custo resultante do crédito da impugnante, que a nenhum momento é posto em causa. Ora, estando por demonstrar a existência de dívida que permitisse a compensação do crédito da impugnante, falece de imediato este argumento. Assim, considerando o legislador como cobrança duvidosa não pode a administração desconsidera-lo, pelo que as correcções, ora efectuadas são ilegais e a liquidação subsequente padece do invocado vício de violação de lei por ofensa aos preceitos dos art.ºs 23.º, 34.º e 35.º do CIRC.
II- Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se a impugnante poderia ter constituído as provisões para cobrança duvidosa.
III- As provisões têm por objecto reconhecer as responsabilidades cuja natureza esteja claramente definida e que à data do balanço sejam de ocorrência provável ou certa, mas incertas quanto ao seu valor ou data de ocorrência. O montante das provisões não pode ultrapassar as necessidades. As provisões não podem ter por objecto corrigir os valores dos elementos activos.
IV- A impugnante constituiu uma provisão, para cobrança duvidosa, de € 443.087,29, por dívida da sociedade S....., nos termos do art.º 34.º, n.º 1, al. c) e art.º 35.º, n.º 1, al. b), ambos do CIRC, tendo sido aquele o montante da dívida que consta no extracto da conta em 29/06/2004, anexo ao processo de falência.
V- Na verdade, do extracto da conta “Valores a receber em euros de 01/01/2000 até 31/12/2004” consta que o montante, até 04/06/2004, era de € 443.087,29. Cfr. fls. 69 do PAT.
VI- Do extracto da conta ..........… (01/01/2004 até 31/14/2004), entre a impugnante e a S......, em 31/12/2004 consta um saldo a débito de € 443.087,29, outro a crédito no mesmo montante sendo o valor do saldo, em 31/12/2004, zeros.
VII- Por sua vez, no extracto da conta ............ (01/01/2004 até 31/14/2004), entre a impugnante e a S....., até 30/06/2004 consta um saldo a crédito de € 434.285,86 e, em 31/12/2004, o saldo era a crédito de € 718.768,41, passando, na mesma data para um débito de igual valor (€ 718.768,41), sendo o saldo a zeros. Cfr. fls. 87 do PAT.
VII- Ora, louvando no parecer do DMMP a qual se adere na íntegra e se reproduz s sua fundamentação, tendo mencionado que “(…) Para a AT, não se encontrando devidamente justificado o risco de incobrabilidade, os créditos não podem ser considerados como duvidosos e a constituição de provisão não é enquadrável no art. 23º do CIRC como custo fiscal.
Da documentação junta resulta, em nosso entender, que a justificação do crédito e dedução de oposição à falência, feita pela ora Impugnante no Proc. 360/04.4TBACN, data de Julho de 2004, sendo nessa sede apresentado um extracto de conta com um crédito a favor da Impugnante de € 443.087,29 (cfr. fls. 65 a 69* do PAT anexo).
Porém, de Julho a Dezembro de 2004 foram adquiridos pela F........ à S......, Lda. bens e serviços no valor de € 284.482,54 (cfr. extracto de conta de fls. 87 do PAT).
Por outro lado, do referido extracto resulta ainda que a conta terá sido saldada em 31.12.2004, o que indicia ter havido encontro de contas.
Assim, aderindo aos fundamentos constantes da contestação apresentada pela Administração Fiscal, emite-se parecer no sentido da improcedência da Impugnação.”
VIII- Na verdade, no relatório de inspecção foi defendido que as compras, no montante de € 794.329,41, são superiores às vendas, no montante de € 443.087,29, entre a Impugnante e a S......, o que significa que a haver acerto de contas, a S....... teria de receber o montante de € 351.242,12 e não a pagar o montante de € 443.087,29.
IX- Nestes termos, a provisão constituída é ilegal porque quem deve á S...... é a impugnante e não o contrário.
X- Contudo, a impugnante tomou em consideração, na Mod. 22 o montante de € 443.087,29, como custo, devendo o mesmo ser corrigido.
XI- Assim sendo, a inspecção tributária ao desconsiderar o valor das provisões por o mesmo não ser devido, pois quem devia era a impugnante à S....... e não o contrário, em termos contabilísticos há que fazer correcções porquanto a impugnante ao deduzir os custos naquele montante estava a diminuir os seus resultados num valor que não estava em risco de ser recebido porque nem tinha de ser recebido porque o que havia era a pagar, logo, ao deduzir as provisões como um custo teria o valor de ser acrescido, tal como foi, passando de um prejuízo no montante de € 8.487,34 para um lucro tributável de € 434.599,95, a qual originou uma liquidação adicional de € 76.944,87. Doc 1
XII- Neste pendor, a liquidação emitida é valida e correcta reflectindo todos os ajustes do relatório de inspecção e sendo a dívida da impugnante em relação à S...... e não o contrário, a provisão não se poderá manter, havendo que corrigir os custos deduzidos.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»

