Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1803/11.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO GERENTE;
GERÊNCIA DE FACTO;
GERÊNCIA PLURAL CONJUNTA.
Sumário:I. A responsabilização subsidiária ao abrigo do artigo 24º, nº 1 da LGT exige a prova da gerência efectiva ou de facto, o efectivo exercício de funções de gerência, não se bastando com a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.II. Competindo a gerência de uma sociedade por quotas a dois gerentes, (gerência plural conjunta) e tendo ficado provado que o Oponente agiu em representação da executada originária, e sem que tenha demonstrado que aquela exercia ou podia exercer a sua actividade sem a sua participação, é de concluir, à luz das mais elementares regras de vivência comum, que a Fazenda Pública demonstrou suficientemente o exercício da gerência de facto pelo Oponente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I. RELATÓRIO

A........................... veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a Oposição por si deduzida ao processo de execução fiscal nº.................... e aps., por dívidas contra si revertidas respeitantes a IVA, IRS-Retenções e Coimas, dos anos de 2007 e 2008, no montante total de dívida exequenda de 24.326,09€, sendo a devedora originária a sociedade «I…………………, Lda», formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:

«1. Por sentença de 31 de Maio de 2019, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo julgou totalmente improcedente a Oposição deduzida pelo ora Recorrente, absolvendo a Fazenda Pública do pedido.

2.Ao contrário do defendido pelo Recorrente veio o Tribunal recorrido entendeu que o Oponente, ora Recorrente, não logrou conseguir, através da alegação e respetiva prova de factos que a isso permitissem, a elisão da presunção da imputabilidade do não pagamento das dívidas e, por conseguinte, tem-se por se ter por verificado o requisito da responsabilidade subsidiária previsto no artigo 24.º, n.º 1 alínea b) da LGT, o que conduz à improcedência da oposição.

3.Em primeiro lugar, importa mencionar que na sua essência a oposição à execução fiscal visa a extinção da respectiva execução com base em fundamentos supervenientes ou de ordem formal (conforme Alberto Xavier, in “Conceito e natureza do Acto Tributário”, Almedia, 1972, p. 586 e seguintes).

4.Trata-se de uma acção que funciona na dependência do processo executivo (embora com tramitação autónoma), como contestação à pretensão do exequente (nesse sentido, Jorge Lopes de Sousa, in “Código de Processo e Procedimento Tributário”, Anotado e Comentado, Vol. III, 6ª edição, 2011, p. 428) e respeita aos fundamentos supervenientes que podem tornar ilegítima ou injusta a execução devido à falta de correspondência com a situação material subjacente no momento em que adotam as providências executivas tendo por efeito paralisar a eficácia do ato corporizado no processo executivo.

5.O próprio processo de execução fiscal trata-se já de um processo judicial (artigo 103.º, nº 1, da LGT) apesar de correr os seus termos perante as autoridades administrativas.

6.Em consonância com o estatuído no artigo 204º do CPPT a oposição poderá ter como fundamento, algum dos referidos nas alíneas do seu nº 1, o que significa que se trata de uma enumeração taxativa. Como se depreende no uso da expressão “só” (Jorge Lopes de Sousa, ob. Cit., p. 441).

7.Na situação sub judice vem o Opoente, ora Recorrente, deduzir oposição judicial, para tanto, alegando, em síntese, a sua ilegitimidade por não ter exercido a gerência de facto da sociedade devedora originária, ainda que fosse gerente de direito, porquanto “nunca dirigiu, em vez alguma, a referida sociedade ou interveio no destino da mesma, não tendo praticado quaisquer actos relacionados com a gerência da primitiva executada”.

8.Mais aduziu o Oponente, aqui Recorrente, que “nunca praticou quaisquer actos de disposição ou administração em nome e no interesse da sociedade, nem a representou” e que “(a) gerência de facto era exercida pela sua sócia C ....................”. Sendo que “era a sua sócia que exercia de facto a gerência e administração da sociedade, praticando todos os actos de disposição e administração”.

9.Encontramo-nos, pois, perante o fundamento de oposição previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 204º do CPPT, que dispõe que a oposição pode ter como fundamento a ilegitimidade da pessoal citada por esta não ser o próprio devedor que figura no titulo ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a divida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no titulo e não ser responsável pelo pagamento da divida.

10.A parte final desta alínea “ou por não figurar no titulo e não ser responsável pelo pagamento da divida” aplica-se Às oposições apresentadas com fundamento no facto de não se verificarem os pressupostos da reversão contra responsáveis subsidiários, não sendo, por isso, responsáveis pelo pagamento da divida exequenda.

11.Examinemos, então, o regime jurídico consagrado no artigo 24º da LGT, uma vez que as dívidas exequendas em causa resultam de IVA, coimas e encargos de processos de contra-ordenação, e IRS no período de 17-09-2007 a 10-01-2009, no montante total de € 24.326,09 (alíneas C, D e G dos factos provados).

