Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:937/08.9BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IVA
IRC
FATURAÇÃO FALSA
EFETIVIDADE OPERAÇÕES
MEIOS DE PAGAMENTO
MENÇÃO INDEVIDA IVA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
36.º RCPIT
Sumário:I - No domínio da faturação falsa, a Administração Tributária não precisa de fazer prova da falsidade/simulação das faturas, mas apenas evidenciar a consistência do seu juízo, invocando factos que traduzam uma probabilidade séria de as operações constantes nas faturas serem simuladas. Cumprido esse ónus passa a competir à Impugnante, apresentar prova capaz de destruir esses indícios, demonstrando que as faturas têm subjacentes operações com materialidade.
II - A apresentação dos meios de pagamento reveste grau de importância elevada em termos de prova da efetividade das operações. Inexistindo quaisquer comprovativos de pagamento, mormente, cheques ou transferências bancárias e não resultando, tão-pouco, o pagamento em numerário, não se pode concluir pela efetividade das operações.
III - Para que os custos e os proveitos sejam aceites é preciso fazer-se prova, a montante, ou seja, de que as sociedades intervenientes no circuito económico exerceram, efetivamente, atividade económica, não sendo, per se, suficiente provar-se uma só premissa, ou seja, de que a Impugnante tem meios de produção para desenvolvimento da atividade.
IV - A simples menção do IVA nas faturas, mesmo que porventura incorreta, origina obrigação de imposto. Com efeito, é também sujeito passivo do imposto quem mencione IVA indevidamente em fatura, dando início à cadeia da liquidação e dedução do imposto, com todos os efeitos daí dimanantes.
V - A verificação de um vício de forma no procedimento de reclamação não pode projetar efeitos invalidantes sobre o ato tributário de liquidação que o antecede.
VI - Fundamentação formal e fundamentação material do ato, são conceitos distintos, sendo que a validade formal do ato está concatenada com a questão de saber se a Administração Tributária deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação, enquanto a validade substancial do ato está relacionada com a questão de saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa.
VII - A falta de fundamentação da notificação da liquidação não é confundível com a falta de fundamentação do ato tributário. Se as liquidações impugnadas resultam das correções constantes do Relatório Inspetivo, e sendo incontroversa a sua notificação, então a fundamentação tem de radicar e estribar-se nesse mesmo documento, inexistindo qualquer vício de falta de fundamentação.
VIII - O artigo 36.º do RCPIT institui dois limites temporais, ou seja, um respeitante ao prazo para se iniciar o procedimento de inspeção e outro concatenado com o próprio prazo de duração do procedimento de inspeção, sendo que quanto a este último é estabelecido que, em regra, não poderá ultrapassar o período máximo de seis meses, salvo situações devidamente fundamentadas e enumeradas no seu número 3.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, a qual julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela C.....S….., Lda, tendo por objeto a decisão proferida no recurso hierárquico interposto na sequência de reclamação graciosa deduzida, referente a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), do exercício de 2002, e Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), dos anos de 2002 e 2003.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“1. A RFP ora Recorrente vem arguir a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, invocando erro de julgamento, porquanto dá como provado o teor do Relatório da Inspecção Tributária (RIT), no qual se mostra clarividente o iter cognoscitivo das correcções efectuadas à escrita da Impugnante/Recorrida e, bem assim, a fundamentação da existência de operações simuladas de transmissões de bens, vindo a decidir no sentido da procedência da acção. Isto é, pela inexistência de operações simuladas.

2. Incorre a sentença recorrida em erro de julgamento, porquanto estamos perante erro na subsunção dos factos à norma jurídica, pois, o Tribunal a quo entendeu que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica contrária à alcançada pela AT no âmbito da acção de fiscalização a que foi sujeita a Impugnante, assim o expressando na sua fundamentação, após dar como provada a justificação das correcções efectuadas no âmbito da acção inspectiva, por não a aceitar.

3. Ora, a AT fez prova dos pressupostos da tributação uma vez que actuou perante a existência de indícios sérios de que as facturas constantes da contabilidade da Impugnante, não consubstanciam quaisquer operações reais, e, portanto, foram simuladas com fins meramente fiscais.

4. A Impugnante não logrou provar ter arrendado quaisquer propriedades para o desenvolvimento da actividade de criação de gado ou cerealífera.

5. Pese embora tenha colocado à disposição das 6 empresas do grupo C.....C….. dos seus meios físicos e materiais e recursos humanos, não fez depois a correcta repartição desses custos pelas diferentes sociedades, todas elas com os mesmos sócios-gerentes, os irmãos C.....C…...

6. Não comprovou os pagamentos entre empresas porquanto a sua maioria era feita pela conta de Caixa.

7. Também assim, não alcançou demonstrar que efectivamente havia deslocação de bovinos entre as diferentes sociedades do grupo C......

8. A Impugnante não logrou provar terem-se realizado os pagamentos das facturas emitidas com a descrição de transmissão de animais ou cereais.

9. A falta de comprovação do pagamento dessas facturas é suficiente para ilidir a presunção de veracidade das declarações do contribuinte. (artº 75º da LGT)

10. A Impugnante apenas fez prova da existência dos animais, mas não fez prova da sua verdadeira transmissão entre as sociedades do grupo ou entre A....., M..... e a Impugnante ou A..... em nome individual.

11. “Havendo indícios sérios e objectivos que traduzam a probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais, passa a incumbir ao impugnante recorrente o ónus de provar a sua veracidade. Não é necessário provar todos os pressupostos da simulação referidos no artigo 240.º do CC. À AF basta-lhe evidenciar indícios fundados de que traduzam a probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais. A AF não precisa de fazer a “prova provada” da simulação.” (Cfr. o Ac.do STA de 3/4/2013, proferido no âmbito do Procº 060/13, in www.dgsi.pt)

12. É insindicável que existem indícios sérios de que as aludidas facturas não consubstanciam quaisquer operações reais através do pagamento do preço que a Impugnante não logrou confirmar o pagamento por meio idóneo, designadamente, prova documental.

13. Acresce que, apuraram os Serviços de Inspecção Tributária que, apenas a sociedade Impugnante possuía estrutura empresarial, pois, pese embora não possuísse terrenos, detinha na sua esfera patrimonial máquinas, pessoal, relacionados com a actividade de criação e venda de bovinos, ou para o desenvolvimento de culturas cerealíferas e arvenses.

14. À sociedade Impugnante não eram entregues os passaportes dos animais, documentação comprovativa do seu transporte de uma exploração para outra, documentos comprovativos dos pagamentos das transacções de compra e venda de bovinos entre as empresas do grupo.

15. Era a própria Impugnante - S....., Lda. -, enquanto empresa detentora dos bens e serviços, que colocava ao dispor das restantes empresas do grupo para desenvolvimento da sua actividade os referidos bens e serviços sem qualquer contrapartida económico-financeira.

16. Empresa gerida por A..... e M....., que detinham os animais e vendiam à S....., Lda., e todos estes vendiam às sociedades do grupo “C.....”, para depois fazer regressar os bovinos à esfera patrimonial do primeiro – A......

17. Nos termos do disposto no artº 39º da LGT, “Em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado”, devendo efectuar-se as correcções à matéria tributável, em sede de IRC, ao rendimento líquido empresarial, pela anulação das transmissões efectuadas entre as sociedades do grupo, bem como das transmissões efectuadas entre as empresas do grupo e seus sócios-gerentes e/ou S....., Lda. (empresa mãe).

18. Isto é, a compra e venda de bovinos, bem como a sua transmissão em nome individual para a sociedade Impugnante e desta para as outras sociedades do grupo e/ou para A....., teve sempre na liderança do negócio, A....., enquanto sócio-gerente das sociedades constituídas para o efeito do recebimento de subsídios do INGA.

19. Logo, estamos perante operações simuladas de bens, quando as mesmas foram realizadas sem que efectivamente se tenham transaccionado quaisquer animais, tendo sido a Impugnante e A..... em nome individual, quem de facto custeou rações, colocou ao serviço das sociedades do grupo C..... recursos humanos para tratar dos animais e culturas cerealíferas e arvenses, preparado terrenos ou procedido ao seu arrendamento para a criação de bovinos.

20. Foi na esfera comercial de A....., M….. ou da S....., Lda. que se efectuaram as compras e venda de bovinos, e nas mesmas custeado as despesas com pessoal, despesas com rações e encargos com o pagamento destas, pelo que, terá de ser nas respectivas esferas jurídicas, de cada um deles e dela (sociedade), que a AT terá de imputar esses custos e proveitos.

21. Os bovinos nunca saíram da esfera patrimonial de A....., quem os criava, inclusivamente para a S....., Lda.. Logo, era A..... quem suportava os custos com as rações.

22. Simulavam a compra e venda dos bovinos sem ficcionar a compra de rações com o objectivo de arranjar custos para absolver os lucros com a facturação dos bovinos.

23. As sociedades constituídas por A..... e seu irmão (M.....), tiveram como escopo a obtenção subsídios de superfície e os referidos subsídios de bovinos, uma vez que para a sua atribuição estava limitada a 90 animais por agricultor ou entidade agrícola.

24. Com rigor, apenas poderiam ser aceites pela AT os custos ou despesas e encargos suportados com a constituição das sociedades do denominado grupo C......

25. Pelo que, não pode permanecer a douta sentença recorrida, quando refere que a AT se esqueceu do facto de não foi só a Impugnante que suportou os custos com a criação e engorda de bovinos, quando, necessariamente, constando da esfera patrimonial das sociedades do grupo C..... os bovinos candidatos aos subsídios do INGA, tiveram de suportar os custos com o desenvolvimento dessa actividade.

26. Acresce que, salvo o devido respeito, sem conceder, entende esta RFP ter ficado por provar o número de toneladas de estrume bem como onde o mesmo foi utilizado, designadamente em época de desenvolvimento de culturas; bem como serviços de rega nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2002, para além de prestados por quem não exerce a actividade de prestação de tais serviços; a venda de trigo por sociedade que nunca adquiriu sementes para o efeito!

27. Como poderiam os serviços de inspecção aceitar tão clarividentes incongruências?

28. Relativamente aos subsídios de superfícies, as áreas de cultura implantadas, não fazem parte dos documentos apresentados e juntos aos autos pela Impugnante, as cópias dos Mod.P1, dos quais tem de constar a identificação do proprietário das parcelas de terreno a que o mesmo se candidata.

29. Por outro lado, não constando da contabilidade da Impugnante encargos referentes a rendas de terrenos, em que qualidade é os explora e coloca ao serviço das sociedades do grupo C....., isto, mesmo supondo ser a empresa detentora de todos os meios necessários ao desenvolvimento de tais actividades agrícolas?

30. Na verdade, não logrou comprovar a Impugnante, quer pela prova documental, quer pela prova testemunhal apresentada, que as operações realizadas constituem operações reais e não simuladas.

Relativamente ao IVA

31. A contabilidade da impugnante foi constituída com base em operações simuladas, sem qualquer substrato económico, não apresentando operações tributáveis, pelo que, nos termos do disposto no artº 19º nº 3 do CIVA, o IVA constante das facturas respeitantes às transferências contabilísticas de bens e emitidas por terceiros relativas a aquisições de bovinos ou rações para animais, quer pelas empresas do grupo C....., quer pelo próprio sócio-gerente A....., não é dedutível, porquanto tais entidades terceiras não desenvolverem qualquer actividade económica, uma vez sobejamente provado não disporem de estrutura empresarial para o efeito.

32. Para além disso, ainda, padece de falta de transparência no que tange aos custos debitados, não apresentando os respectivos meios de pagamento.

33. A Impugnante não observou as exigências formais de suporte documental dos custos e de conservação e tratamento dos dados contabilísticos respectivos.

34. As facturas são fictícias por não se referirem a serviços efectivamente prestados nem justificados.

35. A opacidade da contabilidade da Impugnante, a falta de confirmação do pagamento e do valor das facturas na emitente, a promiscuidade das relações entre ambas as partes, aliados ao facto de tal facturação ser contratualmente inconsistente e insustentável economicamente para a Impugnante, que não possui estrutura empresarial, sugerem fortemente, que estes custos não reflectem a verdade fiscal e não foram efectivamente suportados, tendo a sua assunção resultado de conluio entre ambas as partes com o intuito de manipular os lucros.

36. Donde, como pode o Tribunal recorrido ter considerado não haver prejuízo para a Fazenda Nacional?

37. A dedução indevida do IVA simulado reconduz-se à violação do princípio da legalidade tributária e da unidade do ordenamento jurídico cuja defesa e aplicação compete ao Estado.

38. O artº 19º nº 3 CIVA é uma norma que não distingue entre haver ou não prejuízo para o Estado, desde logo porque a sua “ratio” é prevenir e combater a fraude fiscal.

39. Haverá sempre prejuízo para o Estado quando se devolve IVA a quem não tenha direito à respectiva dedução.

40. Para que seja possível o exercício do direito à dedução e de harmonia com os termos do artigo 20º do Código do IVA, só poderá deduzir-se imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados para a realização de operações pertinentes aos fins próprios da actividade do sujeito passivo. Não se destinando as aquisições a fins empresariais, não poderá o sujeito passivo proceder à respectiva dedução de acordo com a mencionada norma legal.

41. O artº 19º nº 1 al.a) do CIVA, estabelece que: “Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos”.

42. O nº 3 do referido artigo 19º do CIVA é peremptório quando determina que “Não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.”

