Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:331/20.3BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNAS,
CONTRATO DE MÚTUO.
Sumário:Não constitui “acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000” subsumível à alínea f), do n.º 1, do art. 87.º da LGT, os montantes que comprovadamente tenham sido mutuados por terceiros.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente o Recurso deduzido por L..... e S....., contra a decisão de avaliação da matéria tributável por métodos indiretos, do Diretor de Finanças de Leiria, que determinou em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares [IRS], a fixação do rendimento tributável corrigido dos Recorrentes, relativamente ao ano de 2015.

A Recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
«A) De acordo com o artigo 89.°, n.° 5 alínea, b), da LGT, Os acréscimos de património consideram-se verificados no período em que se manifeste a titularidade dos bens ou direitos e a despesa quando efetuada; “
B) Ou seja, a tributação ocorre independentemente do momento em que foram auferidos os rendimentos, mas sim quando o incremento é manifestado.
C) No caso concreto, e até 2015, durante o período do empréstimo realizado entre o Recorrido e a sociedade H....., S.A. inexistia qualquer acrescimento de património na esfera do sujeito passivo, na medida em que pendia a obrigação contratual de devolver as quantias mutuadas.
D) Assim só após esse período, e tendo em conta que o mutuário não reclamou o pagamento, seja judicial ou extrajudicialmente e inexistindo qualquer elemento probatório, que fizesse crer que o empréstimo seria restituído, é no momento (fim do empréstimo) que se verifica o acrescimento patrimonial e a consequente manifestação da capacidade contributiva, porquanto durante o prazo de restituição do empréstimo, ainda pendiam os termos do contrato, não sendo possível subsumir a não intenção de o não cumprir.
E) Errou a douta decisão ao concluir que o acréscimo ocorreu com as prestações suplementares anos de 2013 e 2014 e não com o fim do período contratual de devolução das quantias em questão, em 2015.
F) Por fim e com surpresa conclui a douta decisão em contradição com os fundamentos, cujo relatório inspetivo e respetivo conteúdo é dado como provado, que a posição jurídico-patrimonial do Recorrente no ano de 2015 não sofreu alteração em virtude de se ter verificado o cômputo do prazo de 2 anos estabelecido no contrato de mútuo.
G) Ora, com a devida vénia e respeito pelo douto Tribunal '' a quo “ não é verdade que a posição se mantenha igual no ano de 2015.
H) É que a não cobrança do lado do credor, e o não pagamento da dívida do lado do devedor, gera um ganho/incremento patrimonial.
I) Qualquer SP que deixe de pagar, ou nunca tenha pago um crédito (obviamente que os pagamentos simbólicos na pendencia da ação inspetiva são irrelevantes) e não exista qualquer tentativa seja do lado do credor em cobrar ou do devedor em pagar, com o período final em que deveria ter ocorrido o pagamento, suscita no mínimo dúvidas acerca dos contornos dos negócios jurídicos e dos fluxos realizados, assim como das reais motivações dos negócios.
J) Tendo em conta o doutamente decidido, que dá cobertura ao supra exposto, estaria aberto o precedente para se “retirar” montantes de empresas, livres de impostos, bastando para o efeito contratualizar um mútuo, e quem sabe um dia, mesmo após o incumprimento, este venha a ser pago, quiçá numa outra vida...e até lá o devedor vai “gozando” na vida terrena, um acréscimo patrimonial livre de qualquer tributação.
K) Vejamos que o instituto das Manifestações de Fortuna é uma ferramenta essencial no combate à fraude e evasão fiscal, pelo que o segmento decisório, no que concerne ao momento em que ocorreu o incremento patrimonial, coloca em causa a capacidade contributiva com correspondência constitucional no artigo 13.°, n.° 1 e artigo 103.°, n.° 1, da CRP, por outro lado, a admissibilidade de legal de um documento particular a tutelar um empréstimo sem qualquer racionalidade económica e sem o preenchimento dos requisitos legais constantes do artigo 1143.° do Código Civil, que dispõe expressamente " Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a (euro) 25 000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a (euro) 2500 se o for por documento assinado pelo mutuário. (negrito e sublinhado nosso), e que vem dar cobertura a um acervo de transferências bancárias que não foram sujeitas a qualquer tributação, põe em causa, as receitas financeiras do Estado com correspondência no artigo 103.°, n.° 1 da CRP e a consequente justa repartição dos encargos públicos.
L) Por fim, caberia o ónus da prova ao Recorrido, nos termos do artigo 89.-A, n.° 3 da LGT, o que não ocorreu, seja no âmbito do procedimento inspectivo ou nos presentes autos.
Pelo que, face ao supra exposto, nestes termos e nos demais de direito que doutamente serão supridos se requerer a anulação da decisão proferida pelo tribunal,” a quo " como é de DIREITO E JUSTIÇA.»

