Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07149/11
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:09/08/2011
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:TRABALHADOR EM FUNÇÕES PÚBLICAS – FÉRIAS - IDADE
Sumário:Se o trabalhador em funções públicas fizer 39 anos de idade durante 2009, isso implica, ao abrigo do art. 173º-1-2 do RCTFP (Lei 59/2008), que o direito a férias a gozar em 2009 (vencido a 1-1-2009) terá o conteúdo de 26 dias úteis (mais um dia do que o normal anterior) e sem prejuízo do nº 3 desse art. 173º, tal como no art. 2º do DL 100/99.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

SINDICATO DOS ENFERMEIROS PORTUGUESES, com os sinais dos autos, intentou no T.A.C. de Lisboa uma Acção Administrativa Especial (nº 2319/09) contra

CENTRO HOSPITALAR DE COIMBRA EPE, com os sinais dos autos, pedindo a anulação do despacho de 21 de Julho de 2009, do Director do Serviço de Gestão de Recursos Humanos do referido Centro, que indeferiu o pedido de uma associada do A. de gozo de mais um dia de férias no ano de 2009 “por ter completado 39 anos de idade no dia 11 de Julho de 2009”, e que a Entidade Demandada seja condenada a reconhecer-lhe o direito ao gozo de mais um dia de férias no ano de 2009.

Após os articulados e as alegações, por sentença daquele tribunal foi decidido julgar o pedido procedente.

Inconformada, vem o réu recorrer para este T.C.A.-Sul, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1- A douta sentença ora recorrida veio julgar a acção interposta pelo Recorrido, procedente e, consequentemente, anulou "o despacho de 21 de Julho de 2009, do Director do Serviço de Gestão de Recursos Humanos, que indeferiu o requerimento do aqui representado, de 14 de Julho de 2009, relativo a autorização de mais um dia de férias, em função da idade" e condenou "a Entidade Demandada a reconhecer o direito ao aqui representado, no ano de 2009, à aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do DL n.º 100/99, atribuindo-lhe mais um dia de férias em função da idade.".

2- No entanto, entende o ora recorrente que a mesma é nula, por ter violado o disposto nos artigos 668.º, n.º 1, alínea b), do CPC, conjugado com o artigo 158.º e 659.º, n.º 2, do CPC e ainda por erro de julgamento de direito, por ter violado o disposto no artigo 2.º, do DL n.º 100/99, de 31 de Março, o artigo 173.º, n.º 1, alínea a), do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, e ainda o artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, versando por isso o presente recurso apenas sobre matéria de direito.

3- Assim, salvo melhor e douta opinião, a douta sentença padece por isso do vício de falta de fundamentação, por não serem especificados os fundamentos de direito.

4- Na verdade, o legislador consagrou o dever de fundamentação para as decisões judiciais em geral no artigo 158.º do CPC, aí se prescrevendo no n.º 1, que: "As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. ", e o seu n.º 2, que: "A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição. "

5- Sendo que, a falta de fundamentação gera a nulidade da sentença, cfr artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do CPC.

6- Ora, no que respeita à fundamentação da sentença, podemos ler no artigo 659.º, n.º 2, do CPC, que: "Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final."

7- Assim, é inequívoco que a sentença proferida violou o dever de fundamentação, não resultando da mesma qual os fundamentos de direito que permitem concluir pela decisão tomada.

8- Na verdade, dos escassos 5 parágrafos que constituem a parte IV da sentença, e que alegadamente se reportavam ao direito aplicável e assim ao enquadramento jurídico da questão objecto do presente litigio, consta apenas a transcrição de uma norma legal, o sumário da questão controvertida e a conclusão de que "mostra-se manifesto que o normativo referido dá a resposta ao referido de forma linear e cristalina. "

9- Com referência, por último, que: "Se é certo que nos termos do n.º 2, a idade relevante é aquela que o funcionário completar até 31 de Dezembro do ano em que as férias se vencem, e referindo o n.º 6 que as férias se vencem no dia 1 de Janeiro de cada ano (2009), ainda que reportadas ao serviço prestado no anterior, mostra-se claro que o aqui representado terá direito à aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do DL n.º 100/99, em 2009, ano em que completa 39 anos e em que as férias se vencem (n.º 6)."

