Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2338/11.2 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/24/2022
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IMPOSTO DE SELO
CASH POOLING
Sumário:I - Os contratos de cash pooling ou de gestão centralizada de tesouraria são um mecanismo a que recorrem sociedades que se encontrem em relação de domínio ou de grupo, visando otimizar a gestão de tais recursos.
II - As operações de cash pooling, por referência ao ano de 2008, estão sujeitas à tributação em imposto de selo nos termos do disposto no art.º 4.º, n.º 1, do CIS e verba 17.1.4 da TGIS.
III - Para efeitos de aplicação da norma de isenção prevista na al. g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, cabe ao sujeito passivo provar (i) a existência de carências de tesouraria; e (ii) que o financiamento em causa se destinou exclusivamente à cobertura de tais carências de tesouraria.
IV - A alínea h) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, é uma norma inovadora.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

N…, S.A., com os sinais dos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a Impugnação Judicial apresentada contra os atos de liquidação de imposto do selo e respetivos juros compensatórios, emitidos com referência ao ano de 2008, na parte correspondente a operações financeiras, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

A) Em discussão nos autos de Impugnação Judicial esteve a pretensão da RECORRENTE de anulação do acto de liquidação de Imposto do Selo n.º 2010 6430000671, na parte referente a "operações financeiras”, no montante de € 19.302,99 e, bem assim, os actos de liquidação de juros compensatórios n.º 2010 0000… a 2010…, na parte correspondente à liquidação de Imposto do Selo referente a "operações financeiras", no valor de € 1.572,07, relativos ao exercício de 2008, todos praticados pelo Senhor Director-geral dos Impostos com fundamento na sua ilegalidade, por, entre outros vícios, desrespeito do previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.
B) De acordo com o entendimento da RECORRENTE, os actos tributários que constituem o objecto dos presentes autos são ilegais designadamente, por não aplicação da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.
C) Porém, entendeu o Tribunal a quo na Sentença recorrida que, “quanto ao preenchimento dos pressupostos indicados em (i) e (iii) não restam dúvidas, na medida em que o reembolso da concessão de fundos ocorreu antes de decorrido um ano e existe uma relação de domínio entre a Z... Multimédia e a Z... TV Cabo.” , contudo, no que se refere ao critério relativo à cobertura de carências de tesouraria, “[…] a impugnante não efectuou prova dos pressupostos de que depende a isenção fiscal e especificamente, a prova da finalidade do empréstimo à cobertura de carências de tesouraria.” (cfr. Págs. 67 e 68 da Sentença recorrida).
D) Decidindo, por fim, o Tribunal a quo que: “Pelo exposto julga-se improcedente a impugnação, por não provada.”
E) Ora, conforme se deixou exposto a RECORRENTE não pode concordar com o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo.
F) Com efeito, no que respeita à questão de fundo, a ora RECORRENTE provou cabalmente todos os factos necessários para que se conclua – em abono da justiça e da verdade material –, pela ilegalidade dos actos de liquidação de imposto ora em apreço.
G) A este respeito, importa, desde logo, atender às finalidades desta prática designada de gestão centralizada de tesouraria, que configura um sistema que permite uma gestão dos défices ou excessos de tesouraria ao nível de um grupo de empresas, tendo em vista a rentabilização das disponibilidades de liquidez existentes dentro do próprio grupo.
H) Os contratos de cash pooling, apesar de não regulamentados especificamente na lei portuguesa, são, assim, hoje em dia, uma manifestação típica da tendência crescente para o posicionamento dos agentes económicos em grupo, como solução para os riscos que a intensidade da actividade empresarial moderna acarreta, como estímulo à competitividade e, bem assim, como garantia de continuidade ou perenidade dos negócios explorados.
I) Ao tratar as diversas entidades participantes como se apenas de uma única se tratasse, o cash pooling é um mecanismo que permite a esse conjunto empresarial uma poupança óbvia ao nível dos custos com juros (por comparação com uma situação de gestão individualizada de liquidez).
J) Efectivamente, ao fazer uma optimização da relação entre a rendibilidade e a liquidez (a disponibilidade de recursos), o cash pooling proporciona vantagens materiais nada despiciendas, como a referida diminuição dos juros associados a contas devedoras, quando o saldo global virtual é nulo ou positivo.
K) Neste sentido, é inequívoco que o sistema de cash pooling do Grupo se assume, por definição, como um instrumento de gestão de carências de tesourarias das sociedades que o compõem.
L) Ora tal objectivo – de suprimento de carências de tesouraria – foi exactamente o que motivou a implementação deste mecanismo.
M) Tal realidade resulta de forma expressa da prova testemunhal produzida e que se encontra resumida na Sentença ora recorrida, onde pode ler-se que: “Com efeito, da inquirição das testemunhas resultou, em síntese. (…) T…, Gestor, disse que o sistema de cash pooling permite a gestão centralizada de tesouraria, de forma a que não se tenham empresas com excedentes ou com défices, bem como o aumento dos custos com financiamentos (…)” (cfr. Pág. 54 da Sentença recorrida).
N) Pelo que, tais operações de financiamento de curto prazo ocorridas no âmbito do Grupo não podem deixar de ser enquadradas na norma de isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, quer pela sua natureza, quer pela realidade do caso concreto da RECORRENTE.