43. Sendo certo, que o imposto que resulte de operação simulada não é dedutível – artº 19º nº 3 do CIVA -, é igualmente verdade que o facto de se mencionar o IVA em factura torna o seu emitente devedor do imposto respectivo, seja este ou não devido – artº 2º, nº 1, al.c), do mesmo Código.

44. As correcções efectuadas destinam-se a salvaguardar o funcionamento do imposto bem como, a garantir as receitas fiscais devidas, simultaneamente impedindo que o Estado saia prejudicado com o acto simulado.

45. No caso dos autos, a Impugnante desviou do erário público quantias a que não tem direito, objectivamente defraudando e prejudicando o Estado e locupletando-se à custa alheia, pretendendo que o Tribunal lhe reconheça o direito de bem haver deduzido o IVA, e, consequentemente, beneficiar pecuniariamente em razão da utilização de um direito que lhe não cabe.

46. Não confere direito à dedução de IVA o «imposto que resulte de operação simulada», constante de vulgarmente chamadas “facturas falsas” – de acordo com o nº 3 do artigo 19º do Código do IVA.

47. Havendo a douta sentença recorrida, declarado provados e com relevância para a decisão da causa, os factos resultantes da análise do relatório de inspecção tributária, constantes de fls. … do PA (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), anexo aos presentes autos, impunha-se o reconhecimento de todo o seu conteúdo, porque provado e não controvertido.

48. A AT limita-se a efectuar a subsunção da parcela da realidade a tributar, à correspondente e exacta qualificação jurídica prevista no normativo jurídico-tributário.

49. Pelo que, não pode permanecer a douta sentença recorrida, quando refere que a AT devia ter considerado os vários custos suportados pelas sociedades do grupo C....., distribuídos que foram pela Impugnante para o efeito da sua repartição entre elas, como a compra de animais e rações para poder receber os subsídios.

50. Estando em causa operações simuladas, estamos perante declaração enganosa da vontade, visando produzir efeito diverso daquele a que a declaração real da vontade conduziria, pelo que, quer seja licito, quer seja ilícito o acto do contribuinte, não pode é ser ignorado pela AT.

Nestes termos e nos mais de direito, com o mui douto suprimento de V.Exas., deverá o presente recurso ser julgado PROVIDO, e, consequentemente, a sentença ora recorrida ser revogada.

Assim se fazendo JUSTIÇA!»


***


A Recorrida S....., Lda, apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

“1) Deve ser aditada a seguinte matéria de facto, por provada, ficando a constar que: "FF. A constituição das várias sociedades, incluindo a impugnante, não prejudicou o Estado a receita fiscal, pelo contrário, o Estado beneficiou na liquidação de receita fiscal com a existência de várias empresas em detrimento de uma só, porque os prejuízos verificados não foram refletidos nas sociedades com lucros (fls. 765 a 844 dos autos, em especial fls. 831}.

2) A recorrente não impugnou a matéria de facto nos termos previstos nos artigo 685º-B do Código de Processo Civil e invoca, expressamente (conclusão nº 2), como fundamento do seu recurso "erro na subsunção dos factos à norma jurídica, pois o tribunal a quo entendeu que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica contrária à alcançada pela AT".

3) A ATA invoca como fundamento da sua posição no sentido de imputar o vício de simulação a todos os negócios celebrados entre a recorrida e demais sociedade do grupo, posição de que decorreram as liquidações ajuizadas, não qualquer razão ligada aos negócios em concreto, mas sim com base no pressuposto de que as sociedades foram constituídas apenas e tão só com vista ao recebimento de subsídios de bovinos e não para exercer atividade económica real.

4) Alegando ainda a ATA, no relatório inspetivo, que as sociedades não exerceram qualquer atividade económica real e que quem exerceu de facto a atividade foi o seu sócio A....., e vindo agora a Fazenda Pública nas suas alegações acrescentar que para além daquele, os negócios reais tinham também sido realizados efetivamente pelo sócio-gerente M..... e pela recorrida (conclusão nº 20 das alegações), tal constitui demonstração da falta de credibilidade da tese da ATA e de convicção da Fazenda Pública nessa posição.

5) Ao contrário das alegações da ATA e da Fazenda Pública (em termos não inteiramente coincidentes) a recorrida provou de forma positiva e inequívoca que as sociedades exerceram de facto atividade não só de criação e comercialização de bovinos mas também de produção de culturas arvenses, conforme resulta dos factos provados sob os as alíneas M, N, O, P, Q, T, U, V, W, X, Y, Z, AA, BB.

6) Tendo em conta que a posição da ATA se baseou apenas no pressuposto da inexistência de qualquer atividade real por parte das empresas, e não em razões relacionadas com os contratos das mesmas em concreto, basta a prova da não correspondência com a realidade do pressuposto de que partiu a ATA, para afastar o fundamento das correções que, no nosso modesto entender, nem chegaram a ser indícios, mas meras suspeitas, sem caráter objetivo, mas ainda que o fossem, o que só por hipótese de raciocínio se põe, teriam de ser considerados afastados pela prova da não verificação do pressuposto de que partiu a ATA.

7) Mas a prova da recorrida foi ainda mais longe ao provar, de forma indesmentível, não só a veracidade da sua atividade e da atividade das demais empresas mas também dos seus negócios em concreto, como decorre da prova dos factos do probatórios alíneas T, W, CC, DD, EE.

8) A Fazenda Pública, que não impugnou a matéria de facto, limita-se a produzir afirmações contrárias à matéria de facto provada, como se a mesma não existisse ou a desconhecesse, e produz afirmações contraditórias quanto às supostas finalidades da simulação, ora afirmando que tiveram por finalidade o recebimento dos subsídios dos bovinos, como sustentou a ATA no Relatório de inspeção, mas acrescentando agora, a finalidade obtenção de subsídios de superfícies (não apontados no relatório) (conclusão nº 23).

9) Ora afirmando, sem fazer a mínima desmonstração, que as operações foram simuladas com fins meramente fiscais, invocação que não foi feita no relatório de inspeção, nem em local algum pela ATA e cuja demonstração nem sequer a Fazenda Pública tentou fazer ao longo do processo, antes emergindo dos autos a conclusão de que a matéria coletável aumentou em função da atividade da recorrida.

10) A douta jurisprudência citada pela ATA não tem aplicação ao caso pois a ATA não demonstrou quaisquer indícios objetivos, mas meras suspeitas de carácter subjetivo que se vieram a revelar infundadas pela prova feita pela recorrida, que ademais, provou ainda a realidade da sua atividade e das seis empresas do grupo e dos contratos declarados à ATA, em qualquer caso, mesmo que tivesse ocorrido a prova de indícios objetivos, que não houve, os mesmos teriam sido afastados pela prova produzida pela recorrida.

11) As correções efetuadas pela ATA sempre seriam ilegais pois, ao basearem-se no pressuposto de que as sociedades receberam subsídios sem exercer a atividade que é pressuposto da atribuição dos subsídios, afirmam a ilegalidade da atribuição destes, sendo que a fiscalização e verificação dessa legalidade incumbe a outra pessoa coletiva de direito público, o INGA, que fiscalizou e controlou a atividade das empresas, como condição de atribuição dos subsídios.

12) Ao assim proceder, em substância, a ATA invadiu a esfera de atribuições do INGA, o que é violador da lei e do Estado de Direito, viciando, também as liquidações.

13) Nas correções que efetuou, relativamente à atividade económica das sociedades declarada e realizada, a ATA desconsiderou-lhes parte dos proveitos (vendas) e parte dos custos (compras de animais e custos com alimentação e manutenção dos mesmos) mantendo-lhe parte dos proveitos (os subsídios à exploração dos bovinos), e como custos os suportados com a constituição das sociedades, custos com a execução da contabilidade e com encargos bancários.

14) Parte dos custos das sociedades, como os custos com alimentação e manutenção dos animais, imputou-os a A....., assim como os proveitos das vendas dos animais (e não também a M..... e à S....., Lda, como agora vem sustentar a FP na sua conclusão nº 20).

15) Do mesmo modo, e no seguimento da conclusão n.º 20, certos custos e proveitos relacionados com as compras e vendas dos bovinos e respetiva manutenção são imputados à recorrida, a M......

16) Sendo que os todos os proveitos estão indissociavelmente ligados aos custos, de que dependem, (sendo que os subsídios são subsídios à exploração e se destinam a compensar uma exploração desfavorecida em termos de região do espaço comunitário), a cisão entre custos e proveitos desvirtua completamente a noção de lucro tributável, violando-se assim o princípio da tributação do lucro real das empresas consignado na Constituição e os arts. 15º, 17º e 23º do CIRC, bem como os princípios contabilísticos.

17) Caso tivesse ocorrido simulação, o que não se verificou e só por mera hipótese académica e para efeitos de raciocínio se põe, teria sido violado ainda o art. 39.º da LGT, na medida em que de tal artigo resultaria que todos os proveitos e todos os custos fossem considerados na esfera jurídicas d(a) entidade(s) que se considerasse(m) ser o(s) verdadeiro(s) titular(es) do(s) negócios celebrados e da atividade exercida.

18) A douta sentença não merece censura.

19) Caso fosse julgada procedente a apelação, o que por mera cautela de patrocínio e sem conceder se coloca, requer, ao abrigo do art. 715º, nº 2 do Código de Processo Civil, que o Tribunal conheça das questões suscitadas pela recorrida nas petições iniciais, que o Tribunal "a quo" não conheceu, e identificadas nestas alegações.

Termos em que deve ser julgado improcedente o recurso, mantendo-se a anulação das liquidações, com as legais consequências.»


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

“A. A Impugnante, S....., Lda., foi constituída em 12.12.1990, tendo por objecto a produção e comércio de animais e a bovinicultura (cfr. relatório final de inspecção tributária (RIT), a fls. 70 a 149 do PRG relativo ao processo n.º ….., que se dá por integralmente reproduzido);

B. São sócios da sociedade referida em A. supra A..... e M..... (cfr. p. 7 do RIT);

C. Os sócios referidos na alínea antecedente são ainda sócios-gerentes das seguintes seis sociedades, que iniciaram a sua actividade em Março de 2002:

- S....., Lda.;

- S....., Lda.;

- S….., Lda.,

- S….., Lda.;

- S….., Lda.,

- S….., Lda. (cfr. p. 15 do RIT);

D. Com base nas ordens de serviço nºs. OI….. e OI….., emitidas pela Direcção de Finanças de Santarém – DPIT II, em 14.12.2004, a Impugnante foi alvo de uma acção de inspecção externa, iniciada em 17.01.2005 e 21.02.2005, respectivamente, tendo as notas de diligência sido assinadas em 19.12.2005 – cf. fls. 6 do RIT;

E. Em resultado da inspecção realizada, os Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária da DF de Santarém, elaboraram o RIT, do qual consta, na parte relevante:

“(…) 1.1.1.12 – Correcção das Compras, das Vendas e das Prestações de Serviços facturadas entre empresas geridas pelos sócios A..... e M.....

(…) Pela análise efectuada aos elementos contabilísticos destas empresas (…), quer no que respeita aos fornecedores quer aos produtos que constam das facturas e outros documentos de despesas, são muito idênticos, nas seis empresas atrás referidas.

(…)

Quer no exercício de 2002, quer no exercício de 2003, os animais, em termos contabilísticos, permaneceram nas empresas no mínimo 60 dias, sendo depois novamente transferidos, contabilisticamente, para o senhor A...... Este período de 60 dias de permanência corresponde ao prazo mínimo para atribuição de subsídios aos bovinos machos concedido pelo INGA, cuja legislação obriga a que o detentor dos animais, os tenha na posse por 60 dias (Regulamento CE nº 1254/99 do Concelho, de 17 de Maio e Regulamento CE nº 2342/99, da Comissão, de 28 de Outubro).

Por outro lado, a legislação estabelece que cada pessoa só pode receber, no máximo, subsídio referente a 90 animais.

(…)

Pela análise efectuada aos elementos contabilísticos destas seis empresas (…) verificou-se que nenhuma delas possui qualquer estrutura empresarial: terrenos, máquina e pessoal. Ou seja, em face deste exposto, é evidente que a constituição destas seis sociedades teve como único objectivo o recebimento do chamado “subsídio dos bovinos”, em face da limitação quantitativa na atribuição do mesmo por parte do INGA.

Constata-se que estamos perante transmissões de bens simuladas, sem qualquer substrato económico, que visam apenas o recebimento de subsídios atribuídos pelo INGA.

(…)

Assim, existe na contabilidade da empresa “S…..” facturas emitidas pela “S....., Lda”, referente a “sementes de trigo e de milho”, “adubos”, “pesticidas”, “estrume”, bem como referentes a prestação de serviços com a “preparação de terras”, “sementeira de trigo e milho” e “secagem de milho”.

(…)

Ora é nosso parecer, que também esta suposta actividade agrícola, não corresponde a qualquer operação económica real, pois as empresas não possuem qualquer estrutura empresarial para o desenvolvimento de actividades produtivas. Recorreram a “aquisições” de bens e serviços à empresa “S....., Lda” que passaremos a designar por empresa mãe, e “vendem” o produto final, milho e/ou trigo, também à empresa mãe. Qual é o objectivo deste procedimento?

Em nosso entender, além de existir, como já foi referido uma outra entidade jurídica que podia candidatar-se ao subsídio dos bovinos (que consideramos como seu objectivo principal), estas supostas “aquisições” e “vendas” visam a transferência de custos entre empresas sob tutela comum dos mesmos sócios-gerentes.