**


Contra-alegou a Recorrida, concluindo nos seguintes termos:
«A) A AT junta um documento (print), em algumas partes com inscrições manuscritas, que se impugna por se nos afigurar de duvidoso valor probatório/irrelevante e ainda entendermos ser a sua junção inadmissível considerando que finda está a produção de prova;
B) No ponto 8º das alegações da AT, o correto seria constar que do extrato da conta .............. (01/01/2004 até 31/14/2004), entre a Impugnante ora Recorrida, e a S......., em 31/12/2004 constam valores lançados a débito de € 443.087,29 e valores lançados a crédito no mesmo montante sendo o valor do saldo, em 31/12/2004, zeros;
C) Por sua vez, no ponto 9º das alegações da AT, o correto seria constar que do extrato da conta ................. (01/01/2004 até 31/14/2004}, entre a Impugnante, ora Recorrida, e a S........., até 30/06/2004, apresenta um saldo credor de € 434.285,86 correspondente a valores lançados a crédito no mesmo montante não existindo lançamentos a débito e, em 31/12/2004, os montantes lançados a crédito dessa conta totalizavam € 718.768,41 sendo o saldo zero, devido ao lançamento a débito de igual valor, € 718.768,41;
D) Não consegue a Recorrente entender a necessidade da AT chamar "saldo" aos lançamentos a débito e aos lançamentos a crédito considerando que cada conta da contabilidade é constituída por três colunas: a primeira dessas colunas, intitulada "Débito" destina-se ao registo dos valores lançados a débito; a segunda dessas colunas, intitulada "Crédito" destina-se ao registo dos valores lançados a crédito; a terceira dessas colunas, intitulada "Saldo" apresenta a diferença entre as colunas do "Débito" e do "Crédito";
E) Não devia por isso a AT chamar "saldo" aos valores acumulados a débito e a crédito;
F) A Recorrida salienta que já em sede de Relatório de Inspeção, a AT reconhece que por "lapso, dos Serviços de Inspeção não se viu o lançamento a débito do documento interno nº 501... no valor de € 718.768,41 que anula o montante a crédito", extrato da conta ...................., fls 87 do PAT;
G) Na realidade resulta do projeto de relatório de inspeção que esta liquidação de IRC, ora anulada, teve como base apenas e tão só este lapso que a AT, reconhece, sem anular o seu efeito, a recusa das provisões pela alegada inexistência da divida da S..... à Impugnante (F........);
H) Porque essa alegada inexistência da dívida a S........ à F........, invocada pela AT a quem compete o ónus de a provar teve, em sede de projeto de relatório de inspeção, por único fundamento um saldo que por lapso ("não se viu o lançamento a débito do documento interno nº 501... no valor de € 718.768,41 que anula o montante a crédito" pág. 12/14 RIT) a AT julgou ser credor em € 718,768,41, quando na realidade o saldo era zero;
I) Também a AT não devia omitir nas suas alegações o facto que, em 2004, as normas contabilísticas e fiscais obrigavam a que, antes da constituição de provisões para dívidas de cobrança duvidosa, o saldo considerado incobrável tem de ser transferido para uma conta ........…, neste caso ..........…, conta da S......, cujo extrato anexámos ao nosso direito de audição ao projeto de relatório de inspeção, conta que à data de 31/12/2004, apresentava um saldo credor de € 443,087,29;
J) Quem quer que seja que examine os extratos das três contas da S..... na contabilidade da F........ (............ e ..........., fls 69 e 87 do PAT e ............, conta da S......., cujo extrato anexámos ao nosso direito de audição ao projeto de relatório de inspeção tributária) é obrigado a concluir que a S....... devia à F........ (Recorrida e Impugnante) € 443.087,29, saldo devedor que constava na conta ............ (fls 69 do PAT);
K) Que no encerramento do ano de 2004 a conta ............... (fls 69 do PAT) passou a ter um saldo zero devido ao lançamento a crédito do doe 502… no montante de € 443.087,29, lançamento que teve como contrapartida um débito do mesmo valor, € 443.087,29 na conta ............., devedores cobrança duvidosa, cujo extrato anexámos ao nosso direito de audição ao projeto de relatório de inspeção tributária;
L) É certo que a AT, forçada a admitir o "lapso, dos Serviços de Inspeção não viu o lançamento a débito do documento interno nº 501... no valor de € 718.768,41 que anula o montante a crédito" tentou no relatório de inspeção tributária manter que a S........ não devia nada à F........ recorrendo a uma análise das vendas entre as duas empresas;
M) Em conclusão a análise que a Meritíssima Juíza A QUO fez na douta sentença considerou e bem, que a AT analisou essas vendas "sem fazer qualquer referência a pagamentos";
N) Porque a AT não pode suprimir os pagamentos que a F........, ora Recorrida, teve de fazer à S........, mantendo por essa via o "lapso, dos Serviços de Inspeção" que não viram o lançamento a débito do documento interno nº 501... no valor de € 718.768,41 que anula o montante a crédito;
O) Agora em sede de recurso vem mais uma vez, a AT reiterar a manutenção do seu "lapso" tentando mais uma vez iludir quem tem o encargo de julgar ao omitir do texto do ponto 11 do seu articulado o mesmo lançamento do documento interno nº 501... no valor de € 718.768,41;
P) Não lhe resta outra solução para manter a liquidação de IRC que ilegalmente emitiu porque no seu relatório apenas fundamenta a recusa das provisões constituídas pela F........ em 2004 à inexistência da dívida da S......, sem nunca colocar em causa a ligação dessa dívida à atividade da F........;

