Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:280/07.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:06/05/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA EXEQUENDA.
CONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO EM PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
TERMO INICIAL DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL.
DETERMINAÇÃO DO REGIME DE PRESCRIÇÃO A APLICAR AO CASO CONCRETO.
REGIMES DE SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO.
APLICAÇÃO DE DIFERENTES REGIMES DE PRESCRIÇÃO NO QUE RESPEITA ÀS CAUSAS DE SUSPENSÃO OU INTERRUPÇÃO. ARTº.297, Nº.1, DO C.CIVIL. ARTº.12, Nº.2, DO C.CIVIL.
FACTOS INTERRUPTIVOS DA PRESCRIÇÃO NOS TERMOS DO ARTº.49, Nº.1, DA L.G.T.
ARTº.49, Nº.3, DA L.G.T., NA REDACÇÃO DA LEI 53-A/2006, DE 29/12.
ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
CONCEITO DE RENDIMENTO TRIBUTÁRIO EM SEDE DE C.I.R.S. (CONCEPÇÃO DE RENDIMENTO-ACRÉSCIMO).
NOÇÃO DE MAIS-VALIA.
MAIS-VALIAS REALIZADAS COM A ALIENAÇÃO ONEROSA DE BENS IMÓVEIS.
ARTº.5, DO DEC.LEI 442-A/88, DE 30/11 (NORMA DE DIREITO TRANSITÓRIO).
USUCAPIÃO. NOÇÃO.
AQUISIÇÃO RELEVANTE PARA A APLICAÇÃO DO REGIME DE EXCLUSÃO DE TRIBUTAÇÃO PREVISTO NO ARTº.5, DO DEC.LEI 442-A/88, DE 30/11, É AQUELA QUE SE TRADUZ NA AQUISIÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE.
Sumário:1. A prescrição da dívida exequenda constitui fundamento de oposição à execução (cfr. artº.176, al.d), do C.P.C.Impostos; artº.286, nº.1, al.d), do C.P.Tributário; artº.204, nº.1, al.d), do C.P.P.Tributário), consubstanciando excepção peremptória de conhecimento oficioso no âmbito do processo tributário (cfr.artº.27, §2 e 3, do C.P.C.Impostos; artº.259, do C.P.Tributário; artº.175, do C.P.P.Tributário).
2. No que diz respeito ao processo de impugnação judicial, vem entendendo a jurisprudência dos Tribunais Superiores, à qual se adere, que a prescrição da obrigação tributária pode ser do conhecimento do Tribunal no âmbito da identificada espécie processual, embora para retirar do eventual provimento da mesma excepção não a procedência da impugnação e consequente anulação da liquidação objecto do processo (vertente dos requisitos de validade do acto), mas antes a declaração de extinção da instância devido a inutilidade superveniente da lide, dado que estamos perante acto tributário ineficaz, porque inexigível. Verificando-se a prescrição, a lide impugnatória não tem qualquer utilidade.
3. O termo inicial do prazo de prescrição conta-se em função da ocorrência do facto tributário, sendo computado a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos, ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, salvo em relação ao I.V.A. em que tal prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que ocorreu a exigibilidade do tributo, se o regime aplicável for o previsto na L.G.T.- cfr.artº.48, nº.1, da L.G.Tributária.
4. A determinação do regime de prescrição a aplicar ao caso concreto faz-se no momento da entrada em vigor da nova lei (cfr.artº.297, nº.1, do C.Civil).
5. No caso dos autos, a liquidação em causa é de I.R.S., do ano de 2005, imposto periódico, pelo que o regime aplicável é o previsto na L.G.T., diploma que entrou em vigor no dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12). Assim sendo, o termo inicial do prazo de prescrição ocorreu em 1/01/2006.
6. Como se retira do preceituado nos artºs.318 a 320, do C.Civil, a suspensão da prescrição tem como efeito que esta não comece a correr ou não corra, depois de iniciado o prazo, enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo. Os factos suspensivos são de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem, como se infere dos citados artºs. 318, 319 e 320, do C.Civil. Nas leis tributárias prevêem-se factos especiais a que é atribuído efeito suspensivo, pelo que serão essas as regras a aplicar em matéria de prescrição da obrigação tributária (cfr.v.g.artº.49, nº.4, da L.G.Tributária). Concluindo, para além da especificidade dos factos a que é atribuído efeito suspensivo, o regime da suspensão da prescrição da obrigação tributária não tem especialidades no domínio do direito tributário, pelo que, face a qualquer facto com natureza suspensiva, enquanto este surtir efeitos, a prescrição não começa nem corre.