O) Em qualquer caso, no que respeita, em concreto, à prova da existência de carências de tesouraria, importa desde logo notar que o conceito de carências de tesouraria para efeitos da aplicação da isenção ora em apreço não pode ser aferido em função de um “saldo de caixa negativo”, nem tão pouco de um saldo médio mensal, devendo antes reconduzir-se, numa óptica mais abrangente e adequada à realidade deste tipo de operações, a entradas de fundos tendo em vista cobrir a diferença negativa entre as necessidades resultantes da actividade da empresa e os recursos necessários para o financiamento da sua actividade operacional.
P) Na verdade, a metodologia proposta pela Administração tributária assume um carácter excessivamente teórico, na medida em que para que a mesma seja aplicável é necessário que se verifique um matching perfeito ou bastante próximo da exigibilidade dos activos e passivos de uma sociedade, sendo este um pressuposto contrário à realidade económica da maioria das empresas a operar em Portugal.
Q) Com efeito, ainda que em determinados períodos a entidade a quem os fundos foram concedidos apresentasse saldos positivos, tal constatação não poderia ser impeditiva da conclusão de acordo com a qual existem carências de tesouraria, porquanto tais saldos poderão corresponder a montantes inferiores aos recursos necessários para o financiamento da sua actividade operacional e, bem assim, para a satisfação de necessidades de curto prazo.
R) A este respeito, e relativamente ao caso concreto da aqui RECORRENTE, importa, ainda, referir a Sentença proferida no âmbito do Processo de Impugnação Judicial n.º 124/10.6BELRS, que correu termos junta da 1.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, e que teve como objecto idêntica situação factual e de Direito referente ao período tributário de 2005.
S) De facto, no referido processo esteve, de igual modo, em discussão o preenchimento do conceito de “carências de tesouraria” para efeitos do disposto na alínea g), do n. º 1, do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.
T) Neste sentido, resulta da Sentença, então, proferida que: “Em síntese, a satisfação das carências de tesouraria das sociedades dominadas constitui uma obrigação das SGPS, razão pela qual a inexistência de fundos próprios de curto prazo disponíveis para fazer face a esses compromissos da SGPS, configurará uma situação de carência de tesouraria relevante para efeitos de aplicação do disposto na alínea g), do n.º1, do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.” (cfr. Página 30 da Sentença recorrida).
U) Com efeito, a respeito da determinação da existência de carências de tesouraria para efeitos de determinação da aplicação da norma de isenção em apreço, entendeu o referido Tribunal que: “a tesouraria de uma sociedade é apurada da seguinte forma: Fundo de Maneio (FM) – Necessidade de Fundo de Maneio (NFM), em que: FM=Capital próprio + Passivo de m/1 prazo – activo de m/1 prazo [e] NFM = Activo circulante (excepto Disponibilidades) – passivo circulante de curto prazo.”
V) Desta forma, e ao contrário do que foi entendido pelo tribunal a quo na Sentença recorrida (cfr. pág. 68 da Sentença recorrida), o Documento 7, junto com a petição inicial, para o qual se remete, permite evidenciar os rácios de tesouraria, nos períodos em análise, tendo assim sido feita prova da existência de carências de tesouraria.
W) Contudo, e sem prescindir de todo o exposto, sempre se dirá que, caso fosse de aceitar a fórmula utilizada pela Administração tributária – o que não se aceita – o montante de imposto total liquidado mostra-se superior ao que seria, efectivamente, devido em consequência da sua aplicação à situação concreta da RECORRENTE.
X) Assim, do valor total de imposto liquidado para o período de 2008, de € 19.302,99, e que teve como referência os empréstimos concedidos nos meses de Janeiro a Março de 2008, apenas seria devido o montante de € 4.221,09, apurado com referência ao mês de Janeiro, pois, no que se refere aos períodos de Fevereiro e Março, da aplicação da fórmula de cálculo da Administração tributária, resulta, de forma inequívoca, a existência de carências de tesouraria.
Y) Por fim, e sendo certo que neste caso ficou inequivocamente provada a existência de carências de tesouraria, importa ainda fazer uma referência à alteração, constante da Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2020, que se concretiza na nova redacção da alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.
Z) Com efeito, através da referida alteração, o legislador veio clarificar a aplicabilidade da isenção de Imposto do Selo às operações efectuadas ao abrigo de contratos de gestão de tesouraria, num contexto de grupo, suprimindo a referência ao conceito de carências de tesouraria.
AA) Neste sentido, a nova alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo determina a isenção de Imposto do Selo aos: “Os empréstimos, incluindo os respectivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo.”
BB) Com esta alteração – que pressupõe a manutenção da alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, cuja aplicabilidade se discute nos presentes autos –, atenta a Doutrina e jurisprudência sobre esta matéria, parece-nos que o legislador veio clarificar o alcance de uma isenção genericamente aplicável a operações financeiras, nesta parte referente à realidade dos contratos de gestão de tesouraria, no âmbito da qual a referência às carências de tesouraria sendo redundante, tem vindo a gerar controvérsia.
CC) Assim, atendendo ao objectivo de consagração desta norma– alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo – no sentido de clarificação do regime anteriormente previsto, não poderá a mesma deixar de ser considerada como uma norma interpretativa, devendo também por este motivo, o presente e,066 consequentemente, ser anulada a Sentença recorrida e substituída por uma outra que determine a anulação do acto de liquidação de Imposto do Selo e, bem, assim, do acto de liquidação de juros compensatórios dele dependente, porque emitidos em desrespeito pelo disposto no nas alíneas g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo e que consequentemente condene a Administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios e ao pagamento de indemnização pela garantia prestada.