Termos em que deve a douta sentença recorrida ser mantida, fazendo-se JUSTIÇA»

**
Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que deve ser concedido provimento ao recurso.
**
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir em conferência.
**
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nº 1 e 608.º nº 2 do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 2.º, alínea e) do CPPT) , ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado. estribou a sua
Neste quadro, a questão coloca em recurso é a de saber se a sentença incorre em errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes ao acto de liquidação sindicados, em clara e manifesta violação do disposto nos artigos 23.º, 34.º e 35.º do CIRC.
**

III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A - A impugnante é uma sociedade por quotas que exercia, no ano de 2004, a atividade de comércio de couros e peles, correspondente ao CAE 46494.
(Conforme Relatório de Inspeção Tributária (RIT), a fls. 50 a 64 do Processo de Reclamação Graciosa apenso);
B - Em 02/07/2004 a Impugnante apresentou requerimento no processo judicial n.º 360/04.4TBACN, que correu termos no tribunal judicial de Alcanena, onde foi pedida a falência da S..... – S........., Ld.ª, reclamando e justificando um crédito sobre a requerida no montante de € 443.087,29.
(Conforme Anexo I ao RIT, a fls. 64 a 69 do Processo de Reclamação Graciosa apenso)
C - Na sequência da ordem de serviço n.º ............., emitida pelo Chefe de Divisão de Planeamento e Coordenação da Direção de Finanças de Santarém, por delegação do Diretor de Finanças, em 06/11/2008, foi determinada a realização de uma ação de inspeção externa à Impugnante, a incidir sobre o exercício de 2004, para efeitos de IRC e IVA.
(Conforme documento a fls. 46 do Processo de Reclamação Graciosa apenso);
D - Em 5 de maio de 2009 foi elaborado Relatório de Inspeção Tributária que concluiu pela necessidade de correções de natureza técnica, em sede de IRC, no montante de € 443.087,29, correspondente a provisões não aceites fiscalmente como custo.
(Conforme RIT, a fls. 50 a 64 do Processo de Reclamação Graciosa apenso)
E - Quanto a tais provisões, o RIT tem o seguinte teor:

“Texto integral com imagem”

(Conforme RIT a fls. 50 a 64 do Processo de Reclamação Graciosa apenso)
F - Em 28/05/2009, foi emitida a liquidação de IRC nº ...............…, referente ao exercício de 2004, incluindo derrama e juros compensatórios, no montante global de € 89.163,29.
(Conforme demonstração de liquidação de IRC junta como documento nº 1 com a petição inicial, a fls. 22 a 25 dos autos)
G - Em 20/10/2009 o Impugnante apesentou reclamação graciosa da liquidação referida no ponto anterior, no Serviço e Finanças de Alcanena.
(Conforme documento de fls. 15 a 24 do Processo de Reclamação Graciosa apenso)
H - Em 08/04/2010 foi elaborada informação sobre a reclamação apresentada que se transcreve:
"Texto integral com imagem”


“Texto integral com imagem”



(Conforme documento de fls. 138 a 142 do Processo de Reclamação Graciosa Graciosa apenso)
I - Em 15/04/2010 foi proferido despacho, pelo chefe de divisão de Justiça Administrativa da Direção de Fianças de Lisboa, que indeferiu a reclamação, com o seguinte teor:


(Conforme documento de fls. 138 do Processo de Reclamação Graciosa apenso)
J - Em 21/05/2010 a petição inicial da presente impugnação foi enviada ao Serviço de Finanças de Lisboa 8.
(Conforme comprovativo de entrega, a fls. 2 dos autos).