Como exemplo, serão de referir as seguintes situações:

1.ª situação: a “facturação” de 3.800.000 kg (!?!) de estrume, pela empresa mãe, à “S…..” em duas vendas a dinheiro datadas de 4 de Dezembro e 10 de Dezembro de 2002, o que levanta desde logo duas questões:

- a elevada quantidade (…);

- e a data em que o estrume foi “facturado” que indicia que se pretendia “consertar” resultados entre empresa.

2.ª situação: a aquisição pela empresa “V…..” à empresa mãe de 113 toneladas de adubos e 3.300 toneladas de estrume de vaca, em Dezembro de 2002, o que levanta desde logo duas questões:

- a elevada quantidade de estrume (…)

- se a empresa já tinha efectuado a colheita de trigo e se no exercício de 2003, não efectuou vendas de cereais, qual é o destino destes bens?

(…)

Também no exercício de 2003, se verifica a existência de “vendas”, “compras” e “prestações de serviços”, contabilizados na empresa “S…..” com as seguintes especificidades:

- não existe “compra” de semente de trigo, mas a empresa S….. “vende” trigo;

- existe um “serviço prestado de rega cujo documento de suporte (factura) pertence a P….., o qual referiu em “Auto de Declarações” (…) que não exerce qualquer actividade agrícola (…);

- existe uma quantidade enorme de estrume (3.750.000 kg) facturada pela empresa mãe, em Novembro e Dezembro de 2003, após a sementeira, colheita e venda de cereais.

Em face do exposto, também no exercício de 2003, se constata que se está perante transmissões de bens fictícias, sem qualquer substrato económico, que visam a transferência de resultados entre empresas sob tutela comum, pois a actividade agrícola real é desenvolvida pela empresa mãe, a qual é beneficiária da mesma, pois “compra” e “vende” os bens de e para a empresa “S…..”.

(…)

No que respeita à actividade de compra e venda de bovinos, para efeitos de determinação do resultado fiscal, iremos considerar apenas como proveitos daquelas seis empresas, os subsídios dos bovinos (…), sendo que os restantes proveitos (vendas) serão tributados na esfera do respectivo beneficiário (senhor “A.....”).

No que respeita à actividade agrícola, os subsídios recebidos do INGA pelas empresas “V…..” e “S…..” referentes a cereais (trigo e/ou milho) serão objecto de tributação na “S....., Lda”.

(…)

1.1.1.12.1 – Anulação das Compras, das Vendas e das Prestações de Serviços entre o sujeito passivo e as empresas “S…..” e “V…..”

Assim, no que respeita ao exercício de 2002, ao resultado declarado pela S....., serão de acrescer as “compras” de cereais (trigo e/ou milho) efectuadas às empresas “S…..” e “V…..” no valor total de 163.333,69€ (…), e serão de deduzir as “vendas” e as “prestações de serviços” facturadas às mesmas empresas, no valor total de € 263.436,61 (…)”.

Relativamente às vendas de animais facturadas pela empresa-mãe, às empresas “I.....”, “M…..” e “S…..”, considera-se que as mesmas foram efectuadas ao senhor A....., cujo resultado do rendimento líquido empresarial (categoria B) irá ser objecto das correcções respectivas.

(…)

Em resumo as correcções técnicas descritas anteriormente totalizam 180.597,11€ (…)”

1.1.2 – Exercício de 2003

1.1.2.11 – Correcção das Compras, das Vendas e das Prestações de Serviços facturadas entre empresas geridas pelos sócios A..... e M.....

Em face do exposto 1.1.1.12 (…) irá proceder-se às correcções respectivas.

1.1.2.11.1 – Anulação das Compras, das Vendas e das Prestações de Serviços entre o sujeito passivo e as empresas “S…..” e “V…..”

Tendo em conta o exposto no ponto 1.1.1.12, proceder-se à anulação das “compras”, “vendas” e “prestações de serviços” (…).

Assim, ao resultado apresentado pelo sujeito passivo no exercício de 2003, serão de acrescer as “compras” de cereais (…) no valor total de 92.047,81€ (…) e serão de deduzir as “vendas e as prestações de serviço” “facturadas” à mesma empresa, no valor total de 152.359,87€ (…)

1.1.2.11.2 – Acréscimo ao resultado dos subsídios relativos aos cereais contabilizados com proveitos pelas empresas “S…..”, no exercício de 2003

Como já foi referido (…), os subsídios relativos aos cereais (…) serão considerados para efeitos de tributação ao resultado declarado pela “S….., Lda”. (…)

1.1.2.12 – Total das correcções técnicas

Em resumo (…) totalizam 492.975,22€ (…).

2 – Em sede de IVA

2.1.1.2 – IVA deduzido indevidamente referente às aquisições de bens efectuadas às empresas “S…..” e “V…..”

Em face do exposto no ponto 1.1.1.12 (…), o imposto que consta nas facturas referentes às transferências contabilísticas de bens, e emitidas pelas empresas “S…..” e “V…..” não é dedutível (…)”.

– cfr. RIT;

F. Tendo sido notificado do teor do projecto de RIT, a Impugnante exerceu o seu direito de audição, por requerimento apresentado em 06.01.2006 – cfr. p. 42 do RIT, junto ao processo n.º …..;

G. Notificada do teor final do RIT, a Impugnante apresentou, em 24.07.2006, reclamação graciosa – cf. fls. 2 dos PRG juntos ao processo n.º ….. e …..;

H. Por despacho de 21.11.2006, foi indeferida a reclamação graciosa apresentada, tendo a decisão final sido notificada à Impugnante através do ofício n.º 18373, de 28.11.2006 – cfr. fls. 108 do PRG, junto ao processo n.º …..;

I. Em 27.12.2006, a Impugnante apresentou recurso hierárquico – cfr. fls. 2 e ss. dos PAT juntos ao processo n.º ….. e …..;

J. Por despacho de 24.04.2008, foi indeferido o recurso hierárquico interposto, tendo a Impugnante sido notificada da respectiva decisão através do ofício n.º ….., de 24.04.2008 – cfr. fls. 32 e 33 do PAT junto ao processo n.º …..;

K. Em 20.02.2008, foram emitidas em nome da Impugnante as liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios n.º …..385 e …..844, relativas ao exercício de 2002, respectivamente, no valor total de € 22.497,98 – cf. fls. 20 do PRG junto ao processo n.º …..;

L. Em data não apurada, foram emitidas as liquidações de IVA impugnadas;

M. A família C..... dedica-se à agricultura e à criação e comércio e animais bovinos desde há gerações – cfr. depoimento das testemunhas arroladas pelo Impugnante, R….., C….. e J…..;

N. O conjunto das empresas de que A..... e M..... são sócios e as respectivas actividades em nome pessoal gera uma atividade intensa, quer a nível de cultura de cereais e pastos, quer a nível de criação e comercialização de animais, sobretudo bovinos – cfr. depoimento das testemunhas arroladas pelo Impugnante, C….. e J…..;

O. O conjunto de empresas de que A..... e M..... são sócios e as respectivas actividades em nome pessoal têm sempre perto de dois milhares de animais – cfr. depoimento das testemunhas arroladas pelo Impugnante, R….., C….. e J….., e relatório pericial, a fls. 769 dos autos;

P. Para o prosseguimento de tais actividades, a Impugnante é detentora de uma vasta gama de imobilizado – cfr. relatório pericial a fls. 769 dos autos;

Q. A Impugnante possui também no seu quadro de pessoal catorze trabalhadores em várias categorias – cfr. relatório pericial a fls. 769 dos autos;

R. Durante o exercício de 2002, a Impugnante teve um volume de negócios de € 2.193.347,76 – cfr. relatório pericial a fls. 769 dos autos;

S. Durante o exercício de 2003, a Impugnante teve um volume de negócios de € 2.241.780,87 – cfr. relatório pericial a fls. 769 dos autos;

T. O transporte de animais era feito pelos meios próprios da Impugnante, havendo apenas 4 facturas de transporte de animais – cfr. relatório pericial a fls. 784 dos autos;

U. Actualmente, a família C....., por si e através das suas empresas, explora diversas propriedades agrícolas em três distritos do país: ….. - cfr. depoimento das testemunhas arroladas pelo Impugnante, C….. e J…..;

V. A Impugnante é a sociedade mais antiga do “grupo” – cfr. depoimento das testemunhas arroladas pelo Impugnante, R….., C….. e J…..;

W. A Impugnante não é proprietária de bens imóveis, mas tem pessoal, máquinas e equipamentos necessários e suficientes para a actividade desenvolvida pelas sociedades referidas na alínea C. supra – cfr. depoimento das testemunhas arroladas pelo Impugnante, C….. e J…..;

X. As propriedades onde a Impugnante e as demais sociedades do “grupo” exercem a sua actividade são propriedade da família C..... ou arrendadas, havendo ainda propriedades cedidas por terceiros, em regime de comodato, nem sempre reduzido a escrito – cfr. depoimento das testemunhas arroladas pelo Impugnante, C….. e J…..; documentos de fls. 54 a 57 e 59 a 71 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos, e relatório pericial, a fls. 785 dos autos;

Y. Embora o contrato de comodato esteja em nome de uma sociedade do “grupo”, a propriedade pode ainda assim ser utilizada por outra(s) sociedade(s) – cfr. depoimento da testemunha J…..;

Z. No decurso do exercício de 2002 e 2003, as seis sociedades referidas na alínea C. supra candidataram-se ao pedido de “Ajudas de Superfícies” – cfr. depoimento das testemunhas, R….. e J….. e relatório pericial, a fls. 809 dos autos;

AA. As sociedades referidas na alínea C. supra apresentaram junto do INGA o denominado “Pedido de ajuda animais” para efeitos de atribuição de subsídios a bovinos – cfr. depoimento das testemunhas R….. e J….. e relatório pericial, a fls. 818 dos autos;

BB. O INGA efetuou diversas fiscalizações e controlos, tendo confirmado a actividade das seis sociedades referidas na alínea C. supra - cfr. depoimento das testemunhas R….. e J….. e relatório pericial, a fls. 820 dos autos;

CC. Os animais estão devidamente registados e as declarações de deslocações estão tituladas em documentos próprios – cfr. documentos de fls. 265 a fls. 454 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos;

DD. Os pagamentos entres as empresas do “grupo” foram facturados e contabilizados - cfr. depoimento da testemunha arrolada pela Impugnante, S…..;

EE. As deslocações dos animais eram comunicadas às autoridades competentes, assim como nascimentos e mortes de animais - cfr. depoimento das testemunhas R….. e J…...


***

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não existem factos que importe registar como não provados.


***


A sentença consignou como motivação da matéria de facto o seguinte:

“A convicção do Tribunal, quanto à matéria de facto dada por provada, baseou-se nos seguintes meios de prova:

Prova documental: os documentos e informações oficiais, não impugnados, referidos em cada uma das alíneas do probatório, com remissão para as folhas do processo onde se encontram.

Prova testemunhal: relevaram os depoimentos das testemunhas inquiridas nos presentes autos, bem como no âmbito do processo de impugnação n.º 934/08, em que foi pedido o aproveitamento de prova.

As testemunhas R….. e J….. confirmaram que as sociedades referidas tinham uma actividade intensa e que a Impugnante, desde 1996, tinha em média 2000 animais, bem como a sua movimentação entre as propriedades do “grupo”, para aproveitarem as melhores pastagens. Identificaram ainda as várias propriedades que são geridas pelas empresas do “grupo”, algumas das quais cedidas gratuitamente, uma vez que lhes fazem benfeitorias que as valorizam (nomeadamente, vedam-nas, abrem valas, estrumam-nas). Referiram que há casos, como, por exemplo, a Quinta ….., em que mesmo depois da venda da propriedade, os actuais proprietários pediram à família C..... para continuar a explorá-la. O Senhor J….. afirmou ainda que, no conjunto, as propriedades em causa têm mais de mil de hectares e que os animais produzem uma enorme quantidade de estrume. Esclareceu, por outro lado, em relação ao estrume, que a Quinta de ….. tinha mais de 1000 bois à engorda, havendo, por isso, muito estrume, sendo que 3 toneladas de estrume podiam ser usadas em 50 hectares. Em relação aos pedidos de ajuda ao INGA (superfície e animais) e à fiscalização pelo INGA, afirmaram que este Instituto realizou controlos, nas propriedades e aéreos. Ambos revelaram conhecimento directo dos factos e depuseram de forma clara, consistente e isenta, pelo que os seus depoimentos mereceram inteira credibilidade.

A testemunha C….., que tem relações comerciais com a Impugnante, confirmou a actividade desenvolvida, esclarecendo ainda que, em regra, se conjuga o nascimento dos bovinos para a Primavera, de forma a que, a partir de Setembro, deixem as pastagens com as mães, para fazerem uma engorda intensiva. Justificou, assim, a discrepância nas vendas de rações em Setembro, Outubro e Novembro, pelo facto de poder haver uma variação no número de animais – por exemplo, de 30 para 90 animais, o volume de ração é logo a triplicar.

A testemunha S….., na qualidade de Técnica Oficial de Contas destas empresas, confirmou a regularidade da contabilidade e esclareceu que as mesmas tinham animais em existências e em imobilizado.

A testemunha da Fazenda Pública, A….., confirmou, no essencial, o conteúdo do relatório de inspecção tributária.

