Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1494/19.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
ACÇÃO PARA O RECONHECIMENTO DE UM DIREITO VS IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Sumário:I - A acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária apenas pode ser proposta quando que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido.
II - A apreciação da validade, ou não, das facturas (e as consequências legais daí decorrentes) prende-se com a alegada falsidade das facturas desconsideradas pela ATA e com as liquidações de imposto daí consequentes. É a impugnação judicial o meio adequado a tal apreciação.
III - O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

J..., notificado da decisão sumária proferida pela ora Relatora, ao abrigo do disposto no artigo 656º do CPC, com respeito ao recurso jurisdicional interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que indeferiu liminarmente da acção, por verificada a excepção de erro na forma processual, sem possibilidade de convolação, veio reclamar para a conferência de tal decisão, nos termos do disposto no artigo 652º, nº 3 do CPC, pedindo que sobre a decisão proferida recaia um acórdão.

Notificada a parte contrária, a mesma manifestou-se pela manutenção do julgado, formulando as seguintes conclusões:

i) Inconformado com a decisão proferida por esse Douto Tribunal, o qual julgou improcedente o recurso mantendo a sentença recorrida, vem o Reclamante apresentar reclamação para a conferencia alegando que a questão vertida nos presentes autos, não se consubstancia na impugnação das liquidações adicionais de IVA, na medida em que a pretensão se esgota na validade e eficácia da documentação que originou a liquidação de imposto.

ii) Todavia, uma vez mais os argumentos aventados pela Reclamante são claramente infundados.

iii)Desde logo o ordenamento jurídico tributário encontra-se estruturado com os meios ou instrumentos considerados pelo legislador como aptos para a realização dos direitos que pretende fazer valer em juízo, sendo que cada um desses meios corresponde à forma mais adequada de obter essa tutela jurisdicional efectiva, como desde logo se proclama na norma do Art.º 2.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), e que no direito tributário encontra guarida nas normas dos Art.ºs 101.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 97.º do CPPT, sendo coarctado ao interessado poder escolher um ou outro meio processual, livremente, já que a cada direito corresponde o meio processual adequado para o fazer valer em juízo, de acordo com a causa de pedir e pedido invocados, conforme aliás tem sido jurisprudência unânime, (veja-se a este propósito entre muitos outros, os Acórdãos do STA de 30-9-2009 e 29-9-2010, Recursos n.ºs 626/09 e 127/10, respectivamente).

iv) A acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, prevista no Art.º 145.º do CPPT, é um meio processual que visa assegurar a tutela efectiva do direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária mas somente quando os restantes meios contenciosos não assegurem essa mesma tutela, ou seja, a acção com vista ao reconhecimento de direitos ou interesses legítimos em matéria tributária só é admissível nos casos em que a Lei não faculte outro meio adequado para a tutela jurisdicional dos direitos do contribuinte.

v) Conforme tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Setembro de 1990) que “o sujeito cujo direito foi violado e que pretende a sua reparação por intermédio dos meios judiciais está obrigado a escolher o tipo de acção que a lei prevê para a satisfação do seu pedido, sob pena de, se o não fizer, o Tribunal não poder tomar conhecimento da sua pretensão. As acções para o reconhecimento de um direito, apesar de terem a mesma dignidade e relevância que os restantes meios contenciosos, têm um campo de aplicação preciso, qual seja o de só se justificarem quando estes não assegurarem a efectiva tutela jurisdicional do direito ou interesse em causa. Está vedado ao ofendido recorrer àquele tipo de acções quando a lei tiver previsto que a satisfação da sua pretensão se alcança mediante o uso de outro meio processual que não aquele”.

vi) Logo, a acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo só pode ser intentada quando a tutela efectiva do respectivo direito ou interesse não puder ser assegurada pelos restantes meios contenciosos, podendo-se concluir que estas acções têm um âmbito residual de aplicação (V. Rui Medeiros, Estrutura e âmbito da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido, Revista de Direito e de Estudos Sociais XXXI, 1989 e ainda Jorge Lopes de Sousa, sin Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª ed., 2011, Vol. I pp. 491/495.)