7. Por sua vez, a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para o respectivo regime de toda o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único próprio da interrupção, presente em todas as situações (cfr.artº.326, nº.1, do C.Civil). Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr.artº.327, nº.1, do C.Civil).
8. A aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais, em resultado da previsão normativa do artº.297, nº.1, do C.Civil, não impõe a aplicação de um ou outro regime em bloco, pois só se refere tal normativo à lei que altere o prazo e não aos termos em que se conta, nem a tudo o que releva para o seu curso. O texto do artigo e a respectiva epígrafe revelam que se tem em vista apenas as leis que alteram prazos e não as que alteram os efeitos das causas interruptivas ou suspensivas da prescrição. Por isso, as leis que alteram causas de suspensão ou interrupção não sendo leis sobre “alteração de prazos”, não estão abrangidas na previsão do referido artº.297, do C.Civil. Estas leis seguem a regra de aplicação no tempo do artº.12, nº.2, do mesmo diploma. Nos termos do disposto no artº.12, nº.2, do C.Civil, a lei aplicável aos factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição será, portanto, a vigente no momento em que os mesmos ocorreram.
9. Constituem factos interruptivos nos termos do artº.49, nº.1, da L.G.T., a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, a que acresce a citação como facto interruptivo por força da redacção dada à referida norma pela Lei 100/99, de 26/7, cuja vigência se iniciou em 1/8/1999.
10. Atenta a redacção do artº.49, nº.3, da L.G.T., resultante da Lei 53-A/2006, de 29/12, tal facto interruptivo reveste efeito duradouro (dedução do presente processo de impugnação), o qual se manterá até ao trânsito em julgado da decisão final do presente processo, mais deixando de relevar o regime de transformação do efeito interruptivo em suspensivo da prescrição, anteriormente previsto no artº.49, nº.2, da L.G.T., revogado pela citada Lei 53-A/2006, de 29/12.
11. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
12. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.
13. A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.44, do C.I.R.S.).
14. O artº.5, do dec.lei 442-A/88, de 30/11, exclui da tributação as mais-valias realizadas que não estavam sujeitas ao imposto de mais-valias que vigorava anteriormente à Reforma Fiscal de 1988 (Dec.Lei 46673, de 9/6/1965), quando tais activos tenham sido adquiridos antes da entrada em vigor do C.I.R.S., portanto 1/1/1989 (cfr.artº.2, do dec.lei 442-A/88, de 30/11). Ou seja, continuam não sujeitos a tributação em mais-valias os ganhos obtidos com a alienação de imóveis cuja aquisição haja sido anterior a 1/1/1989, exceptuados os terrenos para construção, cabendo ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor do C.I.R.S.
15. O mesmo normativo não clarifica em que moldes é que a aquisição do direito de propriedade imobiliária pode ser efectuada para que o regime de exclusão de tributação seja aplicável (considerando que a mesma pode ser originária ou derivada), no entanto, deve ser entendido que estas duas formas de aquisição relevam para efeitos de aplicação da norma em sede de I.R.S.
16. A usucapião consubstancia uma forma de aquisição originária de direitos, uma vez que o direito adquirido surge “ex novo” na esfera jurídica do possuidor independentemente do direito do anterior titular. O beneficiário da prescrição aquisitiva ou usucapião, verificados, cumulativamente, os seus pressupostos, adquire o direito correspondente à sua posse, nomeadamente, o direito de propriedade. A mera posse, como fundamento da aquisição por usucapião, somente pode ocorrer ao fim de quinze anos, sendo de boa-fé, ou de vinte anos, se for de má-fé (cfr.artºs.1287 e 1296, do C.Civil).
17. A aquisição relevante para a aplicação do regime de exclusão de tributação consagrado no artº.5, do dec.lei 442-A/88, de 30/11, é aquela que se traduz na aquisição do direito de propriedade (de forma originária ou derivada), que não a mera posse de um imóvel.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
J…………….. E A…………., com os demais sinais dos autos, deduziram recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.58 a 63 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação pelos recorrentes intentada, visando acto de liquidação de I.R.S., relativo ao ano de 2005 e no montante total de € 17.163,01.