*

Nada mais foi provado com interesse para a decisão a proferir.
*

MOTIVAÇÃO
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme é especificado nos vários pontos da matéria de facto provada.»
**

B. DO DIREITO
Na sequência de uma acção de fiscalização, de âmbito geral, levada a cabo em cumprimento da Ordem de Serviço n.°OI..........…, a Administração Tributária procedeu à alteração do lucro tributável do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) apurado pela Impugnante (doravante Recorrida) no exercício de 2004, decorrente de correcções técnicas à matéria tributável no montante de € 443.087,29, com fundamento na não aceitação como custo fiscal do montante, contabilizado na conta «666… - Amortizações do exercício – Ajustamentos de dívidas a clientes – STC, Lda».
A desconsideração como custo fiscal da referida provisão assentou nos seguintes fundamentos: existência de vendas cruzadas entre a Recorrida e a S......, e na possibilidade de se fazer a compensação dos créditos mútuos, que afirma existirem.
São estes os fundamentos que a Administração Tributária utilizou para fundamentar a referida correcção do lucro tributável declarado e que a sentença sob recurso não subscreveu, por entender que não permitem suportar a determinada desconsideração fiscal.
Inconformada, a Fazenda Pública (doravante Recorrente) recorreu para este Tribunal Central Administrativo Sul, sustentado, em conclusão, que a provisão constituída é ilegal porque quem deve à S..... é a Recorrida e não o contrário.
Vejamos se lhe assiste razão.
Como se sabe, para efeitos de IRC, são custos ou perdas «os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora», entre os quais as provisões (cfr. artigo 23.º, n.º 1, alínea h), do CIRC - na redacção à data dos factos - por força do princípio tempus regit actum, acolhido no artigo 12.º do Código Civil, constitui a regra geral de aplicação das leis no tempo e significa que as normas jurídicas têm efeito apenas para o futuro, valendo no direito público e no privado), que constituem «(…) lançamentos que num dado exercício se fazem na conta de resultados, com valores negativos, correspondentes a factos nele ocorridos mas cuja concretização fica dependente de eventualidades que só nos exercícios seguintes podem ocorrer» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, II volume, pág. 637) .
Como o Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado, em jurisprudência constante, «Sobre a noção de provisão, esclarece o Prof. Rui Morais (Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, págs. 119-120.) que, “As provisões são registos contabilísticos de verbas destinadas a fazer face a um encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado mas de montante incerto.
Tal como uma pessoa cautelosa, quando confrontada com uma despesa previsível, põe antecipadamente de lado o dinheiro necessário para a satisfazer, também uma empresa previdente deve preservar certa fracção dos seus resultados para se precaver contra perdas que reputa de prováveis.
Note-se, porém, que na constituição de uma provisão não está, directamente, em causa a criação de uma “reserva monetária”, mas a consideração de um custo, o que tem como consequência que o lucro apurado (e, portanto, também o lucro distribuível) seja menor.
A consideração de uma provisão como custo de um determinado exercício dá tradução prática a dois dos sãos princípios da contabilidade:
- o princípio da prudência (tomam-se em consideração, no apuramento dos resultados do exercício, os riscos previsíveis e as perdas eventuais derivadas de um facto nele ocorrido);
- o princípio da especialização dos exercícios (imputa-se ao exercício em que o facto ocorreu o seu – ainda que só meramente possível – custo). A não constituição da provisão num dado exercício (ou a sua constituição por valor insuficiente) resulta numa violação deste princípio, na medida em que terá como efeito deslocar para outros exercícios custos pertencentes àquele.
A constituição de provisões envolve um elevado grau de subjectividade por parte da empresa, v.g., na apreciação dos factos que, no seu entender, poderão gerar, no futuro, perdas. Ou seja, uma empresa cautelosa tenderá – e bem – a efectivar provisões, decidindo quais os factos que as devem legitimar e respectivo montante.
Por ser este um procedimento correcto, compreende-se a intencional flexibilidade das regras contabilísticas.
Porém, a lei fiscal tem que assumir uma perspectiva mais restritiva. Caso fossem aceites como custo fiscal a totalidade ou, pelo menos, a generalidade das provisões que a empresa decidiu constituir, estaria aberto caminho fácil para se evitar ou, pelo menos, adiar a tributação (para se conseguir uma redução artificial do lucro tributável, através da constituição de provisões excessivas).
Daí que as regras fiscais se afastem das contabilísticas, sendo muito mais densas, ou seja, resulte, em muito, reduzida a projecção fiscal dessa margem de discricionariedade contabilística. O mesmo é dizer que será normal existirem provisões registadas na contabilidade que não são aceites como custo fiscal, que, também nesta medida, o resultado final seja diferente do contabilístico”.
Também esclarece MARIA DOS PRAZERES LOUSA (Alguns contributos para a revisão fiscal das provisões, Ciência e Técnica Fiscal nºs 331/333, pág. 119.), “a constituição das provisões para riscos e encargos é consequência lógica e directa da aplicação dos princípios contabilísticos da «especialização dos exercícios» e da prudência, e por essa razão deve orientar-se segundo duas vertentes:
- a 1.ª concretiza-se na necessidade de relevar contabilisticamente e imputar a cada exercício todos os factos ou acontecimentos susceptíveis de afectar no futuro o património e os resultados da empresa, papel atribuído na generalidade dos casos às provisões;
- a 2.ª apela para a própria conceptualização do carácter previsional do risco e eventualidade dos encargos futuros e ainda para a determinação do factor gerador que implica a sua imputação a um dado exercício”.