vii) Conforme se expendeu no Acórdão do STA proferido no âmbito do Proc. n.º 0291/09 de 21.10.2009 “A acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária constitui um meio complementar dos restantes meios previstos no contencioso tributário, apenas podendo ser proposto quando for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse respectivo, face à globalidade dos meios ali existentes”. (veja-se ainda Acórdão do STA, de 20/06/18, no processo nº 1086/17 e o acórdão do mesmo Tribunal de 21.05.2014 Recurso nº 0737/13, e ainda os acórdãos desse Colendo Tribunal de 11.12.2002, Proc. nº 46283; de 8.10.2003, Proc. nº 525/03; de 12.11.2003, Proc. nº 1237/03; de 14.11.2004, Proc. nº 1698/04; de 6.10.2005, Proc. nº 607/05; de 17.10.2012, Proc. nº 0295/12).

viii) Recorta-se assim, da lei da doutrina e da jurisprudência que a interposição de uma Acção para o Reconhecimento de um Direito ou Interesse Legitimo em matéria Tributária tem como pressuposto a existência efectiva de um direito ou interesse legalmente protegido entendido este como a situação em que a lei não protege directamente um interesse particular, mas um interesse público que, se for correctamente prosseguido, implicará a satisfação simultânea do interesse individual (acórdão do STA, de 28/03/2001-recurso n.º 27016, AP-DR, de 21/07/2003, página 2435).

ix) Como bem referiu a decisão sumária o erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação 16 daquele, quando a esse respeito existam dúvidas”, (cfr., entre outros, o acórdão datado de 05 de Novembro de 2014, recurso n.º 01015/14)”.

x) In casu, tendo o Reclamante formulado o pedido atinente com a serem condenadas as Rés a pronunciarem-se se consideram válidas ou não as facturas, tal pedido prende-se com a alegada falsidade das facturas as quais foram desconsideradas pela Reclamada e sob as quais foram, posteriormente emitidas liquidações de IVA.

xi) Aliás, como o próprio Reclamante alega pretende a anulação das liquidações na medida em que as mesmas se referem a documentação que não é válida nem eficaz, e como tal, não poderá nunca produzir efeitos, todavia, a falsidade das facturas, neste contexto, não assume qualquer autonomia perante a (i)legalidade do IVA que é consequente à desconsideração de tais documentos da contabilidade.

xii) Refira-se ainda que o Reclamante nunca identificou qual o direito ou interesse legalmente protegido, em matéria tributária, que pretende ver reconhecido, limitando-se a invocar que tem um interesse legítimo que é o de saber se terá de liquidar o imposto, sendo as faturas válidas e eficazes, peticionando que as Rés sejam condenadas a pronunciarem-se sobre tal validade.

xiii) Logo, resulta manifesto que a Acção para o Reconhecimento de um Direito ou Interesse Legítimo em Matéria Tributária não consubstancia o meio processual adequado para obter a satisfação de tal pedido.

xiv) Em caso de actuação não conforme à lei por parte da Reclamada, ao desconsiderar determinadas facturas, reputando-as de falsas, então esse juízo terá sempre de ser apreciado em sede de impugnação, na repercussão ao nível do IVA adicionalmente liquidado, na medida em que em termos tributários, a apreciação sobre a validade, ou não, das facturas não assume qualquer autonomia, pelo que o meio processual não é adequado à pretensão do Reclamante sendo-o a Impugnação Judicial sem possibilidade de convolação com fundamento em intempestividade, tal como reiterado na decisão sumária.

xv) Recorta-se assim, que os argumentos invocados pelo Reclamante são manifestamente infundados, não merecendo quer a sentença quer a decisão sumária qualquer censura.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve a presente reclamação ser julgada improcedente, devendo manter-se na ordem jurídica a decisão sumária que negou provimento ao recurso e manteve a sentença.


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O Exmo. Magistrado do Ministério Público foi notificado, nada opondo a que os autos sejam trazidos à conferência.

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Colhidos os vistos legais, importa decidir.

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O instituto da reclamação para a conferência, actualmente previsto no artigo 652º, nº 3, do CPC, fundamenta a sua existência no carácter de tribunal colectivo que revestem os Tribunais Superiores, nos quais a regra é a decisão judicial demandar a intervenção de três juízes, os quais constituem a conferência, e o mínimo de dois votos conformes.