X
Os recorrentes terminam as alegações (cfr.fls.83 a 92 do processo físico) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-O direito à cobrança deste imposto de IRS, em mais-valias, de 2005 pela FP, já prescreveu, artigos 48°/1 e 49°/1/2 da LGT (aplicada no tempo), de conhecimento oficioso, o processo esteve parado mais do que um ano, por causa não imputada ao contribuinte;
2-Os recorrentes impugnaram judicialmente a liquidação de 17.163,01€ de IRS, de 2005, por inexistência do facto pressuposto de tributação;
3-O prédio, rústico, inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de V…….. sob o artigo 10…., alienado pelos recorrentes a 23 de Dezembro de 2005;
4-Havia sido adjudicado à recorrente mulher por partilha de 22 de Dezembro de 2001;
5-Este imóvel há muito que estava na sua posse e propriedade;
6-Os recorrentes receberam-no por doação verbal nula a Julho de 1983 e entraram de imediato na sua posse e nele;
7-Praticaram todos actos materiais, designadamente cortando oliveiras no local aonde demarcam a edificação da sua futura casa;
8-Mandaram realizar um projecto de construção e iniciam as fundações do referido imóvel;
9-O orçamento foi elevado e abandonaram a ideia de construir, mas passaram a possui-lo, cultivando-o, com "corpus" e "animus";
10-"Corpus", porque estavam na posse efectiva do referido imóvel e "animus" porque vêm exercendo a mesma posse, como sendo um direito seu e em nome próprio;
11-Os recorrentes limparam e apararam as oliveiras, colheram azeitonas e azeite, semearam favas, plantaram couves, colhendo todos os frutos;
12-Esta posse começou e vem sendo exercida de boa-fé, há vista de quem quer, que passasse na zona das referidas localização do imóvel, sem que mais ninguém, arrogasse direitos de posse ou propriedade, conflituantes com os recorrentes;
13-Os recorrentes, tendo adquirido, pacífica, de boa-fé, a posse daquele imóvel, e praticado a materialidade dos actos acima descritos, usucapiram, decorridos que foram 15 anos do início da sua posse;
14-A posse apesar de não titulada, sempre foi de boa-fé, em nome próprio e ainda pública, na medida em que tendo-nos sido transferida a posse, que era pública dos anteriores titulares podiam juntá-la à sua posse que assim pública continua. Cfrt. Art°s 1264º e 1256 nº 1 do CC;
15-Esta posse têm-se mantido ininterruptamente desde a aquisição até à presente data;
16-Desde a aquisição por doação verbal, os ora recorrentes têm submetido o referido terreno à sua exclusiva vontade e actividade, com continuada possibilidade de actuação sobre ele retirando-lhes toda a sua utilidade possível com a intenção de agir, como titular do direito de propriedade, e que tal exercício de facto sobre eles se refere, ou seja, os reclamantes têm afectado e usado tal bem, ao serviço da sua vida societária e de proprietários;
17-A sua posse comanda a al. b) do art° 1263 do CC, que ensina, que é a posse que se adquire, pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor no nosso caso material;
18-A posse pacífica, de boa-fé pública por que à vista de toda a gente e sem qualquer contestação seja de quem for também lhes foi transmitida pelos ante possuidores os quais o possuíram nas mesmas condições;
19-Nenhum direito assiste à Administração Fiscal, para proceder à liquidação deste imposto, na cédula de Categoria G de IRS, nem nenhuma obrigação existe, de o pagar, sendo a mesma liquidação e respectivo tributo por consequência indevidos;
20-A venda deste imóvel não está sujeita ao referido Imposto conforme o que preceitua o artigo 5º numero 1, sob o titulo de - regime transitório da categoria G - do DL 442 - A/88 de 30 de Novembro, que a aprovou o Código do IRS;
21-O imóvel radicalizou-se no direito de propriedade dos recorrentes, em data anterior à data da entrada em vigor do Código do IRS, antes de 1 de Janeiro de 1989;
22-Efectuou-se a audiência de discussão e julgamento, foram ouvidas as testemunhas;
23-O EMMP, emitiu douto parecer no sentido da procedência da impugnação, porque a aquisição do imóvel vendido, havia sido efectuada antes da entrada em vigor do CIRS;
24-Na decisão agora posta em crise, a Senhora Juiz julgou a impugnação improcedente;
25-A Senhora Juiz considerou que apenas a partir da escritura de partilhas de 2001, os recorrentes estavam aptos a dispor validamente do seu terreno (4º paragrafo a folhas 10);
26-Esta decisão desvirtua o instituto da posse neste caso;
27-A Senhora Juiz dá como provado, a natureza e animus do exercício da posse (1° paragrafo a folhas 4), bem como a data do seu início a 1983;
28-A Senhora Juiz, fundamenta com o douto acórdão do STA de 30/01/2013 no processo 01072/12;
29-Nas passagens transcritas, o douto acórdão aprecia um caso em que o adquirente antes da entrada em vigor do CIRS não poderia dispor do imóvel, porquanto ainda não tinha usucapido, a 01/01/1989;
30-No caso "sub judice" a altura da entrada em vigor do CIRS a 1/01/1989 já se tinha consolidado a propriedade na esfera dos recorrentes, podendo estes dispor desse direito;