12.A ilegitimidade, enquanto fundamento da oposição à execução, tal como referido no artigo 204º, nº 1, al. b) do CPPT, é uma ilegitimidade substantiva, na medida em que assenta na ausência de responsabilidade do revertido pelo pagamento da divida exequenda.

13.Sabido que o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade (artigo 12º do Código Civil) é inquestionável que a responsabilidade dos administradores ou gerentes, neste caso, é aferida nos termos definidos no artigo 24º da LGT.

14.Deste normativo resulta, desde logo, que a responsabilidade subsidiária, não exige sequer a gerência nominal ou de direito, concretizada através da expressão “que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração”, e ainda que a responsabilidade subsidiária exige a prova da gerência efetiva ou de facto, não se bastando com a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.

15.Com efeito, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efetivo exercício da função de gerência. Decorre, pois, do referido artigo que a LGT exige a gerência efectiva ou de facto, não se bastando com a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.

16.Em suma, o que vem exigido pelo artigo 24º, nº 1, da LGT é o exercício da gerência de facto pelo revertido, que pode ou não ter coincidido com a sua designação e inscrição no registo comercial como gerente da devedora originária.

17.Conforme refere Jorge Lopes de Sousa (in “CPPT Anotado, III volume, anotação 24 ao artigo 204º, p. 473), “Se o administrador ou gerente de direito não exercia quaisquer funções de gerência de facto, não se justificava que fosse formulado em relação a ele um juízo de culpa susceptivel de basear a responsabilidade subsidiaria, já que não era possível a existência de nexo de causalidade entre a sua actuação e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade, nem se podia falar em relação a ele de possibilidade de pagar as dividas fiscais e não o fazer, dividas essas que, sem um exercício ao menos parcial de gerência, não poderia ter sequer conhecimento”.

18.Caberá, desde logo, à Administração Tributária o ónus de alegar e provar a verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, nomeadamente a gerência de facto do revertido, devendo a falta de prova da mesma ser valorada contra a Administração Tributária, conforme de maneira esclarecedora se tem pronunciado a jurisprudência (vide Ac. do Pleno do CT do STA, de 28/07/2007, proc. Nº 1132/2011, processo nº 0944/10, Ac. do STA, de 09/04/2014, processo nº 0954/13, Ac. do TCAS, de 27/10/2016, processo nº 07665/14).

19.É hoje pacificamente aceite pela jurisprudência que, a gerência de direito não constitui presunção legal de gerência de facto, sendo esta última que é exigida pelo proémio do artigo 24º da LGT.

20.Contudo, embora o juízo quanto ao efectivo exercício das funções de gerência, não possa ser automaticamente retirado do facto do revertido ter sido nomeado gerente, na falta de presunção legal, tem entendido a jurisprudência, que o julgador, com base na prova produzida, na experiência e em juízos de probabilidade, pode inferir a gerência efectiva (neste sentido, vide Ac. do TCAN, de 24/03/2008, processo nº 00090/03).

21.De facto, apesar de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não impede que o tribunal, no exercício dos seus poderes de cognição, utilize as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum (neste sentido, Ac. do STA, de 10/12/2008, processo nº 0861/08).

22.Com efeito, conforme resulta do nº 1 do artigo 342º do Código Civil e do artigo 74, nº 1, da LGT, que é aquele que invoca um direito quem tem que provar os respectivos factos constitutivos, pelo que, será a Administração Tributária a quem, enquanto Exequente, competirá demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à existência de gestão de gerência de facto.

23.Mais se acresce que a evolução jurisprudencial tornou pacifico o entendimento de que a presunção derivada do artigo 11º do Código do Registo Comercial, não abrange o exercício efectivo da gerência registada, não se podendo retirar de forma automática daquele registo, uma presunção judicial de exercício de facto da gerência, conforme de forma conclusiva se pronunciou, entre outros, o Ac. do STA, de 02/03/2011, processo nº 0944/10: “Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário (…)”, (vide igualmente o Ac. do STA, de 11/03/2009, processo nº 0474/12, o Ac. do TCAN, de 11/03/2010, processo nº 00349/05.6BEBRG, relator: Francisco Rothes).

24.De notar que, já ao abrigo do Código de Processo Tributário, o Pleno da Secção de Contencioso Tributário havia proferido o Acórdão, de 28/02/2007, no âmbito do processo nº 01132/06, do qual se transcreve parcialmente o seu sumário: “Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.”

25.Assim, do que supra se expôs, importará a forma como se mostra estabelecida a gerência de direito pois que, aquela poderá, em face das regras da experiência, levar à conclusão que a gerência de direito é acompanhada necessariamente pela gerência de facto.

26.In casu, verifica-se que o Oponente, ora Recorrente, está designado no cargo de gerente da sociedade desde a sua constituição em 02/12/2005, constando a renúncia da sua parte em 07/12/2010 e averbado em 13/12/2010, conforme resulta das alíneas A e B dos factos provados.