Prova pericial: nesta sede relevaram as respostas a alguns dos quesitos indicados pelas Partes, conforme referido nos correspondentes alíneas dos factos assentes. Resultou ainda das conclusões do relatório pericial que a constituição das seis sociedades referidas em C. supra não reduziu o valor da matéria tributável global do “grupo”, cfr. fls.765 a 844 dos autos, em especial fls. 831.”


***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

FF) No Relatório de Inspeção Tributária evidenciado em F), no ponto IX, no Item identificado como “Direito de Audição-Fundamentação” consta, designadamente, o seguinte:





«Imagem no original»



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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IRC e IVA e respetivos juros compensatórios, melhor identificadas nas alíneas K) e L) da factualidade assente.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Face ao exposto, as questões sob recurso e que importa decidir são as que infra se enumeram:

¾ Se a sentença recorrida incorreu em nulidade por alegada oposição entre os fundamentos e a decisão.

¾ Se a Recorrente e a Recorrida procederam à impugnação da matéria de facto cumprindo os requisitos consignados na lei, e em caso afirmativo, se existe deficit ou erro de julgamento na valoração da matéria de facto que careça de aditamento, ou supressão;

¾ Estabilizada a matéria de facto, cumpre avaliar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito por:

· Ter concluído que os indícios apurados pela Administração Tributária não são suficientes, não traduzindo uma probabilidade séria de as operações constantes nas faturas serem simuladas;

· Ter ajuizado que a Recorrida logrou provar a efetividade das operações constantes nas faturas visadas, donde que inexiste qualquer erro sobre os pressupostos de facto e de direito que inquine as liquidações.

· Procedendo a falta de prova de efetividade das transações, importa conhecer das seguintes questões julgadas prejudicadas:

o Falta de junção aos processos administrativos de reclamação e de recurso hierárquico dos processos administrativos de inspeção;

o Falta de fundamentação da decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa e sobre o recurso hierárquico;

o Falta de notificação da fundamentação da liquidação;

o Violação do princípio da verdade material e do princípio da audiência dos interessados antes da decisão final;

o Violação do Artigo 36.º do RCPIT;

o Vício de falta de fundamentação ou fundamentação insuficiente;

o Violação da iniciativa privada;

Face ao exposto, passa-se a conhecer em primeiro lugar da arguida nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão.

Vejamos, então.

A Recorrente, ainda que de forma não absolutamente clara -visto que aduz que vem “arguir a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, invocando erro de julgamento”, sendo que são realidades díspares e não confundíveis a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão e a mera discordância com a fundamentação jurídica- infere-se, no entanto, do teor das suas conclusões coadjuvado com o teor das alegações, que a mesma entende que a decisão recorrida padece de oposição entre os fundamentos e a decisão, uma vez que o Tribunal a quo dá como provado o teor do Relatório de Inspeção Tributária no qual se fundamentam as operações simuladas e depois conclui no sentido da procedência da decisão, quando deveria ser precisamente o oposto.

Porém, sem razão. Senão vejamos.

De harmonia com o consignado no artigo 615.º nº.1, alínea c), do CPC, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Concatena-se, assim, com a necessidade de um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artigo 154.º, nº.1, do CPC.

No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, nº.1, do CPPT (1).

O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adotada (2).

No caso sub judice, não vislumbra este Tribunal que a decisão recorrida padeça da nulidade em análise, uma vez que atentando no seu teor conclui-se que a mesma não comporta nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que, tendo decidido pela procedência da decisão, a fundamentação jurídica de tal peça processual vai no mesmo sentido.

Com efeito, o facto de constar no probatório excertos do teor do Relatório de Inspeção Tributária em nada permite concluir pela existência da aludida nulidade, até porque tal fixação mais não permite concluir que a existência de um documento com o conteúdo nele exarado e não que a fundamentação dele constante se encontra provada.

O Relatório de Inspeção Tributária é um meio de prova, competindo ao Tribunal valorá-lo de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, sendo que, in casu, não foi impugnada a genuinidade e autenticidade do mesmo.

Face ao exposto, improcede a aludida nulidade.

Prosseguindo.

Vejamos, ora, se foi impugnada a matéria de facto.

Para o efeito importa, desde já, convocar o teor do artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de primeira Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Tem, por isso, de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida ou o aditamento de novos factos ao acervo probatório dos autos (3).

No caso vertente, atentando no teor das alegações e conclusões de recurso da Recorrente dimana inequívoco que a mesma não procede à impugnação da matéria de facto de acordo com os aludidos requisitos legais. Com efeito, a Recorrente não requer qualquer aditamento por complementação ou mesmo por substituição, inferindo-se do seu teor, apenas a alegação de erro de julgamento, ou seja, o que a mesma entende é face à factualidade provada o Tribunal a quo não poderia concluir pela inexistência de operações simuladas.

É certo que no corpo das suas alegações faz alusão ao depoimento de testemunhas inquiridas, as quais identifica, porém não só não retira qualquer inferência fática que mereça ser valorada e careça de qualquer aditamento ou supressão ao probatório, como não indica, com exatidão, as passagens da gravação em que se funda nem tão-pouco procede à transcrição exata dos excertos que considera importantes daí extraindo as devidas consequências.

Face ao supra aludido conclui-se que a Recorrente não procede à impugnação de facto.

Quanto à Recorrida, não tendo a mesma legitimidade para interpor recurso já que o resultado final lhe foi integralmente favorável, pode a mesma ao abrigo do artigo 636.º do CPC, proceder à ampliação do âmbito do recurso, impugnando, para o efeito, determinados pontos da matéria de facto, requerendo o seu aditamento, substituição ou mesmo supressão (4). Ora, atentando no teor das suas contra-alegações verifica-se que a mesma procede à impugnação da matéria de facto requerendo um aditamento por complementação.

Vejamos, então.

A Recorrida defende que deve ser aditada à matéria de facto, sob a alínea FF), a seguinte factualidade, tendo por base os documentos de fls. 765 a 844 dos autos e em especial de fls. 831.

FF. A constituição das várias sociedades, incluindo a impugnante, não prejudicou o Estado a receita fiscal, pelo contrário, o Estado beneficiou na liquidação de receita fiscal, com a existência de várias empresas em detrimento de uma só, porque os prejuízos verificados não foram refletidos nas sociedades com lucros.

Porém, não pode lograr provimento o aludido aditamento uma vez que o mesmo reveste caráter conclusivo.

Com efeito, a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento.

“[q]uestão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”. (5)

“As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.” (6).

In casu, a redação sugerida pela Recorrida não apresenta a roupagem de um facto, mas sim um juízo conclusivo e valorativo. Com efeito, o que importa que conste na factualidade são elementos fáticos que permitam por si só ou em conjunto, sendo caso disso, concluir pela existência ou não de benefícios ou prejuízos e cuja prova compete valorar ao abrigo do princípio da valoração da prova. Ademais, in casu, face à delimitação do objeto da presente lide não se vislumbra -nem tão-pouco a Recorrida substancia, com rigor, a sua acuidade- que a existência ou não de prejuízo releve para a apreciação da mesma atenta, desde logo, a fundamentação das correções retratada no Relatório de Inspeção Tributária.

Improcede, assim, o requerido aditamento.

Aqui chegados, vejamos, então, se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.

A Recorrente defende que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a Administração Tributária fez prova dos pressupostos da tributação uma vez que atuou perante a existência de indícios sérios de que as faturas constantes da contabilidade da Recorrida, não consubstanciam quaisquer operações reais, e, portanto, foram simuladas com fins meramente fiscais.

Mais sustenta que a Recorrida não logrou provar ter arrendado quaisquer propriedades para o desenvolvimento da atividade de criação de gado ou cerealífera, nem tendo inclusive comprovado os pagamentos entre empresas porquanto a sua maioria era feita pela conta de Caixa, o que per se, é suficiente para ilidir a presunção de veracidade das declarações do contribuinte contemplada no artigo 75.º da LGT.

Mais relevando que a Recorrida não logrou demonstrar que havia, efetivamente, deslocação de bovinos entre as diferentes sociedades do grupo C....., provando apenas a existência dos mesmos, e não da sua verdadeira transmissão entre as sociedades do grupo ou entre A....., M..... e a Impugnante ou A..... em nome individual.

Sublinhando, neste particular, que os bovinos nunca saíram da esfera patrimonial de A....., que era quem os criava, inclusivamente para a Recorrida. Logo, era A..... quem suportava os custos com as rações.

Conclui, assim, que tendo a Administração Tributária convocado indícios sérios e objetivos que traduzem a probabilidade elevada de que as faturas não titulam operações reais, não tendo, como é consabido, de provar os pressupostos elencados no artigo 240.º do CC, e não tendo a Recorrida logrado provado a materialidade das mesmas, a decisão recorrida padece de erro de julgamento, devendo manter-se as correções realizadas em sede de IRC bem como o apuramento do IVA indevidamente deduzido.

Dissente a Recorrida alegando que a decisão recorrida não padece de erro de julgamento, visto que os indícios apurados mais não representam de que meras suspeitas, sem caráter objetivo, as quais, de resto, se vieram a revelar infundadas pela prova feita carreada para os autos.

Densifica, para o efeito, que provou de forma positiva e inequívoca que as sociedades exerceram de facto atividade não só de criação e comercialização de bovinos, mas também de produção de culturas arvenses, conforme resulta do probatório.

Mais aduz que competindo a fiscalização e verificação da atribuição de subsídios ao INGA, que fiscalizou e controlou a atividade das empresas, sempre as correções não poderiam basear-se no pressuposto de que as sociedades receberam subsídios sem exercer a atividade, sob pena de invasão da esfera de atribuições do INGA, donde violador da lei e do Estado de Direito.

Advoga, outrossim, que os todos os proveitos estão indissociavelmente ligados aos custos, de que dependem, logo a cisão entre custos e proveitos desvirtua completamente a noção de lucro tributável, violando, dessa forma, o princípio da tributação do lucro real das empresas consignado na CRR e os artigos 15.º, 17.º e 23.º do CIRC, bem como os princípios contabilísticos.

Conclui, in fine, que mesmo que se equacionasse a existência de simulação sempre teria sido violado o artigo 39.º da LGT, na medida em que de tal artigo resultaria que todos os proveitos e todos os custos fossem considerados na esfera jurídicas d(a) entidade(s) que se considerasse(m) ser o(s) verdadeiro(s) titular(es) do(s) negócios celebrados e da atividade exercida.

Vejamos, então.

Como visto a questão que está na génese das correções em apreço assenta na existência de operações simuladas, estribando-se nos normativos 19.º, nº3 do CIVA, 20.º e 23.º do CIRC e bem assim no artigo 39.º da LGT.

Comecemos, então, por atentar no respetivo regime jurídico.

Como visto, o erro de julgamento coaduna-se com a prova efetiva da materialidade das operações e a respetiva desconsideração fiscal dos custos e anulação dos proveitos, respeitantes ao exercício de 2002 e apuramento de IVA indevidamente deduzido nos anos de 2002 e 2003, impondo-se, por isso, começar por aferir como se processa o direito adjetivo fiscal em sede probatória e quais as consequências que dimanam da sua regulamentação.

Em sede de procedimento administrativo tributário incumbe à Administração Tributária a prova dos factos constitutivos do ato administrativo, ou seja, compete à entidade fiscalizadora aquilatar e indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, porquanto, o procedimento só pode produzir uma liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos apurados, estiver adquirida a plena convicção da existência e conteúdo do facto tributário.

De resto, tal conclusão resulta evidente em face do princípio da verdade material, ínsito nos artigos. 50.º, do CPPT e 58.º, n.º 1, da LGT.

Com efeito, o contribuinte goza da presunção de verdade da sua declaração, nos termos consignados no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, logo compete à Administração Tributária o ónus da prova dos pressupostos legais da sua atuação, in casu a demonstração de que os indícios por si recolhidos no decurso da ação inspetiva são sérios e suficientes para concluir pela inexistência ou simulação de uma relação económica que sustente as faturas em apreço.

Nessa medida, tem a Administração Tributária o dever de averiguar e reunir indícios conducentes ao afastamento da declaração apresentada pelo contribuinte, ou melhor, “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém diretamente, mas indiretamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova (7)”

De sublinhar, neste particular, que não é exigível que a Administração Tributária efetue uma prova direta da simulação, pelo que cumprindo a Administração Tributária aquele ónus e ilidindo, desse modo, a presunção de veracidade da declaração do sujeito passivo consagrada no referido artigo 74.º, n.º 1 da LGT, passa a competir, por seu turno, a este último o ónus da prova da realidade subjacente à fatura, infirmando os indícios recolhidos pela entidade fiscalizadora.

Com efeito, no âmbito das chamadas “faturas falsas ou operações fictícias”

“(…) vem-se entendendo de modo uniforme que, estando em causa a correção de liquidações de IRC por desconsideração dos custos documentados por faturas reputadas de falsas ou “de favor” pela administração tributárias, as regras de repartição do ónus da prova a ter em conta são as seguintes:

- Porque a liquidação de IRC tem por fundamento o não reconhecimento de custos declarados pelo sujeito passivo, compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, tendo o juízo da administração tributária assentado na consideração de que as operações e o valor mencionado na fatura em causa não corresponde à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na fatura foi simulada;

- Feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer refletir negativamente os custos declarados na determinação da respetiva matéria tributável nos termos que decorrem do artigo 23º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação; (…) (8).”