31-Os recorrentes podiam justificando-o judicial ou notarial e doa-lo, vende-lo ou permuta-lo;
32-A Senhora Juiz parece lavrar em erro porquanto as circunstancias fácticas são diferentes as apreciadas no douto acórdão e os recorrentes a 1/01/1989, poderiam dispor validamente do seu imóvel;
33-A 1/01/1989 já se tinha consolidado a propriedade no referido imóvel pelo instituto da usucapião que constitui um poder de facto juridicamente relevante;
34-Esta decisão contraia o disposto no artigo 5° do DL 442-A/88 de 30/11, sujeitando a tributação a venda dos recorrentes;
35-Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre muito douto suprimento de Vossas Exs., deve ser concedido provimento, conhecendo-se da prescrição do direito à cobrança pela Fazenda Pública, ou se assim doutamente não se entender, dando-se provimento, revogando esta decisão, proferindo-se douto acórdão que julgue esta impugnação procedente, pela inexistência do facto tributário susceptível de tributação.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cfr.fls.103 e 104 do processo físico).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.58 e 59 do processo físico):
A-Os impugnantes, J……… e A…….., são casados desde 18-12-1982 (cfr.documento junto a fls.37 do processo de reclamação graciosa em apenso);
B-Em 22-12-2001, no Cartório Notarial de Proença-a-Nova foi celebrada escritura de partilha por óbito de M…….., cabendo à impugnante mulher, na qualidade de filha, um prédio rústico, composto de terra de semeadura com oliveiras e tanchas, sito em V….., com a área de dois mil duzentos e oito metros quadrados, inscrito na matriz rustica sob o artigo 10…., omisso na Conservatória do Registo Predial de Pombal (cfr. escritura de partilha junta a fls.23 a 36 do processo de reclamação graciosa em apenso);
C-Em 23-12-2005 no Cartório Notarial de P…….., em P………, foi efectuada uma escritura de compra e venda, na qual os impugnantes venderam a C……. e M……, o prédio rústico identificado na alínea anterior, pelo valor de € 125.000,00 (cfr.escritura de compra e venda com hipoteca junta a fls.13 a 20 do processo de reclamação graciosa em apenso);
D-Em 28-03-2006 foi entregue pelos impugnantes a declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2005, onde constava no anexo G a venda do imóvel no ano de 2005 no montante de € 125.000,00 cuja aquisição foi efectuada no ano de 2001, pelo valor de € 30,40 (cfr.documento junto a fls.56 a 61 do processo de reclamação graciosa em apenso);
E-Em 13-07-2006, como consequência da entrega da declaração identificada na alínea anterior, foi emitida, em nome dos ora impugnantes, a liquidação de IRS n.º 2006……., relativa ao ano de 2005, no valor de € 17.163,01, tendo como data limite de pagamento 27-09-2006 (cfr.documento junto a fls.8 do processo de reclamação graciosa em apenso);
F-Em 19-10-2006 deu entrada junto do 2º. Serviço de Finanças de Pombal, reclamação graciosa interposta pelos ora impugnantes e tendo por objecto a liquidação identificada na alínea anterior (cfr.articulado junto a fls.2 a 6 do processo de reclamação graciosa em apenso);
G-A reclamação graciosa identificada na alínea anterior foi indeferida por despacho do Director de Finanças de Leiria de 28-02-2007, o qual concorda com informação e parecer prévios formulados nesse sentido (cfr.documentos juntos a fls.45 a 48 do processo de reclamação graciosa em apenso);
H-Um ano após o casamento dos impugnantes, o pai da impugnante mulher doou-lhes o prédio rústico identificado em B), com o objectivo de aí construírem uma casa (cfr. depoimento das testemunhas M…….., D………. e A………);
I-Os impugnantes passaram a amanhar o terreno desde 1983, fazendo uso do mesmo, até à data que o venderam (cfr.depoimento das testemunhas M………., D…….. e A…….);
J-O pai da impugnante doou terrenos a todas as filhas, ainda em vida, tendo as mesmas começado a cultivá-los, mas só após a partilha por óbito do pai da impugnante é que os terrenos passaram para o nome das filhas (cfr.depoimento da testemunha A………).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem quaisquer outros factos não provados com relevância para a decisão da causa…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto quanto aos pontos A) a G) efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, dos quais constam dos autos e do processo administrativo e reclamação graciosa, por apenso, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
No que respeita às alíneas H) a J) dos factos provados teve-se em consideração a prova testemunhal arrolada pelas partes, os quais nos mereceram credibilidade em face do que sumariamente se descreve:
M…………., amiga dos impugnantes desde a adolescência, afirmou que o terreno era da impugnante desde 1983, altura em que o pai lho doou. Os impugnantes pretendiam construir uma casa mas “não era fácil”, passando a partir dessa altura a cultivar o terreno. O depoimento da primeira testemunha afigurou-se espontâneo e com conhecimento directo dos factos em apreço nos presentes autos, sendo merecedor da credibilidade.