27.Importa igualmente verificar que, a sociedade devedora originária se obrigava com a intervenção conjunta de dois gerentes, sendo que no período a que se reportam os factos fundamentadores da presente reversão, figurava como gerente, o ora Recorrente, conforme resulta da alínea A dos factos provados.

28.Entanto, caberá analisar se a Administração Tributária carreou para o processo, indícios suficientes que permitam a prova da gerência de facto desta pelo revertido.

29.Conforme supra se referiu, cumpria à Administração Tributária o ónus de provar que o Oponente, aqui Recorrente, exercício uma gerência de facto.

30.A lei não define exactamente em que é que se traduzem os poderes de gerência e quais os actos que a materializam e concretizam o seu exercício.

31.Tem sido jurisprudência reiterada pelos Tribunais Centrais, tal como veio discorrer o Acórdão do TCAS, de 18/06/2013, proferido no processo nº 06565/13, disponível em www.dgsi.pt, que “a lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artigos 259º e 260º do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr. Ac. STA, 2ª Secção, 03/05/1989, rec. 10492; Ac. TCAS, 2ª Secção, de 08/05/2012, processo 5392/12; Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, III volume, Àreas Editora, 6ª edição, 2011, p. 465 e seguintes)”.

32.Ora, a Fazenda Pública invoca, entre o mais, na sua contestação que “do processo de execução fiscal constam vários elementos que o oponente representava a sociedade executada originária” nomeadamente, os requerimentos apresentados pelo Oponente, na qualidade de gerente, junto do Serviço de Finanças de Torres Vedras e constantes das alíneas E e F dos factos provados.

33.Ou seja, a conclusão da fazenda Pública, resulta essencialmente na argumentação da constatação da gerência de direito resultante das inscrições da Conservatória do Registo Predial/Comercial de Torres Vedras, conforme consta das alíneas A e B do probatório, conjugado com a prática destes dois actos em representação da sociedade originária executada.

34.É verdade que no dia 30/05/2008 e no dia 05/06/2008 deram entrada no Serviço de finanças de Torres Vedras um pedido de pagamento em prestações de dívidas tributárias, bem como de um pedido de anulação de uma penhora de créditos, respectivamente. De igual modo, não se pode descurar a circunstância dos pedidos terem sido apresentados em nome da executada, I ...................., Lda. e com a assinatura aposta nos referidos documentos pelo Oponente, arrogando- se a qualidade de gerente.

35.Todavia, afigura-se-nos que esses dois factos provados, e ainda que possam constituir indícios no sentido do exercício efectivo da gerência por parte do ora Recorrente, por si só, não são suficientes para permitir a conclusão de que o mesmo exerceu a gerência de facto da devedora originária no período em questão.

36.Ou seja, só podem ser considerados gerentes de facto os sujeitos que se ingerem na actividade de gerentes de forma estável e com carácter de continuidade, no que se refere à representação societária, não bastando uma intervenção isolada, como no caso em apreço, materializada em dois requerimentos dirigidos ao órgão da execução fiscal, para que os administradores de direito possam ser considerados gerentes de facto.

37.O mesmo resulta do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29/09/2016, proferido no processo 02374/06.0BEPRT, “III- De atos isolados praticados pela Oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária em momentos concretos, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que a mesma exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade, principalmente em concatenação com outros factos apurados que revelam o seu alheamento de gestão e representação da mesma.”

38. É o que emerge precisamente dos presentes autos.

39.Em reforço do argumentativo, atente-se nas declarações da Sra. C ...................., depoimento prestado em 25/03/2019, com início às 14h30m e fim às 14h58m, as quais se encontram parcialmente transcritas nas alegações.

40.Conforme resulta das declarações de C ...................., sócia e gerente da devedora originária, o exercício efectivo da sociedade esteve sempre a cargo desta, pois era esta que tomava as decisões fundamentais à vida da sociedade e praticava os actos inerentes àquele cargo, designadamente, a gestão da área financeira, a contratação de trabalhadores e a prática de actos de gestão respeitantes às relações comerciais com as instituições bancárias, para além de ter a seu cargo a supervisão da própria contabilidade da sociedade enquanto interlocutora única com a testemunha M ...................., responsável pela organização dessa mesma contabilidade, conforme depoimento prestado por esta última no mesmo dia 25/03/2019, com inicio às 15h00m e fim às 15h11m.

41.Na verdade, atento o conceito de gerência que deixamos exposto, a concatenação de todos os factos apurados não revela inequivocamente a gerência de facto exercida pelo Recorrente.

42.Tendo-se antes evidenciado que a sua relação com a devedora originária era meramente nominal e restringida à área comercial, mais especificamente à área de vendas, não decidindo ou conduzindo os destinos da sociedade. Esta factualidade ficou reforçada pelo depoimento da testemunha Sra. C ...................., que afirmou ter sido a única gerente de facto da sociedade e única responsável pela gestão da sociedade, a todos os níveis.