10- Ora, esta conclusão não consubstancia qualquer interpretação da referida norma jurídica, não lhe sendo fixado qualquer sentido e extensão que determinariam subsequentemente a sua individuação, traduzida na aplicação da norma ao caso concreto.

11- Pelo que, deverá julgar-se procedente o presente recurso, por padecer a douta sentença da nulidade a que se reporta o artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do CPC, conjugado com o artigo 158.º e 659.º, n.º 2, também do CPC, todos aqui aplicáveis por força do disposto no artigo 140.º, do CPTA.

12- A douta sentença padece ainda de erro de julgamento, pois fez uma errada aplicação do direito, violando por isso o disposto o disposto no artigo 2.º, do DL n.º 100/99, de 31 de Março, o artigo 173.º, n.º 1, alínea a), do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, e ainda o artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil,

13- Desde logo porque, invoca o disposto no DL n.º 100/99, de 31 de Março, na redacção introduzida pelo DL n.º 157/2001, de 11 de Maio, quando este diploma não se aplica aos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas, como é o caso da representada do Recorrido.

14- Na verdade, o DL n.º 100/99, de 31 de Março, mantém-se como o regime jurídico sobre férias, faltas e licenças aplicável ao pessoal cuja relação jurídica de emprego público se constitua através de nomeação, cfr artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e artigo 1.º, 3.º e 8.º a contrario, da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, sendo que, o regime jurídico sobre férias e faltas e licenças aplicável ao pessoal com contrato de trabalho em funções públicas, se encontra previsto no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, de ora em diante designado abreviadamente por RCTFP, e constante do anexo I, à Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, mais concretamente, no que se refere à matéria objecto dos presentes autos, no seu artigo 172.º e 173.º.

15- No entanto, é também verdade que a redacção do artigo 2.º daquele DL n.º 100/99, de 31 de Março, é praticamente idêntica à redacção do artigo 172.º e 173.º, do RCTFP, mais concretamente.

16- Sendo certo que, em qualquer um daqueles normativos - cuja redacção é praticamente a mesma - a subsunção da situação fáctica em apreço aos mesmos, não tem qualquer correspondência verbal com a letra da lei, violando assim, o disposto no artigo 9.º, n.º 2, do CC;

17- Na verdade, a redacção daquele artigo 173.º, n.º 1, alínea a), do RCTFP, é absolutamente clara ao indicar o limite de 39 anos, como aquele que deve ser considerado para efeitos do gozo de 25 dias úteis de férias;

18- Aliás, o sinónimo da palavra "até", é de que: indica limite ou termo espacial ou quantitativo. Indica inclusão; sem excepção de; igual a; inclusivamente; inclusivamente também.

19- Assim, também aquela alínea a), do n.º 1, do artigo 173.º, do RCTFP, significa por isso que o gozo dos 25 dias úteis de férias é devido ao trabalhador que tenha até 39 anos de idade, incluindo aqueles que tenha precisamente estes 39 anos de idade, esclarecendo, de seguida o n.º 2, daquele artigo que, a idade relevante é aquela que o trabalhador completar até 31 de Dezembro do ano em que as férias se vencem.

20- Naturalmente que o n.º 2, deste mesmo artigo, quis esclarecer que aquela idade é independente do dia de aniversário do trabalhador, considerando-se determinante apenas o ano em que se completa certa idade;

21- Sendo que, salvo melhor e douta opinião, a leitura, interpretação e aplicação daquele normativo legal diferente da acima referida, e que resulta da douta sentença agora recorrida, viola claramente o disposto no artigo 173.º, n.º 1, alíneas a) e b) e o seu n.º 2, por não ter um mínimo de correspondência verbal com a letra da lei, e por isso e ainda assim também o disposto no artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil.

22- Acresce ainda que, sempre resultaria da conjugação do n.º 1, com o n.º 2, deste artigo 173. º - ao esclarecer que a idade que o trabalhador completa e a que se reportam as alíneas a) a c), é aquela que o funcionário teria no ano em que as férias se vencem - a impossibilidade de ser considerada a idade do trabalhador reportada ao ano em que esse direito a férias foi adquirido, cfr artigo 171.º, n.º 4, do RCTFP;