Os recorridos, devidamente notificados para o efeito, apresentaram as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:
«A. No presente caso a AT pretende tributar um mútuo que não foi reembolsado na data acordada, com claro abuso (de direito) do instituto da manifestação de fortuna, tendo qualificado tal situação como acréscimo patrimonial na esfera jurídica do contribuinte.
B. A considerar-se a tributação aqui em apreciação seria permitir ao Estado o exercício voraz e insaciável enquanto cobrador de "impostos” que pudessem incidir sobre empréstimos financeiros que o(s) contribuinte(s) ou os seus herdeiros sempre teriam um dia de os devolver durante a sua vida terrena.
C. Estabelece a alínea f) do n.° 1 do art.° 87.° da LGT que a avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.
D. Verificadas as situações previstas na alínea f) do n.° 1 do artigo 87.°, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada (cfm n.° 3 do art.° 89.°-A da LGT).
E. Ora, a sentença aqui sob recurso deu como provado que o acréscimo patrimonial no valor de € 382.250,00 teve ORIGEM num contrato de mútuo celebrado entre a sociedade, H..... - Equipamentos de Processo SA, e o recorrido, L....., no dia 15-01-2013,
F. Através da mobilização de 10 quantias em cheques/transferência no período de 15-01-2013 e 20-08-2014.
G. Assim sendo, fica prejudicado o interesse da AT em ver apreciada a questão de saber se o acréscimo patrimonial de verificou na esfera jurídica do recorrido, L....., nos exercícios de 2013 e 2014 ou no exercício de 2015.
H. Acresce ainda que, não pode a AT retirar consequências jurídicas de decisões de gestão tomada no âmbito da liberdade contratual decorrente do princípio da autonomia privada, quer quanto ao atraso do reembolso das quantias mutuadas (n.° 2 do art.° 804.° do Código Civil), quer quanto às diligências que a H....., SA, deveria ter tomado, no seguimento da mora do devedor, na ótica da AT.
I. Aliás, seria um absurdo considerar como causa de acréscimo patrimonial do mutuário a inércia da entidade mutuante porque cabe apenas ao credor no quadro das suas opções de gestão decidir o melhor momento para encetar as diligências de cobrança.
J. Ademais, a entidade credora nunca desistiu de receber a quantia mutuada, uma vez que, manteve sempre reconhecido o crédito na sua contabilidade numa conta SNC de Outros Devedores e Credores - Conta 2……. - L......
K. Por outro lado, decorre de todos os elementos que constam no processo administrativo que o crédito nunca foi considerado “irrecuperável” pelos auditores responsáveis pela certificação legal das contas da H....., SA.
L. Do exposto, resulta que o douto Tribunal “a quo” fez uma exata apreciação dos factos e correta aplicação do direito, máxime das normas legais aplicáveis, não se verificando qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, razão pela qual a douta sentença não merece censura.
Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve a decisão do tribunal “a quo” ser mantida.
Como sempre, farão Vossas Excelências, serena e objetiva JUSTIÇA.»
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O Magistrado do Ministério Público ofereceu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos autos, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao concluir que o acréscimo patrimonial ocorreu com as prestações suplementares de 2013 e 2014, o que alegadamente coloca em causa a capacidade contributivae viola o disposto no art. 13.º, n.º 1, e art. 103.º, n.º 1 da CRP. Por outro lado, invoca-se a admissibilidade de um documento particular viola o disposto no artigo 1143.º do CC, e que caberia ao Recorrido o ónus da prova nos termos do art. 89.º-A, n.º 3, da LGT.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

“1. Os Recorrentes foram sujeitos a um procedimento de inspeção, pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria, no âmbito do qual foi sancionado em 09.03.2020 o relatório de inspeção tributária que apresenta o seguinte teor:




“(texto integral no original; imagem)”


“(texto integral no original; imagem)”




“(texto integral no original; imagem)”



“(texto integral no original; imagem)”


2. Em 11.03.2020, foi proferido despacho pelo Director de Finanças de Leiria, na sequência de parecer com a mesma data e do relatório final de inspecção tributária, que determinou a fixação do rendimento do ano de 2015, no montante de € 421.798,10, correspondente ao somatório do rendimento coletável declarado de € 39.548,10 e do rendimento da categoria G corrigido de € 382.250,00, por aplicação das regras previstas na alínea f) do n.° 1 do artigo 87.° e alínea a) do n.° 5 do artigo 89.°-A da LGT, sujeito a tributação autónoma nos termos do artigo 72.° do CIRS.


3. A decisão de fixação dos rendimentos nos termos referidos no ponto 2. foi comunicada aos Recorrentes através do ofício datado de 11.03.2020.


4. Em 24.03.2020 foi registada a entrada a petição inicial do presente recurso, no Tribunal.



Mais se provou que,


5. Em 15.01.2013, entre a sociedade H..... - Equipamentos de Processo SA e L……., foi celebrado por escrito particular um contrato de mútuo que integra o seguinte teor:




6. Em 15.01.2013 a sociedade H..... - Equipamentos de Processo SA emitiu à ordem de L..... o cheque n.° 374….., sobre o M….., no valor de 19.050,00.

[cfr. cópia cheque, anexo 4 RIT junto à PI - documento 51….. SITAF e integrado no PA documento 51…… SITAF]

7. Em 15.01.2013 a sociedade H..... - Equipamentos de Processo SA emitiu à ordem de L..... o cheque n.° 5….., sobre o Banco…….., no valor de 19.050,00.

[cfr. cópia cheque, anexo 4 RIT junto à PI - documento 51…… SITAF e integrado no PA documento 517….. SITAF]

8. Em 15.01.2013 a sociedade H..... - Equipamentos de Processo SA emitiu à ordem de L..... o cheque n.° 37……, sobre o M……, no valor de 19.050,00.

[cfr. cópia cheque, anexo 4 RIT junto à PI - documento 51…… SITAF e integrado no PA documento 51….. SITAF]

9. Em 15.01.2013 a sociedade H..... - Equipamentos de Processo SA emitiu à ordem de L..... o cheque n.° 48….., sobre a Caixa ….. de Leiria, no valor de 19.050,00.

[cfr. cópia cheque, anexo 4 RIT junto à PI - documento 5166053 SITAF e integrado no PA documento 5171397 SITAF]

10. Em 15.01.2013 a sociedade H..... - Equipamentos de Processo SA emitiu à ordem de L..... o cheque n.° 84….., sobre a Caixa ……., no valor de 19.050.00.

[cfr. cópia cheque, anexo 4 RIT junto à PI - documento 51…. SITAF e integrado no PA documento 51….. SITAF]

11. Em 29.04.2013 a sociedade H..... - Equipamentos de Processo SA emitiu à ordem de L..... o cheque n.° 605…., sobre a Caixa ……., no valor de 15.000. 00.
[cfr. cópia cheque, anexo 4 RIT junto à PI - documento 51…. SITAF e integrado no PA documento 5171397 SITAF] 

12. Em 09.11.2013 a sociedade H..... - Equipamentos de Processo SA emitiu à ordem de L..... o cheque n.° 7864……, sobre a Caixa …… no valor de 100.000,00.

[cfr. cópia cheque, anexo 4 RIT junto à PI - documento 516….. SITAF e integrado no PA documento 51……. SITAF]

13. Em 20.08.2014 a sociedade H..... - Equipamentos de Processo SA emitiu à ordem de L..... o cheque n.° 11….., sobre a Caixa Económica….., no valor de 60.000,00.

[cfr. cópia cheque, anexo 4 RIT junto à PI - documento 516….. SITAF e integrado no PA documento 517….. SITAF]

14. Em 20.08.2014 a sociedade H..... - Equipamentos de Processo SA emitiu à ordem de L..... o cheque n.° 7449….., sobre o M……, no valor de 72.000,00.

