Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04398/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/26/2014
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:NULIDADE PROCESSUAL
PRODUÇÃO DE PROVA
ALEGAÇÕES
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário:I – Por força do preceituado, conjugadamente, nos artigos 115º, n.º 3, 208.º e 211.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, 517.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 84.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, é obrigatória a notificação das “Informações oficiais” prestadas pela Administração Tributária, a apensação do processo administrativo e a apresentação de quaisquer outros documentos, sendo que, só a observância desse dever, permite afirmar ter sido cabalmente assegurado o princípio do contraditório, nos termos em que o mesmo se encontra consagrado no artigo 3º n.º 3 do Código de Processo Civil.
II - Em matéria de existência ou não de obrigação de notificação das partes para produção de alegações podem ser enunciados os seguintes critérios orientadores: (i) se a questão for exclusivamente de direito o Tribunal pode, prestado parecer do Ministério Público, conhecer imediatamente do pedido; (ii) sendo a questão de facto e direito, haverá que distinguir [a)] se os autos contém todos os elementos necessários para a sua apreciação segura e, em caso afirmativo, se esses elementos era já do conhecimento do Impugnante aquando da propositura da acção então as alegações não serão, em regra, obrigatórias; [b)] se não eram, designadamente porque apenas foram oferecidos com a contestação (v.g. processo instrutor) e da sua apreciação resulta persistir controvérsia quanto aos factos invocados como suporte da pretensão deduzida, tais alegações impor-se-ão obrigatoriamente.
II - Tendo sido durante a instrução da Oposição Judicial juntos aos autos “Informação oficial” e outros documentos (parcial certidão de elementos constantes do processo executivo), que foram considerados relevantes para a fixação da matéria de facto controvertida, impunha-se que a Recorrente tivesse sido notificada do seu teor, bem como para alegações a que se reporta o artigo 120.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que, não tendo ocorrido, constitui omissão susceptível de influir no exame e decisão da causa, determinante da anulação de todos os termos subsequentes ao momento da omissão dessa notificação, incluindo a sentença proferida, por força do disposto no art. 201º do CPC e art. 2º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l - RELATÓRIO

...& ..., Lda., inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a oposição por si deduzida contra a execução fiscal nº1112200901137310, instaurada pelo Serviço de Finanças de Portimão, para cobrança coerciva de dívida de IMT, do ano de 2004, dela veio interpor recurso jurisdicional

Formulou, nas alegações que oportunamente apresentou, as conclusões que infra se reproduzem:

«1. A Sentença recorrida deve ser declarada nula ou anulada por erro de julgamento e nulidade.
2. A Sentença recorrida baseia a sua decisão na informação do Serviço de Finanças de Portimão e documentação anexa junta aos autos.
3. A Recorrente não foi notificada pelo Tribunal da junção dos referidos documentos aos autos e não lhe foi dado prazo para exercer o contraditório.
4. A Sentença recorrida enferma assim de nulidade, nos termos do n°1 do art.201° do CPC, ex vi art.º2° al. d) do CPPT, pois não possibilitou o contraditório pela Recorrente, em violação do disposto nos arts. 3.° e 3.°-A do CPC.
5. Para além disso, não foi concedido prazo à Recorrente para apresentar alegações, conforme prescrito pelo art. 120.° do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 211° n.°1 do CPPT.
6. A Sentença recorrida dá especial relevância à informação do Serviço de Finanças de Portimão, porém não concedeu prazo à Recorrente para alegações.
7. Junto com essa informação encontra-se a nota de liquidação de IMT, sendo inclusivamente admitido pelo Serviço de Finanças que não foi esse o documento envia­do à Recorrente.
8. À Recorrente foi enviado apenas o documento de notificação.
9. Porém tal é totalmente negligenciado pela Sentença Recorrida.
10. Donde, foi omitida uma formalidade com influência directa na decisão - alega­ções, o que deverá igualmente conduzir à nulidade da Sentença recorrida, nos ter­mos do art.201° do CPC.
11. Por outro lado a Sentença recorrida enferma de erro de julgamento.
12. Pese embora seguir a informação do Serviço de Finanças de Portimão a Sentença recorrida considera que o documento de notificação remetido à Recorrente é a liquidação de imposto.
13. Contudo, é o próprio Fisco - através da informação do Serviço de Finanças de Portimão - que junta aos autos a nota de liquidação que nunca foi remetida à Recorrente (cfr. fls. 76).
14. O documento remetido à Recorrente é diverso da nota de liquidação e não se con­fundem - (fls. 76 e doc. n.° 2 junto com a PI).
15. O documento remetido à Recorrente explica a emissão da liquidação não a contém.
16. Para além disso foi emitido por uma entidade que não tinha competência para pro­ceder à liquidação.
17. Donde o documento remetido à Recorrente "notificação" não constitui a liquida­ção de IMT cuja dívida se encontra presentemente a ser executada.
18. Pelo que a Sentença recorrida enferma de erro de julgamento, devendo ser anulada e a execução extinta por falta de notificação da liquidação à Recorrente, sendo assim ineficaz em relação à mesma, nos termos do art.36° e 204° n°1 al. i) do CPPT.
19. Para além disso, a execução vertente é ainda ilegal por falsidade do respectivo título executivo.
20. Juntamente com a informação junta aos autos encontra-se a certidão de dívida.
21. Tal certidão nunca foi notificada à Recorrente.
22. Verifica-se que a certidão de dívida é falsa, já que indica que se reporta a falta de revenda de um imóvel no prazo de 3 anos, quando a fundamentação para a liqui­dação a cujas dívidas a execução vertente se reporta, indica que a mesma se funda na modificação do destino do imóvel.
23. Os fundamentos são diversos, encontrando-se a Recorrente a contestar a alegação da alteração da finalidade do imóvel, pelo que poderá tal falsidade influir na exe­cução.
24. Pelo que a execução é também ilegal por falsidade do título executivo, o que deve­rá conduzir à sua anulação e deveria ter sido apreciado pela Sentença recorrida (nos termos do n°2 do art. 95° do CPTA, aplicável ex vi art. 2° al. c) do CPPT), nos termos da al. c) do n°1 do art.204° do CPPT.
TERMOS EM QUE DEVE PROCEDER O PRESENTE RECUROS E CONSEQUENTEMENTE SER DECLA­RADA NULA E/OU ANULADA A SENTENÇA RECORRIDA, SENDO JULGADA PROCEDENTE A OPOSIÇÃO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, NOMEDAMENTE COM A EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO VERTENTE E INDEMNIZAÇÃO DA RECORRENTE PELA GARANTIA BANCÁRIA PRES­TADA PARA SUSPENDER A EXECUÇÃO».