O mesmo sucede em termos de IVA, conforme, ora, se enuncia.

O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

Na verdade, o IVA funciona pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.

O objetivo de neutralidade determina que:“Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço (9)”.

O direito à dedução é um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, em princípio, ser limitado e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante (vide neste sentido, designadamente, Acórdãos TJUE Mahagében e Dávid, C 80/11 e C 142/11; Bonik, C 285/11; e Petroma Transports C 271/12, e demais jurisprudência aí citada, todos disponíveis em http://curia.europa.eu).

Com efeito, o regime das deduções visa libertar integralmente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (para o efeito, atente-se, designadamente, nos Acórdãos Dankowski, C 438/09; Tóth, C 324/11; Petroma, C-271/12, Senatex, C-518/14, Paper Consult, C-101/16, e jurisprudência aí referida disponíveis em http://curia.europa.eu).

O direito à dedução do IVA está, porém, sujeito ao cumprimento de requisitos de cariz substantiva e formal (Paper Consult, C-101/16).

No concernente à definição, âmbito e abrangência do direito à dedução, importa chamar à colação o teor do Aresto do STA, proferido no processo nº 01148/11, com data de 03 de julho de 2013, no qual é feita uma análise bastante aprofundada e minuciosa sobre esta questão, e a cuja fundamentação se adere.

Os mecanismos de dedução do IVA, estão consagrados nos artigos 19.º a 25.º do CIVA.

Nos termos do artigo 19.º, do CIVA, especificamente do seu n.º 1, al. a), decorre que os sujeitos passivos de IVA podem deduzir, ao imposto incidente sobre as suas operações tributáveis, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos de IVA.

Porém, também de acordo com o artigo 19.º do CIVA, desta feita o seu n.º 3, dimana que:

“Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente.”.

Por seu turno, o artigo 20.º, n.º 1, al. a), do mesmo código, determina igualmente que só é dedutível o imposto suportado relativo a bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados para a transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a IVA e dele não isentas.

Chegados aqui e resumindo, da leitura destas normas retira-se que só o imposto que tenha, efetivamente, incidido sobre bens adquiridos para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, pode ser deduzido o IVA incidente sobre as operações tributáveis.

Sendo certo que, para efetivar o ónus da prova em sede de direito à dedução do IVA, é jurisprudência assente que basta à Administração Tributária provar a factualidade que a levou a não aceitar a respetiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, passando ulteriormente a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de exercer o direito à dedução do IVA, provando, assim, que as operações se realizaram efetivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.

Para o efeito, atente-se no teor do Aresto proferido pelo STA, em Plenário, no âmbito do processo nº 0591/15, datado de 17 de fevereiro de 2016, integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt, cujo sumário se extrata na parte que os autos releva:

“II - Para que a AT, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 19.º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”.

Uma vez analisada a questão da repartição do ónus da prova, importa transpor o direito para o caso em apreço.

Vejamos, então, se a Administração Tributária reuniu ou não os elementos necessários para legitimar a sua atuação, ou seja, se foram recolhidos indícios sérios e bastantes que permitam concluir pela simulação das operações constantes nas faturas, como sustenta a Recorrente ou se os indícios recolhidos não são de molde a desconsiderar os custos e anulação dos proveitos em questão e a inviabilizar a dedução do IVA suportado, como ajuizou o Tribunal a quo e como propugna a Recorrida.

Para o efeito, importa convocar o teor do Relatório da Administração Tributária, e atentar nos factos indiciários convocados pela Entidade Fscalizadora.

São evidenciados como factos indiciários os que infra se descrevem:

Ø Sócios gerentes A..... e M..... são comuns às sociedades envolvidas nas transações e identificadas em C);

Ø As seis sociedades indicadas em C), foram todas constituídas em março de 2002;

Ø Identidade dos movimentos contabilísticos referentes às sociedades evidenciadas em C) do probatório, constatada face à análise dos elementos da contabilidade das aludidas empresas, e face aos documentos de suporte existentes, quer no que respeita aos fornecedores, quer quanto aos produtos constantes nas faturas e outros documentos de despesas;

Ø No exercício de 2002, todas as aludidas empresas contabilizaram a aquisição de bovinos ao Sr. A.....;

Ø As empresas “I.....”, “M…..”e “S…..” também contabilizaram a aquisição de animais à Recorrida;

Ø No exercício de 2003, consta, igualmente, que as empresas “A.....”, “I.....”, “M…..”e “…..” adquiriram animais a M..... e à Recorrida.

Ø Nos exercícios de 2002 e 2003, os animais, em termos contabilísticos, permaneceram nas empresas no mínimo 60 dias, sendo depois novamente transferidos, contabilisticamente, para o Senhor A.....;

Ø O período de 60 dias de permanência corresponde ao prazo mínimo para atribuição de subsídios aos bovinos machos concedido pelo INGA, cuja legislação obriga a que, por um lado, o detentor dos animais, os tenha na sua posse 60 dias e por outro lado, que cada pessoa só pode receber, no máximo, subsídio referente a 90 animais;

Ø Durante os anos de 2002 e 2003, o Senhor A..... adquiriu a terceiros animais bovinos machos, que depois transferiu para empresas, das quais é sócio, para serem inscritos em nome dessas sociedades no INGA, e deste modo, as mesmas receberam o respetivo subsídio;

Ø As empresas evidenciadas em C), não apresentam qualquer estrutura empresarial: terrenos, máquinas e pessoal;

Concluindo, assim, que a constituição dessas seis sociedades teve como único objetivo o recebimento do subsídio dos bovinos, sendo, assim, as transmissões de bens simuladas.

Ø Densifica quanto à sociedade “S…..”, que foi constatado, no exercício de 2002 e na sua contabilidade faturas emitidas pela Recorrida, referente a sementes de trigo e milho, adubos, pesticidas e estrume, e bem assim respeitantes a prestações de serviços com a preparação das terras, sementeira de trigo e milho e secagem de milho.

Ø Mais se constatando que, no mesmo exercício, a sociedade “S…..” emitiu faturas à Recorrida referente a vendas de trigo e milho;

Ø No concernente à empresa “V…..”, foram igualmente constatadas na sua contabilidade e no ano de 2002 vendas de trigo à Recorrida , e bem assim faturas emitidas pela Recorrida de sementes de trigo e adubos e prestações de serviços de sementeira do trigo.

Ø Ainda relativamente a essa sociedade é referenciada a aquisição, a 30 de dezembro de 2002, à Recorrida de 113 toneladas de adubos e 3.300 toneladas de estrume de vaca;

Para depois concluir que também esta atividade agrícola não corresponde a qualquer operação económica real, pois as empresas não possuem qualquer estrutura empresarial para o desenvolvimento de atividades produtivas.

Mais sublinhando que o procedimento em si não é, de todo, percecionável, pois recorre-se a aquisições de bens e serviços à Recorrida e depois vende-se o produto final milho e trigo à mesma.

Adensando, ainda, como justificação que toda essa realidade visou não só a atribuição de subsídios mas também de transferência de custos entre empresas sob tutela comum dos mesmos sócios gerentes.

Ø No concernente ao exercício de 2003, e no âmbito da empresa “S…..”, é, outrossim, constatada a existência de vendas, compras e prestações de serviços, com as seguintes especificidades:

o Inexiste compra de semente de trigo, no entanto vende trigo;

o Existência de um serviço prestado de rega cuja fatura pertence a P….. que evidenciou não exercer qualquer atividade agrícola, tendo apenas dado o nome para que o Sr. A….. exercesse a atividade;

o Existência de uma quantidade enorme de estrume (3.750.000 Kg) faturada pela Recorrida, em novembro e dezembro de 2003, após a sementeira, colheita e venda dos cereais;

Ø Contabilização em novembro de 2003, da fatura nº ….., de 03.11.2003, emitida pela empresa “S….., Lda” e a fatura/recibo nº ….., 05.11.2003 emitida pelo senhor V….., referentes à aquisição de 139 bovinos pelo valor de 208.500€ e de 151 bovinos pelo valor de €226.500,00, respetivamente.

o Da análise efetuada aos livros de registos de existências, não constam registados em qualquer marca de exploração de sua pertença, a entrada destes animais.

o A empresa não possui cópia das declarações de deslocações;

o Notificado para apresentar cópia dos passaportes dos animais, das declarações de deslocação e dos respetivos registos dos animais nos livros de existências e deslocações de bovinos, assim como comprovativos dos pagamentos das faturas, tendo a Recorrida declarado que não tem qualquer comprovativo para além do recibo do fornecedor, sendo faturas pagas a dinheiro e bem assim que não tem comprovativos de transporte deixados pelos fornecedores.

o Injustificável a falta de comunicação ao INGA, sendo que a comunicação dos nascimentos, mortes, vendas e abates reveste caráter obrigatório.

o Mediante consulta dos elementos de escrita dos emitentes das faturas constatou-se que os mesmos também não constam dos registos obrigatórios dos animais, nem tão-pouco as declarações de deslocações referentes a essas transações.

o Mediante análise da contabilidade de V….., constatou-se que a fatura nº ….. não corresponde à fatura que consta na contabilidade da Recorrida, à qual corresponde, formalmente, à nº …...

Concluindo, face ao supra aludido e convocando, desde logo, o princípio da tributação do lucro real e o artigo 39.º da LGT que deverão efetuar-se as “correcções, em sede de imposto sobre o rendimento, quer à matéria tributável (para as sociedades) quer ao rendimento líquido empresarial (categoria B do IRS, para os sócios-gerentes), pela anulação das transmissões para as sociedades “A.....”, “I.....”, “M…..”, “…..”, “S…..” e “V…..”, por parte dos seus sócios-gerentes e pela empresa mãe (S.....), bem como das transmissões subsequentes, ou seja, das transmissões daquelas seis empresas para os sócios-gerentes e/ou empresa mãe”.

Concluindo, outrossim, e quanto à concreta compra de bovinos à “S….., Lda” e a V….. pela “existência de fortes indícios de que estamos em presença de transações fictícias que originaram aumentos de custos contabilísticos e fiscais e deduções de IVA, ambas as situações indevidas”, pelo que, “nos termos do artº 23º do CIRC, não será aceite como custo fiscal a quantia de 435.000 €(208.500€+226.500€) mencionada nas referidas facturas”.

Concretizando, igualmente, que quanto à atividade de compra e venda de animais bovinos, para efeitos de determinação do resultado fiscal considerar-se-á como proveito das aludidas seis empresas, “os subsídios dos bovinos (…), sendo que os restantes proveitos (vendas) serão tributados na esfera do respectivo beneficiário (senhor “A.....”).”

Mais evidenciando que quanto à atividade agrícola, os subsídios recebidos do INGA pelas empresas “V…..” e “S…..” referentes aos cereais (trigo e/ou milho) serão objeto de tributação na Recorrida.

Efetivando, concomitantemente e em consequência, a anulação das compras, vendas e das prestações de serviços entre as empresas “S…..” e “V…..”.

Destarte, face aos aludidos indícios de transmissões fictícias a Administração Tributária corrigiu, em sede de IRC, procedendo, como visto, à anulação das compras efetuadas às empresas “S…..” e “V…..”, anulação das vendas e das prestações de serviços efetuadas às empresas “S…..” e “V…..” acréscimo dos subsídios aos cereais contabilizados como proveito do exercício, pelas empresas “S…..” e “V…..” e anulação da compra de bovinos à “S……, Lda” e a V…...

E com base nesses indícios e aludidas desconsiderações, foi apurado o respetivo IVA indevidamente suportado, tendo por base o citado artigo 19.º, nº3 do CIVA.

Ora, face aos factos supra expendidos e analisando-os à luz das regras da experiência, afigura-se que os elementos coligidos pela Administração Tributária são, contrariamente ao sustentando pela Recorrente, e ajuizado pelo Tribunal a quo, razoáveis e bastantes para justificar a atuação da Administração Tributária no sentido de desconsiderar os custos e proveitos, e o IVA que deduziu nos moldes supra evidenciados, com o fundamento de que os fornecimentos/serviços a que respeitam serem simulados.

Note-se que a Administração Tributária não precisa de fazer prova da falsidade/simulação das faturas, mas apenas evidenciar a consistência do seu juízo, o que, in casu, logrou fazer, visto que invocou factos que traduzem uma probabilidade séria de as operações constantes nas faturas serem simuladas. Inversamente ao sustentado pela Recorrida nas suas contra-alegações não tem de apontar um vício concreto de simulação a este ou aquele negócio, mas sim indiciar, de forma razoável, que as operações não são reais, o que logrou fazer nos presentes autos.

Neste particular, importa relevar que este entendimento foi também o entendimento preconizado no Acórdão deste Tribunal proferido no processo nº 8848/15, de 13.10.2016, confirmado em Acórdão de Revista pelo STA, proferido no processo nº 121/17, de 20.06.2018.

E bem assim no Acórdão deste TCA Sul, proferido no âmbito do processo nº 07913/14, de 18.04.2018.

De relevar, neste particular, que não obstante os aludidos processos não respeitarem diretamente à sociedade, ora, Recorrida têm na génese empresas do grupo, donde, as empresas que foram acusadas de não terem estrutura empresarial e bem assim do sócio A….. cuja imputação e correção dos rendimentos se efetivou na Categoria B, com identidade fática à dos autos, bastando, desde logo, atentar na matéria de facto de cada uma das decisões.