[cfr. cópia cheque, anexo 4 RIT junto à PI - documento 516….. SITAF e integrado no PA documento 51….. SITAF]

15. Em 28.11.2013 a sociedade H..... - Equipamentos de Processo SA efetuou a transferência da conta n.° 039….. da Caixa……, para a conta PT500019…….., de L....., no valor de 40.000,00.

[cfr. cópia doc., anexo 4 RIT junto à PI - documento 516….. SITAF e integrado no PA documento 517…… SITAF]

16. O extrato da conta SNC "27825-L....." da sociedade H..... - Equipamentos de Processo SA de 31.12.2013 a 21.02.2019, revela o registo dos seguintes movimentos e saldos:

“(texto integral no original; imagem)”

[cfr. RIT e anexo 2 RIT- junto à PI - documento 516….. SITAF e integrado no PA documento 51…... SITAF]

17. Na sequência da comunicação do projeto de relatório de inspeção tributária no âmbito do procedimento de inspeção a que se refere o ponto 1 supra a L....., em 24.02.2020, foi pelo mesmo apresentada exposição escrita em este refere discordar da interpretação efetuada pela AT, perante o atraso no reembolso do mútuo, no sentido da existência de apropriação ou integração no seu património do valor mutuado, e afirma que a operação em causa correspondeu a um verdadeiro e real empréstimo, na medida em que:

“(texto integral no original; imagem)”


[cfr. RIT junto à PI - documento 51…… SITAF e integrado no PA documento 5171397 SITAF]

18. Em 28.02.2020, no procedimento de inspeção a que se refere o ponto 1 supra, foi apresentada uma segunda exposição escrita em que L..... dá nota de circunstâncias impeditivas da sujeição até àquela data a termo de autenticação do acordo de regularização escrito, juntando-o, assim como a outros documentos, e informa ter sido efetuada uma amortização do capital no montante de € 47.625,00, e dos juros de € 8.474,64, em 27.02.2020.

[cfr. RIT junto à PI - documento 516…. SITAF e integrado no PA documento 51….. SITAF]

19. Com a exposição a que se refere o ponto antecedente, foram juntos documentos comprovativos de terem sido efetuados movimentos a crédito, por depósito em 27.02.2020, na conta PT0035….. da sociedade H..... Equipamentos Processo SA, nos valores de € 47.625,00 e de € 8.474,64.

[cfr. RIT junto à PI - documento 51….. SITAF e integrado no PA documento 517….. SITAF]

20. Com a exposição a que se refere o ponto 18 antecedente foi junto um documento intitulado "CONFISSÃO DE DÍVIDA E ACORDO DE PAGAMENTO", datado de 28.02.2020, que apresenta o seguinte teor: "(...)

“(texto integral no original; imagem)”


[cfr. RIT junto à PI - documento 51….. SITAF e integrado no PA documento 51…. SITAF]



21. O extrato da conta SNC "27825-L....." da sociedade H..... - Equipamentos de Processo SA de 31.12.2013 a 27.02.2020, junto com a exposição escrita a que se refere o ponto 18 antecedente revela o registo dos seguintes movimentos e saldos:

“(texto integral no original; imagem)”


[cfr. RIT junto à PI - documento 51…… SITAF e integrado no PA documento 51…… SITAF]

22. Em 05.03.2020, no procedimento de inspeção a que se refere o ponto 1 supra, foi apresentada uma terceira exposição escrita, em que L..... dá nota de que, atenta a ausência do Presidente do Conselho de Administração da sociedade H..... - Equipamentos de Processo SA, signatário do documento escrito datado de 28.02.2020, o termo de autenticação protestado juntar veio a ser formalizado pela intervenção dos vogais do Conselho de Administração H..... e V……., conforme termo de autenticação notarial lavrado em 05.03.2020, do documento de confissão de dívida e acordo de pagamento, entre L.....e H..... - Equipamentos de Processo, SA, que juntou.

[cfr. RIT junto à PI - documento 51….. SITAF e integrado no PA documento 5….. SITAF]

23. O termo de autenticação a que se refere o ponto 22 antecedente foi lavrado por notário, na data 05.03.2020, e respeita a documento de confissão de dívida e acordo de pagamento, entre L.....e a sociedade H..... - Equipamentos de Processo, SA, que apresenta o teor acolhido a fls. 60 a 65 do relatório de inspeção tributária que aqui se considera acolhido.

[cfr. RIT junto à PI - documento 51….. SITAF e integrado no PA documento 517……. SITAF]
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Com relevo, não se apuraram outros factos que cumpra assentar como provados ou como não provados.
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Motivação da decisão de facto

A prova documental produzida nos autos resulta dos documentos juntos pelos Recorrentes com a petição inicial [PI] e daqueles que integram o processo instrutor [processo administrativo - PA], junto pela Entidade Recorrida, os quais não foram impugnados.
Os meios probatórios que, no cômputo da prova produzida, apresentaram relevo decisivo na formação da convicção quanto a cada um dos factos assentes encontram-se expressamente indicados junto de cada um dos pontos dos factos assentes.
No que respeita ao ponto 1 dos factos assentes, cumpre salientar que o relatório de inspeção tributária integra um documento autêntico [cfr. artigo 371.°, n.° 1 do Código Civil], uma vez que é exarado por funcionário da Administração Tributária e Aduaneira, no âmbito e exercício das respetivas funções, o qual tem força probatória plena relativamente aos factos afirmados como sendo praticados ou com base na perceção dos seus órgãos e que apenas pode ser ilidida nos termos da lei. Não obstante, os juízos conclusivos aí considerados só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do Tribunal, segundo a sua prudente convicção, atenta a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova e à luz das regras da experiência comum [cfr. artigo 76.°, n.° 1 da LGT e artigos 363.° e ss. do Código Civil e 607.°, n.° 5 do Código do Processo Civil].
O dito na primeira parte do parágrafo antecedente vale também quanto ao termo de autenticação a que se refere o ponto 23 dos factos assentes, a respeito dos factos de que naquela data as partes ali identificadas, representadas pelas pessoas também identificadas, declararam que o documento anexo que é uma confissão de dívida e acordo de pagamento foi pelos mesmos lido e assinado, exprimindo as suas vontades. Ficando o teor das menções no mesmo documento especificadas sujeito à livre apreciação do Tribunal.
Assim, a convicção do Tribunal relativamente aos demais factos provados formou-se com base na livre apreciação da prova, ante a análise crítica e conjugada de toda a prova documental [cfr. artigos 362.° e seguintes do Código Civil e 607.° n.° 5 do Código de Processo Civil].

