Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06721/10
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:11/25/2010
Relator:PAULO CARVALHO
Descritores:LINHAS DE ALTA TENSÃO.
Sumário: 1- Todos os estudos científicos conhecidos concluíram não existir prova de ligação entre as linhas de alta tensão e prejuízos para a saúde.
2- Estando cientificamente provada até que distância a que a radiação electromagnética exerce influência, tendo estas distâncias sido recebidas pela legislação, tem de se concluir que as linhas de alta tensão que respeitam estas distâncias não são prejudiciais para a saúde humana.
3- Os danos patrimoniais derivados da instalação de linhas de alta tensão não são irreversíveis nem de difícil reparação.
4- Logo, não se verifica o periculum in mora, pelo que a providência cautelar de suspensão de construção de linhas de alta tensão deve ser indeferida.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Espécie: Processo cautelar.
Recorrente: A...e B....
Recorrido: EDP – Distribuição de Energia S. A. e outros.
Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 427 que julgou improcedente a presente providência cautelar.
Foram as seguintes as conclusões do recorrente:
a) A sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia no que à audição das testemunhas respeita;
b) É igualmente nula por omissão de análise da questão da ilegalidade do projecto de licenciamento da obra, por alteração das condições da obra, sem precedência de projecto de alterações e respectivo licenciamento.
c) Os requisitos para o decretamento da providencia estão verificados, pois quer o periculum in mora, quer os danos futuros estão devidamente alegados no requerimento inicial, dependendo contudo de prova a produzir em sede de julgamento, e nesta sede não possibilitada pelo tribunal "a quo" a pretexto de que os requerentes não indicaram concretamente a que factos deveria a testemunha responder…
d) ... estando amplamente demonstrado que os requerentes requereram a audição da testemunha a todos os factos do requerimento inicial e aditamento.
e) A sentença recorrida padece também de nulidade, por não admitir a produção de prova a pretexto do não cumprimento de uma obrigação processual, contudo sem razão alguma, carecendo tal decisão de base legal e processual.
Os recorridos contra-alegaram defendendo a improcedência do recurso, mas não formularam conclusões.

2. Foi a seguinte a factualidade assente pelo Acórdão recorrido:
1- B...é proprietário do lote ... ((Doc fls 16 a 17).
2- A...é proprietário do lote ... ((Doc fls 12 a 13),
3- Em 28.7.2009, a EDP requereu ao Ministério da Economia e da Inovação o Licenciamento do projecto de modificação da linha mista,, a 60 KV, LM 6000 Moscavide - Póvoa, com 2297 m, com origem no apoio PI7 e término no apoio P28, sita nas freguesias de Unhos e São João da Talha, cujo projecto constante a fls 251 a 260 e 262 a 274 se dá aqui por reproduzido na íntegra (Doc fls. 249 a 260 e 262 a 274).
4- Por despacho de 27.10.2009, foi concedida à EDP licença de estabelecimento da instalação eléctrica de modificação da linha mista, a 60 KV, LM 6000 Moscavide - Póvoa, com 2297 m, com origem no apoio P17 e término no apoio P28, sita nas freguesias de Unhoa e São João da Talha (Doc fls 261.
5- Em Abril de 2010, no desenvolvimento de troço de transição aéreo - subterrâneo, foram iniciados os trabalhos para deslocamento dos postes de alta tensão, com a colocação de dois apoios (pórticos) em frente aos lotes 24 e ..., no Bairro da Bela Vista, a cerca de 18 metros de distância das habitações, em terreno da Freguesia de São João da Talha (acordo das partes).
O M. P. foi notificado para se pronunciar sobre o mérito do recurso, tendo-o feito no sentido do recurso merecer procedimento.
O processo foi submetido à conferência sem colher vistos, por se tratar de processo urgente.

3. São as seguintes as questões a resolver:
3.1. Verifica-se a nulidade da sentença ?
3.2. Estão preenchidos os requisitos para o decretamento da providência ?

4.1. Alegam os recorrentes que a sentença é nula por omissão de pronúncia no que à audição das testemunhas respeita.
No entanto, tal matéria consta do despacho de fls. 425 e 426, que antecedem a sentença recorrida, pelo que a referida nulidade por omissão de pronúncia não se verifica.
Invocam também os recorrentes a nulidade da sentença por omissão da análise da questão da ilegalidade do projecto de licenciamento da obra, por alteração das condições da obra, sem precedência de projecto de alterações e respectivo licenciamento.