Conforme preconizado no Aresto do TCA Sul, proferido no citado processo nº 8848/15, de 13.10.2016, “[p]erante os elementos recolhidos pela AT, impõe-se concluir que o alegado erro nos pressupostos de facto do acto tributário que apurou a ocorrência de dedução indevida de IVA, porque baseada em operações simuladas, não se comprova nos autos. No caso, existem elementos que depõem no sentido da inexistência do circuito económico e financeiro das mercadorias em causa, sem que as recorridas logrem afrontar o presente juízo de inexistência, nem os indícios concretos que o sustentam.”

E no mesmo sentido aponta o Acórdão deste Tribunal proferido no processo nº 07913/14, de 18.04.2018, segundo o qual: “[c]ontrariamente ao pugnado na sentença recorrida, entendemos nós, que a AT cumpriu com o ónus de prova dos pressupostos que legitimaram o uso do seu poder de correcção ao abrigo do artigo 74.° da LGT e 23.° do CIRC e 32.° do CIRS do seu poder de correcção. Com efeito, os elementos recolhidos constituem indícios sérios e objectivos que a constituição das seis empresas em Março de 2002 teve por objectívo o recebimento do subsídio de bovinos atribuídos pelo INGA.”

Aqui chegados, tendo, como visto, a Administração Tributária cumprido o ónus que sobre si impendia, competia à Impugnante, ora Recorrida, ter apresentado prova capaz de destruir esses indícios, demonstrando que as operações colocadas em causa são reais, ou seja, que têm subjacentes operações com materialidade, mas a verdade é que entendemos que não logrou fazer essa prova.

Desde logo, importa relevar que a Recorrida não logrou afastar a falta de estrutura empresarial das sociedades identificadas em C), não podendo, para esse efeito, ser valorado o contemplado em W), visto que a sua asserção é genérica, sem a devida circunstanciação fática, como se impõe.

Relativamente aos pagamentos e conforme bem evidenciou a Recorrente essa prova não resulta dos autos, sendo esse factor exponencial para efeitos de ilisão da materialidade das operações.

De relevar, neste particular, que a única factualidade que consta no probatório relativamente aos pagamentos para além de carecer da devida e exata circunscrição temporal, e a específica descrição a que pagamentos se refere, apenas permite extrair que houve faturação e contabilização, e não que os pagamentos se efetivaram e de que forma se materializaram, o que, como é bom de ver, seria o primacial em matéria probatória.

Note-se, neste particular, que do Relatório Pericial junto aos autos consta de forma expressa que “[a]o efectuar a reconciliação bancária desta empresa deparei-me com uma situação um pouco estranha pois as únicas importâncias que coincidem são as referentes aos depósitos, uma vez que apenas estes foram lançados operação a operação.

Desta forma, em relação aos depósitos é possível fazer a reconciliação bancária. O mesmo não acontece com os cheques, pois estes eram lançados num único documento.”

Sublinhando, depois, que “[n]a contabilidade da S....., Lda não se manifestam os princípios da substância sobre a forma (…) e da materialidade, segundo o qual as demonstrações financeiras devem evidenciar todos os elementos que sejam relevantes e que possam permitir aos utentes efectuar avaliações e tomar decisões.

Para depois materilizar que “ao serem conferidos os vários bancos, como é o caso do Banco Pinto & Sotto Mayor e do Banco Espírito Santo, em várias datas, nenhuma das operações bancárias coincidiam com as operações contabilísticas.”

Concluindo, de forma inequívoca, que “quanto a mim a contabilidade desta empresa não consegue reflectir a realidade, pois as operações estão mal reflectidas. A partir da conferência das contas de Bancos cheguei à conclusão que não havia nenhuma dessas contas que conseguisse reflectir a realidade empresarial, ou seja, que o saldo contabilístico coincida com o saldo bancário”.

Mais importa ter presente que não logrou afastar e justificar o período de permanência dos animais coincidente com o período legal e a ulterior transferência para o sócio gerente A......

De relevar, outrossim, que também não logrou justificar como é que face à dimensão societária em contenda existiam apenas quatro faturas de transporte de animais.

Importa, outrossim, ter presente que não logrou justificar, de forma sustentada, como é que o fornecedor V….., tem duas faturas relativamente à mesma transação, não sendo justificada, de forma inequívoca e idónea, a falta de envio de guias de remessa e demais documentos necessários às faturas emitidas pela S….., Lda e de V…...

De relevar, outrossim, que não foi infirmado o auto de declarações a que é feita alusão no Relatório Inspetivo, designadamente, de P….., o qual expressamente evidencia que:

“Iniciei a minha actividade por volta do ano de mil novecentos e noventa e um. A actividade consistia na exploração de uma propriedade agrícola denominada “…..” ou “…..” que é minha propriedade. Mais tarde, cerca do ano de mil novecentos e noventa e seis foi-me pedida a cedência da propriedade por arrendamento pelo senhor A..... dando ele início a uma actividade agro-pecuária. A partir desta cedência, da qual não existe contrato reconhecido, eu não exerci qualquer actividade agro-pecuária, sendo o senhor A..... que a exercia usando o seu nome, em proveito próprio.”

Mais importa ter presente que contrariamente ao alegado pela Recorrida do acervo probatório dos autos não se retira a materialidade das operações.

Senão vejamos.

Do teor das alíneas M), N), O), P), Q), T), U), V), W), X), Y), Z), AA), BB) não resulta a asserção que a Recorrida faz no ponto 5 das suas conclusões, ou seja de que provou de forma positiva e inequívoca que as sociedades exerceram, de facto, atividade de criação e comercialização de bovinos e de produção de culturas arvenses.

Com efeito, das asserções de que a família C..... se dedica à agricultura e à criação e comércio e animais bovinos desde há gerações, e bem assim que o conjunto das empresas de que A..... e M..... são sócios e as respetivas atividades em nome pessoal gera uma atividade intensa, quer a nível de cultura de cereais e pastos, quer a nível de criação e comercialização de animais, sobretudo bovinos não se retira, de todo, a materialidade das operações em contenda.

Note-se, ademais que são asserções genéricas, sem a devida circunscrição temporal e a curial evidência particularizada a operações concretas com todos os seus elementos identificativos.

O mesmo se diga quanto ao facto de o conjunto de empresas de que A..... e M..... são sócios e as respetivas atividades em nome pessoal terem sempre perto de dois milhares de animais, e isto porque o que era importante provar é que tinham existido, efetivamente, as transações dos animais entre as empresas e não que existiam tout court os animais.

O que importaria provar, de forma inequívoca, é que as operações de compra e venda no grupo corresponderam a efetivas vendas e compras e não a circulação dos animais entre as várias contabilidades, sem que houvesse meios de pagamento a justificar os negócios realizados em 2002 e 2003.

Mais importa relevar que da conjugação das alíneas P) e Q), apenas se retiram os meios de produção da Recorrida, nada se extrapolando que permita inferir que as sociedades visadas do grupo exerciam atividade.

Com efeito, para que os custos e os proveitos sejam aceites é preciso fazer-se prova, a montante, ou seja, de que as sociedades intervenientes no circuito económico exerceram atividade económica, não sendo, per se, suficiente provar-se uma só premissa, ou seja, de que a Recorrida tem meios de produção para desenvolvimento da atividade.

Note-se, designadamente, que foi evidenciado no Relatório Inspetivo que a sociedade “S…..” vende trigo porém não existe evidência de compra, existindo, outrossim, um serviço de rega cujo documento de suporte foi emitido por P….. que, de forma inequívoca, negou que não exerce qualquer atividade agrícola a qual é exercida por A..... e bem assim que existe uma quantidade enorme de estrume faturada pela Recorrida em novembro e dezembro de 2003, após a sementeira, colheita e venda de cereais, e sobre estas realidades nada foi infirmado e resultou provado, conforme resulta claro do probatório em questão.

Mais importa relevar que não logra infirmar a falta de estrutura empresarial das empresas visadas, o aduzido nas alíneas U), V), X), V), e Y) sendo aliás a asserção contida nesta última alínea opinativa, donde, sem qualquer relevo.

No concernente ao consignado nas alíneas Z) e AA) quanto às candidaturas ao pedido de ajudas de superfícies e pedido de ajuda de animais mais uma vez não permite fazer prova da efetividade das transações e do substrato económico das mesmas, quando, aliás, nem tão-pouco é feita prova, como já evidenciado, do circuito do efetivo do pagamento.

Mais importa ter presente que em nada existe um imiscuir de atuação da Administração Tributária na esfera do INGA, e isto porque a entidade fiscalizadora não sindicou o direito de aquisição de quaisquer subsídios, expurgando-os da sua ordem jurídica-o que aliás, e como é bom de ver, lhe estaria vedado atentas as suas competências- o que faz é apontar como premissa base do silogismo a criação de empresas com o intuito de obter subsídios do INGA, para depois concluir pela falta materialidade das operações, ou seja, pela existência de operações fictícias.

Mais importa sublinhar que contrariamente ao aduzido pela Recorrida nas suas contra-alegações não se vislumbra qualquer ilegalidade e violação do princípio da tributação do lucro real com o método adotado no sentido de anulação e alocação dos proveitos efetivos e desconsideração dos custos, sendo o mesmo, por isso, idóneo e adequado à tributação efetiva e real, não procedendo a argumentação, aliás conclusiva, de que a cisão entre custos e proveitos desvirtua por completa a noção de lucro tributável, inexistindo qualquer violação dos normativos 15.º, 17.º e 23.º do CIRC e bem de quaisquer princípios constitucionais basilares, mormente, da justiça.

Neste particular, e em sentido consonante com o supra expendido, importa convocar o Aresto proferido pelo TCA Sul, no âmbito do processo nº 07913/14, de 18.04.2018 já citado, o qual doutrina de forma clara que:

“Os referidos animais, foram depois transferidos para as empresas das quais é sócio o recorrido, onde aí permaneceram no mínimo durante 60 (sessenta) dias (corresponde ao prazo mínimo para atribuição de subsídios de bovinos machos concedido peio INGA), sendo depois, novamente transferidos (ou devolvidos) ao recorrido.

Ora, o recorrido não logrou afrontar o presente juízo demonstrando as razões económicas que levaram à constituição das seis empresas em Março de 2002 nem tão pouco, explicou como é que não possuindo as empresas instalações para os animais, não apresentando encargos com pessoal para o tratamento daqueles, não apresentando custos com rações aquelas exerciam actividade de criação de bovinos. E, mais, nem o recorrido contrariou as declarações prestadas por Maria de Lurdes Mendes Mata Ribeiro [«Ato que respeita aos subsídios recebidos do INGA referentes a animais bovinos eram recebidos na minha conta da CGD de Santarém e depois entregava-lhes ao senhor A..... em cheque ou em dinheiro.»] (RIT fls.16).

Desde modo, bem andou a AT ao efectuar as correcções ao rendimento líquido empresarial (categoria B do IRS) do impugnante, pela anulação das transmissões para as seis sociedades, bem como das transmissões destas para o impugnante.

Alias, contrariamente ao pugnado pelo Tribunal a quo as correcções efectuadas pela AT em momento algum colocaram em causa a validade na atribuição dos subsídios, relevante para efeitos fiscais é a demonstração de compra e venda de bovinos.”

Mais importa relevar que não procede a alegação da Recorrida no sentido de que a manutenção das correções da Administração Tributária implica a violação do artigo 39.º da LGT. Até porque, atentando na sua argumentação no sentido de que de tal normativo “[r]esultaria que todos os proveitos e todos os custos fossem considerados na esfera jurídicas d(a) entidade(s) que se considerasse(m) ser o(s) verdadeiro(s) titular(es) do(s) negócios celebrados e da atividade exercida”, importa, mais uma vez, não perder de vista e sublinhar o que antes se expendeu, ou seja, de que para que os custos e os proveitos sejam aceites é preciso fazer-se prova, a montante, ou seja, de que as sociedades intervenientes no circuito económico exerceram, efetivamente, atividade económica. O que, como visto, não sucede no caso vertente.

Ademais, consta do Relatório Inspetivo, evidenciado no probatório que: “[o]s restantes proveitos (vendas) serão tributados na esfera do respectivo beneficiário (senhor “A.....”).”

Face a todo exposto, dimana inequívoco que a Recorrida não logrou provar a materialidade das operações faturadas, não só não conseguindo abalar os indícios de falsidade recolhidos pela Administração Tributária, como também não conseguindo minimamente demonstrar a veracidade das operações.

In fine, importa apenas relevar que não assiste razão à Recorrida quando a propósito da inexistência de simulação sustenta que não tendo a Administração Tributária devolvido aos sujeitos passivos o IVA liquidado e pago pelas operações simuladas, existe uma duplicação de receita em sede de IVA, não permitida pelo Direito Comunitário, e isto porque atentando no artigo 26.º, nº2 e 2.º, nº1, alínea c), do CIVA mesmo tendo o IVA sido indevidamente mencionado há lugar à sua entrega nos cofres do Estado, estando, por isso, a atividade da Administração Tributária devidamente legitimada, sem inculcar em qualquer duplicação ou violação de princípios de cariz comunitária ou constitucionais.

Conforme expendido no Aresto do TCA Sul, proferido no processo nº 0174/15:

“[a]s recorridas, em síntese, invocam o Direito europeu para justificar a asserção de que «nunca poderia a AT proceder às liquidações de IVA propostas sem simultaneamente repor a situação tal com ela existiria na ausência das operações constitutivas das alegadas (embora inexistentes) simulações».