A respeito dos documentos particulares, como resulta do acima dito, a sua força probatória circunscreve-se às declarações de ciência ou de vontade que deles constam, não fazendo prova plena dos factos neles narrados. E, com base na sua livre apreciação, à luz das regras de experiência, numa análise critica e conjugada do que resulta do conspecto de toda a prova produzida, alicerçaram especificamente os factos assentes nos pontos 5 a 22, os documentos junto a cada um destes pontos concretamente identificados - cópia/excerto de contrato escrito datado de 15.01.2013, oito cheques, cópia de cópia de um cheque, documento comprovativo de transferência, extratos de movimentos e saldos relativos à conta "27825- L....." da sociedade H..... - Equipamentos de Processo SA, de 31.12.2013 a 27.02.2020, documentos comprovativos de depósitos em conta bancária da H....., termo de declarações, e- mail e documento de confissão de dívida e acordo de pagamento, os quais se encontram integrados em anexo ao RIT ou foram acolhidos por excerto do seu teor no próprio RIT.»

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Conforme resulta dos autos, com base na matéria de facto supra transcrita a Meritíssima Juíza do TAF Leiria julgou procedente a recurso, com a seguinte fundamentação que aqui se transcreve na parte com relevo para a decisão do presente recurso jurisdicional:

“Os Recorrentes pedem que o ato de fixação do rendimento tributável relativo ao ano de 2015, por aplicação das regras previstas na alínea f) do n.° 1 do artigo 87.° e na alínea a) do n.° 5 do artigo 89.°-A da LGT, no montante de € 382.250,00, seja anulado, por falta de verificação dos pressupostos para aplicação do método indireto, ante a inexistência de um acréscimo não tributado no seu património, face à ausência de norma fiscal para tributar empréstimos em mora e a inexistência de facto tributário, dado que o Recorrente nunca se apropriou do montante mutuado.
(…)
Vejamos, em termos de enquadramento jurídico da questão a resolver, cumpre considerar que a avaliação indireta da matéria tributável é subsidiária da avaliação direta, conforme o artigo 81.°, n.° 1, da LGT, só podendo ser efectuada nos casos previstos na lei, mais concretamente no artigo 87.° n.° 1 da mesma Lei.
No que por ora releva, a alínea f) do artigo 87.° da LGT estabelece que a avaliação indirecta só pode efectuar-se no caso de: "Acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100.000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados".
Por sua vez, o artigo 89.°-A, n.° 5 da LGT, estatui que "Para efeitos da alínea f) do artigo 87.°, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.°, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciados e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação" e o n.° 11 do mesmo preceito determina que "a avaliação indirecta no caso da alínea f) do n.° 1 do artigo 87.° deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias podendo no seu decurso o contribuinte regularizar a situação tributária, identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respectivos períodos".
Verificados os pressupostos legais de aplicação dos métodos indiretos, por força do disposto no artigo 89.°-A, n.° 3, da LGT, cessa a presunção de veracidade e de boa fé das declarações do contribuinte [artigo 75.°, n.°s 1 e 2, alínea d), da LGT], e, invertendo-se o ónus da prova, passa a recair sobre o sujeito passivo, o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e de que é outra - diversa de rendimentos ocultados sujeitos a tributação em sede de IRS - a fonte dos meios financeiros aplicados no facto qualificado como manifestação de fortuna [artigo 89.°-A, n.° 3, da LGT].
Não logrando o sujeito passivo essa comprovação a Administração Tributária, fica autorizada a proceder à avaliação indireta do rendimento tributável, nos termos da referida alínea f) do artigo 87.° e, nessa situação, a Administração Tributária pode, nos termos do n.° 5 do artigo 89.°-A, fixar o rendimento tributável em sede de IRS em montante igual ao da diferença entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciados, ou em montante superior, se existirem indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.° que lho permitam, a enquadrar na categoria G do IRS.
Em suma, temos que, os artigos 87.°, alínea f), e 89.°-A, n.° 5, integram uma das possibilidades de avaliação da matéria tributável por método indireto, que apresenta as seguintes características: - face a um acréscimo patrimonial ou a uma manifestação de consumo que divirja em, pelo menos, um terço do rendimento declarado no ano, cessa a presunção de veracidade da declaração e inicia-se o procedimento de fixação da matéria tributável; - depois, a menos que o contribuinte demonstre que os valores que possibilitaram o acréscimo patrimonial ou o consumo evidenciados não constituem rendimentos sujeitos a declaração para efeitos de IRS, ou seja, designadamente, que tiveram origem em capital próprio, recurso ao crédito, herança ou doação, rendimentos sujeitos a tributação autónoma, etc., a AT fica autorizada a fixar, de forma indireta, o rendimento tributável em sede de IRS, categoria G [cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.11.2012, proferido no processo n.° 01197/12 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15.11.2018, proferido no processo 1957/17.8BELRS, disponíveis em www.dgsi.pt]
Sendo que, embora só a justificação total do montante que permitiu a verificação da "manifestação de fortuna", tenha a virtualidade de afastar a aplicabilidade da determinação indireta dos rendimentos que a permitiram, já assim não é, contudo, no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como "incremento patrimonial" em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do "acréscimo patrimonial não justificado" sujeito a imposto [cfr. acórdão do Pleno do STA de 05.07.2012, pr. 358/12, de 11.07.2012, pr. 668/12, de 07.11.2012, pr. 1088/12 e do TCAS de 07.05.2013, pr. 6579/13 e de 26.06.2014, pr. 7727/14 e, na doutrina, João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável, Almedina, 2010, página 301 e seguintes].