Ponderou-se o depoimento de D……., que por ser irmão do pai da impugnante teve conhecimento directo dos factos e depôs com assertividade. Afirmou que o seu irmão deu terrenos a todas as filhas, tendo dado o terreno identificado em B) em 1983, à impugnante com o objectivo de construírem uma casa, passando esta a amanhá-lo a partir dessa data.
Foi igualmente valorado o depoimento de A……….., irmã da impugnante que expressamente referiu que o pai deu um terreno à irmã, após o casamento, com o objectivo de aí construírem uma casa, tal como o fez em relação às outras filhas. Devido a problemas financeiros, os impugnantes não chegaram a construir a casa, mas passaram a amanhar o terreno, como sendo seu, até à data em que o venderam. A impugnante após ter recebido do seu pai o terreno, passou a amanhá-lo como se fosse a proprietária do mesmo. O seu depoimento foi claro e congruente, sem contradições, convencendo o Tribunal da sua veracidade…”.
X
Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou, além do mais, em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
L-Em 19/03/2007, deu entrada no TAF de Leiria o articulado inicial da presente impugnação (cfr.data de entrada aposta a fls.5 do processo físico).
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar totalmente improcedente a impugnação que originou o presente processo, em virtude do insucesso dos fundamentos da mesma, mais mantendo o acto tributário objecto dos autos (cfr.al.E) do probatório).
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante discorda do decidido aduzindo, em primeiro lugar, que a liquidação objecto dos presentes autos está prescrita (cfr.conclusão 1 do recurso). Com base em tal asserção pretendendo, segundo percebemos, consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a sentença recorrida padece de tal pecha.
A prescrição da dívida exequenda constitui fundamento de oposição à execução (cfr. artº.176, al.d), do C.P.C.Impostos; artº.286, nº.1, al.d), do C.P.Tributário; artº.204, nº.1, al.d), do C.P.P.Tributário), consubstanciando excepção peremptória de conhecimento oficioso no âmbito do processo tributário (cfr.artº.27, §2 e 3, do C.P.C.Impostos; artº.259, do C.P.Tributário; artº.175, do C.P.P.Tributário).
O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à cobrança do imposto. O instituto da prescrição, tal como o da caducidade, tem na sua base o interesse da certeza e segurança jurídicas, encontrando aquele igualmente fundamento na negligência do credor (cfr.Pedro Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.274 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.98 e seg.).
No que diz respeito ao processo de impugnação judicial, vem entendendo a jurisprudência dos Tribunais Superiores, à qual se adere, que a prescrição da obrigação tributária pode ser do conhecimento do Tribunal no âmbito da identificada espécie processual, embora para retirar da eventual procedência da mesma excepção não a procedência da impugnação e consequente anulação da liquidação objecto do processo (vertente dos requisitos de validade do acto), mas antes a declaração de extinção da instância devido a inutilidade superveniente da lide, dado que estamos perante acto tributário ineficaz, porque inexigível. Verificando-se a prescrição, a lide impugnatória não tem qualquer utilidade. Por outras palavras, a questão não radica na inclusão da prescrição da obrigação tributária no universo de análise da ilegalidade da liquidação mas, em termos processuais, da utilidade da lide impugnatória que, assim, não pode ter qualquer reflexo na relação substancial respectiva, pelo que a sua continuação seria inútil (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/2/2005, proc.939/04; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/6/2007, proc.291/07; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/1/2008, proc.451/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6114/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.6826/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.279 e seg.).