Através da presente alegação, as recorridas insurgem-se contra a manutenção do imposto liquidado, com base em facturas, cuja aderência à realidade não se comprova.

Salvo o devido respeito, à luz do disposto nos artigos 26.º/2 e 2.º/1/c), do CIVA, o procedimento adoptado pela AT não merece censura. Mais se refere que «[é] também sujeito passivo do imposto quem mencione IVA indevidamente em fatura, dando início à cadeia da liquidação e dedução do imposto, com os efeitos daí subjacentes» [Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, CIVA e RITI, comentados, Almedina, 2014, p. 47] . Donde se impõe concluir que as correcções em causa não merecem censura, dado que não colidem com preceito jurídico aplicável ao caso.”

Neste particular, convoque-se, outrossim, o doutrinado no Acórdão do STA, proferido no processo nº 0807/15, de 27.01.2016, o qual convocando doutrina que reputa aplicáveis sustenta, designadamente, o seguinte:

“Dispõe a al. c) do nº 1 do art. 2º do CIVA que são sujeitos passivos do imposto, «as pessoas singulares ou colectivas que, em factura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA».

Assim, de acordo com esta disposição legal, a simples menção do IVA nos referenciados documentos, mesmo que porventura descabida, por não haver lugar ao mesmo, origina obrigação de imposto.

E como se sublinha, entre outros, nos acórdãos deste Supremo Tribunal, de 26/9/2012 e de 24/4/2002, respectivamente nos procs. n.ºs 0555/12 e 26636, «este resultado deriva tanto do carácter rígido e formalista do IVA como do facto de o sujeito passivo destinatário da factura ter o direito de dedução respectivo.

Nas palavras de XAVIER DE BASTO (Cfr. “A harmonização Fiscal na CEE”, Ciência e Técnica Fiscal, nº 362, p. 44), cada factura com menção de imposto, constitui “um cheque sobre o tesouro, pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo o direito de deduzir o IVA nela contido. Por isso, (...) a simples menção do IVA em factura (mesmo que porventura descabida, por não haver lugar a imposto naquele caso, por qualquer razão) origine obrigação de pagar, independentemente da qualidade do emissor, isto é, seja ele ou não um sujeito passivo. Tornar-se-á, pelo simples facto da menção, um “devedor de imposto”. Só assim se consegue que ao direito à dedução, que a factura atribui ao destinatário sujeito passivo, corresponda sempre uma obrigação de pagar. Assim se assegura o funcionamento regular do sistema de pagamentos fraccionados.»

Na verdade, esta disposição constante da al. c) do nº 1 do art. 2º do CIVA, «visa garantir que existe uma correspondência entre a obrigação de pagamento do imposto e o direito à dedução, que resulta da condição de sujeito passivo», sendo que em matéria de imposto indevidamente mencionado e repercutido também a jurisprudência comunitária tem acentuado que «a pessoa que mencione indevidamente IVA numa factura converte-se em sujeito passivo de imposto [artigo 2°, n.º 1, alínea c)] e consequentemente em devedor do montante em causa. Se tiver actuado de boa fé, deve poder regularizar o montante de imposto indevidamente facturado, procedendo à devolução do montante de imposto em causa. Aquele que suporte um IVA indevido não pode, em qualquer caso, exercer o direito à dedução.»(Patrícia Noiret Cunha, Imposto sobre o Valor Acrescentado: Anotações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao Regime do IVA nas Transacções Intracomunitária, Lisboa, ISG, 2004, pp. 458-459, nota 3 ao artigo 71º.)

Trata-se, portanto, de cautelas assumidas pelo legislador, decorrentes da circunstância de nesses casos se estar «a dar início à cadeia da liquidação e dedução do imposto, com os efeitos daí subjacentes». (Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2005, p. 66.)”

Assim, face a todo exposto, tudo visto e ponderado, conclui-se que a Administração Tributária fez prova dos indícios da existência de simulação das transmissões, pelo que se impunha que a Recorrida tivesse provado que, pese embora aqueles indícios, as transações comerciais desenvolvidas entre si e as sociedades do grupo tituladas nas faturas desconsideradas se tinham efetivamente concretizado, o que, manifestamente, não sucedeu no caso vertente, quer em sede de procedimento inspetivo, quer ulteriormente, na fase judicial. E por assim ser, não fazendo prova da existência e dimensão dos factos tributários que a Recorrida alegou como fundamento do seu direito à dedução, quer em sede de IRC, quer em sede IVA, as correções sindicadas não padecem das ilegalidades sindicadas.

Ao decidir em sentido diverso do referido, a sentença incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que não acolha o presente fundamento de impugnação.

Aqui chegados, importa conhecer as questões que resultaram prejudicadas e que infra se identificam, concatenadas com ilegalidades cometidas no procedimento de inspeção, de reclamação e de recurso hierárquico, conforme a Recorrida apelida nas suas p.i.

i. Falta de junção aos processos administrativos de reclamação e de recurso hierárquico dos processos administrativos de inspeção;

ii. Falta de fundamentação da decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa e sobre o recurso hierárquico;

iii. Falta de notificação da fundamentação da liquidação;

iv. Violação do princípio da verdade material e do princípio da audiência dos interessados antes da decisão final;

v. Violação do Artigo 36.º do RCPIT;

vi. Vício de falta de fundamentação ou fundamentação insuficiente;

vii. Violação da iniciativa privada;

Vejamos, então, cada um dos vícios arguidos.

Começa, a Recorrida, por sustentar que existe uma ilegalidade comum às decisões de reclamação graciosa e recurso hierárquico, que decorre da falta de junção aos respetivos processos dos processos administrativos de inspeção e que foi requerido.

Porém, sem razão, visto que atentando nos aludidos processos apensos aos presentes autos verifica-se que se encontra junto o processo de inspeção, com o respetivo Relatório Inspetivo da Recorrida que culminou nos atos tributários em contenda, sendo este o que releva para o caso vertente e que importa apreciar enquanto fundamentação contemporânea dos atos tributários, os quais foram, devidamente, ponderados.

Improcede, assim, o aludido vício.

Aduz, outrossim, que existe falta de fundamentação da decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa e sobre o recurso hierárquico visto que omitem a apreciação e análise das razões porque no entender do sujeito passivo a liquidação é ilegal, não bastando que remetam para o Relatório Inspetivo.

Importa, desde já, relevar que não procede a argumentação da Recorrida.

Senão vejamos.

O dever de fundamentação dos atos tributários insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos” .

O dever de fundamentação, ao nível do procedimento administrativo em geral, encontrava acolhimento nos artigos 124º, n.º 1, al. a), e 125.º, ambos do CPA, atuais artigos 152.º, nº1, alínea a) e 153.º (redação conferida pela Lei nº 42/2014, de 11 de Julho).

Ao nível dos atos tributários, encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

“[ a] fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao administrado ou contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou; e congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.

Podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, que, neste caso, constituirão parte integrante do respectivo acto (fundamentação por adesão ou remissão).

Pelo que, em tal caso, o despacho integra nele próprio o parecer, informação ou proposta que, assim, em termos de legalidade, terão de satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma.

Por outro lado, é equivalente à falta de fundamentação, a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareça, concretamente, a motivação do acto.

A violação destes requisitos da decisão implica a respetiva ilegalidade, fundamento de subsequente anulação, em sede de impugnação judicial da correspondente liquidação – artigo 99.º, alínea c), do Código de Procedimento e Processo Tributário.

Assim, a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de acto, visando responder às necessidades de esclarecimento do administrado, pelo que se deve, através dela, informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro.

Pelo que um acto está fundamentado sempre que o administrado, como destinatário normal, ficar devidamente esclarecido acerca das razões que o determinaram estando, consequentemente, habilitado a impugná-lo convenientemente, não tendo, todavia, a fundamentação de ser exaustiva mas acessível, no sentido de explícita”

Traduz-se isto em dizer que o contribuinte, no caso a Impugnante, ora Recorrida, deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à manutenção das correções meramente aritméticas à matéria tributável, ou seja, deve ser dado, ainda que de forma sucinta, nota do “itinerário cognoscitivo e valorativo” seguido para a tomada da decisão, pois só dessa forma pode analisar a decisão e ponderar se a pretende contestar.

Ora, da leitura das aludidas decisões e contrariamente ao expendido pela Recorrida resultam todas as fundamentações de facto e de direito em que se estribou a posição da Administração Tributária, tendo sido ponderados, mediante refutação expressa e de acordo com a valoração que entendia pertinente neste e para este efeito de todas as razões que permitem suportar a manutenção das correções e dos atos reclamados e ulteriormente recorridos. É certo que a mesma é antagónica à pretensão da Recorrida, porém tal situação não determina, de todo, falta de fundamentação formal das decisões dos procedimentos.

Mais importa ter presente que contrariamente ao invocado pela Recorrida a Administração Tributária não está vinculada à análise e contestação expressa de todos os argumentos convocados pela mesma, mas tão-só a analisar as questões arguidas, as quais não são passíveis de qualquer confusão conceptual com argumentos. E isso, no presente caso, sucedeu.

De todo o modo, não obstante todo o exposto, sempre se dirá que: “A verificação de um vício de forma no procedimento de reclamação não pode projectar efeitos invalidantes sobre o acto tributário de liquidação que o antecede” (10).

Face ao supra exposto, improcede o aludido vício.

Atentemos, ora, na falta de notificação da fundamentação da liquidação.

Alega a Recorrida que na notificação das liquidações refere-se que fica o contribuinte notificado da liquidação, “conforme nota demonstrativa junta” e não foi notificado de nenhuma fundamentação do ato tributário, apenas tendo sido notificado do Relatório Inspetivo.

Neste segmento, também, não lhe assiste razão. Vejamos porque assim o entendemos.

Importa, desde já, evidenciar que a falta de fundamentação da notificação da liquidação não é confundível com a falta de fundamentação do ato tributário.

Sendo que, no caso vertente, resultando, inexoravelmente, as liquidações impugnadas das correções constantes do Relatório Inspetivo evidenciado na alínea E) do probatório, linear se torna a inferência de que a fundamentação tem de radicar e estribar-se nesse mesmo documento, o qual, sublinhe-se, a Recorrida, expressamente, reconhece ter sido notificada.

Como é evidenciado no Aresto do TCA Sul, proferido no processo nº 07913/14, de 18.04.2018:

“[r]efere o impugnante que embora notificado dos actos de liquidação em crise com a menção "conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida" não foi notificado de nenhuma fundamentação do acto tributário desconhecendo ter havido adesão ou concordância relativa ao relatório de Inspecção Tributária, pelo que conclui haver falta de fundamentação.

Não lhe assiste contudo razão, na medida em que as liquidações impugnadas, estamos perante a chamada fundamentação por remissão, no caso para para o Relatório de inspecção enquanto acto fundamento das correcções corporizadas nos actos tributários. E, tal como já afirmamos, dúvida não existe que o impugnante compreendeu a motivação que esteve na sua origem.

Ademais, importa sublinhar e ter presente que o legislador tributário consagrou no artigo 37.º do CPPT com a epígrafe “Comunicação ou notificação insuficiente”, a possibilidade de sanação de deficiências dos atos de notificação, ou seja, se o ato de notificação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reação contra o ato notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o sujeito passivo requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omissos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.

Logo, sem embargo do supra exposto, sempre a Recorrida tinha ao seu dispor a faculdade de lançar mão do pedido de passagem de certidão de fundamentos, pelo que não logrando dos autos elementos que permitam provar que tenha lançado uso do mesmo, nem tão-pouco sido alegado nesse sentido, sibi imput.

Daí que se imponha concluir, como se concluiu no acórdão do STA de 7 de outubro de 2009, no processo nº 128/09, que “a notificação sem todos os requisitos exigidos, mas que contenha aqueles sem os quais ela é considerada nula, indicados no n.º 9 do art. 39.º do CPPT, não deixará de valer como ato de comunicação ao destinatário quanto a tudo o que comunicou, produzindo os efeitos próprios de uma notificação quanto àquilo de que o informou, só não produzindo, no caso de o destinatário utilizar tempestivamente a faculdade prevista no art. 37.º, n.º 1, do CPPT, o efeito de determinar o início dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa do ato notificado.” (11).

Assim, face a todo o exposto promana a improcedência do arguido.

Prosseguindo. Vejamos, ora, se assiste razão à Recorrida quando sindica que existe violação do princípio da verdade material e do princípio da audiência dos interessados antes da decisão final.

Aduz a Recorrida, neste particular, que no âmbito do procedimento de Inspeção foi notificada para exercer o direito de audição o qual exerceu tendo refutado a existência de transmissões fictícias e arrolado três testemunhas, porém tal inquirição não foi aceite, sendo que as mesmas deveriam ter sido realizadas ao abrigo do artigo 60.º do RCPIT, pelo que não o tendo sido há violação do princípio da descoberta da verdade material.

Mais sublinha que estava a Administração vinculada a realizar tais diligências ao abrigo do direito de audiência antes da decisão final e reforçado pelo princípio do inquisitório, pelo que determina violação do artigo 60.º do RCPIT e do artigo 60.º da LGT.

Apreciando.

De facto, resultou assente no probatório, concretamente, alínea F), que a Impugnante, ora Recorrida requereu a audição de testemunhas aquando do exercício da audição prévia ao Relatório de Inspeção Tributária.