Admitido o recurso [a processar como apelação em matéria cível com subida imediata e efeito suspensivo] e notificada a Fazenda Pública, por esta não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Tribunal Central o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se pronunciou, a final, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639°, n° 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684°, n° 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 684°), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos por seguro que, in casu, o objecto do mesmo está circunscrito às seguintes questões:

(i) Saber se a omissão da notificação da Oponente dos documentos juntos aos autos pela Fazenda Pública e para deduzir as alegações a que se reporta o art. 120º do CPPP constitui nulidade processual e em caso afirmativo, se a mesma deve ser julgada procedente e determinar a anulação de todos os actos processuais subsequentes, incluindo a sentença de mérito proferida;

Em caso negativo

(ii) Saber se a sentença recorrida padece do erro de julgamento em matéria de facto por ter dado como assentes factos para os quais não resulta dos autos existir prova bastante que os sustente e

(iii) Se a sentença sob recurso padece de erro de julgamento de direito por não ter decidido julgar verificada a falta de notificação da liquidação e a consequente caducidade do direito de liquidar, nem ter reconhecido a incompetência do órgão que procedeu à liquidação e a falsidade do título executivo.

Ill – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou relevantes, para a decisão de mérito, os seguintes os factos:
A)- Em 27/07/2009, a Oponente foi notificada da liquidação oficiosa de IMT, a que se refere o ofício de 14/07/2009, n°7286, registado com aviso de recepção, que constitui fls. 76, que aqui se dá por integralmente reproduzido e donde resulta com interesse para a decisão:
«Assunto: Liquidação de IMT
Nos termos do nº4 do art.º31° do código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e do artigo 36° do Código de Procedimento: o de Processo Tributário (CPPT) fica notificado da liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), com fundamento no n°1 do art.12° do CIMT e al. a) do n°1 do art.27° do Decreto-Lei 287/2003 de 12/11, relativo à transmissão abaixo.
Adquiriu o prédio urbano, sito no Poço, E. N. 531, inscrito na matriz predial da freguesia de Alvor, concelho de Portimão sob o artigo 3734.°, com o valor patrimonial tributário de €1.130.075,91, pelo preço do €473.858,00 conforme escritura de compra e venda lavrada no Notariado Privativo da Caixa Geral de Depósitos, em 2004/06/25. O artigo tratava-se de um prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente possuindo 23 divisões independentes, da P-A até à P-X. Em 2004/08/20 a empresa entregou modelo 1 do IMI do prédio constituído em regime da Propriedade Horizontal com o motivo prédio/melhorado/reconstruído e respectiva escritura da Constituição da Propriedade horizontal. Essa declaração do IMI deu origem ao artigo 5642, as fracções passaram a ser 19.
Como o prédio foi modificado foi-lhe dado destino diferente pelo que a isenção caduca nos termos do n°5 do artigo 11° do Código do IMT. Assim sendo deveria o sujeito passivo ter solicitado a liquidação do IMT referente ao artigo 3734 nos termos do artigo 34° do CJMT após a alteração efectuada, pelo que será efectuada oficiosamente.
Liquidação:
€1.130.095,91 x 6,5% = €73.454,93
Juros Compensatórios €14.167,75. Correspondente a 1760 dias, a contar de 30-08-2004 até 24-06-2009, data em que pediu liquidação de IMT de algumas fracções do artigo 5642.
Assim fica notificado para no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da recepção do presente oficio, nos termos do n°6 do artº36° do CIMT, solicitar, neste Serviço de Finanças, guias para pagamento no valor de €87.622,68 (oitenta e sete mil seiscentos e vinte e dois euros e sessenta e oito cêntimos) referente a IMT e Juros Compensatórios. Na mesma data o pedido de redução de coima será considerado e emitidas as guias respectivas.
Mais fica ciente de quo se o pagamento não se fizer no referido prazo se procederá à extracção de certidão de divida para efeitos de cobrança coerciva, sem prejuízo do direito de reclamação ou impugnação a que se referem os artigos 43° do CIMT e 68° e 99° do CPPT. Da liquidação de IMT, poderá reclamar no prazo de 120 dias (art.70° do CPPT) ou impugnar no prazo de 90 dias (art.102 do CPPT), com os fundamentos referidos no art.º99° do CPPT.
Por Deleg. do Cefe do Serv. e Finanças em substituição