23- Assim, e se atentarmos à leitura sequencial do referido artigo, no seu número um, retiramos que: a alínea a), refere que até ao ano em que completa 39 anos, o trabalhador tem o direito a 25 dias; até ao ano em que completa 49 anos, tem direito a 26 dias, cfr a alínea b); até ao ano em que completa 59 anos, a 27 dias, cfr alínea c); sendo que a partir desse ano vai adquirir o direito a 28 dias de férias, cfr alínea d). Este último ano vai ser precisamente o ano seguinte a ter completado os 59 anos de idade, uma vez que no ano em que completa os 59 anos goza os 27 dias a que se reporta a alínea c);

24- Por último, acresce ainda que a procedência do presente recurso no que respeita à condenação do aqui recorrente no primeiro dos pedidos formulados pelo ora recorrido, determina necessariamente a absolvição do arguido relativamente do segundo pedido formulado pelo recorrido.

25- Na verdade, a manter-se o acto praticado pelo Recorrente perfeitamente consolidado na ordem jurídica, nunca poderá o Recorrente ser condenado a reconhecer o direito ao representado do recorrido de, no ano de 2009, lhe ser aplicada a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do DL n.º 100/99, atribuindo-lhe mais um dia de férias, sob pena de condenar o Recorrente a praticar um acto anulável por vício de violação de lei;

26- Pelo que, o douto Tribunal "a quo", ao decidir como decidiu violou o disposto no artigo 2.º, do DL n.º 100/99, de 31 de Março, o artigo 173.º, n.º 1, alínea a), do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, e ainda o artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, uma vez que o despacho anulado cumpriu o disposto no artigo 173.º, n.º 1, alínea a}, do RCTFP e assim o disposto no artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, não padecendo por isso de qualquer invalidade, pelo que não poderia ter sido anulado, da mesma forma que a Recorrente não poderá por isso ser condenada a reconhecer ao representado do recorrido um direito que o referido normativo legal não lhe concede, sob pena de aí sim praticar um acto anulável por vicio de violação de lei, mais concretamente violação do disposto no artigo 173.º, n.º 1, alínea a, do RCTFP e artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil.

O recorrido não apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES.

*

Após os vistos nos termos legais, importa agora em conferência apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO NA 1ª INSTÂNCIA

Tendo em consideração as peças das partes, os documentos juntos aos autos, considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para o mérito da decisão:

1)

A aqui Autora (melhor: A...) é associada do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP), com o nº 31 415;

2)

A aqui Autora (melhor: A...) exerce funções no Centro Hospitalar de Coimbra – Maternidade Bissaya Barreto, exercendo funções próprias da categoria de enfermeira graduada (Por acordo).

3)

A aqui Autora (melhor: A...) completou 39 anos de idade em 11 de Julho de 2009 (Cfr. fls. 15 Procº físico);

4)

A aqui Autora (melhor: A...) requereu à Entidade Demandada, em 14 de Julho de 2009 que lhe fosse autorizado “o gozo de mais um dia de férias no ano de 2009 (26 + 1), … por ter completado 39 anos de idade no dia 11 de Julho de 2009. (Cfr. doc. 2 PI);

5)

A aqui Representada requereu, em 3 de Setembro de 2009, informação sobre a situação em que se encontrava o procedimento desencadeado com o aludido requerimento (Cfr. doc. nº 3 PI);

6)

No verso do requerimento da aqui Representada, de 14 de Julho de 2009, consta a seguinte informação, datada de 21 de Julho de 2009, do Serviço de Gestão de Recursos Humanos (Cfr. fls. 41v Procº físico):

Vem a enfermeira A...solicitar o gozo de mais uns dias de férias por ter completado em 11 de Julho de 2009, 39 anos de idade.

Com a aplicação do Decreto-lei n° 101-A/96 de 26 de Julho, adquiriu-se o direito a:

a) 22 dias de férias até completar 39 anos de idade.

b) 23 dias de férias até completar 49 dias de idade

A Lei 59/2008 de 11 de Setembro, que aprova o regime de contrato de trabalho em funções públicas, no seu art° 173º mantém o direito anteriormente adquirido.

No entanto, a sua aplicação suscitou dúvidas, pelo que após consulta, foi publicada a Circular Informativa da Secretaria-Geral do Ministério da Saúde, que dá o seguinte exemplo, no ponto 5.2:

A. Um funcionário ou agente completou 39 anos de idade no dia 4 de Janeiro … não tem direito ao acréscimo de 1 dia de férias nesse ano…

Assim e salvo melhor opinião, a Sra. enfermeira apenas terá direito a mais um dia de férias em 2010.”