Esta matéria não consta contudo da petição inicial dos recorrentes. Os vícios jurídicos apontados à obra são a inexistência de projecto e de despacho do Ministério da Economia. Só em sede de resposta às oposições é que os recorrentes vieram levantar esta questão, mas como essa matéria não constitui resposta a excepções, não é lícito conhecer dela. Logo, não se verifica a invocada nulidade.
Alegam ainda os recorrentes que a sentença é nula por não admitir a produção de prova a pretexto do não cumprimento de uma obrigação processual, contudo sem razão alguma, carecendo tal decisão de base legal e processual.
A decisão do Tribunal recorrido tem fundamento legal no artº 118.3 do CPTA, in fine, que confere ao Juiz o poder de ordenar as diligências de prova que considere necessárias, ou seja, também pode indeferir as que considere desnecessárias. Logo, o despacho de indeferimento tem base legal, pelo que não se verifica a invocada nulidade.

4.2. Fora dos casos do âmbito do artº 120.1.a) do CPTA, as providências, para serem decididas, devem ser distinguidas entre conservatórias e antecipatórias.
As providências cautelares são antecipatórias quando “procuram antecipar a tutela jurisdicional que se pretende obter através da acção principal” (Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., pág. 235). Serão conservatórias quando “visam garantir a realização de um direito” (cit.). Ou, como diz Freitas do Amaral, “as providências antecipatórias são aquelas que visam obter, antes que o dano aconteça, um bem a que o particular tenha direito, enquanto que as providências conservatórias são aquelas que se destinam a reter, na posse ou na titularidade do particular, um direito a um bem de que ele já disponha, mas que está ameaçado de perder” (As providências cautelares do novo contencioso Administrativo, in Justiça Administrativa, nº 43, pág. 6).
No caso das providências destinadas a suspender a eficácia de um acto administrativo, como é o caso destes autos, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ed. 2005, pág. 556, defendem que se trata de uma providência conservatória.
As providências conservatórias vêm previstas no artº 120.2.b) do CPTA, e, para além da exigência do periculum in mora, têm como requisito que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo, ou seja, um fumus non malus iuris.
Relativamente ao periculum in mora, a petição dos autores funda-se em dois pontos: o perigo para a saúde e a desvalorização das suas propriedades.
A sentença recorrida entendeu que não se verificava o periculum in mora.
Alegaram os requerentes que a instalação das linhas eléctricas vai prejudicar a sua saúde. Para prova do alegado, juntaram uma notícia do jornal Correio da Manhã, retirada da Internet, onde se fala da ligação entre as linhas de alta tensão e o cancro.
Vamos começar por definir a matéria de que estamos a falar, para termos uma base linguística perceptível que possibilite os termos da discussão. Para tanto, vamos socorrer-nos de uma instituição internacionalmente reconhecida: a Organização Mundial de Saúde e o seu relatório sobre esta questão, de 1999, publicado pelo seu Centro Regional Europeu, sob o título “Campos Electromagnéticos”.
A radiação electromagnética divide-se em duas radiações mensuráveis: a magnética e a eléctrica.
A radiação magnética existe na natureza e a sua intensidade varia de acordo com a latitude entre 30-70 micro-teslas (pág. E14 do relatório). Ou seja, consoante uma pessoa viva no equador ou nos pólos está sujeito a uma radiação magnética que variará no montante de 40 micro-teslas. Directamente por baixo das linhas de alta tensão o campo magnético medido é no máximo de 20 micro-teslas, mas a 50 ou a 100 metros estes valores devem ter descido aos valores de fundo normais. Ou seja: o valor do campo magnético criado pelas linhas de alta tensão, mesmo directamente debaixo delas, é inferior à variação do campo magnético criado pela modificação da latitude do local onde uma pessoa vive. Logo, no que concerne aos campos magnéticos, os receios são, de acordo com estes dados, manifestamente infundados. Aliás, o relatório referido é extremamente interessante, pois aponta situações de campos magnéticos mais elevados, mas que por esse motivo ainda ninguém se lembrou de por em causa (vide por exemplo as medições relativas aos comboios e suas linhas eléctricas).
A radiação eléctrica medida por baixo das linhas de alta tensão pode atingir 10 Kv/m, mas nas residências o seu valor baixa para 100 v/m (vide quadro de fls. E19 do referido relatório), o que deves ser considerado irrelevante, pois os valores que não se devem ultrapassar são de 5 Kv/m (vide fls. E15).