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de vossas excelências, deverá o presente recurso ser considerado procedente, por provado, com todas as demais consequências legais, designadamente a anulação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que determine a procedência da impugnação judicial apresentada contra o acto de liquidação de imposto do selo e respectivos actos de liquidação de juros compensatórios, emitidos com referência ao ano de 2008, na parte referente a “operações financeiras” com a consequente condenação da administração tributária à restituição do imposto pago indevidamente acrescido de juros indemnizatórios e indemnização por prestação indevida de garantia.

A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber se se verifica erro de julgamento na interpretação dos factos e aplicação do direito, o que implica responder à questão sobre se, no caso, estão preenchidos os pressupostos para aplicação da isenção de tributação prevista no artigo 7/1.g) do Código de Imposto do Selo (CIS).


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2010…, de 27-01-2010, foi realizada inspecção tributária externa para o exercício de 2008, vindo a ser elaborado o Projecto de Relatório de Inspecção do qual foi, em 12-07-2010, a impugnante notificada para efeitos do disposto no artº 60º da LGT e 60º do RCPIT
B) A impugnante exerceu direito de audição, nos termos de fls 58 a 84, da RG, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;
C) Em 10-08-2010 foi elaborado o Relatório de Inspecção, junto como doc nº 3, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais e, onde consta, nomeadamente no ponto III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕESA À MATÉRIA TRIBUTÁVEL E AO IMPOSTO E AO IMPOSTO ENCONTRADO DIRECTAMENTE EM FALTA
III.1 Imposto em falta
(…).
III.1.2 Imposto do selo
(…).
(ver imagem no original)
(…)
(ver imagem no original)
(…)
(ver imagem no original)