Sobre o ónus da prova, salienta-se aqui o referido no Acórdão do Tribunal Constitucional de 15.10.2014, proferido no processo n.° 1265/13 [disponível em www.tribunalconstitucional.pt], por citação da sua fundamentação, nos seguintes termos: "(...) a lei continua a atribuir à Administração Tributária o ónus da prova dos factos indiciários que constituem pressuposto da avaliação indireta, podendo o sujeito passivo efetuar a prova de que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que os acréscimos patrimoniais proveem de fonte que não está sujeita a declaração para efeitos de IRS (cfr. artigo 89.°-A, n.° 3, da LGT). Em todo o caso, o rendimento tributável apurado, ainda que resulte de diferentes métodos de determinação da matéria coletável consoante se trate das manifestações de fortuna a que se refere a alínea d) do artigo 87.° da LGT ou de outros acréscimos patrimoniais não justificados a que alude a alínea f) do mesmo artigo, assenta numa presunção ilidível por prova em contrário, em consonância com o princípio regra que resulta do artigo 73.° da LGT".
Retomando a situação concreta sob apreciação, cumpre apreciar e decidir, com base nos factos assentes e enquadramento jurídico supra se é ilegal a decisão da AT, nos termos em que foi concretizada no ponto 2 dos factos assentes, com base no parecer e na fundamentação integrada no RIT, cujo teor foi acolhido no ponto 1 dos factos assentes, ante a alegação dos Recorrentes de (i) falta de verificação dos pressupostos para aplicação do método indireto, face à inexistência de acréscimo não tributado no seu património, dado não haver norma fiscal para tributar empréstimos em mora e inexistir facto tributário, porque nunca se apropriou do montante mutuado e se verificar contradição entre a fundamentação constante do RIT e a decisão que assim considerou.
Conforme os factos assentes, a inspeção aos Recorrentes teve origem em informação obtida por ação inspetiva a sociedade de que o Recorrente é sócio-gerente e contabilista certificado - a "O…… LDA" - NIPC 510……. - sendo que, no âmbito de diligências junto de fornecedora de unidade produtiva àO....., a sociedade H..... - Equipamentos de Processo SA, a AT tomou conhecimento "através da contabilidade desta, da existência de uma dívida em nome do sócio- gerente da O……, Sr. L....., registada na conta SNC 27….. - L....., no valor de 382.250,00 €" [ponto 1 dos factos assentes - RIT - II.1, IV.1., IV.2].
E, solicitados pela AT à sociedade H..... os elementos documentais de suporte ao referido registo contabilístico, foi-lhe fornecida cópia de um contrato escrito de mútuo, datado de 15.01.2013, entre L..... e aquela sociedade, até ao valor máximo de 400.000,00, por entregas parciais a efetuar a pedido de L....., pelo prazo de 2 anos a contar da entrega dos primeiros valores mutuados, prorrogável mediante acordo entre os outorgantes, sujeito a taxa de juro de 2,5% ao ano [ponto 1 dos factos assentes - RIT -IV.2, quadro V e ponto 5 dos factos assentes].
Tendo sido fornecida à AT a cópia de nove cheques e de uma transferência bancária, a favor de L....., ora Recorrente, pela sociedade H....., com datas entre 15.01.2013 e 20.08.2014, perfazendo o total de € 382.250,00 [cfr. ponto 1 dos factos assentes - RIT - IV.2, quadro V, IV.3 pontos 6 a 15 dos factos assentes].
Solicitados, por sua vez, esclarecimentos a L....., no sentido de informar sobre os movimentos financeiros que deram origem às prestações suplementares constantes do balancete da sociedadeO....., Lda., em seu nome, este informou que corresponderam a valores que lhe foram emprestados pela sociedade H....., depositados na sua conta de depósitos à ordem, no total de € 382.250,00, e, posteriormente transferidos ou depositados, no total de € 382.250.00, na conta da sociedadeO......
Assim, a AT verificou que a origem dos movimentos e saldos patenteados na conta SNC da sociedade O..... "27825 - L.....", no valor de € 382.250,00, entre 31.12.2013 e 21.12.2014, foram: transferências de meios financeiros da sociedade H..... para o Recorrente, nos anos de 2013 e 2014 [evidenciadas por 9 cheques e um documento de transferência bancária], no montante de € 382.250,00, com base num contrato de mútuo, até ao valor máximo de € 400.0. 00, celebrado por escrito particular entre a H..... e o Recorrente, em 15.01.2013, com prazo de 2 anos a contar da entrega dos primeiros valores mutuados, prorrogável mediante acordo entre os outorgantes [evidenciado pelo documento que integra o escrito particular correspondente ao mesmo contrato, ponto 1 dos factos assentes, RIT, IV.2, IV.3, IV.4 e ponto 16 dos factos assentes].
E, coligidas as informações obtidas, na sequência de terem sido pedidos esclarecimentos adicionais à sociedade H..... e a L....., a respeito do contrato de mútuo supra referido [ponto 1 dos factos assentes, RIT, IV.4 e IV.5], a AT veio a concluir nos seguintes termos:
"Face a todos os contornos, envolvência e circunstâncias descritas em que foi realizado o mútuo, também é nossa convicção, tal como a expressa pelos Revisores de Contas na CLC de 2018, o mútuo em análise é, ou seria, desde o início, irrecuperável.
É por de mais evidente que este contrato teve ligações estreitas com o fornecimento da unidade de produção de pellets efetuado pela a H....., SA àO....., da qual o SP L....., é Sócio-gerente e onde acumula as funções de Contabilista Certificado, celebrado pelo valor de 2.304.300,00 € (valor sem IVA), desde logo sem que tenha existido consulta ao mercado na busca de outros fornecedores e propostas.
Como também já anteriormente referido, este investimento foi objeto de candidatura por parte daO..... à concessão de incentivos financeiros, no âmbito do sistema de incentivos à inovação, e que opera pela aplicação de uma taxa proporcional ao total do investimento ilegível, pelo que quanto maior for o investimento, maior serão os benefícios recebidos.
Por outro lado, este mesmo investimento também é abrangido por benefícios fiscais, os quais aO..... reclamou em devido tempo, nomeadamente o RFAI, e que operam igualmente por aplicação de uma taxa proporcional ao total do investimento elegível.
Ou seja, ressaltam aqui interesses cruzados entre a H....., SA, enquanto fornecedora dos bens, e cujo preço dos bens fornecidos não terá sido objeto de comparabilidade com outros potenciais fornecedores, e o SP L....., que obteve um "alegado mútuo", que usou para realizar prestacões suplementares naO..... e assim ficaram sua propriedade, que apesar de estar estabelecida a sua devolução no máximo para 15-01-2015, ainda hoje, passados cinco (5) anos, se encontra por realizar.