Estes valores e estas afirmações têm vindo a ser confirmados pelos últimos relatórios.
Vide ainda neste sentido, Campos Electromagnéticos e Saúde Pública, publicação da OMS, in http://projectomedeaesa.110mb.com/web_documents/pesquisa_a.p._14-10-09_2.pdf , 2007.
A última comunicação da OMS sobre este tema pode ser lida em http://www.who.int/peh-emf/about/WhatisEMF/en/ e data de 2010. Nela se reafirma que depois de dezenas de anos de investigações e centenas de estudos não há um único estudo que tenha concluído haver ligação entre radiações electromagnéticas e cancro.
As mesmas conclusões se podem ler no site do governo americano sobre cancro, in www.cancer.gov, especialmente, no artigo consultável online in http://www.cancer.gov/cancertopics/factsheet/Risk/magnetic-fields .
Isto leva-nos a desmontar algumas afirmações comuns que se costumam produzir sobre esta matéria, mas que não têm fundamento científico.
A primeira, é que há estudos contraditórios sobre a questão. O parecer do M. P. junto aos autos vai mais longe: diz que a resposta maioritária inclina-se para a afirmativa. Trata-se de uma afirmação incorrecta, não há nenhum estudo credível, nem ao menos um para amostra, aceite pela comunidade científica, que tenha conseguido estabelecer a ligação. A única coisa que conheço existir neste sentido é um estudo sobre aparelhos domésticos e linhas de electricidade das casas (Kliukiene J, Tynes T, Andersen A. Residential and occupational exposures to 50-Hz magnetic fields and breast cancer in women: A population-based study. American Journal of Epidemiology 2004; 159(9): 852–861.) e um estudo sobre o uso de aparelhos eléctricos nas camas (Zhu K, Hunter S, Payne-Wilks K, et al. Use of electric bedding devices and risk of breast cancer in African-American women. American Journal of Epidemiology 2003; 158: 798–806). Estudos feitos em animais concluíram negativamente pela ligação, como se pode ver, a título de exemplo, in World Health Organization, International Agency for Research on Cancer. Volume 80: Non-ionizing radiation, Part 1, Static and extremely low-frequency (ELF) electric and magnetic fields. IARC Working Group on the Evaluation of Carcinogenic Risks to Humans. 2002: Lyon, France.
A segunda é uma formulação pela negativa: diz-se que ainda não se provou que não há ligação entre as radiações e o cancro e que por isso temos de ter cuidado. Trata-se de um argumento e de uma conclusão cientificamente errados. Se está provado que a uma determinada distância a radiação é inócua (como vimos supra), então (como as distâncias determinadas cientificamente para a radiação ser inócua foram recebidas pela legislação e são respeitadas na instalação das linhas) está provado que as linhas de alta tensão, da forma como são montadas, com as distâncias de segurança que lhes são impostas, são inócuas para a saúde humana. O que não está provado é que se alguém decidir ir viver encostado às linhas de alta tensão (como fazem as cegonhas) isso não será prejudicial para a sua saúde.
Chegados aqui há que perguntar: os recorrentes conseguiram provar os factos que consubstanciam nesta parte o periculum in mora ? É evidente que a prova deste perigo para a saúde não podia ser feito por qualquer testemunha, tem de sê-lo pela apresentação de um estudo científico que, não existe. Logo, os recorrentes não lograram fazer a prova nesta parte.
Invocam também os recorrentes prejuízo patrimonial pela desvalorização dos seus imóveis.
Esta parte também não necessita de prova. É evidente, é da experiência normal da vida, é de conhecimento público para quem anda neste mundo que a generalidade das pessoas não quer ir viver para junto de linhas de alta tensão. Com ou sem justificação para os receios, estes alimentados por notícias incorrectas da Internet, de jornais ou de televisão, a verdade é que a generalidade das pessoas recusa-se a comprar uma casa junto a uma linha de alta tensão. Logo, é evidente que as propriedades dos recorrentes vão sofrer uma desvalorização. Também é evidente que vai haver um prejuízo na sua qualidade de vida, pois não é indiferente viver com uma paisagem com ou sem linhas de alta tensão.