7)

Em 25 de Setembro de 2009 foi a aqui Representada notificada, pessoalmente, do teor da decisão de indeferimento da sua pretensão, por despacho de 21 de Julho de 2009, do Director do Serviço de Gestão de Recursos Humanos do Centro Hospitalar de Coimbra (Cfr. fls. 18 Procº físico);

8)

A presente Acção deu entrada no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa em 19 de Novembro de 2009 (Cfr. fls. 2 e sg. SITAF).

Nenhum outro facto relevante foi considerado provado.(1)

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

O âmbito do recurso jurisdicional, cujo objecto é a decisão recorrida, é delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações, apenas podendo incidir sobre questões que tenham sido ou devessem ser anteriormente apreciadas e não podendo confrontar o tribunal ad quem com questões (coisa diversa de considerações, argumentos ou juízos de valor) novas (sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso).

A.

O tribunal a quo decidiu:

a) Julgar procedente a presente Acção, anulando-se o despacho de 21 de Julho de 2009, do Director do Serviço de Gestão de Recursos Humanos, que indeferiu o requerimento do aqui representado, de 14 de Julho de 2009, relativo a autorização de mais um dia de férias, em função da idade;

b) Condenar a Entidade Demandada a reconhecer o direito ao aqui representado, no ano de 2009, à aplicação da alínea b) do nº 1 do art° 2º do DL nº 100/99, atribuindo-lhe mais um dia de férias em função da idade.

E antes, para isso, entendeu:

- Se é certo que nos termos do nº 2, a idade relevante é aquela que o funcionário completar até 31 de Dezembro do ano em que as férias se vencem, e referindo o nº 6 que as férias se vencem no dia 1 de Janeiro de cada ano (2009), ainda que reportadas ao serviço prestado no anterior, mostra-se claro que o aqui representado terá direito à aplicação da alínea b) do nº 1 do art° 2º do DL nº 100/99, em 2009, ano em que completa 39 anos e em que as férias se vencem (nº 6). (2)

- A requerida cumulação de pedidos baseia-se na alínea b) do nº 2 do art° 47º do CPTA (…). Importará pois ter em atenção que a reconstituição da situação actual hipotética, a efectuar, implica que, em juízo de prognose anterior objectivo, se retroceda ao momento em que, no caso, o acto anulado foi praticado, procurando repristinadamente reconstituir a situação que existiria caso o acto tivesse sido, desde logo, legal. Na realidade, ao Tribunal está vedada a possibilidade de obstar a que a Administração pratique actos inseridos no âmbito do seu poder discricionário, sem prejuízo de lhe ser lícito impor que os mesmos, a serem executados, cumpram os desideratos e formalismos legal e regulamentarmente aplicáveis. Em qualquer a presente situação é meramente de “causa/efeito”, em função do preenchimento de pressupostos que o legislador impôs de forma objectiva. Em face do que antecede, nada obsta a que o tribunal decida impor à Entidade Demandada a prática do acto devido, o qual não envolve qualquer discricionariedade.

B. Nulidade?

Segundo o recorrente, há nulidade da sentença recorrida, porque o tribunal a quo não terá fundamentado a sua decisão, não terá interpretado a lei.

O tribunal escreveu, referindo-se ao art. 2º do DL 100/99 (semelhante àquele normativo que abaixo aplicaremos):

Assim, sem prejuízo dos dias de férias que o aqui representado tenha direito em função do nº 3 do art° 2º, supra transcrito, mostra-se manifesto que o normativo referido dá a resposta ao referido de forma linear e cristalina.

Se é certo que nos termos do nº 2, a idade relevante é aquela que o funcionário completar até 31 de Dezembro do ano em que as férias se vencem, e referindo o nº 6 que as férias se vencem no dia 1 de Janeiro de cada ano (2009), ainda que reportadas ao serviço prestado no anterior, mostra-se claro que o aqui representado terá direito à aplicação da alínea b) do nº 1 do art° 2º do DL nº 100/99, em 2009, ano em que completa 39 anos e em que as férias se vencem (nº 6).

Esta breve explanação e interpretação do artigo invocado (breve talvez por o Mmº juiz considerar o assunto claro) é fundamentação com breve interpretação jurídica (= retirar do texto legal um determinado sentido ou conteúdo de pensamento – J. BATISTA MACHADO, Introdução…, 1983, p. 175 ss; apelando ao método e ao sentido normativo-jurídico do direito vigente na problemática em causa, cfr. CASTANHEIRA NEVES, RLJ 117º, p. 130).