O prazo de prescrição das obrigações tributárias em geral é actualmente de oito anos (cfr.artº.48, da L.G.Tributária), sendo anteriormente de dez anos (cfr.artº.34, do C.P.Tributário), e antes de vinte anos nos termos do artº.27, do C.P.C.Impostos. Embora mais favorável ao contribuinte, o prazo actual não é de aplicação retroactiva, devendo, em tal situação, lançar-se mão dos princípios consagrados no artº.297, do C. Civil, no que diz respeito ao cômputo do mesmo. Nestes termos, o prazo de dez anos consagrado no artº.34, do C. P. Tributário, ou o prazo de oito anos consagrado no artº.48, da Lei Geral Tributária, somente se contam a partir da entrada em vigor dos respectivos diplomas (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/4/93, Acórdãos Doutrinais, nº.385, pág.461; ac.T.T.2ª.Instância, 29/10/91, C.T.F.365, pág.243 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.98; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2010, pág.94 e seg.).
O termo inicial do prazo de prescrição conta-se em função da ocorrência do facto tributário, sendo computado a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos, ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, salvo em relação ao I.V.A. em que tal prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que ocorreu a exigibilidade do tributo, se o regime aplicável for o previsto na L.G.T.- cfr.artº.48, nº.1, da L.G.Tributária.
Passemos à determinação do regime de prescrição a apor ao caso dos autos. A determinação do regime de prescrição a aplicar faz-se no momento da entrada em vigor da nova lei (cfr.artº.297, nº.1, do C.Civil; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2010, pág.94).
No caso dos autos, a liquidação em causa é de I.R.S. de 2005, imposto periódico (cfr. al.E) do probatório), pelo que o regime aplicável é o previsto na L.G.T., diploma que entrou em vigor no dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12). Assim sendo, o termo inicial do prazo de prescrição ocorreu em 1/01/2006.
Analisemos agora os factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição. A suspensão da prescrição tem o seu regime civil previsto nos artºs.318 e seg., do C.Civil. Por sua vez, a interrupção da prescrição está regulada nos artºs.323 e seg., do C.Civil.
Como se retira do preceituado nos artºs.318 a 320, do C.Civil, a suspensão da prescrição tem como efeito que esta não comece a correr ou não corra, depois de iniciado o prazo, enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo. Os factos suspensivos são de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem, como se infere dos citados artºs. 318, 319 e 320, do C.Civil. Nas leis tributárias prevêem-se factos especiais a que é atribuído efeito suspensivo, pelo que serão essas as regras a aplicar em matéria de prescrição da obrigação tributária (cfr.v.g.artº.49, nº.4, da L.G.Tributária). Concluindo, para além da especificidade dos factos a que é atribuído efeito suspensivo, o regime da suspensão da prescrição da obrigação tributária não tem especialidades no domínio do direito tributário, pelo que, face a qualquer facto com natureza suspensiva, enquanto este surtir efeitos, a prescrição não começa nem corre.
Por sua vez, a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para o respectivo regime de todo o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único próprio da interrupção, presente em todas as situações (cfr.artº.326, nº.1, do C.Civil). Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr.artº.327, nº.1, do C.Civil). Resultam, assim, destes artºs.326 e 327, do C. Civil, dois conceitos de interrupção da prescrição: um que se traduz exclusivamente num efeito instantâneo sobre o prazo de prescrição (inutilização para a prescrição do tempo decorrido); outro que se consubstancia no mesmo efeito instantâneo acrescido de um efeito suspensivo (é eliminado o período decorrido e a prescrição não corre enquanto o processo durar, efeito duradouro este que é próprio dos factos suspensivos da prescrição). Nas leis tributárias prevêem-se factos a que é atribuído efeito interruptivo da obrigação tributária, pelo que não há que fazer apelo às normas do C.Civil, no que concerne a determinar os factos interruptivos. Porém, os efeitos da interrupção da prescrição não estão completamente regulados, assim devendo aplicar-se, quanto a estes, subsidiariamente o regime do Código Civil (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.52 e seg.).
Todavia, a aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais, em resultado da previsão normativa do artº.297, nº.1, do C.Civil, não impõe a aplicação de um ou outro regime em bloco, pois só se refere tal normativo à lei que altere o prazo e não aos termos em que se conta, nem a tudo o que releva para o seu curso. O texto do artigo e a respectiva epígrafe revelam que se tem em vista apenas as leis que alteram prazos e não as que alteram os efeitos das causas interruptivas ou suspensivas da prescrição. Por isso, as leis que alteram causas de suspensão ou interrupção não sendo leis sobre “alteração de prazos”, não estão abrangidas na previsão do referido artº.297, do C.Civil. Estas leis seguem a regra de aplicação no tempo do artº.12, nº.2, do mesmo diploma (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/2/2011, rec.807/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/10/2011, proc. 5009/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/1/2014, proc.7016/13; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.92).