Verificou-se assim na esfera individual do SP L..... um enriquecimento concretizado pelo acréscimo patrimonial em 2015 (data do fim do prazo para a restituição do empréstimo), que permitiu a concretização das prestações suplementares, ficando assim com direito à sua restituição.
É neste contexto que concluímos estar na presença de factos concretamente identificados através dos quais está patente um acréscimo patrimonial não justificado pelo que perante a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável em IRS em 2015 (ano em que se venceu o mútuo e não foi devolvido ao mutuante), tivemos necessidade de recorrer à avaliação indireta.
Um acréscimo patrimonial de valor superior a 100.000,00 €, verificado simultaneamente com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados, constitui motivo para a realização de avaliação indireta do rendimento coletável, de acordo com o artigo 87°, n° 1, al. f) da Lei Geral Tributária, infratranscrito. (...).
(...)
Pelos factos anteriormente descritos entendemos que se verificam os pressupostos e a fundamentação legal para aplicação de métodos indiretos na determinação do rendimento a tributar em sede da categoria G de IRS, ano de 2015, por aplicação da alínea f) do n° 1 do artigo 87°, artigo 89.°- A, n.° 5 e artigo 90°, n° 1 aI. d) e i), todos da LGT, conjugado com o artigo 9°, n° 1, alínea d) do CIRS.
De notar que segundo o previsto no art.° 89.°-A, n.° 5 da LGT, o rendimento liquido a tributar em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, é a diferença entre o acréscimo de património ou despesa e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação, considerando-se como rendimentos declarados, os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos, exceto quando existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.°, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior.
Em nosso entender, no caso presente e nos termos da aI. i) do n° 1 do artigo 90° da LGT, infratranscrito, por tudo o que se disse e ficou demonstrado, existe uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação do contribuinte que permite fixar-lhe como rendimento tributável a acrescer aos por ele declarados, referidos no ponto II.2.7 deste documento, uma vez que têm uma origem completamente distinta. " [ponto 1 dos factos assentes, RIT, IV.7 e V.]
Após comunicação do projeto de relatório de inspeção, foi exercido o direito de audição através de três exposições, com junção de documentos [ponto 1 dos factos assentes, RIT, IX.2 e pontos 17 a 23 dos factos assentes], tendo a AT mantido a conclusão alcançada e a proposta de alteração do rendimento tributável.
Conforme os documentos juntos no âmbito do exercício do direito de audição e exposição apresentada, L....., discordou da interpretação da AT perante o atraso do reembolso do mútuo, no sentido da apropriação ou integração no seu património do valor mutuado, afirmou que a operação em causa correspondeu a um verdadeiro e real empréstimo e juntou documentos relativos a amortização do capital em dívida, no montante de € 47.625,00, e dos juros em dívida, no montante de € 8.474,64, em 27.02.2020, e um termo de autenticação notarial de 05.03.2020 de documento de confissão de dívida e acordo de pagamento, entre si e a sociedade H....., do total do valor mutuado de € 382.250,00 [ponto 1 dos factos assentes, RIT, IX.2 e pontos 17 a 23 dos factos assentes].
Não obstante, a AT tendo verificado que no ano de 2015 o ora Recorrente e mulher apresentaram declaração modelo 3 de IRS, em que declararam um rendimento global de € 47.756,10 e rendimento coletável de 39.548,10 [ponto 1 dos factos assentes - RIT - II.2.7, quadro I] e considerando que, quando terminou o prazo de 2 anos estabelecido no contrato de mútuo celebrado entre o Recorrente e a sociedade H..... para o reembolso do mesmo, no ano de 2015, se verificou no património de L..... um enriquecimento concretizado pelo acréscimo patrimonial correspondente ao valor desse mútuo, que permitiu a concretização de prestações suplementares, ficando com o direito à sua restituição - entendeu estar em presença de factos concretamente identificados através dos quais está patente um acréscimo patrimonial não justificado e perante a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável em IRS em 2015 [ano em que se venceu o mútuo e não foi devolvido ao mutuante]. Considerou necessário o recurso à avaliação indireta, sendo que, perante um acréscimo patrimonial de valor superior a € 100.000,00, verificado simultaneamente com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados, fundamentou constituir motivo para a realização de avaliação indireta do rendimento coletável, de acordo com o artigo 87°, n° 1, alínea f) da LGT.
Subsumindo os factos ao direito, considera-se que os factos assentes como provados constantes dos pontos 5 a 23, e a própria fundamentação integrada no RIT acolhida no ponto 1, não autorizam as conclusões alcançadas no mesmo RIT, a respeito da verificação de um acréscimo ou incremento patrimonial ou despesa, que não apresente justificação, verificado no ano de 2015, no património do Recorrente, de € 382.250,00, ao abrigo do artigo 87.°, n° 1 alínea f) e alínea a) do n.° 5 do artigo 89.°-A da LGT.
Note-se que são pressupostos da fixação da matéria tributável pelo método indirecto, a que alude o disposto no artigo 87.°, n° 1 alínea f) da Lei Geral Tributária: a) Existência de acréscimo de património ou de consumo de valor superior a €100.000,00, evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação da declaração de rendimentos em causa; b) A divergência entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou de consumo do sujeito passivo no mesmo período de tributação; c) E que tal divergência não tenha justificação.
E que, segundo os factos assentes, as transferências de meios financeiros no valor de € 382.250,00 para o Recorrente, com base nas quais este realizou prestações suplementares na sociedadeO....., tiveram lugar, nos anos de 2013 e 2014 e se apresentam justificadas no que respeita à sua origem, pelos cheques e comprovativos de transferência totalizando aquele valor, de meios financeiros da H..... para o Recorrente, com base em contrato de mútuo entre a H..... e o Recorrente, assim registadas na contabilidade da H......