43.Deste modo, analisada a matéria de facto provada, obrigatoriamente se terá de concluir que ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte do aqui Recorrente, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a Fazenda Pública, por isso que, como já referido, o exercico efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto de responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, tal como já acima destacado, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.

44.Relembrando a factualidade, resulta do probatório que o Oponente era gerente de direito no período relativamente às dívidas tributárias em dissidio. Ainda assim, não resulta daí que se tenha verificado a prática de atos que obrigassem a sociedade devedora originária ou a vinculassem perante terceiros.

45.Ou seja, “(…) a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efetivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros” (neste sentido Ac. TCA Norte, de 20/12/2011, proferido no Processo n.º 00639/04.5BEVIS, disponível em www.dgsi.pt).

46.Em suma, por tudo quanto se expôs, impõe-se concluir que a Administração Tributária não logrou provar, nos termos do disposto no artigo 342º do Código Civil e do artigo 74º, nº1, da LGT que, para além de deter a qualidade de gerente de direito da devedora originária, o Oponente, aqui Recorrente, também exercia de facto a gerência, praticando os atos próprios e típicos inerentes a esse exercício nos anos aqui em causa e, como tal, não poderá ter lugar a respetiva responsabilização a titulo subsidiário pelo pagamento das dívidas exequendas ao abrigo do disposto no artigo 24.º, nº 1 alínea b) da LGT e , nessa medida, não se mostrando provado o pressuposto acima analisado, é de concluir pela ilegitimidade do ora Recorrente para execução.

47.Face ao exposto, forçoso será concluir que o Oponente não é parte legitima nos processos de execução fiscal revertidos em causa nos presentes autos, verificando-se o fundamento de oposição à execução previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 204º do CPPT, o que conduz necessariamente à procedência da oposição deduzida pelo ora Recorrente, devendo em consequência ser a decisão proferida pelo Tribunal a quo revogada.

PELO EXPOSTO,

Deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, fazendo-se assim a costumada Justiça!»


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A recorrida, notificada da admissão do recurso interposto, não contra-alegou.


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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer no sentido da improcedência do recurso.


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Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre,

agora, decidir.


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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

A questão posta para decidir, como se vê das conclusões enunciadas é a de saber se a sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento ao concluir que o Oponente exerceu a gerência de facto da devedora originária e, nessa medida, era parte legítima para a execução.


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III. FUNDAMENTAÇÃO

A. DOS FACTOS

A sentença recorrida deu como assente a factualidade que infra se reproduz:

«A) Através da Ap. 08/20051202, foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial (CRC) de Torres Vedras, a sociedade “I…….., Lda”, sendo seus sócios desde o início o Oponente e C ...................., tendo ambos sido nomeados gerentes da sociedade, ficando a sociedade vinculada com a assinatura conjunta de dois gerentes (cfr. fls. 41 a 44 dos autos – numeração em suporte de papel).

B) Pela Ap. 12/20101213 foi registada na CRC a renúncia à gerência por parte do Oponente, com efeitos à data de 07.12.2010 (cfr. fls. 42 dos autos).

C) Em 12.10.2007, no Serviço de Finanças de Torres Vedras, foi instaurado contra a sociedade identificada em A), o processo de execução fiscal nº ...................., para cobrança de dívida de IVA do 2º trimestre de 2007, no montante de 13.217,60€ (cfr. fls. 3 e 22 dos autos).

D) Posteriormente à data de 12.10.2007, foram apensados ao PEF identificado na alínea antecedente, outros dez processos de execução fiscal, compreendendo dívidas de IRS – retenções do ano de 2007, IVA do ano de 2008 e coimas, passando a dívida exequenda a perfazer o total de 46624,71€ (cfr. fls. 22 a 34 dos autos – numeração em suporte de papel).

E) Em 30.05.2008 o Oponente assinou e apresentou, na qualidade de Representante Legal da sociedade identificada em A), requerimento dirigido ao Serviço de Finanças de Torres Vedras, com o seguinte teor:

“Eu, A..........................., Gerente da empresa “I ...................., Lda.”, com o número de identificação fiscal n.º…………, com sede (…), venho expor o seguinte:

1. A empresa é devedora ao Estado da importância de 38.191,25 Euros, que dizem respeito a coimas e a IVA

2. Foi promovida pelos respectivos serviços de finanças uma penhora de créditos sobre o único cliente que o contribuinte possui, pondo em causa a continuidade da actividade. Isto é, a signatária desenvolve a actividade de Angariação de clientes para outras empresas, especialmente na área das telecomunicações, com regime de exclusividade para uma única entidade.

3. De modo a não pôr em risco a actividade da empresa, e visto que actualmente não tem possibilidades de efectuar o pagamento de uma só vez da referida importância, vêm requer-se que seja autorizado o pagamento em dívida da signatária no máximo de prestações mensais e iguais possíveis, e o respectivo levantamento da penhora de créditos existente no momento.