Pode ser curta (ou insuficiente) a fundamentação, mas existe, cumprindo assim a lei, pelo que não há a nulidade invocada.

C. Direito a férias

O direito a férias é um direito protegido a nível constitucional (artigo 59º, número 2 alínea d da Constituição da República Portuguesa) e tem como finalidade proporcionar ao trabalhador a recuperação física e psíquica, disponibilidade pessoal e integração na vida familiar, bem como participação social e cultural.

A representada do A. completou 39 anos de idade em Julho de 2009 e pretende ter mais um dia de férias (ausência ao serviço previamente autorizada, visando proporcionar um determinado período de descanso) em 2009. O réu entende que só tem esse direito em 2010.

Discute-se a aplicabilidade do DL 100/99 ou do RCTFP aprovado pela Lei 59/2008, não obstante os arts. 2º do DL 100/99 e 173º do RCTFP(3) serem quase iguais.

O RCTFP regula de forma tendencialmente exclusiva todos os aspectos do regime do contrato de trabalho em funções públicas, como é o caso do regime das férias, faltas e licenças. Assim, no que respeita às férias e faltas, o RCTFP dispõe e organiza pormenorizadamente a matéria no Capítulo II sobre a prestação do trabalho, distribuindo-a da seguinte forma: as férias encontram-se previstas na subsecção X (artigos 171.º a 183.º), ao passo que as faltas estão previstas na subsecção XI (artigos 184.º a 193.º). Quanto às licenças, estão elas previstas na subsecção III do Capítulo V sobre vicissitudes contratuais (artigos 234.º e 235.º).

Residualmente, aplicam-se algumas disposições do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março. Com a entrada em vigor do RCTFP não pode deixar de se considerar tacitamente revogado o Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março, na parte relativa ao seu âmbito de aplicação (artigo 1.º). Ou seja, por força do RCTFP, os trabalhadores da Administração Pública cuja relação jurídica de emprego seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas deixam de estar incluídos no seu âmbito subjectivo de aplicação. O Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março, mantém-se como o regime jurídico sobre férias, faltas e licenças aplicável ao pessoal cuja relação jurídica de emprego público se constitua através de nomeação. O RCTFP salvaguarda essa aplicação residual em duas sedes distintas. Na lei preambular, o artigo 19.º consagra algumas regras especiais de aplicação no tempo relativas à protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas. Assim, o seu n.º 3 mantém, para todos os trabalhadores vinculados por contrato de trabalho em funções públicas e beneficiários do regime de protecção social da função pública, até à regulamentação do regime de protecção social convergente, a aplicação das normas relativas à manutenção do direito à remuneração, justificação, verificação e efeitos das faltas por doença que lhes vêm sendo aplicáveis. Trata-se de uma disposição de direito transitório. Em matéria de licenças, o n.º 5 do artigo 234.º do Regime dispõe que as licenças sem remuneração para acompanhamento de cônjuge colocado no estrangeiro e para o exercício de funções em organismos internacionais são concedidas nos termos previstos na lei aplicável ao pessoal nomeado.

D. Do artigo 173º do RCTFP (Lei 59/2008) e do igual art. 2º do DL 100/99

A representada do A. completou 39 anos de idade em Julho de 2009.

De acordo com o art. 9º do CC:

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Já vimos o art. 173º RCTFP, para o aqui relevante igual ao art. 2º do DL 100/99.

Dali decorre que o número de dias de férias do trabalhador em funções públicas varia em função da idade que o trabalhador completar até 31 de Dezembro do ano em que as férias se vencem.

A preposição “até” dali constante quer dizer limite no tempo, no espaço ou mesmo na quantidade.

As férias vencem-se no dia 1 de Janeiro de cada ano (v. art. 172º-1 RCTFP, tal como no DL 100/99 e antes) respeitando, em regra, ao serviço prestado no ano civil anterior.

Aqui, à semelhança do que se passa com as obrigações no Direito civil, “vencimento” quer-se referir à exigibilidade de concretização/satisfação do direito.

Portanto, as férias do ano de 2009 venceram-se em 1-1-2009, ou seja, o trabalhador pôde exigir desde esse dia o gozo das suas férias nos termos e condições legais.