Sempre que a parte se sinta prejudicada por um despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode dele reclamar para a conferência. O que se visa com a reclamação é, afinal, a substituição do órgão excepcional (o relator) pelo órgão normal (a conferência como tribunal colectivo) para proferir determinada decisão.

Vejamos, então.

É o seguinte o teor da decisão sumária reclamada:

“I - RELATÓRIO

J..., vem recorrer para este Tribunal Central, da decisão da Mma Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa que indeferiu liminarmente da acção, por verificada a excepção de erro na forma processual, sem possibilidade de convolação.

Inconformado com o assim decidido, apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões:




«Imagem no original»



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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

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Com dispensa dos vistos, profere-se decisão ao abrigo do artigo 656º do CPC.

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Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, a questão que constitui objecto do presente recurso consiste em saber se a decisão recorrida errou ao considerar verificar-se um erro na forma processual utilizada – a acção para o reconhecimento de um direito – não passível de convolação.

*

2 - FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

Não tendo a decisão recorrida autonomizado expressamente a matéria de facto relevante, importa que deixemos devida nota do teor da referida decisão que infra se transcreve.

Assim:

“J..., contribuinte fiscal n.º 1..., melhor identificado nos autos, vem intentar Ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, contra o Serviço de Finanças de Lisboa 1 e o Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 3.

Para o efeito invoca, em síntese, como causa de pedir:

-Na qualidade de administrador e representante legal da sociedade denominada “F..., S... S.A, foi notificado para liquidar as importâncias resultantes das liquidações adicionais de IVA n.ºs 07028710, 07028702, 07028698, 07028691, 05220274 e 05200181;

-As liquidações adicionais identificadas, tiveram origem em faturas, emitidas ao abrigo do contrato de prestação de serviços à sociedade P... P..., S.A;

-A Autoridade Tributária considerou que as faturas em causa eram “faturas falsas” e mandou que as mesmas fossem retiradas da contabilidade da sociedade “P... P..., S.A.”;

- As faturas emitidas foram alvo da instauração de dois procedimentos criminais autónomos, onde é imputado ao autor a prática do crime de abuso de confiança fiscal, pela não liquidação do Imposto de Valor Acrescentado (IVA) das faturas e pela prática do crime de fraude fiscal pela suposta emissão de faturas falsas;

- As Rés não podem ter procedimentos contraditórios, isto é, não pode um serviço de Finanças considerar as faturas como válidas e eficazes e apurar o imposto devido pelas mesmas e outro serviço de finanças considerar que as mesmas são falsas e consequentemente não existe a possibilidade de dedução do imposto constante das mesmas;

- É manifesto e evidente que o autor é detentor de um interesse legítimo, que é o de saber, se terá de liquidar imposto, porque as faturas são válidas e eficazes, ou, a contrário sensu, terão as liquidações em causa, de serem objeto de anulação, pois referem--se a documentação que não é válida nem eficaz, e como tal, não poderá nunca produzir efeitos

Conclui pedindo a procedência da ação e em consequência, a condenação das Rés a pronunciarem--se se consideram válidas ou não as faturas juntas aos autos, com as consequências legais que daí advenham.

Cumpre proferir despacho liminar.

Dispõe o artigo 145.º, n. º1 do CPPT que:

“As ações para reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária podem ser propostas por quem invoque a titularidade do direito ou interesse a reconhecer.”

Por sua vez, de acordo com o disposto no nº 3 do referido artigo, a ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária apenas pode ser proposta “sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido”.

Segundo o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, Anotado e Comentado II Volume, página 497, a possibilidade de utilizar a ação para obter o reconhecimento judicial de um direito não reconhecido, por força da referida regra da complementaridade, estará condicionada à inexistência de outro meio contencioso, que permita assegurar adequadamente a obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos.

No âmbito tributário, a jurisprudência do STA tem vindo a aceitar que a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária é um meio processual complementar, apenas devendo ser proposta quando os restantes meios contenciosos não assegurem uma tutela efetiva dos direitos e interesses legítimos dos administrados -- neste sentido cfr. Acórdão do STA de 16.10.2013 (Pleno), processo nº 0295/12, disponível em www.dgsi.pt.

Antes de mais, cumpre dizer que o Autor não identifica qual o direito ou interesse legalmente protegido, em matéria tributária, que pretende ver reconhecido.