4. A empresa possui um único bem, V……….. com a matrícula ………, que desde já pretendemos das como garantia para suportar o compromisso que assumimos. (…)”

(cfr. fls. 35 dos autos).

F) Em 05.06.2008 o Oponente assinou e apresentou, na qualidade de Representante Legal da sociedade identificada em A), requerimento dirigido ao Serviço de Finanças de Torres Vedras, com o seguinte teor:

“Eu, A..........................., Gerente da empresa “ I ...................., Lda.”, com o número de identificação fiscal n.º…………., com sede (…), em sequência ao meu pedido prestacional, que soube hoje, telefonicamente, que foi deferido, venho solicitar, tendo em conta todo o contexto em que a empresa trabalha que seja anulada a penhora de créditos existente sobre o seu único cliente B..................., Lda.

1. A empresa desenvolve a actividade de Angariação de clientes para outras empresas, especialmente na área das telecomunicações, com regime de exclusividade para uma única entidade.

2. Sendo esta a sua única fonte de rendimentos, a penhora de créditos em vigor, coloca em risco a actividade da empresa.

3. A empresa para além de não conseguir manter as 15 pessoas que, neste momento, prestam serviços, não conseguirá também cumprir a obrigação que assumiu para com o Serviço de finanças.

4. A empresa tem a possibilidade de aumentar a sua receita e honrar os seus compromissos desde que, seja liberto a penhora.

5. Dia 9 de Junho, data prevista de pagamento por parte do seu cliente, tendo em conta o actual cenário, não irá receber nada devido à penhora existente colocando desde já o risco de continuidade do negócio.

Certo da V/compreensão e, do alto sentido de justiça de V.Exa., aguardamos expectantes pelo diferimento desta pretensão do requerido.” (cfr. fls. 37 dos autos).

G) Por despacho de 19.05.2011, foi determinada a notificação do Oponente para efeitos de audição prévia à reversão das dívidas da sociedade identificada em A), no montante de 24.326,09€ (cfr. fls. 39 e 40 dos autos).

H) O Oponente exerceu o seu direito de audição prévia em 07.06.2011, limitando-se, em termos factuais, a referir não ser sócio da sociedade desde 07.12.2010, data em que renunciou à gerência e cedeu a sua quota, não tendo, até essa data, exercido as funções de gerente de facto (cfr. fls. 46 e 47 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)

I) Em 13.06.2011 foi elaborada a seguinte informação por funcionário do Serviço de Finanças de Torres Vedras:

“TERMO DE JUNTADA / INFORMAÇÃO / CONCLUSÃO

Em 2011-06-13, junto aos presentes autos cópia dos documentos apresentados por A........................, de fis. 62 a 64, que antecedem.

Cumpre-me também informar V. Exª. que após ter compulsado os presentes autos, e consultado os elementos existentes e disponíveis neste Serviço de Finanças (SF), verifiquei que:

1. A autuação foi efectuada em 2007-10-12, por divida de IVA-PF, do período 2007-04 a 2007-06, no montante de € 13.217,60, e;

2. posteriormente foram apensos vários PEFs, conforme listagem a fis. 59, por dívidas de diversas proveniências, referentes a vários períodos desde 2007-01 a 2008-12;

3. em 2008-05-30, a executada, na pessoa do seu gerente A..........................., veio aos autos requerer o pagamento da divida em prestações mensais (fls, 4), e;

4. em 2008-06-06, veio novamente aos autos, na pessoa do mesmo gerente, via mail, com nova petição (fis. 12 e 13):

5. todos os Planos Prestacionais em nome da executada, encontram-se interrompidos por incumprimento (fis. 65);

6. em 2009-09-26, foi elaborado um Auto de Diligências (fis, 51);

7. os gerentes da executada são A........................... e C ...................., tendo o primeiro renunciado a gerência em 2010-12-07 (fis. 52 a 56);

8. em 2011-05-19, foi determinada a preparação do processo para efeitos de reversão contra os responsáveis subsidiários antes indicados (fls. 57 e 58);

9. em 2011-05-19, foram os mesmos notificados para exercerem o direito de audição prévia (fls. 60 e 61), e;

10. em 2011-06-07, foi aquele direito exercido por A........................... (fls. 62 a 64), representado por “A……………… — Sociedade de Advogados", conforme procuração junta aos autos de fls. 27, que alega.

- “...desde 07-12-2010. data em que renunciou à gerência e cedeu a sua quota...” (fls. 62);

- "...até essa data não exerceu as funções de Gerência de facto, o que sempre caberia a Vexas provar, e que não sucede ...” (fls. 63);

10. decorrido o prazo estipulado na notificação referida no ponto 8., verifica-se que não foi exercido aquele direito por C .....................