Como bem se percebe da leitura desta doutrina, as provisões destinam-se, no essencial, em criar uma conta onde se reservam determinadas quantias, de acordo com o princípio da prudência, para fazer face a despesas ou perdas cuja ocorrência futura é certa e conhecida, mas cujo quantum não é possível determinar com precisão, sendo por isso incerto.
Portanto, o que determina a necessidade das empresas constituírem provisões, não é a incerteza da ocorrência futura de despesas ou perdas, mas antes a incerteza da sua exacta quantificação, ou seja, é a impossibilidade de determinar num dado exercício fiscal, aquele em que teve conhecimento da ocorrência da perda, despesa ou encargo -princípio da especialização dos exercícios-, o montante exacto dessa mesma despesa, perda ou encargo, que apenas será determinado e concretizado no(s) exercício(s) fiscal(is) seguinte(s), “…(a) provisão é uma conta em que se inscreve a verba destinada a fazer face a encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado, mas de montante indeterminado…”, cfr. J.J. Teixeira Ribeiro, Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3684, pág. 84.» (cfr. entre outros, o Acórdão de 28.01.2015, proferido no processo n° 652/14, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Chegados aqui, há, pois, que ver qual o regime fiscal das provisões, para o que importam os seguintes normativos do Código do Imposto sobre o Rendimento do das Pessoas Colectivas (CIRC):
Na alínea a) do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC, sob a epígrafe «Provisões fiscalmente dedutíveis», estabelecia-se que podiam ser deduzidas para efeitos fiscais as provisões « (…) que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade».
Por seu turno, na parte que aqui releva, previa o artigo 35.º do mesmo diploma legal: «Para efeitos da constituição da provisão prevista na alínea a) do nº 1 do artigo anterior, são créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:
a) O devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência;
b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente;
c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento (…)» (negrito da nossa autoria).
Claramente se extrai do descrito enquadramento descrito, para efeitos fiscais, o regime das provisões comporta especificidades face ao tratamento contabilístico pois para além do requisito do “risco de cobrança”, mostram-se necessários outros pressupostos para a respectiva aceitação.
Com efeito, como forma de prevenir a utilização abusiva da conta das provisões contabilísticas, permitida pelo uso do conceito indeterminado de “créditos de cobrança duvidosa” na alínea a) do n.º1 do artigo 34.º do CIRC, o legislador efectivou uma delimitação desse conceito indeterminado, especificando nas diversas alíneas (de aplicação disjuntiva, ou seja, está justificado aquele tipo e grau de risco, desde que, casuística e objectivamente, se verifique um qualquer dos casos previstos em alguma dessas três alíneas- neste sentido entre muitos outros vide: acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.06.1999, proferido no processo n.º 23.089), do n.º 1 do artigo 34º quais as provisões que no âmbito específico dos custos podem relevar fiscalmente.
No caso presente, não pode, em primeiro lugar, deixar de notar-se que a fundamentação que suporta a questionada correcção é completamente omissa relativamente a qualquer referência, quanto ao incumprimento dos pressupostos de acordo com os quais poderiam os créditos questionados ser considerados como de cobrança duvidosa de modo a fundamentar a correcção do lucro tributável declarado e da consequente liquidação adicional.
Portanto, a Recorrente aceita frontalmente a verificação dos pressupostos contidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC.
Sendo assim, a questão está, pois, em saber, se a provisão constituída, como defende a Recorrente é legal porque «(…) no relatório de inspecção foi defendido que as compras, no montante de € 794.329,41, são superiores às vendas, no montante de € 443.087,29, entre a Impugnante e a S......., o que significa que a haver acerto de contas, a S........ teria de receber o montante de € 351.242,12 e não a pagar o montante de € 443.087,29» [Conclusão IX].
Desde já se antecipa que a resposta à pergunta acabada de formular deve ser negativa.
Com efeito, não será descabido lembrar que para que haja lugar à compensação, exige o artigo 847.º do CC que se mostrem preenchidos os seguintes requisitos: « a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.».
A este respeito, dissertando sobre a figura da «compensação» escreveu Antunes Varela, em certo passo: «A compensação é exactamente o meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor. Logo que se verifiquem determinados requisitos, a lei prescinde do acordo de ambos os interessados, para admitir a extinção das dívidas compensáveis, por simples imposição de um deles ao outro. Diz-se, quando assim é, que as dívidas (ou os créditos) se extinguem por compensação legal (unilateral).» (in: “Das Obrigações em Geral”, II Volume, pag.195, 5ª edição).
Por outro lado, conforme bem se salienta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça «Diz-se que se trata de um “acerto de contas”, por não ser razoável, nem equitativo, que quem é simultaneamente credor e devedor haja, reciprocamente, de pedir o pagamento do seu crédito sem reconhecer que também deve ao impetrante; receberia dele para depois lhe pagar» (Acórdão de 2.7.2005, proferido no processo n.º 91832/12.3YIPRT, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Posto isto em evidência, é óbvio que, configurando a compensação de créditos uma faculdade e não de uma obrigatoriedade, não deixa no entanto de depender dos seguintes requisitos: depende destes requisitos: existência de créditos recíprocos;
fungibilidade das coisas objecto das prestações e identidade do seu género e exigibilidade do crédito que se pretende compensar. Ora, quanto ao preenchimento do último dos requisitos indicados, porque nenhuma prova foi efectuada pela Recorrente, impede liminarmente que se equacione a invocada compensação.