(...)
...
L T, Nível 2 Aviso n°14054 do D\R. IISérie n°149 de 2007.08.03»
B)- Em 14/12/2005, foi instaurado o processo de execução fiscal 1112200901137310, contra a Oponente, para cobrança coerciva de dívidas de IMT e acrescido, cfr. fls. 26 e 27.
C) - A Oponente foi citada em 21/12/2009, cfr. fls. 28.
D) - A petição inicial foi apresentada em 21/01/2010, cfr. carimbo aposto a fls.2.
E) - No Serviço de Finanças foi lavrada a informação de fls. 22 a 25, que aqui se dá por integralmente reproduzida e donde resulta com interesse para a decisão:
«(…)
O IMT adicional objecto da presente oposição, conforme consta do respectivo processo de liquidação (de que se junta fotocópia integral, de fls. 29 a 78), foi efectuada com base nos seguintes factos:
- A oponente adquiriu, em 25-06-2004, pelo preço de € 473.858,00, o prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de Alvor, concelho de Portimão, sob o nº3734, com o valor patrimonial de €1.130.075,91, o qual se tratava de um prédio em propriedade total, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, possuindo 23 divisões independentes, da P-A à P-X (ver fls, 31 a 41 e 79 e 80).
-A oponente apresentou, neste SF, em 20-08-2004, declaração m/1 do IMI, respeitante ao prédio constituído em regime de Propriedade Horizontal, (com o motivo "prédio / melhorado / reconstruído ", acompanhada da respectiva escritura, datada de 06-09-2004 (fls. 50 a 59 e 82 a 91). Com base nessa declaração m/1 do IMI, o artigo matricial n°3734 deu origem ao artigo n°5642, constituído por 19 fracções autónomas, de A a T (fls. 81 a 91).
A liquidação agora reclamada foi efectuada manualmente (sem registo na aplicação informática de gestão do IMT), em 14-07-2009 (fls. 14 e 75), tendo a mesma sido assinada, na mesma data, pelo Exmo. Sr. ..., Chefe de Finanças Adjunto, servindo de Chefe deste Serviço de Finanças, por ausência minha, naquela data, em cumprimento de Serviço Público, como se comprova por extracto do Livro de Ponto deste mesmo SF (fls. 74, 75 e 92).
A notificação dessa liquidação foi concretizada através do n/oficio nº7286, de 14-07-2009, remetido à ora oponente por carta registada com aviso de recepção, tendo este último sido assinado em 27-07-2009 (fls. 76 e 77).
Não tendo sido pago o imposto em causa, no prazo de 30 (trinta) dias, foi, nos termos legais, emitida certidão de divida, em 02-12-2009 (fls.78), com base na qual foi instaurado o processo de execução fiscal em apreço.»

3.2. Mais ficou consignado a título de «Fundamentação de Julgamento» que «Todos os factos têm por base probatória, os documentos referidos em cada ponto» e, como «Factos não provados» que «de relevante nada mais se provou.».

3.3. Ao abrigo do disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil acorda-se, por relevante e documentalmente comprovado, aditar ao probatório os seguintes factos:

F) Na petição a Oponente alegou, designadamente, nunca ter sido notificada da liquidação cujas dívidas são exigidas no âmbito do presente processo de execução mas tão só de um ofício, que lhe foi remetido a 14 de Julho de 2009, no qual a Administração Fiscal comunica que iria proceder oficiosamente a essa liquidação» [cfr. petição de fls. fls. 2-9 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
G) Com a petição inicial e nos termos aí consignados, a Oponente juntou quatro (4) documentos, que constituem fls. 10 a 17, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos
H) Recebida a Oposição no Serviço de Finanças de Portimão, foi aí lavrada a “Informação” referida em E) e juntos ao processo os documentos constantes de fls. 26 a 96 [cfr. fls. 21 a 96, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos].
I) Nem a «INFORMAÇÃO» referida em E), nem os documentos juntos com esta, foram objecto de notificação à Oponente por parte do Tribunal [cfr. fls. 97 e seguintes dos autos].
J) Após ter sido ordenada ao Ilustre mandatário da Oponente a junção aos autos de procuração forense com declaração de ratificação do processado e cumprido este despacho por aquele, foi liminarmente recebida a Oposição e a Fazenda Pública notificada para contestar [cfr. fls. 97 a 101 dos autos].
K) Após a apresentação da contestação pela Fazenda Pública, notificada à Oponente, foi proferido despacho determinando que os autos fossem «À digna Procuradora da Republica», a qual emitiu [cfr. fls. 107 a 117 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
L) Imediatamente após a emissão do parecer referido em J)., foi proferida a sentença constante dos autos e ora objecto de recurso [cfr. fls. 118-130 do processo].

V – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Como resulta da delimitação por nós realizada do objecto deste recurso, e decorre, aliás, claramente das conclusões transcritas no ponto I, a ora Recorrente veio, ab initio, invocar ter havido omissão da sua notificação dos documentos juntos aos autos pela Administração Fiscal após o recebimento da Oposição Judicial, concluindo que, ao não ter observado esse dever, o Tribunal incorreu em violação do princípio do contraditório, o que constitui nulidade nos termos do disposto no artigo 201°, n.° 1, do CPC, dado que tal violação teve influência directa na decisão da causa, ao impedir que o Recorrente exercesse o seu direito de pronúncia.
E que idêntica nulidade processual tinha sido cometida pelo Tribunal a quo quando, pese embora a junção dos referidos elementos de prova e a sua não notificação ao Recorrente, postergou o preceituado no artigo 120º do CPPT, por não lhe ter dado oportunidade de alegar.
Resulta também evidente dos factos apurados que:
- Um dos fundamentos aduzidos na presente Oposição Judicial foi a falta de notificação da liquidação cujo não pagamento terá dado azo à instauração do processo de execução fiscal a que se opôs [cfr. factualidade apurada sob o alínea F) do ponto III supra];
- Recebida a Oposição, foi lavrada “Informação” e juntos documentos com esta pela Administração Fiscal, não notificados à Oponente [cfr. factualidade vertida nas alíneas H) e I) do mesmo ponto III supra].
- Após ter sido apresentada contestação e notificada esta à Oponente, foram os autos foram com «Termo de Vista» ao Ministério Público para emissão de parecer, não notificado às partes, e de imediato proferida sentença que conheceu do mérito dos autos [cfr. factualidade vertida nas alíneas J), K) e I) do mesmo ponto III supra].
É, pois, a apreciação destas nulidades processuais - ou mais rigorosamente, nulidade processual naquela dupla vertente ou verificada em distintos momentos processuais - , tendo por referência a factualidade que ora se relevou, que cumpre, desde já, apreciar, quer por a sua apreciação prévia legalmente nos estar imposta, quer porque da procedência de qualquer uma delas, determinará, inevitavelmente, a observância da notificação e/ou alegações omitidas com a anulação do processado subsequente, incluindo a sentença de mérito proferida cujos erros de julgamento de facto e direito ficarão, também, prejudicados.
Antes, porém, de enfrentarmos directamente a questão sub judicie, importa que realizemos um breve enquadramento jurídico do regime específico das nulidades, sobretudo, na parte em que a sua regulamentação se afasta do regime geral das nulidades de sentença (ou das outras decisões judiciais) uma vez que, só por referência a esse especifico regime se logrará encontrar o bem fundado da decisão a proferir, enquadramento este que, no caso, se mostra ainda mais pertinente já que a Oponente nas alegações de recurso e nas conclusões que as remataram, umas vezes alude àquele especifico regime (regime das nulidades processuais) e noutras não deixa de reconduzir essa nulidade a «nulidade da sentença»
E, nesse sentido, comecemos por salientar que, como é sabido, as nulidades processuais se distinguem do regime das nulidades das sentenças que se encontram taxativamente enunciadas no art. 661º, n.º 1 do Código de Processo Civil - doravante, simplesmente designado por C.P.C. e na redacção que o mesmo dispunha antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-6, por tal se mostrar imposto pelo artigo 12º do Código Civil, tal como os demais preceitos que nesta sede forem chamados á colação -, as quais, em conformidade com o disposto no n.º 2 e 3 do mesmo preceito e diploma legais, devem ser arguidas umas vezes no Tribunal a quo e outras vezes no Tribunal ad quem (cfr., ainda, arts. 668º, nº 1, 666º, nº 3, 716º, 726º, 749º e 762º, todos do CPC).
Distintamente, as nulidades processuais, enquanto “desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais.”(1), assumem uma regulamentação própria consoante a sua natureza: as nulidades principais, típicas ou nominadas, obedecem, na sua arguição e apreciação, ao regime dos arts. 193º a 200º e 202º a 204º, do CPC.; as nulidades secundárias, atípicas ou inominadas, têm a sua regulamentação genérica no artigo 201º, nº 1, do mesmo CPC, estando a sua arguição sujeita ao regime previsto nos artigos 202º, 2ª parte e 205º do mesmo Código.
Ora, como resulta das alegações de recurso, e contrariamente ao posteriormente sugerido nas conclusões, é manifesto que em causa não está qualquer vício intrínseco da sentença a que alude o artigo 668º, n.º 1 do Código de Processo Civil, mas, sim, a confirmar-se o alegado, perante uma nulidade processual.
E, sendo assim, o que se impõe é, antes de mais, averiguar do concreto regime jurídico que lhe é aplicável, nos termos supra distinguidos, isto é, decidir se tais nulidades constituem nulidades principais ou secundárias, o que passa, antes de mais, por aferir se no caso concreto, como diz a Recorrente, não foi respeitado o principio do contraditório plasmado no artigo 3º do então vigente C.P.C., por não observância do disposto no artigo 115.º, n.º 3, nem observado o que se mostra legalmente imposto no artigo 120º do CPPT, aplicável à situação sub judicie por força do preceituado no artigo 211º, preceitos cuja violação vem suscitada como fundamento das nulidades arguidas.