Na verdade, apenas invoca o Autor que tem um interesse legítimo que é o de saber se terá de liquidar o imposto, sendo as faturas válidas e eficazes, peticionando que as Rés sejam condenadas a pronunciarem--se sobre tal validade.

Para além do referido, acresce que, resulta da petição inicial, que o Autor se insurge contra o facto de a alegada falsidade das faturas ter conduzido à liquidação adicional de imposto (IVA), e ter, como consequência, a instauração de processos crime, contra si, por abuso de confiança fiscal e fraude fiscal.

Dispõe o n.º2 do artigo 97.º da Lei Geral Tributária (LGT) que que “a todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo”.

O erro na forma de processo afere--se, assim, pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado, designadamente, se o pedido, ou seja, a concreta pretensão de tutela solicitada pelo autor ao tribunal se ajusta à finalidade abstratamente figurada pela lei para essa forma processual. Neste sentido cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 20.02.2013, processo nº 01147/12, de 05.11.2014, processo nº 01015/14 e de 17.06.2015, processo nº 0343/14, disponíveis em www.dgsi.pt.

Com relevo para o presente caso, escreveu--se no Acórdão do STA de 16.12.2015, processo n.º 01508/14, disponível em www.dgsi.pt:

“Na interpretação das peças processuais devem observar--se os critérios impostos pelos princípios do moderno processo e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, pelo que o tribunal deve extrair da redação dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, estabelecendo, ainda que com recurso à figura do pedido implícito, qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica.” sublinhado nosso

De acordo com o artigo 99.º do CPPT “Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, designadamente:

a) Errónea qualificação e quantificação de rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários;

b) Incompetência;

c) Ausência ou vício de fundamentação legalmente exigida;

d) Preterição de outras formalidades legais.”

Ora, conclui--se que, o alegado e peticionado, tem implícita a apreciação da legalidade das liquidações adicionais, sendo, assim, o meio contencioso adequado para obter a tutela judicial pretendida, o processo de impugnação judicial.

Utilizada a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, e não sendo este o meio mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido, está--se perante um erro na forma de processo.

O erro na forma de processo constitui nulidade, de conhecimento oficioso, podendo as consequências daí resultantes divergir consoante se possam ou não aproveitar os atos já praticados, tendo em vista as garantias do réu (cfr. artigos 193.º e 196.º do CPC).

Por seu lado, os artigos 97.º, n. º3 da LGT e 98.º, n. º4 do CPPT impõem, no caso de erro na forma de processo, a respetiva convolação para a forma de processo adequada, desde que, preenchidos os requisitos do pedido, da causa de pedir e da tempestividade.

Conforme tem sido entendimento do STA, a convolação é admitida sempre que não seja manifesta a improcedência ou intempestividade, sem prejuízo da necessária idoneidade da respetiva petição para o efeito (cfr. acórdãos do STA de 07.01.2009, processo 638/08 e de 06.04.2005, processo n.º 01100/04, disponíveis em www.dgsi.pt).

Todavia, no presente caso, não é possível proceder à convolação, porquanto o Autor não alegou, nem provou, as datas em que foi notificado dos atos tributários que deram origem à presente ação.

Assim, verificada a exceção de erro na forma do processo, na fase liminar, a mesma determina o indeferimento liminar da petição, nos termos do artigo 590.º n. º1 do CPC, sentido em que se decidirá.

*

Em face do exposto e nos termos das disposições legais citadas:

- Indefiro liminarmente a ação;

(…)”

*

- De direito

Questiona o Recorrente a decisão do TT de Lisboa que lhe indeferiu a PI de acção para reconhecimento de um direito (ARD) com fundamento na manifesta inadequação de tal meio processual para o peticionado pela mesma.

A questão que se coloca, assim, a este TCA é, pois, a de saber se enferma de erro de julgamento a decisão de 1ª Instância que indeferiu liminarmente a petição apresentada consistente em “acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

E para decidirmos cumpre verificar se no caso concreto se mostram reunidos os pressupostos para a instauração da presente acção para o que haverá que ponderar e interpretar, desde logo, os ditames do artigo 145º do CPPT que passamos a destacar:

Artigo 145.º do CPPT:

“1- As ações para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária podem ser propostas por quem invoque a titularidade do direito ou interesse a reconhecer.