Em face do antes informado, parece-me que a reversão deve prosseguir contra os responsáveis subsidiários supra referidos, nomeadamente para efeitos do artigo 160º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no entanto V. Exª. melhor decidirá.

Nesta data, faço os presentes autos conclusos.”

(cfr. fls. 51 dos autos).

J) Em 13.06.2011 foi proferido despacho de reversão contra o Oponente, pela Chefe do Serviço de Finanças Torres Vedras, com o seguinte teor:

“Verificando-se face do teor do Termo de Juntada/informação/Conclusão que antecede a fls.66, que aqui dou por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais por uma questão de economia processual e de meios, e dos demais elementos oficiais juntos aos autos:

a)-Que o sócio-gerente A........................... alega na petição entregue neste Serviço de Finanças em 6 do corrente, a fls. 62 e 63, que apesar de constar como gerente da sociedade, a aqui executada, até essa data não exerceu as funções de gerência de facto.

b)-Que o mesmo renunciou à gerência em 2010-12-07 (ponto7 da Juntada/Informação/ Conclusão).

c)-Que as dívidas tributárias em execução nos presentes autos foram constituídas e os respectivos prazos legais de pagamento terminaram todos em datas anteriores à da sua renúncia à gerência.

d)-Que o dito sócio-gerente veio aos presentes autos em 2008-05-30, tendo apresentado requerimento por si assinado, no qual requereu o pagamento da dívida aqui em execução no “máximo de prestações mensais e iguais possíveis”.

e) Que nessa petição invocou a sua qualidade de “Gerente da Empresa I……………, Ld.ª”(fls.4), a aqui executada.

f)-Que as dívidas tributárias em execução nos presentes autos foram todas constituídas e os respectivos prazos legais de pagamento terminaram todos em datas anteriores à da apresentação da petição referida na alínea anterior.

g)-Que não logrou provar nos presentes autos não lhe ser imputável a falta de pagamento das dívidas aqui em execução e cujos prazos legais de pagamento terminaram no período do exercício do seu cargo como gerente, ou seja, antes da data da sua renúncia a esse cargo, tal como é exigido pelo artigo 24.°, n.°1, alínea b) da Lei Geral Tributária (LGT).

h)-Que, tendo sido cumprido o determinado nos artigos 23.° e 60.°, ambos da LGT, não exerceu a responsável subsidiária C .................... o seu direito de audição prévia.

Proceda-se à citação pessoal de ambos os executados por reversão aqui identificados nos termos do artigo 160.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), podendo os mesmos, no prazo de trinta dias a contar da data da citação, proceder ao pagamento da quantia exequenda, com dispensa do pagamento de juros de mora e custas nos termos do artigo 23.°, n.°5 da LGT ou, em alternativa, deduzir oposição, requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento.

Dê-se-lhes ainda conhecimento de que poderão reclamar ou impugnar as dívidas aqui em execução nos termos e prazos previstos nos artigos, respectivamente, 70.°, e 102.°, n.°1, ambos do CPPT.” (cfr. fls. 49 e 50 dos autos).

K) O Oponente foi citado do despacho de reversão em 20.06.2011 (cfr. fls. 52 e 52-verso dos autos).

L) A presente oposição foi apresentada em 05.09.2011 (cfr. fls. 18 dos autos).

M) O Oponente assinava, conjuntamente com C................., a outra sócia – gerente, cheques titulados pela empresa.

N) O Oponente confiava na outra sócia-gerente para a tomada de decisões de pagamentos do dia-a-dia, ficando o mesmo encarregue da área das vendas por todo o país.

O) Quando se tratava de decisões de importância superior, como o caso em que os funcionários da AT apareceram no escritório da sociedade para colocar edital na porta, a sócia-gerente C................. informava o Oponente.

P) A decisão de requerer o pagamento em prestações referido em E) foi da iniciativa exclusiva do Oponente.


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Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.

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A decisão da matéria de facto fundou-se na prova documental junta aos autos e no processo executivo, conforme indicado a propósito de cada alínea do probatório, e ainda nos depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos.

Foi decisivo para os factos dados como provados em M), N), O) e P) o depoimento da outra sócia-gerente da devedora originária, C................., que demonstrou espontaneidade e sinceridade no seu depoimento.»


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B. DO DIREITO

À luz das alegações do recorrente e das suas conclusões, constata-se que a discordância relativamente ao decidido radica no seguinte, a factualidade elencada nas alíneas A) e B) do probatório ainda que possam constituir indícios no sentido do exercício efectivo da por si só, não são suficientes para permitir a conclusão de que o mesmo exerceu a gerência de facto da devedora originária no período em questão.

Assim, a questão a solucionar no presente recurso, tal como já resulta do que supra deixámos expresso, consiste em saber se, a sentença recorrida fez ou não correcto julgamento no que respeita à responsabilidade do Oponente pelas dívidas exequendas, o que passa por saber se está ou não demonstrada a gerência de facto do Oponente no período relevante para a constituição daquela responsabilidade.