4.1. Vejamos, então, por partes, começando pela primeira das nulidades identificadas.
Como tem vindo a ser salientado em vários Acórdãos dos nossos Tribunais Superiores, a questão do sentido e alcance do princípio do contraditório no âmbito do processo civil tem vindo a ser objecto de sucessivas pronúncias pelo Tribunal Constitucional, podendo aí colher-se os critérios fundamentais orientadores da nossa apreciação: «O direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deva chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada das partes poder aduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras(2). É que “o processo de um Estado de direito (processo civil incluído) tem de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder expor as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.°, n.° 1, da Constituição, que prescreve que “a todos é assegurado o acesso [...] aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”(3). Aliás, esta ideia de que no Estado de direito a resolução judicial dos litígios tem de fazer-se sempre com observância de um due process of law, é uma ideia que o Tribunal Constitucional vinha já, de resto, ainda que de forma tão incisiva, pondo em relevo ou deixado indiciada em anteriores acórdãos.(4)
Por força deste princípio do contraditório, expressamente consagrado no artigo 3º do Código de Processo Civil (e, para o que ora releva, no seu n.º 3, aplicável aos nossos autos por força do disposto no artigo 2º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário), o Juiz não deve (“ não é licito”), excepto nos casos em que se mostre inequivocamente irrelevante uma eventual pronúncia (“salvo caso de manifesta desnecessidade”) decidir questões de facto ou direito, ainda que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sem ouvir as partes (“decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”).
Este princípio, que constitui um princípio basilar, fundamental do nosso ordenamento jurídico, assume ao nível do direito processual probatório importância fulcral, como o evidencia, desde logo, a expressa consagração no Código de Processo Civil de um preceito directamente dirigido à sua observância: «Salvo disposição em contrário, as provas não serão admitidas nem produzidas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas” (artigo 517º n.º 1 do Código de Processo Civil) e a concretização desse mesmo princípio em diversos preceitos integrados noutros Códigos reguladores de “processos especiais”, como é o caso, no processo tributário, a imposição de notificação do teor das informações oficiais logo que juntas ao processo judicial (artigo 115º, n.º 3 do C.P.P.T., norma ínsita na regulamentação conformadora do processo de impugnação judicial mas que também é aplicável ao processo de Oposição Judicial por força do disposto no artigo 211º do C.P.P.T.) e a obrigatoriedade de notificação da apensação do processo administrativo ou do processo de execução fiscal [por força do disposto no artigo 84º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, (C.P.T.A.) aplicável ao processo tributário, ex vi artigo 2º al. c) do C.P.P.T.],
Destes normativos legais resulta, pois, em nosso entender, e sem que dúvida alguma nos suscite, a obrigatoriedade legal de notificação das informações oficiais, da apensação do processo administrativo e da junção de quaisquer outros documentos juntos pela Administração Tributária e que só o cumprimento dessa obrigação nos permite afirmar ter sido cabalmente assegurado o princípio fundamental do contraditório.
Firmada, assim, a exigência de observância deste dever, o seu reflexo directo no impostergável respeito do princípio do contraditório e apurado que o Recorrente, como vimos, não foi notificado pelo Tribunal da «INFORMAÇÃO» referida em E), nem notificado dos demais documentos com aquela apensados aos autos, como devia nos termos do artigo 115º, n.º 3 do C.P.P.T., isto é, que foi preterida uma formalidade que a lei prescreve, a questão que agora importa enfrentar é a de saber quais são as consequências desta nulidade, questão que nos remete directamente para o estabelecido no artigo 201.º, n.º 1 do CPC (aplicável por força do art. 2º, al. e) do CPPT) que determina que «Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.»
Ora, neste normativo, directamente dirigido às nulidades processuais, detecta-se uma preocupação do legislador em restringir os efeitos do vício que inquina o acto por forma a que apenas nas situações em que seja patente a existência (ou possibilidade de vir a existir) prejuízo para a relação jurídica litigiosa se deva reconhecer aquele efeito invalidante. E, daí que, como ensina Alberto dos Reis, seja importante ter em especial atenção a distinção que neste normativo é realizada entre infracções relevantes e infracções irrelevantes: «Praticando-se um acto que a lei não admite, omitindo-se um acto ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infracção, mas nem sempre esta infracção é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos:
a) Quando a lei expressamente a decreta;
b) Quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
(…) O 2º caso em que a infracção formal tem relevância deixa ao juiz um largo poder de apreciação. É ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entenda que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa.
(…) Os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela.
É neste sentido que deve entender-se o passo “quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.” O exame, de que a lei fala, desdobra-se nestas duas operações: instrução e discussão da causa.».(5)
Ora, perante o quadro legal descrito, e efectuada uma, ainda que superficial, análise do preceituado nos artigos 193º a 200º e 202º a 204º, do CPC (nulidades principais, típicas ou nominadas), isto é, das situações em que o próprio legislador entendeu sancionar com o desvalor invalidante da nulidade, facilmente se conclui que nestas se não integra a omissão que pelo Recorrente vem relevada, isto é, prolação de sentença final em Oposição Judicial quando tenha ocorrido omissão de notificação da parte da informação oficial prestada nem dos documentos que a acompanham, de harmonia com o disposto nos artigos 115º, n.º 3 e 208º, ambos do C.P.P.T., pelo que, as consequências processuais a relevar da preterição da referida formalidade (reconhecimento ou não do efeito invalidante da nulidade) passarão, necessariamente, pelo que se houver de concluir quanto à influência que a mesma preterição assumiu “ no exame ou na decisão da causa”.
Para a Recorrente, já o vimos, essa omissão é relevante porque se viu impedida de se pronunciar sobre o teor dessa informação e sobre esses mesmos documentos, e, em especial, de questionar o seu próprio valor probatório ou relevância.