A respeito das considerações e contexto referidos pela AT, com base nos quais a mesma concluiu que a justificação apresentada - atinente à origem dos meios financeiros provindos da H..... para o Recorrente, com base em contrato de mútuo entre ambos - não era atendível, atenta a "irrecuperabilidade", desde o início, do valor do mútuo pela H....., acolhem-se aqui, por inteira concordância com o seu teor e pertinência ante a situação concreta sob apreciação, as considerações expendidas na fundamentação do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15.11.2018, no processo 1957/17.8BELRS, disponível em www.dgsi.pt, que passamos a citar:
" (...) não vale aqui a argumentação tecida pelo recorrido quando refere que «A inexistência de contrapartida, a duração estipulada, a falta de garantias de pagamento e o destino do valor mutuado em relação ao contrato celebrado entre o Exponente e a sociedade R……., não podem deixar de ser valorados por estes Serviços de Inspecção;» uma vez que, o que está verdadeiramente em causa, é a proveniência (origem) do montante de 210.000,00€ aplicada na constituição de prestações acessórias de modo a apurar se tal montante está ou não sujeito a tributação em sede de IRS.
Na verdade, como diz o recorrente estamos no âmbito de « (...) uma decisão de gestão tomada no âmbito da liberdade contratual decorrente do princípio da autonomia privada, não podendo por isso justificar o recurso à avaliação indirecta da matéria colectável do Recorrente em sede de IRS;» (Conclusão P.) Ou dito de outro modo, não compete à Administração Tributária, nem se revela de interesse para a sua actividade vinculada, saber neste concreto caso, as condições foi celebrado o contrato de mútuo, isto é, se tem ou não retribuição e qual o período da sua vigência.
O que interessa saber é a origem ou fonte do valor aplicado na constituição das prestações acessórias de modo, como já afirmamos, a aferir se constituem ou não rendimentos sujeitos a declaração para efeitos de IRS.
Ora, no caso, contrariamente ao entendimento sufragado pelo Tribunal de Primeira Instância, entendemos nós, que o recorrente demonstrou e justificou onde lhe adveio os meios financeiros (210.000,00€) que lhe permitiram esse acréscimo do seu património e a subsequentemente aplicado na constituição das prestações acessórias tem proveniência no contrato de mútuo, bem como demonstrou inerentes fluxos financeiros. Nessa medida, ficou demonstrado que a constituição de prestações acessórias foi realizada com os valores não sujeitos a declaração e, consequentemente, o recorrente não violou os seus deveres declarativos. (...)."
Ainda a respeito das considerações e contexto referidos pela AT, com base nos quais a mesma concluiu que a justificação apresentada, atinente à origem dos meios financeiros provindo da H..... para o Recorrente, com base em contrato de mútuo entre ambos, não era atendível atenta a "irrecuperabilidade", desde o início, do valor do mútuo pela H....., cumpre destacar que se, essa justificação, não era, no entendimento da AT, atendível a título de justificação para o acréscimo de património aqui em causa, com base na irrecuperabilidade pela H..... do valor em causa, ante o referido contrato no contexto assinalado pela AT, ab initio - não apresenta congruência a consideração de que, por força de cláusula integrada no mesmo contrato, quanto ao termo do prazo do empréstimo, o acréscimo de património apenas se tenha considerado verificado no ano de 2015, por não ter sido amortizado e não ter sido demonstrado terem sido encetadas diligências com vista ao seu recebimento pela mutuária H......
Pois, dúvidas não há de que as transferências de valores monetários da H..... para o Recorrente tiveram lugar entre 15.01.2013 e 20.08.2014, perfazendo o total de € 382.250,00, e de que a sua aplicação pelo Recorrente, na realização de prestações suplementares naO....., teve lugar entre 31.12.2013 e 21.12.2014.
E, a não serem, pelas circunstâncias elencadas no RIT, referenciadas na oposição apresentada a este Recurso pela Autoridade Tributária e Aduaneira, desde o início, as referidas prestações suplementares suscetíveis de serem justificadas quanto à proveniência dos valores monetários que permitiu ao Recorrente realizá-las - pelos meios de pagamento que demonstram as transferências de valores em 2013 e 2014, contrato de mútuo de 15.01.2013 e registos contabilísticos atinentes ao mesmo mútuo, na sociedade H....., em 2013 e 2014 - o acréscimo de património do Recorrente, traduzido pela realização de prestações suplementares no valor de € 382.250,00, não deixou por isso de se ter verificado nos anos de 2013 e 2014.
Não apresentando congruência que, para efeitos da reunião dos pressupostos da alínea f) do artigo 87.° da LGT, no ano de 2015, se afirme que o acréscimo de património correspondente às prestações suplementares realizadas com o valor do mútuo ocorreu na esfera jurídica do Recorrente no ano de 2015, em função de cláusula atinente ao prazo do mútuo de 2 anos desde a entrega dos primeiros valores mutuados, integrada em contrato de mútuo que se entendeu não ser suscetível de justificar a origem dos valores em questão.
Na verdade, no contexto jurídico e de facto atendido pela AT no RIT para alcançar aquela conclusão, no que releva para efeitos das normas jurídicas convocadas pela AT para levar a cabo a correção que o RIT sustenta [alínea f) do artigo 87.° e n.° 5 do artigo 89.°-A LGT], a posição jurídico-patrimonial do Recorrente no ano de 2015 não sofreu alteração em virtude de se ter verificado o cômputo do prazo de 2 anos estabelecido no contrato de mútuo [permaneceu composta por dois vínculos jurídicos de sinal contrário: uma obrigação jurídica do Recorrente, na qualidade de devedor em relação à sociedade H....., decorrente de contrato de mútuo, no valor correspondente ao capital e juros respetivos; um direito de crédito do Recorrente, na qualidade de credor em relação àO....., correspondente às prestações suplementares realizadas em 2013 e 2014, no valor correspondente].