Contudo, a situação não é irreversível nem de difícil reparação: se a pretensão dos recorrentes for juridicamente justificada, se a instalação das linhas for ilegal, as linhas podem ser removidas e/ou os recorrentes podem ser indemnizados pelo prejuízo sofrido durante esse período de tempo.
Assim sendo, temos de concluir que o periculum in mora não se verifica, pelo que a sentença recorrida tem de ser confirmada.
Esta solução tem sido também a defendida pelo STA. Vide neste sentido, o Ac. do do STA de 11/02/2010, sobre um caso similar, proc. nº 961/09, consultável in http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/fee9cfa31a37eb23802576cf0035115c?OpenDocument&Highlight=0,linhas,de,alta,tens%C3%A3o , onde se pode ler:
“O acórdão sob impugnação, tal como sucedeu com a sentença do TAF, recusou o entendimento defendido pelos requerentes, ora recorridos, de que seriam de difícil reparação, para os efeitos do disposto no referido art. 120, nº 1, al. b) CPTA, os prejuízos de natureza meramente patrimonial, correspondentes à alegada perda de valor da sua propriedade e decorrentes da instalação da linha aérea em causa. Porém, ao invés do decidido em primeira instância, o mesmo acórdão entendeu que tal instalação implica a forte probabilidade de lesão na saúde dos requerentes e respectivos familiares, habitantes da moradia, próximo da qual ficará situado um dos apoios (nº 34) da referida linha aérea. O que corresponde a prejuízo de difícil reparação, para os efeitos da citada disposição legal. Neste sentido, considerou o acórdão recorrido:
Quanto aos segundos - a defesa do direito a uma vida saudável - tudo se passa de modo diferente. O direito a uma vida sã insere-se no conjunto mais vasto dos direitos de personalidade que se encontram consagrados quer na Lei Fundamental, art. 25º da CRP, quer na lei ordinária, arts. 70º e ss. do C.C., não se encontrando forma satisfatória de os converter numa qualquer compensação patrimonial. Efectivamente tratam-se de direitos cuja salvaguarda contende com a própria existência do ser humano e que por isso devem prevalecer sobre quaisquer outros direitos de natureza meramente patrimonial. A questão que vem suscitada nos presentes autos já não é nova e tem gerado nos meios científicos, académicos e jurisprudenciais divergências assinaláveis para as quais não se tem encontrado consenso de forma a encontrar uma solução única para a sua resolução. Ao longo, pelo menos, das duas últimas décadas tem-se discutido em todos os países se as linhas de alta tensão (e igualmente os difusores do sinal das comunicações móveis) geram, ou podem gerar, no ser humano alterações físicas que sejam consequência directa de doenças graves do foro oncológico e outras que por isso acarretam uma menor qualidade de vida e diminuição da própria esperança de vida. A ideia que actualmente radica na consciência do homem médio e que percorre as sociedades é a de que tais equipamentos são nefastos para a saúde apesar de existirem vários estudos com origem nas comunidades científicas mais autorizadas dos vários países que negam tal facto e igual número que os afirmam (pode-se consultar com muito interesse a página "on-line" do National Cancer Institut, www.cancer.gov do governo dos EUA que além de informação pormenorizada sobre o assunto remete ainda para outras páginas de várias instituições que debatem o assunto) -, não se tendo, contudo, uma certeza absoluta quanto a tal matéria e por isso reside sempre a dúvida quanto à seriedade das afirmações daqueles que negam a relação directa entre o aparecimento de determinadas doenças e a exposição a linhas de electricidade e, bem assim, quanto à seriedade das afirmações daqueles que garantem essa causa-efeito.
Portanto, estando provado nos autos que efectivamente o acto administrativo posto em crise autorizou a instalação de uma linha eléctrica com as características próprias daquelas que são abrangidas por tais estudos, e que é relativamente a tais linhas eléctricas que a consciência social manifesta as suas reticências e dúvidas está encontrado o fundamento de facto essencial e determinante para que se possa concluir pela verificação do perigo da possibilidade de produção de prejuízos de difícil reparação na saúde dos recorrentes e seus familiares.
Sempre seria irrelevante dar-se como provado um determinado estudo que afirmasse de forma peremptória a existência de tais riscos para a saúde, uma vez que, nesse caso, também se teriam que dar como provados, pelo menos, outros tantos estudos que negam tal realidade.