D) Dão-se por inteiramente reproduzidos os Anexos ao Relatório de Inspecção Tributária, designadamente o Anexo V que aqui se reproduz (doc nº 3, da pi):
(…)

E) Sobre o Relatório de inspecção Tributária recaiu despacho de concordância de 20-08-2010 (doc nº 3, da pi);
F) A AT emitiu as liquidações de IS nº 2010 … e de Juros Compensatórios nºs 2010 0000… a 2010 000015…., com referência ao ano de 2008, que se dão por inteiramente reproduzidas para todos os efeitos legais (doc nº 1, da pi);
G) A impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação nº 2010 …., nos termos de fls 2 a 19, do pa, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;
H) Em 07-11-2011 a impugnante exerceu direito de audição sobre o projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, junto a fls 177 a 188, da RG, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;
I) Em 16-11-2011 foi proferida INFORMAÇÃO nº 284-JT/2011, junta como doc nº 2, que aqui se reproduz:

(ver imagem no original)

J) Sobre a informação identificada no ponto anterior recaiu parecer de concordância de 17-11-2011 (doc nº 2, da pi);
K) Sobre a informação e parecer, em 17-11-2011 recaiu despacho de concordância do Director de Serviços de Inspecção Tributária (doc nº 2, da pi);
L) Em 18-11-2011 a impugnante foi notificada do Despacho do Director de Serviços da Direcção de Serviços da Administração Tributária, datado de 17-11-2011 (doc nº 2, da pi);
M) Em 05-12-2011 foi deduzida a presente impugnação judicial.
N) No âmbito do processo de execução fiscal nº 31072010…, instaurada contra a aqui impugnante e no âmbito da qual foi prestada a garantia bancária, em 16-11-2011 até ao montante de €1.437.944,34 (doc nº 8, da pi);
O) Em 20-12-2013 a impugnante promoveu, ao abrigo do Regime Excepcional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social, aprovado pelo DL nº 151- A/2013, de 31-10, o pagamento no montante de €712.757,99, dos quais€19.302,99 correspondem às liquidações de imposto emitidas na parte referente a “operações financeiras” do ano de 2008 (fls 234, dos autos)


Quanto à Motivação da Decisão de Facto, na sentença exarou-se o seguinte:

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e os contantes do processo administrativo apresentado pela AT com a sua resposta.
A inquirição das testemunhas arroladas e inquiridas em sede de audição nada trouxeram de novo de modo a permitir ao tribunal dar como provados outros factos para além dos elencados supra.
Com efeito, da inquirição das testemunhas resultou, em síntese:
D…, contabilista certificado, referiu que o motivo que levou à adopção do cash pooling foi o facto de no grupo numa dada altura, ter muitas empresas e de em cada uma delas haver um tesouraria própria o que originava que algumas tivessem excesso e outra carência de tesouraria sendo aquela opção uma das formas de garantir que todas as empresas do grupo terem as necessidades suficientes de tesouraria e tem a vantagem de estar a gerir de forma centralizada os dinheiros. Mais referiu que diariamente são apuradas as disponibilidades de cada empresa e acrescenta numa só conta. Disse ainda que a SGPS sem participações sociais e dentro da disponibilidade gere as necessidades que cada uma das empresas do grupo tem, é um instrumento de gestão de tesouraria, sendo que as carências de tesouraria deve ser aferida na SGPS. As disponibilidade são de curto prazo, são diários.
T…, gestor, disse que o sistema de cash pooling permite a gestão centralizada de tesouraria, de forma a que não se tenham empresas com excedentes ou com défices, bem como o aumento dos custos com financiamentos. Mais referiu que é feito diariamente a consolidação dos saldos de forma a ficar tudo reunido no SGPS. Disse ainda que a responsabilidade da SGPS é ter no seu objecto fazer financiamentos a curto prazo, sendo a frequência deste tipo de financiamentos diária e as carências de tesouraria são aferidas na empresa onde esta existe.


II.2 Do Direito

A ora Recorrente impugnou junto do Tribunal Tributário de Lisboa as liquidações de Imposto do Selo e respetivos juros compensatórios, respeitantes ao ano de 2008, na parte correspondente a operações financeiras.