Nos termos do disposto no artº.12, nº.2, do C.Civil, a lei aplicável aos factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição será, portanto, a vigente no momento em que os mesmos ocorreram. Assim sendo, constituem factos interruptivos nos termos do artº.49, nº.1, da L.G.T., a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, a que acresce a citação como facto interruptivo por força da redacção dada à referida norma pela Lei 100/99, de 26/7, cuja vigência se iniciou em 1/8/1999.
Mais consagrava o artº.49, nº.2, da L.G.T. (redacção anterior à Lei 53-A/2006, de 29/12 - O.E. de 2007), que a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito interruptivo, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
Examinando a factualidade provada, surge-nos como primeiro vector interruptivo do prazo de prescrição a dedução de reclamação graciosa por parte dos apelantes (cfr.al.F) do probatório), tudo nos termos do artº.49, nº.1, da L.G.T. Tal facto interruptivo inutilizou todo o tempo decorrido anteriormente. Relembre-se que ocorrendo uma causa de interrupção e findos os efeitos da mesma, inicia-se uma nova contagem do prazo, ou seja, mais 8 anos, conforme mencionado acima, dado que nos encontramos perante facto interruptivo (a dedução de reclamação graciosa) de natureza instantânea. Concretizando, a contagem do novo prazo de prescrição de oito anos passa a ter o seu termo inicial em 20/10/2006 (cfr.artº.279, al.b), do C.Civil).
Como segundo vector interruptivo da prescrição vamos encontrar a dedução do presente processo de impugnação em 19/03/2007 (cfr.al.L) do probatório), igualmente, nos termos do artº.49, nº.1, da L.G.T.
Mais uma vez, tal facto interruptivo inutilizou todo o tempo decorrido anteriormente.
Por outro lado, atenta a redacção do artº.49, nº.3, da L.G.T., resultante da Lei 53-A/2006, de 29/12, tal facto interruptivo reveste efeito duradouro, o qual se manterá até ao trânsito em julgado da decisão final do presente processo (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/06/2013, proc.5618/12), mais deixando de relevar o regime de transformação do efeito interruptivo em suspensivo da prescrição, anteriormente previsto no artº.49, nº.2, da L.G.T., revogado pela citada Lei 53-A/2006, de 29/12.
Concluindo, ainda não ocorreu o termo final do prazo de prescrição da liquidação que constitui objecto do presente processo, o mesmo não sobrevindo, seguramente, até ao trânsito em julgado da decisão desta impugnação judicial.
Face ao exposto, julga-se improcedente o presente esteio do recurso.
Igualmente aduzem os recorrentes, em síntese, que tendo adquirido, de forma pacífica e de boa-fé, a posse do imóvel rústico em causa nos autos, usucapiram o mesmo decorridos que foram 15 anos do início da sua posse. Que em 1/01/1989 já se tinha consolidado a propriedade do referido imóvel, pelo instituto da usucapião, na esfera jurídica dos apelantes. Que a decisão recorrida viola o disposto no artº.5, do dec.lei 442/88, de 30/11, sujeitando a tributação a venda por si realizada (cfr.conclusões 2 a 34 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09).
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.221 e seg.).
A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.44, do C.I.R.S.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.4771/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/06/2014, proc.6726/13; José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.443 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, ob.cit., pág.315 e seg.).
Face a este regime de tributação de mais-valias, vamos encontrar na lei normas de exclusão de incidência, sendo uma delas um preceito de direito transitório e constando do artº.5, do dec.lei 442-A/88, de 30/11, diploma que aprovou e pôs em vigor o C.I.R.S.
A previsão e estatuição deste último preceito é a seguinte:
Artº.5
(Regime transitório da categoria G)
1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 673, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código.
2 - Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efectuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos.
(...).