Conclui-se, então, que no contexto de facto e de direito patenteado e convocado no RIT não podem considerar-se reunidos os pressupostos previstos nas alíneas f) do artigo 87.° e a) do n.° 5 do artigo 89.°-A da LGT, no ano de 2015, quanto aos Recorrentes.
Com base no exposto, impõe-se anular a decisão de fixação recorrida, ficando prejudicada a apreciação dos demais vícios assados à mesma decisão pelos Recorrentes [artigo 608.° do CPC, ex vi artigo 2.° alínea e) do CPPT]. (…)”

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido invocando erro de julgamento de facto e de direito ao concluir-se que o acréscimo patrimonial ocorreu com as prestações suplementares de 2013 e 2014, entende que tal entendimendo coloca em causa a capacidade contributiva e viola o disposto no art. 13.º, n.º 1, e art. 103.º, n.º 1 da CRP, e por outro lado, a admissibilidade de um documento particular viola o disposto no artigo 1143.º do CC. Invoca ainda que caberia ao Recorrido o ónus da prova nos termos do art. 89.º-A, n.º 3, da LGT.

Vejamos quanto à questão relacionada com o momento em que o acréscimo patrimonial se verificou, nomeadamente com o momento das prestações suplementares que ocorreram em 2013 e 2014, como se salienta na sentença recorrida, ou se em 2015, como defende a Recorrente Fazenda Pública (conclusões A. a E.)

Nesta parte a sentença recorrida refere o seguinte: “Pois, dúvidas não há de que as transferências de valores monetários da H..... para o Recorrente tiveram lugar entre 15.01.2013 e 20.08.2014, perfazendo o total de € 382.250,00, e de que a sua aplicação pelo Recorrente, na realização de prestações suplementares naO....., teve lugar entre 31.12.2013 e 21.12.2014.
E, a não serem, pelas circunstâncias elencadas no RIT, referenciadas na oposição apresentada a este Recurso pela Autoridade Tributária e Aduaneira, desde o início, as referidas prestações suplementares suscetíveis de serem justificadas quanto à proveniência dos valores monetários que permitiu ao Recorrente realizá-las - pelos meios de pagamento que demonstram as transferências de valores em 2013 e 2014, contrato de mútuo de 15.01.2013 e registos contabilísticos atinentes ao mesmo mútuo, na sociedade H....., em 2013 e 2014 - o acréscimo de património do Recorrente, traduzido pela realização de prestações suplementares no valor de € 382.250,00, não deixou por isso de se ter verificado nos anos de 2013 e 2014.”

Ora, tal como alega a Recorrente Fazenda Pública (cf. conclusão C) das alegações de recurso), em 2013 e 2014, momento em que foram efetuadas as prestações suplementares, inexistia qualquer acréscimo de património na esfera do sujeito passivo, existia uma obrigação contratual daquele em devolver as quantias mutuadas

Por outras palavras, resulta provado nos autos, e não é colocado em causa no relatório da AT, que os montantes que o ora Recorrido utilizou para efetuar as prestações suplementares tiveram origem no contrato de mútuo. Assim sendo, inexiste um “acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000” que pudesse ser subsumível à alínea f), do n.º 1, do art. 87.º da LGT, porque existia um contrato de mútuo entre as partes, estando o mutuário obrigado a restituir a quantia mutuada, e nessa medida, não existe qualquer liberalidade, nem acréscimo de património.

Assim sendo, concordando com a Recorrente Fazenda Pública é verdade que não se pode concluir que o acréscimo de património se reporta a 2013 e 2014, pois a bom rigor assim não é. Não existe qualquer acréscimo de património nessas datas, porque existia um contrato de mútuo, e a respetiva obrigação da Recorrente devolver as quantias mutuadas.

Contudo, e ao contrário do que entende a Recorrente nas suas conclusões C), G) a L), esse raciocínio também é válido para 2015, mesmo com a situação alterada por decurso do prazo de devolução do montante mutuado, face ao disposto no art. 804.º, n.º 2 do Código Civil, que constitui o devedor em mora, e nessa medida, também nessa data, continua a não estarem reunidos os pressupostos previstos na alínea f), do n.º 1, do art. 87.º da LGT, porque não é pelo facto de já ter decorrido o prazo de devolução daqueles montantes e o mutuante não ter agido judicialmente para a sua recuperação que aqueles montantes passam a consubstanciar um acréscimo de património como pretende fazer valer a Recorrente nas suas conclusões G) a J). Por conseguinte, e ao contrário do que invoca a Recorrente na conclusão L) não cabe ao ora Recorrido qualquer ónus da prova.

Efetivamente, sobre esta matéria já se pronunciou o acórdão citado na sentença recorrida, o qual subscrevemos, e portanto, a AT não se encontra autorizada a imiscuir-se na liberdade contratual das partes, no âmbito do princípio da autonomia privada, sumariando-se naquele acórdão que “Não compete à Administração Tributária, nem se revela de interesse para a sua actividade vinculada, saber neste concreto caso, as condições foi celebrado o contrato de mútuo, isto é, se tem ou não retribuição e qual o período da sua vigência. O que interessa saber é a origem ou fonte do valor aplicado na constituição das prestações acessórias de modo, a aferir se constituem ou não rendimentos sujeitos a declaração para efeitos de IRS.”

Portanto, nenhum erro de julgamento é de imputar à sentença recorrida quando acolhe as considerações expendidas no acórdão do TCAS 15/11/2018, proc. n.º 1957/17.8BELRS, a respeito da origem dos meios financeiros com base num contrato de mútuo, para concluir, e bem, que as prestações suplementares em causa nos autos encontram-se justificadas na sua origem pelos cheques e comprovativos de transferências, nessa medida inexiste um “acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000” que pudesse ser subsumível à alínea f), do n.º 1, do art. 87.º da LGT.

Acresce que, as “dúvidas acerca dos contornos dos negócios e dos fluxos realizados, assim como das reais motivações dos negócios” e as legítimas preocupações da AT de luta contra a fraude e evasão fiscal enunciadas nas conclusões I) e J), podem ser sindicadas no âmbito de um instituto jurídico tributário próprio, nomeadamente o previsto no art. 38.º da LGT. Ao contrário do que entende a Recorrente nas suas conclusões K), o instituto das manifestações de fortuna não foi gizado para situações como a dos autos, não podendo ser usado em toda e qualquer circunstância em que haja indícios de fraude e evasão fiscal, mas tão-somente, dentro dos pressupostos e limites estabelecidos na lei. Nestes termos, não se poderá dizer que há violação dos princípios constitucionais invocados, nem do art. 13.º, n.º 1 e art. 103.º, n.º 1 da CRP, nem do art. 1143.º do CC (conclusão k.).

Pelo exposto, não se verifica o erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida, e, portanto, deve ser negado provimento ao recurso.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a Recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

Não constitui “acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000” subsumível à alínea f), do n.º 1, do art. 87.º da LGT, os montantes que comprovadamente tenham sido mutuados por terceiros.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
****
Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 30 de setembro de 2020.

Cristina Flora

Tânia Meireles da Cunha

Susana Barreto