2 - O prazo da instauração da acção é de quatro anos após a constituição do direito ou o reconhecimento da lesão do interessado.

3 - As ações apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido.

4 - As ações seguem os termos do processo de impugnação, considerando-se na posição de entidade que praticou o ato a que tiver competência para decidir o pedido.”

Como salientou o acórdão do STA, de 20/06/18, no processo nº 1086/17, “O STA tem vindo a afirmar que de acordo com o disposto no nº 3 do art. 145º do CPPT, a acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária apenas pode ser proposta «sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido.» (por todos o ac. deste STA de 21/05/2014 tirado no recurso nº 0737/13 disponível no site da DGSI).

E, como aponta o Cons. Jorge Lopes de Sousa, sobre a admissibilidade da ARD, depois de mencionar as três teorias sobre o alcance deste meio de reacção destacadas no parecer do Mº Pº presentes autos (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª ed., 2011, Vol. I pp. 491/495. ”... quando, apesar de existir um ou mais atos da administração tributária impugnáveis, o interessado pretender uma decisão judicial que vincule a administração tributária não só relativamente a esses determinados atos já praticados, mas também no futuro, relativamente a situações idênticas que se venham a gerar entre o interessado e a administração tributária que tenham subjacentes os mesmos pressupostos fácticos e jurídicos, situações estas que habitualmente surgem no domínio das relações tributárias dos impostos que não incidem sobre atos isolados”.

Ainda sobre esta matéria, cfr. Marta Rebelo, A tutela jurisdicional efectiva e os poderes de pronúncia do juiz em sede de acção para reconhecimento de um direito ou interesse em matéria fiscal - a teoria do alcance médio, in Fiscalidade, 13/14, Janeiro/Abril de 2003, pp. 27 a 38.

Bem como Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 2ª ed., 1999, pp.131 e ss.) embora relativamente à interpretação da norma idêntica que constava do nº 2 do art. 69º da LPTA, não tenha havido unanimidade, nem na doutrina, nem na jurisprudência da Secção de Contencioso Administrativo do STA, já, no âmbito tributário, a jurisprudência do STA tem vindo a aceitar que a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária é um meio processual complementar, apenas devendo ser proposta quando os restantes meios contenciosos não assegurem uma tutela efectiva dos direitos e interesses legítimos dos administrados [(cfr. os acs. desta Secção do Contencioso Tributário, de 11/12/2002, proc. nº 46283; de 8/10/2003, proc. nº 525/03; de 12/11/2003, proc. nº1237/03; de 14/1/2004, proc. nº 1698/04 ; de 6/10/2005, proc. nº 607/05; de 17/10/2012, proc. nº 0295/12, bem como o de 16/10/2013 (Pleno), também proferido nesse mesmo proc. nº 0295/12].

Assim, da lei, resulta que a interposição de uma ARD tem como pressuposto a existência efectiva de um direito ou interesse legalmente protegido entendido este como a situação em que a lei não protege directamente um interesse particular, mas um interesse público que, se for correctamente prosseguido, implicará a satisfação simultânea do interesse individual (acórdão do STA, de 28/03/2001-recurso n.º 27016, AP-DR, de 21/07/2003, página 2435) e consequente litígio com a Administração Tributária.

Acresce referir que o erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas”, (cfr., entre outros, o acórdão datado de 05 de Novembro de 2014, recurso n.º 01015/14)”.

Ora, nos presentes autos o pedido do autor é o seguinte: “…deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, consequentemente, serem condenadas as Rés a pronunciarem-se se consideram válidas ou não as facturas aqui juntas, com as devidas consequências que se adivinham”.

Tenhamos presente a decisão do TT de Lisboa transcrita e, em particular, o aí referido relativamente ao pedido implícito, entendimento que aqui corroboramos, no sentido de que, como a jurisprudência dos Tribunais Superiores também tem vindo a realçar, “Na interpretação das peças processuais devem observar-se os critérios impostos pelos princípios do moderno processo e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, pelo que o tribunal deve extrair da redacção dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, estabelecendo, ainda que com recurso à figura do pedido implícito, qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica”.