A norma sob exegese exclui da tributação as mais-valias realizadas que não estavam sujeitas ao imposto de mais-valias que vigorava anteriormente à Reforma Fiscal de 1988 (Dec.Lei 46673, de 9/6/1965), quando tais activos tenham sido adquiridos antes da entrada em vigor do C.I.R.S., portanto 1/1/1989 (cfr.artº.2, do dec.lei 442-A/88, de 30/11). Ou seja, continuam não sujeitos a tributação em mais-valias os ganhos obtidos com a alienação de imóveis cuja aquisição haja sido anterior a 1/1/1989, exceptuados os terrenos para construção, cabendo ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor do mesmo C.I.R.S. Encontramo-nos perante norma que consagra um regime de exclusão de incidência de imposto, que não uma isenção. O mesmo normativo não clarifica em que moldes é que a aquisição do direito de propriedade imobiliária pode ser efectuada para que o regime de exclusão de tributação seja aplicável (considerando que a mesma pode ser originária ou derivada), no entanto, deve ser entendido que estas duas formas de aquisição relevam para efeitos de aplicação da norma em sede de I.R.S. (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 25/9/2013, rec.369/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.6726/13; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.425 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.139; Paula Rosado Pereira, Manual de IRS, 2ª. Edição, Almedina, 2019, pág.223 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, alegam os recorrentes que em 1/01/1989 (data da entrada em vigor do C.I.R.S.) já se tinha consolidado a propriedade do imóvel rústico em causa nos autos, pelo instituto da usucapião, na sua esfera jurídica, pelo que a decisão recorrida viola o disposto no artº.5, do dec.lei 442/88, de 30/11.
A usucapião consubstancia uma forma de aquisição originária de direitos, uma vez que o direito adquirido surge “ex novo” na esfera jurídica do possuidor independentemente do direito do anterior titular. O beneficiário da prescrição aquisitiva ou usucapião, verificados, cumulativamente, os seus pressupostos, adquire o direito correspondente à sua posse, nomeadamente, o direito de propriedade. A mera posse, como fundamento da aquisição por usucapião, somente pode ocorrer ao fim de quinze anos, sendo de boa-fé, ou de vinte anos, se for de má-fé (cfr.artºs.1287 e 1296, do C.Civil; C. A. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 3ª. edição, 1989, pág.360 e seg.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1987, pág.64 e seg.; José de Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, Coimbra Editora, 4ª. Edição, 1987, pág.290 e seg.).
Do exame da matéria de facto, não é controvertido que o bem imóvel vendido é um prédio rústico. Igualmente resulta da factualidade provada que os recorrentes, a partir de 1983, passaram a amanhar o terreno, fazendo uso do mesmo, até à data em que o venderam (2005). Não obstante, apenas a partir de 22/12/2001, data em que foi celebrada a escritura de partilha por óbito do pai da apelante mulher, é que os apelantes figuraram como proprietários do imóvel (cfr.als.B), C) e H) a J) do probatório).
Perante estes factos, importa decidir se os recorrentes adquiriram o direito de propriedade sobre o imóvel em causa antes de 1/1/1989, na acepção do citado artº.5, do dec.lei 442-A/88, de 30/11 (conforme defendem os mesmos).
Entendemos que não. A aquisição relevante para a aplicação do regime de exclusão de tributação consagrado nesta norma é aquela que se traduz na obtenção do direito de propriedade (de forma originária ou derivada), pelo que, a mera posse do imóvel pelos recorrentes, anteriormente a 1/01/1989, não é suficiente para excluir de tributação em I.R.S. a mais-valia gerada com a sua venda no exercício de 2005. Recorde-se que a não sujeição a I.R.S. dos ganhos obtidos com a alienação do prédio rústico dependia da prova de que, na citada data da entrada em vigor do C.I.R.S. (1/01/1989), os apelantes já podiam invocar a usucapião a seu favor, o que não sucede no caso “sub judice”, até atendendo ao número de anos de exercício da alegada posse e aos que a lei exige para o efeito, tudo conforme supra mencionado (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 30/01/2013, rec. 1072/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/09/2015, proc.6704/13).
Ante o exposto, o ganho em causa nos autos não se encontra abrangido pelo examinado regime transitório de exclusão de incidência de rendimentos da categoria G, em sede de I.R.S., previsto no artº.5, do dec.lei 442-A/88, de 30/11, antes estando sujeito a tributação ao abrigo do artº.10, nº.1, al.a), do C.I.R.S., enquanto mais-valia.
Concluindo, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente esteio da apelação.
Atento o relatado, julga-se totalmente improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul ACORDAM EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se os recorrentes em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 5 de Junho de 2019


(Joaquim Condesso - Relator)


(Vital Lopes - 1º. Adjunto)



(Patrícia Manuel Pires - 2º. Adjunto)