Não merece qualquer contestação a certeza que, em sede de procedimento, nenhum interessado pode ser alvo de uma decisão administrativa que afete os seus interesses sem ter sido previamente informado pela Administração do sentido dessa decisão, impendendo sobre esta um dever de atuação no sentido da criação das condições fáticas para assegurar a audiência do administrado em momento prévio à decisão.

É também inquestionável que o direito de participação não se reduz à mera formalidade de notificação do interessado para se pronunciar sobre o projeto de uma decisão administrativa desfavorável aos seus interesses.

Porém, a Administração Tributária não está obrigada a realizar todas as diligências de prova que os interessados requeiram na fase da audiência prévia, conforme o atual artigo 125.º do CPA (anterior artigo 104.º, com a mesma redação), que refere que “Após a audiência, podem ser efetuadas, oficiosamente ou a pedido dos interessados, as diligências complementares que se mostrem convenientes.”.

No caso, conforme os factos evidenciam, a Impugnante, ora Recorrida, foi notificada das propostas de desconsideração de gastos, anulação dos proveitos, e dedução indevida do IVA suportado e, na sequência de tais notificações, apresentou a competente audição prévia, na qual esgrimiu os argumentos que considerou relevantes no sentido de inverter a intenção daquelas desconsiderações, juntando ainda documentos e arrolando testemunhas.

Embora seja inegável que as testemunhas arroladas não foram inquiridas em sede de audiência prévia, daí não pode afirmar-se, sem mais, como faz a Recorrida, que a defesa por si apresentada não foi ponderada antes da prolação dos atos finais questionados nestes autos.

Com efeito, tal valoração conceptual resulta, desde logo, da leitura do Relatório de Inspeção Tributária, como resulta expresso do ponto FF) da factualidade, ora, aditada, ressaltando, claramente, que os argumentos apresentados pela Impugnante em sede de audição prévia foram objeto de análise e ponderação pela Administração Tributária. É certo que decidiu antagonicamente à pretensão da Recorrida, concluindo pela irrelevância dos mesmos para alterar as propostas de correções, mas a verdade é que se pronunciou sobre a desnecessidade de tal audição justificando as razões que estavam na génese do seu juízo de entendimento.

Acresce, conforme se vem evidenciando, que à Administração Tributária apenas cabia mostrar indícios que as faturas eram falsas, o que foi efetuado através dos fundamentos expostos no Relatório de Inspeção Tributária e não, como a Impugnante pretende concluir, pela falsidade da faturação, pelo que não foi desrespeitada a previsão dos aludidos preceitos legais e bem assim do artigo 58.º da LGT, não se afigurando o coartar de qualquer direito ou garantia processual.

Sem embargo do exposto, sempre se dirá que, a verificar-se tal preterição, nunca a aludida preterição poderia lograr provimento em face da teoria do aproveitamento do ato administrativo (12).

Razão pela qual, improcede o outro vício formal arguido pela Recorrida.

De relevar, ainda neste particular, que não logra provimento a aludida violação do direito de audição mediante irregularidade no processo.

Sustenta a Recorrida a existência de documentos não autuados e não numerados constantes do processo administrativo, e a existência de notas escritas a lápis em alguns documentos limitou o seu direito de audição violando, dessa forma, o seu conteúdo do direito de audição. Adensando, outrossim, que a inspeção confirma tais factos em resposta ao exercício do direito de audição das empresas “S…..” e “V…..”.

Mas a verdade é que atentando no processo administrativo apenso não resulta, de todo, a existência de quaisquer folhas soltas, não numeradas, nem dos autos existe notícia que aquando da notificação da apensação dos mesmos tal questão tenha sido suscitada.

Ademais, a Recorrida sustenta, de forma absolutamente genérica, sem a devida consubstanciação e inerente concretização fática que se impõe, nem tão-pouco indica em que medida as alegadas “irregularidades” poderiam constituir uma limitação do direito de audição, até porque atentando na petição não se verifica que a Recorrida tenha tido alguma dificuldade na interpretação de qualquer documento e com isso sido coartado qualquer direito de defesa.

E por assim ser, improcede o aludido vício.

Atentemos, ora, na violação do artigo 36.º do RCPIT.

Sustenta a Recorrida que a Administração Tributária propôs duas prorrogações da ação inspetiva tendo na fundamentação da decisão considerado o seguinte:

“Considerando que: Os sócios gerentes do Sujeito passivo supra identificado também são sócios gerentes de outras empresas com as quais existem relações económicas que se podem definir como especiais, nos termos do artigo 58.º do CIRC; Que os mesmos sócios-gerentes desenvolvem actividade económica agrícola em nome individual, mantendo com o sujeito passivo supra identificado relações económicas que se podem definir como especiais, nos termos do mesmo art. 58.º. Tornam-se necessários procedimentos inspectivos que envolvem várias entidades com o consequente dispêndio de tempo, pelo que se propõe a prorrogação da acção inspectiva”.

Sustenta, por isso, a Recorrida se é certo que a Inspetora requereu a prorrogação com base no artigo 58.º do CIRC cuja fundamentação é especialmente exigente, é igualmente certo que as correções realizadas não se fundaram no aludido normativo, o que se traduz numa ilegalidade das prorrogações por falta de enquadramento legal.

Porém, assim, o não entendemos. Explicitemos as razões desse entendimento.

Dispunha o artigo 36.º do RCPIT, sob a epígrafe de início e prazo do procedimento de inspeção tributária que:

“1 - O procedimento de inspeção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento sancionatório, sem prejuízo do direito de exame de documentos relativos a situações tributárias já abrangidas por aquele prazo, que os sujeitos passivos e demais obrigados tributários tenham a obrigação de conservar.

2 - O procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início.

3 - O prazo referido no número anterior poderá ser ampliado por mais dois períodos de três meses, nas seguintes circunstâncias:

a) Situações tributárias de especial complexidade resultante, nomeadamente, do volume de operações, da dispersão geográfica ou da integração em grupos económicos nacionais ou internacionais das entidades inspecionadas;

b) Quando, na ação de inspeção, se apure ocultação dolosa de factos ou rendimentos;

c) Nos casos em que a administração tributária tenha necessidade de recorrer aos instrumentos de assistência mútua e cooperação administrativa internacional;

d) Outros motivos de natureza excecional, mediante autorização fundamentada do diretor-geral dos Impostos.

4 - A prorrogação da ação de inspeção é notificada à entidade inspecionada com a indicação da data previsível do termo do procedimento.

5 - Independentemente do disposto nos números anteriores, o prazo para conclusão do procedimento de inspeção suspende-se quando, em processo especial de derrogação do segredo bancário, o contribuinte interponha recurso com efeito suspensivo da decisão da administração tributária que determine o acesso à informação bancária ou a administração tributária solicite judicialmente acesso a essa informação, mantendo-se a suspensão até ao trânsito em julgado da decisão em tribunal.”

Ora, atentando no aludido normativo resulta evidente que a esteira de entendimento da Recorrida não pode lograr provimento, pois do seu teor não se retira que tendo sido convocado o artigo 58.º do CIRC que as correções finais se tenham de estribar nesse mesmo normativo.

Com efeito, tal preceito legal institui dois limites temporais, ou seja, um respeitante ao prazo para se iniciar o procedimento de inspeção e outro concatenado com o próprio prazo de duração do procedimento de inspeção, sendo que quanto a este último é estabelecido que, em regra, não poderá ultrapassar o período máximo de seis meses, salvo situações devidamente fundamentadas e enumeradas no ponto 3.

Ora, se o prazo de seis meses que o artigo 36.º do RCPIT fixa para conclusão do relatório pode ser ampliado por dois períodos de três meses cada, desde que exista despacho devidamente fundamentado e se verifique quaisquer das circunstâncias descritas nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 36.º do RCPIT, e se, in casu, foi oportunamente alterada a extensão do procedimento e requerida a ampliação do prazo por um período de três meses, subsumindo-se a razão invocada no artigo 36.º, nº3, alínea b), do RCPIT, não pode, como é bom de ver, ser apontada qualquer ilegalidade a atuação da Administração Tributária.

Neste sentido, também doutrinou o citado Aresto proferido no processo nº 07913/14, do qual se extrai, designadamente, o seguinte:

“Ora, embora, a invocação do artigo 58.° do CIRC, sirva de suporte da pretendida prorrogação de prazo, não significa que as correcções resultantes do procedimento de inspecção assentem naquele fundamento. Pois que, o que se trate, é tão só da fundamentação de prorrogação de prazo e o impugnante não apresenta motivo que de alguma forma ponha ou pudesse por em causa a necessidade aventada pela Administração Tributária para tal prorrogação.”

E por assim ser, improcede, igualmente, este vício.

No concernente ao vício de falta de fundamentação ou de insuficiente fundamentação concatenado com o Relatório Inspetivo, sustenta a Recorrida que analisando o Relatório de Inspeção Tributária o mesmo padece de falta de fundamentação formal, ou no limite fundamentação insuficiente, visto que as razões invocadas para estribar a simulação não permitem concluir nesse sentido.

Densifica, nesse sentido, “os factos avançados pelo relatório, acima mencionados, mesmo que fossem exactos, não seriam idóneos ou pelo menos não são suficientes para que se conclua, ainda que indiciariamente, que houve divergência entre a vontade real e a vontade declaradas dos contraentes. Muito menos são idóneos a que se conclua que não houve transmissões reais, tituladas pelas facturas.”

Neste particular, importa ter presente a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material do ato, sendo que a validade formal do ato está concatenada com a questão de saber se a Administração Tributária deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação, sendo que a validade substancial do ato está relacionada com a questão de saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa.


Conforme doutrinado no Aresto do STA, proferido no processo nº 0784/10, de 03 de novembro de 2010: “O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (cfr. Vieira de Andrade - O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02).”


In casu, não obstante a Recorrida convocar a falta de fundamentação formal do Relatório de Inspeção Tributária alocando-a à fundamentação substancial, o que per se, determina, desde logo, a sua improcedência, a verdade é que sempre importa ter presente que, no caso vertente, analisando o Relatório de Inspeção Tributária dimana inequívoco que inexiste falta de fundamentação formal, nem tão-pouco fundamentação insuficiente, cuja validade formal do ato está, como visto, dependente do juízo final que se realize quanto a nele terem sido vertidos os pressupostos de que a lei faz depender a sua prática, como sucedeu no caso dos autos.


Face ao exposto, improcede, igualmente, este vício.


Subsiste apenas analisar a alegada violação do direito da livre iniciativa privada, consignado no artigo 61.º da CRP.

Neste particular, sustenta que a constituição das empresas em causa inseriu-se numa estratégia de expansão do grupo, sendo que as empresas tinham os animais e as autoridades competentes para a atribuição dos subsídios fiscalizaram os factos, sem o que não pagariam os subsídios, tendo todas as atividades sido confirmadas pelas autoridades competentes do INGA, logo a tese vertida no Relatório Inspetivo não só não tem aderência à realidade, como constitui uma intolerável limitação do direito de iniciativa privada.

A verdade é que, a argumentação supra expendida descura que as correções estribaram-se na falta de aderência à realidade das faturas invocadas como suporte do IVA considerado dedutível e exigido ao Estado e bem assim na desconsideração de custos e anulação de proveitos, pelo que “[f]undamentos que não contendem, nem são prejudicados pelo exercício livre e desimpedido da livre iniciativa privada das impugnantes, nem pela actividade de fiscalização do INGA, cujos critérios de actuação não correspondem àqueles a que deve obedecer a relação jurídico-fiscal do contribuinte que procura exercer o direito à dedução do imposto. O qual, quando não suportado em documentação fidedigna, não deve ser aceite (13).”

Assim, tudo visto e ponderado, improcedem na íntegra os vícios convocados pela Recorrida.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO jurisdicional interposto pela Fazenda Pública, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar improcedente a impugnação.

Custas pela Recorrida.

Registe e notifique.

Lisboa, 07 de maio de 2020

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Tânia Meireles da Cunha)


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(1) cfr.JORGE LOPES DE SOUSA, CPPT anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.361 e seg.; Ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/2/2010, processo nº 1158/09; Ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/4/2014, processo nº 7435/14.
(2) vide ANTUNES VARELA e outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985.
(3) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
(4) Vide António Santos Abrantes Geraldes-Recursos no Novo Código de Processo Civil:5ªEdição, Almedina, p.124.
(5) HENRIQUE ARAÚJO: “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt
(6) AC. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1
(7) Vide Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 06418/13, de 7 de maio de 2013.
(8) Vide, Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 01834/04, 24.01.2008
(9) vertido na Diretiva IVA 2006/112, 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º
(10) Vide, neste sentido, designadamente Acórdãos do STA, proferidos nos processos nºs 0174/15 e 376/12, de 27.01.2016 e 10.10.2012, respetivamente.
(11) Entendimento este que, de resto, o STA tem vindo a plasmar, reiteradamente, em muitos outros acórdãos, como sejam, designadamente, aqueles que proferiu em 12.05.2010, no processo nº 632/09, em 13.10.2010, no processo nº 493/10, em 12.01.2011, no processo nº 789/10, em 22.01.2014, no processo nº 1108/12, e em 29.10.2014, no processo nº 1381/12
(12) Vide, designadamente, Acórdão proferido pelo STA no âmbito do processo nº 01013/11, de 20.06.2012 e TCA Norte, proferido no processo nº 02171/09.1, datado de 05.12.2014.
(13) Vide Acórdão do TCA Sul, já citado proferido no processo nº 08848/15, de 13.10.2016