Todavia, e salvo o devido respeito, a questão não pode ser respondida com esta simplicidade. É evidente que se a Recorrente não foi notificada da “Informação”, nem dos documentos que a acompanhavam e que consubstanciavam as partes que o Serviço de Finanças de Portimão julgou relevantes do todo do processo executivo a que se reportava aquela mesma Informação. Porém, para efeitos de aferir da possível influência no exame ou na decisão da causa terá de se ir mais além, isto é, terá de se apurar se a inviabilização dessa pronúncia (por omissão de notificação) também inviabilizou a possibilidade de o Recorrente influenciar esse mesmo exame e decisão da causa ou se, pelo contrário, independentemente daquela notificação ter ocorrido, e consequentemente não se mostrar verificada a preterição da formalidade em análise, o resultado do exame e decisão da causa sempre seria o mesmo, designadamente por ser irrelevante a dita “Informação” e o teor dos documentos, vulgo, certidão parcial do processo executivo.
Adiante-se, desde já, e mais uma vez, que em nosso entender, a resposta a dar a esta questão não é, como aparentemente os factos apurados e a alegações do Recorrente parecem revelar, óbvia.
Efectivamente, considerando que todos os factos dados como apurados em primeira instância, o foram tendo por base aquela “Informação” ou os documentos com esta juntos, a primeira conclusão a que somos conduzidos seria, naturalmente, a de que esse processo e os elementos aí colhidos não poderem deixar de ser considerados como de relevância extrema para a decisão.
Acontece porém que, parte dos documentos a que se atendeu em sede de fixação da matéria de facto (colhidos do apenso) são documentos produzidos e apresentados pelo próprio Recorrente ou que, em momento anterior à referida Informação eram já do seu conhecimento, para além de que, essa “Informação” segundo esses mesmos documentos, lhe terá sido notificada pela própria Administração Fiscal antes de remeter o processo para Tribunal.
Pelo que, a resposta quanto à relevância da preterição da formalidade legal ou influencia que no exame ou decisão da causa teve a omissão de notificação ter-se-á que colher directamente do que se houver de concluir quanto à própria relevância que tiveram na decisão os factos apurados - colhidos da Informação ou que a tiveram como pressuposto e dos documentos com a mesma juntos e que não eram do conhecimento do Recorrente, o que nos remete, de novo, para o probatório mas também para os próprios fundamentos da Oposição Judicial deduzida.
Começando pelos primeiros, importa desde logo salientar que o Tribunal a quo deu como provado que «Em 27/07/2009, a Oponente foi notificada da liquidação oficiosa de IMT, a que se refere o ofício de 14/07/2009, n°7286» [alínea A) do probatório], o que fez, como se pode constar da sua leitura na íntegra, com base no aviso de recepção que constitui fls. 76.
Ora, o que a Recorrente alegou na sua petição inicial foi, precisamente, que não tinha recebido essa liquidação e, agora em recurso, para além de persistir nessa alegação, vai mais longe (com ou sem razão, pouco importa por ora, por tal se traduzir num juízo de prova futuro de que não nos cumpre agora conhecer) e alega até que esta notificação a que se reporta o aviso de recepção de fls. 76 nada tem a ver com a por si recebida.
Mais. Pese embora não assuma expressamente que foi notificado pela Administração Fiscal da “Informação” que constitui fls. 22 a 25, são ostensivamente distintas as conclusões de facto e de direito que extrai do próprio teor da Informação e dos factos aí aduzidos que, de forma violenta chama à colação para questionar os próprios factos dados como assentes pelo Tribunal.
E o que vimos dizendo assume importância maior porque é precisamente nesses factos e na prova (ou não prova) dos mesmos que a Oponente repousava grande parte da sua pretensão de extinção do processo de execução fiscal.
E não se diga que, pese embora não ter sido notificado pelo Tribunal desses elementos de prova, não deixou de ter conhecimento da sua existência, designadaente pelo conhecimento que teve da Informação prestada. Desde logo, porque o conhecimento dessa existência não é o conhecimento do seu teor, a qual, tratando-se de informação oficial e documentos juntos aos autos pela Administração Fiscal lhe deviam ter sido expressamente notificados. Por outro lado, porque não lhe tendo sido dado conhecimento do seu teor, foi-lhe vedada a possibilidade de se pronunciar sobre todos os factos aí exarados ou a cuja prova se destinavam, inclusive arguir da sua falsidade, como ora se apresenta a fazer apenas em sede de recurso.
Tudo, repita-se, matéria do desconhecimento do Oponente ou que, pelo menos, não se mostra comprovado nos autos ter tido conhecimento antes de recebida a sentença dos autos (por não lhe ter sido notificada pelo Tribunal tal informação nem o acervo de documentos com aquela juntos) e com relevância indiscutível na economia dos autos, atentos os fundamentos da Oposição Judicial deduzida.
Note-se, aliás, que o próprio legislador processual deu preponderante relevância quer em termos de tramitação processual quer em termos probatórios à prestação daquela informação oficial, que expressamente previu e cujo valor probatório condicionou à sua própria fundamentação (artigo 208º do CPPT).
Ora, não tendo o Recorrente sido sequer notificado da junção da informação, nem nos demais documentos a esta anexos, muito menos pode, nesta situação, sindicar a indiscutível relevância probatória que o Tribunal lhe conferiu ao assentar nessa Informação e acervo documental todos os factos que integram o probatório.
Donde, e em conclusão, porque o principio do contraditório é um principio fundamental na estrutura do procedimento tributário, porque a observância deste principio exige que nenhum Tribunal se pronuncie sobre a prova produzida quanto a questões de facto e direito relevantes para a decisão sem que a parte sobre aquela prova se pronuncie e porque do processo apenso constam informações e documentos relevantes para a matéria objecto da Oposição judicial sobre os quais o Oponente não teve, porque da apensação e/ou do seu teor não foi notificado, oportunidade de se pronunciar, em termos de facto e/ou de direito, forçoso é concluir que, no caso concreto, a preterição da formalidade legal (omissão de notificação do teor das informações e da apensação do processo de execução fiscal) teve ou é susceptível de ter tido influencia no exame ou decisão da causa, impondo-se, por isso, por força do disposto no artigo 201º do C.P.C. que lhe seja reconhecido efeito invalidante.
Tal nulidade processual tem como consequência a anulação dos termos subsequentes que dele [acto omitido] dependam absolutamente (cfr. artigo 201º, nº 2 do CPC), incluindo, in casu, a anulação da decisão recorrida, uma vez que esta se mostra inquinada pela violação do princípio do contraditório decorrente da falta de notificação ao Recorrente dos documentos em causa.