Se o trabalhador em funções públicas fizer 39 anos de idade durante 2009, isso implica, ao abrigo do art. 173º-1-2 cit., que o direito a férias a gozar em 2009 (vencido a 1-1-2009) terá o conteúdo de 26 dias úteis (mais um dia do que o normal anterior) e sem prejuízo do nº 3 desse art. 173º.

É uma interpretação(4) do art. 173º cit. que respeita perfeitamente o art. 9º CC cit.

Improcedem assim todas as conclusões do recurso, incluindo as referentes à consequente condenação em atribuir mais um dia de férias nos termos do art. 173º-1-b-2-3 do RCTFP cit..

III. DECISÃO

Em conformidade com o acima exposto, acordam os juizes desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar o recurso improcedente.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 8-9-2011


Paulo Pereira Gouveia

Cristina dos Santos

António Vasconcelos

1- O art. 659º-2 CPC pressupõe o art. 653º-2 CPC. Ver ainda, para os casos em que não há B.I., o art. 791º-3 CPC.

2- 1 - O pessoal abrangido pelo presente diploma tem direito, em cada ano civil, a um período de férias calculado de acordo com as seguintes regras:
a) 25 dias úteis de férias até completar 39 anos de idade;
b) 26 dias úteis de férias até completar 49 anos de idade;
c) 27 dias úteis de férias até completar 59 anos de idade;
d) 28 dias úteis de férias a partir dos 59 anos de idade.
2 - A idade relevante para efeitos de aplicação do número anterior é aquela que o funcionário ou agente completar até 31 de Dezembro do ano em que as férias se vencem.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, o pessoal abrangido pelo presente diploma tem ainda direito a mais um dia útil de férias por cada 10 anos de serviço efectivamente prestado.
4 - O direito a férias adquire-se com a constituição da relação jurídica de emprego público.
5 - O direito a férias deve efectivar-se de modo a possibilitar a recuperação física e psíquica dos funcionários e agentes e assegurar-lhes as condições mínimas de disponibilidade pessoal, de integração na vida familiar e de participação social e cultural.
6 - O direito a férias vence-se no dia 1 de Janeiro de cada ano e reporta-se, em regra, ao serviço prestado no ano civil anterior.
7 - Os dias de férias podem ser gozados em meios dias, no máximo de quatro meios dias, seguidos ou interpolados, por exclusiva iniciativa do trabalhador.
8 - O direito a férias é irrenunciável e imprescritível e o seu gozo efectivo não pode ser substituído por qualquer compensação económica, ainda que com o acordo do interessado, salvo nos casos expressamente previstos no presente diploma.
9 - Durante as férias não pode ser exercida qualquer actividade remunerada, salvo se a mesma já viesse sendo legalmente exercida.

3- 1 - O período anual de férias tem, em função da idade do trabalhador, a seguinte duração:
a) 25 dias úteis até o trabalhador completar 39 anos de idade;
b) 26 dias úteis até o trabalhador completar 49 anos de idade;
c) 27 dias úteis até o trabalhador completar 59 anos de idade;
d) 28 dias úteis a partir dos 59 anos de idade.
2 - A idade relevante para efeitos de aplicação do número anterior é aquela que o trabalhador completar até 31 de Dezembro do ano em que as férias se vencem.
3 - Ao período de férias previsto no n.º 1 acresce um dia útil de férias por cada 10 anos de serviço efectivamente prestado.
4 - A duração do período de férias pode ainda ser aumentada no quadro de sistemas de recompensa do desempenho, nos termos previstos na lei ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
5 - Para efeitos de férias, são úteis os dias da semana de segunda-feira a sexta-feira, com excepção dos feriados, não podendo as férias ter início em dia de descanso semanal do trabalhador.
6 - O trabalhador pode renunciar parcialmente ao direito a férias, recebendo a remuneração e o subsídio respectivos, sem prejuízo de ser assegurado o gozo efectivo de 20 dias úteis de férias.

4- É retirar do texto legal um determinado sentido ou conteúdo de pensamento – J. BATISTA MACHADO, Introdução…, 1983, p. 175 ss; apelando ao método e ao sentido normativo-jurídico do direito vigente na problemática em causa, cfr. CASTANHEIRA NEVES, RLJ 117º, p. 130