Em todo o caso, sempre entendemos que a argumentação da Recorrente não encontra aconchego na letra dos artigos 18.º, 34.º e 35.º do CIRC de modo a que se considere afastado o pressuposto relativo ao “risco de incobrabilidade”.
De facto, o que é seguramente proibido pelo CIRC é a constituição ou reforço das provisões se efectue ao arrepio dos requisitos exigidos na lei, ou dito de outro modo, constituindo os créditos de cobrança duvidosa «aqueles em que o risco de incobrabilidade» este considera-se devidamente justificado em qualquer um dos casos a que se referem as alíneas a) a c) do artigo 35.º daquele diploma legal.
Aliás, nem podia ser de outra forma, pois que não vislumbramos como poderia o legislador fiscal sindicar a bondade e oportunidade das decisões de gestão da Recorrida, quando o que pretendeu tutelar foi evitar a manipulação do resultado fiscal, maximizando o impacto das provisões nos exercícios mais positivos.
Assim, atento quanto vem de considerar-se, entendemos que não merece assim, censura a sentença sob recurso.

IV.CONCLUSÕES

I. As provisões são, por definição, custos estimados de um exercício, correspondentes a despesas cujo montante ainda não é certo ou a despesas que são de eventual ocorrência futura.
II. Quando a Administração Tributária não põe em causa que, em relação ao exercício em que é contabilizada a provisão, se verificam e comprovam os requisitos previstos no nº 1 do artigo 34º do CIRC, não pode depois corrigir a matéria tributável, desconsiderando a provisão efectuada pela Impugnante, com o único e exclusivo argumento de que dívida de que esta tem para com o seu cliente é superior ao crédito que detém sobre ele.

V.DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente.
Lisboa, 24 de janeiro de 2020

[Ana Pinhol]


[Isabel Fernandes]


[Jorge Cortês]