Assim, entendemos que a matéria de facto que foi dada como provada é suficiente para que se possa concluir que, pelo menos, existe uma dúvida (séria) quanto à eventual produção de prejuízos de difícil reparação, existe o "risco" de que se possam vir a verificar doenças, e nessa medida, tendo em conta a natureza dos danos configuráveis - lesões físicas num ser humano -, tal dúvida séria - o "risco" - não pode ser desprezada, nem se pode exigir aos recorrentes que provem mais do que aquilo que já provaram para efeitos de preenchimento do critério do periculum in mora previsto no art. 120º, n.º 1, al. b) do CPTA, que terá que ser dado como verificado, uma vez que aos recorridos também não lhes pode ser exigido, face ao actual estado da ciência, que afastem, de forma conclusiva, que essa relação causa-efeito não se verifica (quanto a saber se no caso concreto se verifica uma inversão do ónus da prova ou se ao invés existe uma presunção da existência de riscos ver Professora Zlata Drnas de Clément, "El Princípio de Precaución Ambiental, La Prática Argentina", pág. 31).
Na verdade tem aqui que se fazer apelo ao princípio da precaução que tem vindo a ser definido internacionalmente com várias vertentes, uma das quais configurando-se como um dos principais pilares na defesa da saúde das pessoas.
Tal princípio foi definido na Conferência do Rio de 1992 como se destinando à " ... garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado actual do conhecimento, não podem ser ainda identificados. Este Princípio afirma que a ausência da certeza científica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever este dano... ".
Posteriormente já o mesmo princípio veio a ser incluído de forma expressa em vários tratados internacionais, nomeadamente os Europeus, tendo sido determinante a Comunicação da Comissão do ano 2000 que visou precisar e delinear o conceito e âmbito de tal princípio (presentemente este princípio encontra consagração legal expressa em Portugal na Lei n.º 58/2005, de 29/12, art. 3º, n.º 1, al. e) e no DL n.º 142/2008 de 24/7, art. 4º, al. e). Impõe-se, assim, este princípio como uma medida de salvaguarda das pessoas, animais e meio ambiente relativamente a todas aquelas actividades potencialmente causadoras de riscos e relativamente às quais não se saiba ao certo qual a sua aptidão para causar esses mesmos riscos (sobre este princípio e com muito interesse ver a anotação da Professora Carla Amado Gomes "in" CJA, n.º 63, págs. 59 e ss. e Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, coordenado pelo Professor José Joaquim Gomes Canotilho, pág. 48). Conclui-se, assim, que se deve ter por verificado o critério do periculum in mora.
Assim, ao acórdão recorrido bastou ser a instalação da linha eléctrica, autorizada pelo acto impugnado, do tipo das que motivaram estudos científicos, de resultados contraditórios, quanto à susceptibilidade de serem causa de lesões para a saúde e que suscitam, por isso, reticências e dúvidas na ‘consciência social’, para concluir pela existência do requisito de suspensão periculum in mora, à luz do denominado princípio da precaução. Mas, não é aceitável esse entendimento. A ponderação da prova produzida e o juízo sobre a subsistência de dúvidas respeitam ao julgamento da matéria de facto. Pelo que a apreciação de tal juízo, em recurso de revista e não se verificando qualquer das situações indicadas no art. 150, nº 3 e 4, do CPTA, exorbita do âmbito dos poderes de cognição deste Supremo Tribunal Administrativo. No caso sujeito, o acórdão recorrido entendeu não ter sido feita prova, nos autos, sobre se a referenciada instalação de linha eléctrica implica ou não risco de prejuízo para a saúde, designadamente, dos requerentes e respectivos familiares. Tendo considerado, até, que, face ao actual estado da ciência, não seria possível a produção de tal prova, num ou noutro sentido. Ora, tendo concluído, assim, que subsistiam dúvidas sobre a aptidão daquela instalação para produzir as invocadas efeitos nocivos para a saúde, deveria o acórdão recorrido ter valorizado essa situação de dúvida contra os requerentes (art. 516 CPCivil), sobre quem recaía o ónus de alegação de factos concretos, que demonstrassem a existência do referenciado requisito do periculum in mora (arts 114/3/g) e 118 CPTA) Vd. J. C. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª ed., Liv. Almedina, 348, e M. Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Liv Almedina, 2ª ed. rev., 291, ss., em conformidade com a regra, estabelecida no art. 342 do CCivil, segundo a qual «1. Aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado».