4.2. Mas, mesmo que assim não fosse, isto é, mesmo que este Tribunal tivesse entendido que a omissão de notificação da Informação e documentos juntos verificada não tinha qualquer relevo, por ser absolutamente indiferente a pronúncia que a Oponente viesse a realizar sobre os mesmos, sempre a anulação do processado se imporia, com afectação da decisão de mérito proferida, por ser manifesto ter havido violação do direito do Oponente de produzir as alegações (pré-sentenciais).
Efectivamente, estatui o art. 120º do CCPT, preceito cuja violação, por omissão do seu cumprimento, determinou que a Recorrente viesse suscitar a nulidade arguida, que «Finda a produção da prova, ordenar-se-á a notificação dos interessados para alegarem por escrito no prazo fixado pelo juiz, que não será superior a 30 dias.» Por sua vez, estabeleceu o legislador no art. 201.º, n.º 1 do CPC (aplicável por força do art. 2º, al. e) do CPPT) que «Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.»
Ora, recordando, aqui, o que supra expusemos a propósito da nulidade arguida e já apreciada (o quadro legal descrito e plasmado nos artigos 193º a 200º e 202º a 204º, do C.P.C. e os ensinamentos jurisprudenciais e doutrinais também já citados), igualmente se conclui que a omissão que pela Recorrente vem relevada, isto é, a situação de prolação de sentença final em Oposição Judicial quando tenha ocorrido omissão de notificação dos interessados para alegarem por escrito, de harmonia com o artigo 120º do C.P.P.T. não constitui nulidade principal pelo que, também nesta parte, a questão que se coloca é a de saber se, no caso dos autos tal omissão é susceptível de “influir no exame ou na decisão da causa”., situação em que deve ser reconhecido o efeito invalidante da nulidade.
Adiante-se desde já que, em geral, tem vindo a ser defendido que «A omissão da notificação dos interessados para alegarem integra a nulidade processual prevista no art. 201º do CPC, na medida em que se traduz em irregularidade com manifesta influência “no exame ou decisão da causa”.
«De igual modo, se o juiz proferir sentença antes de ter decorrido o prazo fixado para alegação dos interessados, ter-se-á cometido nulidade subsumível ao mesmo dispositivo, sujeito ao regime e prazo de arguição previsto no art. 205º do referido Código.» (6)
. Em anotação ao preceito que vimos discutindo, Jorge Lopes de Sousa orienta juridicamente a nossa resposta: «Se a questão a apreciar for apenas de direito ou, sendo também de facto, se o processo fornecer todos os elementos necessários para a decisão, será ordenada vista ao Ministério Público, para se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou para suscitar outras no âmbito das suas competências legais (n.° 1 deste art. 113 .°, conjugado com o preceituado no art . 121 .°).
Devendo ser assegurado o contraditório no processo de impugnação judicial [art. 3.°, n.° 3, do CPC, subsidiariamente aplicável, nos termos do art . 2.°, alínea e), deste Código], a possibilidade de conhecimento imediato dependerá de não haver controvérsia sobre os factos relevantes para a decisão ou ambas as partes se terem pronunciado sobre a prova produzida em relação a eles. Por isso, deve afastar-se o conhecimento imediato nos casos em que forem juntos ao processo pelo representante da Fazenda Pública documentos que sejam relevantes para a decisão da causa e sobre os quais o impugnante não tenha podido tomar posição, nomeadamente documentos que não se demonstre que eram do conhecimento do impugnante no momento em que apresentou a petição.
Por outro lado, nos casos em que o representante da Fazenda Pública contestar, sendo obrigatória a junção do processo administrativo (como se conclui do disposto no n.° 4 do art . 110.°), que deverá conter informações oficiais [art. 111.°, n.° 2, alíneas a) e b), deste Código], que são um meio de prova (art. 115 .°, n.° 2), em regra não poderá haver conhecimento imediato do pedido, tendo de passar-se à fase de alegações, mesmo que não haja outra prova a produzir. No entanto, se o representante da Fazenda Pública, apesar de contestar, não remeter o processo administrativo com as informações oficiais e o juiz não ordenar a sua remessa (possibilidade que o n.° 5 do art . 110.° deixa entrever), poderá haver conhecimento imediato do pedido, se não existirem pontos da matéria de facto controvertidos.».(7)
Colhe-se, assim, dos ensinamentos transcritos e dos normativos aí citados, que os critérios orientadores em matéria de existência ou não de obrigação de produção de alegações (ou, no mínimo, da notificação das partes para querendo as produzirem pois, como é sabido, são facultativas e da sua não produção não resulta expressamente qualquer efeito cominatório) podem ser enunciados da seguinte forma: (i) se a questão for exclusivamente de direito, o Tribunal pode, prestado parecer do Ministério Público, conhecer imediatamente do pedido; (ii) sendo a questão de facto e direito, e contendo os autos todos os elementos necessários para a sua apreciação segura, haverá que distinguir a) se esses elementos eram já do conhecimento do Impugnante/Oponente aquando da propositura da acção b) ou se o não eram, designadamente porque apenas foram oferecidos com a contestação (v.g. processo instrutor) e da sua apreciação resulta persistir controvérsia quanto aos factos invocados como suporte da pretensão deduzida. Sendo do seu conhecimento aquando da propositura da acção e/ou não resultando dos mesmos controvérsia quanto aos factos fundamentais alegados, as alegações não serão, em regra, obrigatórias; não sendo ou evidenciando os mesmos a controvérsia referida, tais alegações impor-se-ão obrigatoriamente.
Ora, no caso concreto, revela-o a leitura dos articulados e da própria sentença recorrida, as questões a apreciar não são exclusivamente de direito: os factos mostravam-se controvertidos pelos documentos apresentados, designadamente os juntos com a dita “Informação” (e que, repita-se, mais não são de que uma certidão do processo executivo nas partes julgadas como relevantes pela Administração Fiscal) que a Oponente alega que desconhecia à data da interposição da acção, e cuja autenticidade e consequente valor probatório contesta em alegações de recurso, por destes apenas ter tido conhecimento com a notificação da sentença.
Daí que, em nosso entender, a omissão da possibilidade das partes alegarem de facto e direito, especialmente da Oponente e desta proceder ao debate de facto e direito das questões suscitadas, pronunciando-se sobre a relevância, ou não, desses documentos na apreciação e julgamento jurídico da sua pretensão (cfr. artigos 652º, nº 3, alínea e) e nº 3 e 657º, do CPC.), constitui, in casu, manifestamente, a omissão de um acto susceptível de influir na decisão da causa.
E, sendo assim, forçosamente temos de concluir, no caso concreto, pela verificação da nulidade processual e consequentes efeitos invalidantes (porquanto estamos face a nulidade que é susceptível de afectar os direitos adjectivos e/ou substantivos das partes, mormente, da Recorrente) a qual importa declarar com as legais consequências por a tal nada mais obstar, designadamente a eventual intempestividade da sua arguição (dado tratar-se, como já supra deixámos explicitado, de uma nulidade secundária, atípica ou inominada que, salvo casos especiais, só pode conhecer-se mediante “reclamação dos interessados” – art. 202º, parte final, do CPC.), que, como vimos, só pode ter sido do conhecimento da Recorrente com a notificação da sentença e foi suscitada no tempo próprio do recurso e nas alegações destes como tem vindo a ser admitido pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.
Em conclusão; cometida nos autos as supra identificadas nulidades e arguidas as mesmas em tempo, importa, fazendo actuar o disposto no artigo 201º, nº 2, do CPC, anular os termos processuais subsequentes ao momento em que se omitiu a aludida notificação, no que se inclui a sentença de mérito proferida.
Face ao ora decidido fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no presente recurso.

IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul, concedendo provimento ao recurso, em:
- Julgar e declarar verificada nos autos a nulidade processual decorrente da violação dos artigos 115º, n.º 3 e 208º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, bem como a decorrente da infracção ao disposto no artigo 120º do mesmo diploma legal, com as legais consequências, mormente, anulando-se os termos subsequentes, incluindo a sentença;
- Ordenar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé para supressão da irregularidade de harmonia com o supra aludido;
- Julgar prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no presente recurso.
Sem custas.
Registe e notifique.

Lisboa, 26-6-2014


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[Anabela Russo]

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[José Gomes Correia]

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[Joaquim Gameiro]





1- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 175.
2- Cfr. o Acórdão nº 86/88, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11. °, pp. 741 e segs.
3- - Cfr. Acórdão n.° 358/98, publicado no Diário da República, 2ª série, de 17 de Julho de 1998), repetindo o que se tinha afirmado no Acórdão n° 249/97, publicado no Diário da República 2ª série, de 17 de Maio de 1997.
4- Cfr. Acórdão n.° 404/87, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 10.°, pp. 391 e segs e Acórdão n.º 259/2000, publicado no Diário da República 2ª série, de 7 de Novembro de 2000.
5- Vide, autor citado, in: “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. II, págs. 484 a 487.
6- Alfredo de Sousa e Silva Paixão, in CPPT comentado e anotado, pág. 294.
7- Autor citado, in «Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado », anotação ao art. 120º do referido diploma legal.