Vejamos qual a sorte do recurso apresentado.

As execuções fiscais em causa nos autos têm em vista a cobrança coerciva de dívidas provenientes de IVA, IRS-Retenções e Coimas, dos anos de 2007 e 2008, no montante total de dívida exequenda de 24.326,09€, sendo a devedora originária a sociedade «I……………., Lda».

E porque as normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes das sociedades de responsabilidade limitada e as condições da sua efectivação são as que estiverem em vigor no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade - artigo 12º do CCivil - o regime legal de responsabilidade subsidiária dos gerentes aplicável é o constante no artigo 24º da LGT.

No que à jurisprudência concerne é entendimento pacífico que o regime da responsabilidade subsidiária prevista no artigo 24.º, n.º 1, da LGT, em qualquer das suas duas alíneas, a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência.

A este propósito, entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no seu acórdão de 02.03.2011, proferido no processo n.º 944/10, que a inclusão no artigo 24.º da LGT das expressões «exerçam, ainda que somente de facto, funções» e «período de exercício do seu cargo»: « (…) não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções (…)».

É à Fazenda Pública que compete provar a verificação da gerência enquanto requisito constitutivo do seu direito à reversão da execução. No entanto, provada que esteja a gerência de direito, dela se pode inferir, com base nos dados da experiência comum retirada da observação empírica dos factos, que com ela coincide a gerência de facto, o que dispensa a Fazenda Pública de fazer a prova desta última. Esta presunção, segundo o entendimento maioritário da jurisprudência, é de natureza judicial ou natural, só admissível nos casos em que é admitida prova testemunhal e podendo ser ilidida por qualquer meio de prova (cfr. artigos 351.º e 350.º, n.º 2, a contrario, do Código Civil).

A Jurisprudência dos Tribunais Superiores exclui a presunção legal de gerência/administração de facto nas situações em que se encontra demonstrada a gerência/administração de direito.

Efectivamente, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno) de 28/02/2007, proferido no processo nº 1132/06: «De acordo com o artigo 349º do Código Civil, «as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.»

Há, pois, presunções legais – ilações que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – e presunções judiciais – ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.

O artigo 350º, nº 1 do mesmo diploma, diz-nos que «quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz». É por isso que, quanto à culpa a que se refere o artigo 13º do CPT, a Fazenda, beneficiando da presunção da lei, não carece de demonstrar essa culpa.

Mas idêntica regra não está consagrada relativamente à presunção judicial.

O que é compreensível, desde logo porque, ao contrário da presunção legal, que está plasmada na lei, resultando dela sem necessidade de intermediação, a presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora. Só nessa ocasião e por força do raciocínio do juiz é que o facto desconhecido (não presumido legalmente, nem provado por qualquer meio probatório) passa a ser, também, conhecido, inferido pelo julgador a partir do conjunto factual que a prova revelou.

Por isso, se faz sentido o regime contido no artigo 350º, nº 2 do Código Civil, quando estabelece as condições em que podem ser ilididas as presunções legais, o mesmo regime nenhum sentido faria se aplicado às presunções judiciais. Quanto a estas, não se trata de as ilidir, produzindo contraprova ou prova em contrário, porque não há nenhum facto que, estando, em princípio, provado por força da lei, possa deixar de se dar por provado por obra dessa prova em contrário ou contraprova.

Pela mesma razão se não pode afirmar, como se faz no acórdão recorrido, que a Fazenda Pública beneficia da presunção judicial de gerência de facto e não tem que fazer prova desta para poder reverter a execução fiscal contra o gerente de direito( disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

A chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efectivo exercício das funções que lhe são inerente e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros ( Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139, citado, entre outos, nos acórdãos do TCAN de 18.11.2010 e 20.12.2011, Processos 00286/07 e 00639/04, respectivamente)

Aqui chegados, passamos a analisar a situação concreta trazida a juízo.

Da factualidade assente resulta demonstrado que: - Em 05.06.2008 o Oponente assinou e apresentou, na qualidade de Representante Legal da sociedade devedora originária em requerimento dirigido ao Serviço de Finanças de Torres Vedras [cfr. alínea F) do probatório];- O Oponente assinava, conjuntamente com C................., a outra sócia – gerente, cheques titulados pela empresa. [cfr. alínea M ) do probatório]; - A decisão de requerer o pagamento em prestações referido em E) foi da iniciativa exclusiva do Oponente [cfr. alínea P ) do probatório]; -O Oponente confiava na outra sócia-gerente para a tomada de decisões de pagamentos do dia-a-dia, ficando o mesmo encarregue da área das vendas por todo o país [cfr. alínea N) do probatório]; -Quando se tratava de decisões de importância superior, como o caso em que os funcionários da AT apareceram no escritório da sociedade para colocar edital na porta, a sócia-gerente C................. informava o Oponente [cfr. alínea O) do probatório].