Em suma: o acórdão recorrido, naquelas circunstâncias, deveria ter concluído que não se verificava o perigo de produção de lesões para a saúde dos requerentes e respectivos familiares, em que se traduziria o invocado e não demonstrado prejuízo irreparável para os interesses desses mesmos requerentes, para recorridos.
E, contra este entendimento, não vale a invocação, feita no acórdão do TCAN, do princípio da precaução. Na sequência de outras formulações e antecipando várias outras, o princípio da precaução consta do art. 15 da Declaração final da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, nos seguintes termos: Para protecção do meio ambiente, a perspectiva da precaução deve ser amplamente adoptada pelos Estados, conforme as suas capacidades. Perante uma ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a inexistência de absoluta certeza científica não deve ser usada como razão para postergar medidas, eficazes e economicamente equilibradas, de prevenção da degradação ambiental. A aplicação desta ideia de precaução aos procedimentos cautelares não pode ter a extensão que lhe deu o acórdão recorrido, bastando-se com a difusa imanência, na ‘consciência social’, de reticências e dúvidas sobre as alegadas potencialidades lesivas para a saúde da instalação de linhas eléctricas e dispensando os requerentes da demonstração, ainda que sumária, da existência de prejuízos irreparáveis, que invocaram, para a providência requerida. Tal entendimento – como salientou o recente acórdão desta 1ª Secção Acórdão de 2 de Dezembro de 2009, proferido no Rº 438/09. – levaria a que bastasse a mera alegação genérica de que a ciência não garante que não há qualquer efeito danoso para o ambiente ou para a saúde e de que, assim, sempre existe um risco potencial, para que qualquer decisão administrativa fosse paralisada, implicando que, perante a dúvida sobre a causa de um dano ou sobre a sua possível ocorrência, o julgador devesse decidir sempre contra o autor do acto administrativo alegadamente causador de tal hipotético e eventual dano. Seria exigir do autor de tal acto que não só fizesse prova de que o risco se situa nos limites legalmente admissíveis – como sucedeu, aliás, no caso das ora recorrentes [cf. alienas I) e T), da matéria de facto provada] – mas, ainda, que demonstrasse a completa ausência desse risco, obrigando-o, para além dos limites do razoável, a uma diabolica probatio, com violação do direito de acesso à justiça e do princípio do processo equitativo (art. 20/1 e 4 CRP) Veja-se, neste sentido, Carla Amado Gomes, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 63, 55, ss.. Assim, deve aquele princípio da precaução ser entendido como mera orientação política dos Estados, que o devem ter em conta nas suas opções políticas e legislativas. Porém, sem que se lhe deva reconhecer a potencialidade, nem de se sobrepor ao critério jurídico do CPTA, no que respeita à verificação dos requisitos de deferimento das providências cautelares, maxime do art. 120, nº 1, al. b), nem de inverter a regra do ónus da prova consignada no art. 342º do Código Civil. Como bem já se decidiu, no citado acórdão, de 2.12.09. À face do nosso ordenamento jurídico, o princípio da precaução não foi adoptado como critério de decisão da prova, não podendo com base na mera falta de certeza da não produção de danos ambientais ou para a saúde pública o julgador concluir pela existência de receio de produção de danos ambientais e para a saúde pública, de difícil reparação ou irreversíveis, quando não se demonstra positivamente, mesmo de forma sumária, a existência de uma probabilidade séria de eles virem a ocorrer. Trata-se de uma opção legislativa discutível, em termos de política legislativa, mas que se justificará pela ponderação da necessidade de prossecução de outros interesses públicos, que se entendeu não dever ser obstaculizada por meros receios de danos eventuais ou hipotéticos, que não se demonstra com grau de probabilidade séria que possam vir a ocorrer.
Assim, e ao contrário do que decidiu o acórdão recorrido, é de concluir que não se verifica, no caso dos autos, o risco de produção de prejuízos de difícil reparação, referido no art. 120, nº 1, al. b), do CPTA, como requisito da adopção de providência cautelar conservatória. Pelo que, nessa medida, se mostra procedente alegação das recorrentes, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões nela suscitadas.”
Assim sendo, temos de concluir que a sentença recorrida deve ser confirmada.

5. Conclusão: Por tudo quanto vem de ser exposto, Acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul em Julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Registe e notifique.

25/11/2010

PAULO CARVALHO
TERESA DE SOUSA
CARLOS ARAÚJO(Vencido, pois daria como demonstrado o requisito “perigo na demora”)