Notificada da sentença que julgou a impugnação improcedente, dela veio recorrer, alegando, em suma, que as operações de financiamento de curto prazo ocorridas no âmbito do Grupo não podem deixar de ser enquadradas na norma de isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, quer pela sua natureza, quer pela realidade do caso concreto da Recorrente [cf. conclusões B) e N) das alegações de recurso].

Sobre estas questões se debruçou o recente acórdão de 2022.02.10 deste Tribunal Central Administrativo Sul, Proc nº 124/10.6BELRS o qual subscrevemos como 1ª Adjunta, com o qual concordamos e que é inteiramente transponível para os presentes autos. Anote-se, nesse sentido, que a própria Recorrente nas suas conclusões de recurso faz referência à sentença nele proferida em 1ª Instância e que ao tempo pendia sob recurso [cf. conclusão R) das alegações de recurso].

Assim e considerando que questões suscitadas pelo presente recurso, com matéria factual semelhante e idênticas alegações e contra-alegações de recurso, se pronunciou já esta Seção do Contencioso Tributário deste Tribunal Administrativo Sul, não vendo razão para divergir do decidido, aderimos à fundamentação do mesmo sem qualquer reserva.

Tal como no citado acórdão estão aqui em causa os contratos de cash pooling ou de gestão centralizada de tesouraria, entendidos estes como um mecanismo a que recorrem sociedades que se encontrem em relação de domínio ou de grupo, visando otimizar justamente a gestão de tais recursos.

A questão sobre se a transferência de excedentes de tesouraria são ou não operações tributadas na verba 17.1.4 foi já apreciada no Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de as operações de cash pooling estarem sujeitas à tributação em imposto de selo nos termos do disposto no artigo 4º, n.º 1 do CIS e verba 17.1.4 da TGIS, no acórdão de 2018.11.28, Processo n.º 06/11.4BESNT 0436/16 (disponível em www.dgsi.pt), do qual se transcreve:

Dispõe a verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto de Selo que, o crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.
Resumidamente, a situação de facto é a seguinte: a A………., Lda (A……..) celebrou um contrato com a A’……….. (A’………), pelo qual se comprometeu a transferir todos os excedentes de tesouraria para esta A’……….., entidade responsável pela gestão centralizada de tesouraria do grupo A…….. Por outro lado, passou a poder beneficiar dos fundos da A’……….., no caso de necessitar dos mesmos.
(…) Ocorreu, portanto, uma ou mais operações de transferência de saldos entre a(s) conta(s) da impugnante e a(s) conta(s) da entidade centralizadora, a A’…………, que não podem deixar de consubstanciar financiamentos concedidos através da realização de operações de tesouraria, verificando-se, assim, a concessão de crédito a que alude a referida verba 17.1.4 da TGIS.
Com esta verba do IS pretende-se tributar as transferências de saldos entre a impugnante, enquanto empresa nacional, e a entidade centralizadora, sedeada na Suécia, devendo tais transferências de saldos ser qualificadas como financiamentos concedidos também para efeitos do disposto no artigo 4º, n.º 1 do CIS. (…)
E tais transferências de saldos, tanto são tributadas quando ocorrem entre empresas nacionais, entre empresas de estados-membros ou até entre empresas de estados-membros e de países terceiros, aplicando-se sempre as normas constantes dos artigos 1º. n º 1, 2º, b), 3º, n.º 1, f), 4º, n.º 1, 23º, n.º 1, 41º e 44º, todos do CIS.
(…) Efectivamente a operação de transferência de capitais realizada entre a impugnante e a dita A’…………, e ao contrário do que defende a impugnante, tem que ser necessariamente subsumida ao disposto no artigo 4º, n.º 1 do CIS e respectiva verba 17.1.4 da TGIS, desde logo porque tem que ser qualificada como uma operação de crédito com contrapartida, isto é, remunerada por via do pagamento dos juros calculados a uma taxa acordada entre as partes e durante o período de tempo de duração da cedência do capital. E sempre que haja a utilização desse mesmo capital por parte da A’………..–crédito utilizado- ocorre a possibilidade de tributação ao abrigo das normas respeitantes ao CIS e à TGIS atrás indicadas” [v. igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.02.2020 (Processo: 02244/12.3BEPRT 0898/17)].

Assim, em princípio, à época, as operações decorrentes do cumprimento de um contrato de cash pooling, eram tributadas em sede de Imposto do Selo.