Perante tal quadro fáctico, também entendemos, tal como na sentença recorrida, que os actos descritos praticados pelo Oponente em representação da devedora originária e no interesse desta, consubstanciam claramente operações destinadas a assegurar o giro comercial da sociedade (pagamentos a fornecedores e funcionários) e a atividade normal da mesma.

Efectivamente, o Oponente, ao assinar cheques da sociedade, bem como os requerimentos que dirigiu à Administração Tributaria, estava a exteriorizar a vontade da sociedade, vinculando-a, estava a representá-la perante terceiros. Mesmo que fossem estes os únicos factos praticados pelo Oponente enquanto gerente da sociedade, eles revelam o exercício, ainda que restrito, da gerência, como decorre do artigo 260.º, n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais.

Como se disse no acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 20 de Junho de 2000, proferido no processo com o n.º 3468/00: «Não explicitando a lei no que consiste a gerência, vem a doutrina e a jurisprudência referindo que, como tal, se deve considerar aquela em que os gerentes praticam actos de disposição ou de administração, de acordo com o objecto social da sociedade, em nome e representação desta, vinculando-a perante terceiros, atentos os contornos normativos que dela é feita nos artºs 252º, 259º, 260º e 261º do Cód. Sociedade. Com. – (cfr., entre outros, os Acs. Do STA de 4-2-81, in AD 236º; de 3-10-85, in AD 237º e Acs. T.T. 2ª Instância de 12-11-91, in CTF 365º, pág. 259 e de 24-5-94, in CTF 376º, pág. 257).

São os gerentes de facto quem exterioriza a vontade das sociedades nos seus negócios jurídicos, são eles quem manifesta a capacidade de exercício de direitos da sociedade, praticando actos que produzem efeitos na esfera jurídica desta e não na sua própria. São os gerentes que vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade, conforme estipula o art. 206º nº 4 do C.S.C. (sobre o assunto, vejam-se, entre outros, Manuel de Andrade, in Teoria Geral da relação Jurídica, vol. I, pág. 115, e Alfredo Sousa e José silva Paixão, in C.P.T. Anotado, 2.ª ed, pág. 50).

E tal como vem sendo jurisprudencialmente entendido, a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem actos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto.

O legislador limita-se, na instituição da obrigação de responsabilidade, a relevar apenas o cargo de gerente, sem entrar em linha de conta se este abarca a totalidade da capacidade jurídica da sociedade ou apenas certa parcela, estando quanto a esse aspecto arredada qualquer restrição da obrigação de responsabilidade».

Acresce, ainda, que a sociedade devedora originária nem se podia vincular validamente, sem a assinatura do Oponente [cfr. alínea A) do probatório] - gerência plural conjunta -. Deste modo, a sociedade não poderia, em princípio, funcionar legalmente, de facto ou de direito, sem a participação do Oponente ou da outra sócia -gerente. E, se pôde, cabia ao Oponente explicar como, o que não logrou fazer.

Ademais, não se encontra no processo um único elemento que permita inferir que o Oponente ao assinar os cheques não estava de forma consciente a contribuir para os destinos da sociedade, vinculando-a e delimitando a intervenção empresarial. Ao cabo e ao resto, a prova produzida veio contrariar o que sustenta o Oponente, porquanto a testemunha C .................... não deixou de afirmar: «Deu-me carta-branca para fazeres aquilo que tiveres que fazer e os pagamentos que tiveres de fazer, a única situação que ele me perguntava muitas das vezes era se estava tudo em dia – e eu dizia-lhe que sim.».

De tudo o que vem de se dizer resulta que a Fazenda Pública logrou provar que, para além de deter a qualidade de gerente de direito da executada originária, o Oponente também exercia de facto a gerência, praticando os actos próprios e típicos inerentes a esse exercício nos anos aqui em causa e, como tal, poderá ter lugar a respectiva responsabilização a título subsidiário pelo pagamento das dívidas exequendas ao abrigo do disposto no artigo 24.º, n.º 1 da LGT e, nessa medida, é de concluir pela legitimidade do mesma para a execução.

É de negar, por conseguinte, provimento ao presente recurso, sendo de manter a sentença recorrida.

IV.CONCLUSÕES

I. A responsabilização subsidiária ao abrigo do artigo 24º, nº 1 da LGT exige a prova da gerência efectiva ou de facto, o efectivo exercício de funções de gerência, não se bastando com a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.

II. Competindo a gerência de uma sociedade por quotas a dois gerentes, (gerência plural conjunta) e tendo ficado provado que o Oponente agiu em representação da executada originária, e sem que tenha demonstrado que aquela exercia ou podia exercer a sua actividade sem a sua participação, é de concluir, à luz das mais elementares regras de vivência comum, que a Fazenda Pública demonstrou suficientemente o exercício da gerência de facto pelo Oponente.

V.DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes que integram a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do Recorrente.


Lisboa, 9 de Julho de 2020

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]