Ora, na economia da p.i, a apreciação da validade, ou não, das facturas (e as consequências legais daí decorrentes) prende-se com a alegada falsidade das facturas desconsideradas pela ATA e com as liquidações de IVA (num total de 6, m.i no ponto 2º da p.i) que daí resultaram e contra as quais o Autor se insurge. Aliás, nas palavras do Autor, “terão as liquidações adicionais aqui em causa, de serem objecto de anulação, pois referem-se a documentação que não é válida nem eficaz, e como tal, não poderá nunca produzir efeitos”. Dito de outro modo, e contrariando o entendimento do Recorrente, a falsidade das facturas, neste contexto, não assume qualquer autonomia perante a (i)legalidade do IVA que é consequente à desconsideração de tais documentos da contabilidade.

Assim, desta pretensão, e do mais que consta da petição inicial, resulta manifesto que a ARD não é o meio processual adequado para obter a satisfação de tal pedido, nos termos em que o mesmo foi interpretado.

Se a ATA actuou erradamente, ao desconsiderar determinadas facturas, reputando-as de falsas, então esse juízo terá que se apreciar em sede de impugnação, na repercussão ao nível do IVA adicionalmente liquidado, pois – repete-se – em termos tributários, a singela apreciação sobre a validade, ou não, das facturas não assume qualquer autonomia.

Significa isto que a decisão recorrida decidiu com acerto quanto à verificação do erro na forma processual, sendo para nós claro que o meio próprio e adequado ao fim visado pelo Autor, aqui Recorrente, era a Impugnação Judicial.

Assente que a Impugnação era, no caso, o meio adequado a satisfazer a pretensão do ora Recorrente, colocava-se a questão da tempestividade desse meio, para efeitos de aferir da possibilidade de convolação.

E, aqui, a sentença respondeu no sentido de que “não é possível proceder à convolação, porquanto o Autor não alegou, nem provou, as datas em que foi notificado dos atos tributários que deram origem à presente ação”.

Sem prejuízo de entendermos que, num caso assim, nada impedia o Tribunal (pelo contrário, aliás) de averiguar sobre a notificação dos actos tributários de liquidação adicional e sobre o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas, a verdade é que o Recorrente, em sede de recurso, esclarece essa questão, em termos que não deixam a menor dúvidas sobre a inviabilidade da convolação.

Com efeito, é o Recorrente que afirma que:

“G) Para mais, e atento o lapso temporal, decorrido desde a emissão e notificação das referidas liquidações adicionais, que ocorreu no ano de 2007, conforme se pode comprovar pelo documento 1 junto aos presentes autos, com a petição inicial, encontra-se afastada a possibilidade de atacar a veracidade e legalidade das liquidações adicionais, através do meio processual Impugnação Judicial”.

Daqui se conclui, sem hesitações, que, à data em que a p.i de ARD foi apresentada, em 27/05/19 (cfr. data do registo aposto no envelope de envio da p.i) há muito que se mostrava ultrapassado o prazo de 3 meses a que alude o artigo 102º, nº1 do CPPT, pois, como resulta do documento um junto à p.i, os prazos de pagamento voluntário terminaram em 2007.

Portanto, a convolação afigura-se incontornavelmente inviável, por razões de (in)tempestividade.

E, assim sendo, como é, perante a nulidade a que corresponde o erro na forma do processo, sem possibilidade de convolação, conclui-se que bem andou a Mma. Juiz a quo ao decidir nos termos em que o fez.

Tanto basta, pois, para concluir que não pode o recurso ser provido, considerando-se improcedentes todas as conclusões da alegação do recurso, mantendo-se a decisão recorrida que decidiu no sentido da verificação do erro na forma de processo, sem possibilidade de convolação ARD em impugnação judicial.

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3 - DECISÃO

Termos em que se decide negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 30 de Outubro de 2020


(Catarina Almeida e Sousa)”

***


O acabado de expor mantém-se inteiramente válido, sufragado por este colectivo, não se justificando, assim, alterar a decisão sumária reclamada.

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DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a presente reclamação para a conferência, confirmando-se a decisão sumária reclamada, proferida em 30/10/20.

Condena-se o Reclamante pelo presente incidente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.

Lisboa, 13/05/21

[A Relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Hélia Gameiro e Ana Cristina Carvalho]


Catarina Almeida e Sousa