A questão que aqui se coloca, no entanto, e como já referimos, tem a ver com a aplicação, ao caso, da norma de isenção prevista na al. g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS.

Dizia o artigo 7/1.g) CIS, com a redação então aplicável

1 - São também isentos do imposto:
(…)
g) As operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efetuadas por sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham participações previstas no nº 2 do artigo 1º e nas alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 495/88, de 30 de Dezembro, e, bem assim, efetuadas em benefício da sociedade gestora de participações sociais que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo.

Embora não impugne expressamente a matéria de facto fixada na sentença, na conclusão V) das alegações de recurso, a ora Recorrente vem defender que o documento junto com a petição inicial sob o nº 7 permite evidenciar os rácios de tesouraria, nos períodos em análise, tendo assim sido feita prova da existência de carências de tesouraria.

Desde já adiantaremos que não tem razão.

Com efeito, e como decidido no citado Acórdão TCAS: para que a situação em concreto seja subsumível nesta norma de isenção, necessário se tornava que:

a) Se tratasse de operações financeiras por prazo não superior a um ano;
b) Exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria;
c) Efetuadas em benefício da sociedade gestora de participações sociais que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo (cfr. J. e L., Os Impostos sobre o Património Imobiliário. O Imposto do Selo, Engifisco, Lisboa, 2005, p. 585).

Também no caso aqui em apreciação, no relatório de inspeção elaborado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não vem posto em causa que estamos perante operações financeira de prazo inferior a um ano, efetuadas em benefício de SGPS em relação de domínio ou de grupo com a Impugnante.

Prosseguindo:

O único pressuposto controvertido tem a ver com a circunstância de tais operações se destinarem a cobrir exclusivamente carências de tesouraria.
(…).
Refira-se, a este respeito, que, de facto, um sistema de cash pooling não implica, per se, que as transferências efetuadas sejam com o objetivo de suprir carências de tesouraria. É, sim, um sistema que visa uma otimização de gestão da tesouraria de um grupo, independentemente de existirem ou não tais carências, designadamente por parte do cash pool leader (ou seja, a empresa que centraliza, dentro do grupo, as transferências que são efetuadas).

Como referem Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins (Imposto do Selo, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 210 e 211), “não poderá considerar-se, simplesmente, que os financiamentos ocorridos neste âmbito, só por si, evidenciam a existência de uma ‘carência de tesouraria’, pois a sua forma de funcionamento pode gerar, efetivamente, disponibilizações de fundos sem que tal carência exista”.

Portanto, em casos como o dos autos, cabe à Impugnante provar (i) a existência de carências de tesouraria; e (ii) que o financiamento em causa se destinou exclusivamente à cobertura de tais carências de tesouraria.

Cumpre, então, aferir se, in casu, a Recorrida logrou demonstrar, como era seu ónus, que as transferências em causa visaram exclusivamente a cobertura de carências de tesouraria.

Desde já se adiante que se considera que tal não ficou provado.

É certo que, conforme decorre das alíneas C) e I) dos factos provados e que não foram impugnados, ficou provado que a sociedade PT, Televisão por Cabo SGPS, apresentou carências de tesouraria ao longo de quase todo o ano de 2008.

No entanto, e tal como no caso apreciado no acórdão que nos serve de fundamento, nada ficou provado no sentido de estabelecer um nexo de causalidade entre as operações efetuadas pela Impugnante e o respetivo destino.

Ou seja, nada nos permite concluir no sentido de que as operações em causa se destinaram exclusivamente a cobrir tais carências de tesouraria, o que se revela fundamental para efeitos de aplicação da norma de isenção em causa.

Como é referido no relatório de inspeção tributária, não resulta demonstrado que a disponibilização dos meios tenha sido efetuada pela existência de carências de tesouraria.

É a própria Recorrente que reconhece: ainda que em determinados períodos a entidade a quem os fundos foram concedidos apresentasse saldos positivos (…).

Assim, se concluindo, como no Acórdão citado: como tal, não tendo tal sido provado pela Impugnante, não estão demonstrados os pressupostos para a aplicação da norma de isenção constante da al. g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS.

Com efeito, ao contrário do que alega na conclusão X), a Recorrente não basta que a entidade a quem os fundos foram concedidos apresente carências de tesouraria, mas que os fundos tenham sido disponibilizados para suprir aquela carência, prova esta que não foi feita.

Defende, por fim, a aqui Recorrente que a alteração introduzida com a Lei do Orçamento do Estado para 2020, foi consagrada uma isenção de IS para os empréstimos concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedade com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo [cfr. o atual art.º 7.º, n.º 1, al. h) do CIS] – cf. conclusão Y das alegações de recurso.

Sobre esta última questão pronunciou-se o Acórdão TCAS citado nos seguintes termos, com os quais concordamos e que transcrevemos de seguida:

Refira-se, finalmente, que, ao contrário do que defende a Recorrida, não se considera que a alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, tenha caráter interpretativo.
Explicitemos.
Nos termos do art.º 13.º, n.º 1, do Código Civil, “[a] lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza”.
Mas, para que tal ocorra, temos de estar perante uma verdadeira lei interpretativa.
Nas palavras de Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1994, pp. 245 a 247):
“Este texto começa por estabelecer que a lei interpretativa se integra na lei interpretada, querendo com isto significar que relativamente a leis desta natureza não há que aplicar o princípio da não retroactividade (...). // [A] razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo a consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da LA com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de natureza interpretativa aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. // Para que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários, pois, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei” (sublinhados nossos).
As leis interpretativas podem ser reputadas como tal no texto do diploma legal ou pode essa caraterização ser feita pelo aplicador.
Ora, no caso dos autos, do texto do diploma legal não resulta que o legislador tenha considerado ser tal norma de cariz interpretativo.
Por outro lado, considerando o demais contexto, nada faz concluir pelo caráter interpretativo do normativo em análise.
Com efeito, não existia qualquer situação controversa em torno não subsunção dos contratos de cash pooling à al. g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, que faça com que a atual al. h) do n.º 1 do mesmo art.º 7.º seja encarada como uma tomada de posição do legislador, de entre as soluções admissíveis.
É evidente que havia e há diferendos judiciais em torno da matéria, mas não se pode concluir que tal circunstância, per se, consubstancia situação controversa para os efeitos de se considerar determinada norma como interpretativa. Ou seja, não se conhece controvérsia doutrinal ou jurisprudencial que justifique entender-se a norma em causa como verdadeiramente interpretativa, do ponto de vista material.
Por outro lado, atente-se na redação da referida al. h):
“h) Os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo”.
As diferenças entre esta alínea e a previsão da al. g) são visíveis, desde logo porque a alínea h) não faz depender da isenção de qualquer destino exclusivo à cobertura das carências de tesouraria.
Trata-se, sim, da previsão de uma nova isenção, com concretas caraterísticas e distinta das demais consagradas.
Aliás, este caráter inovatório também se extrai do relatório do Orçamento do Estado para 2020, onde se refere:
“Também como forma de apoio à tesouraria das empresas, isenta-se de Imposto do Selo todas as operações financeiras de curto prazo realizadas entre sociedades em relação de domínio ou de grupo no âmbito de contratos de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling)”.
Estando nós perante uma norma que, do ponto de vista material, não é interpretativa, a mesma não se aplica a eventos passados.


Em face do exposto, improcede também esta última conclusão das alegações de recurso.

A sentença que decidiu pela improcedência da impugnação não merece, pois, a censura que lhe foi feita e é de confirmar.


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, custas são pela Recorrente que ficou vencida.


Sumário/Conclusões:

I. Os contratos de cash pooling ou de gestão centralizada de tesouraria são um mecanismo a que recorrem sociedades que se encontrem em relação de domínio ou de grupo, visando otimizar a gestão de tais recursos.

II. As operações de cash pooling, por referência ao ano de 2008, estão sujeitas à tributação em imposto de selo nos termos do disposto no art.º 4.º, n.º 1, do CIS e verba 17.1.4 da TGIS.

III. Para efeitos de aplicação da norma de isenção prevista na al. g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, cabe ao sujeito passivo provar (i) a existência de carências de tesouraria; e (ii) que o financiamento em causa se destinou exclusivamente à cobertura de tais carências de tesouraria.

IV. A alínea h) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, é uma norma inovadora.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu.

Lisboa, 24 de março de 2022

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Cristina Flora