Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:973/10.5BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IVA;
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO.
Sumário:I. O legislador estabeleceu na alínea b) do n.º5 do artigo 35.º do CIVA que «as embalagens não efectivamente transaccionadas deverão ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução, ou seja, a respectiva factura deve conter uma discriminação destas e bem assim a expressa menção de que houve acordo com o respectivo fornecedor quanto à sua devolução.

II. Não constando da factura o prazo para a devolução dos vasilhames, não pode a Administração Tributária optar por um prazo limite presumido de dois anos para a efectiva devolução.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA recorre para este Tribunal Central Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela R......., S.A. fundamento em caducidade do direito à liquidação, anulou a liquidação adicional de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.°…………. , respeitante ao período de Dezembro de 2007, no valor de 152.789,71€, e a liquidação de juros compensatórios n.°……….., no valor de 12.223,18€.

Terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1. Na sequência da proferida da no âmbito do processo supra identificado, a qual julgou "totalmente Procedente a presente Impugnação" e, em consequência, determinou "a anulação da liquidação adicional de IVA n.°…………., respeitante ao período de Dezembro de 2007, no valor de EUR 152.789,71, e a liquidação de juros compensatórios n.°……….., no valor de EUR 12.223,18.", com os fundamentos constantes na peça decisória ora colocada em crise, que se dão como reproduzidos para os devidos e legais efeitos.

2. Tendo presente os factos dados como provados, entendeu o douto tribunal a quo aplicando o direito, que não verificavam "os pressupostos fácticos e base legal para a emissão da liquidação impugnada, pelo que a mesma deverá ser anulada por manifesto erro e falta de fundamento legal para a sua emissão, devendo julgar-se a presente impugnação procedente, determinando-se a anulação da liquidação adicional de imposto e respectiva liquidação de juros.".

3. Com todo o respeito, que é muito, não podemos concordar com a decisão proferida pelo tribunal recorrido, por a mesma padecer de vício de violação de lei (artigo 45.°, n.° 1 e 5 da LGT, alínea b) do n.° 1 do artigo 8°, alínea d), do n.° 6 do artigo 16.°, "a contrario sensu" conjugado com a alínea b), do n.° 5 do artigo 35.°, todos do Código do IVA) de erro nos pressupostos de facto e de direito e de uma errónea aplicação do direito aos factos dados como provados, não devendo ser mantida;

4. No que respeita à alegada caducidade do direito à liquidação, não podemos concordar com tribunal recorrido ao considerar, como considerou, que pelo facto o apuramento da base tributável de imposto, ter por base "transacções realizadas pela Impugnante em data anterior ao ano de 2000, (...), ainda que se considerasse o prazo legal presumido pela Administração Fiscal para a devolução do vasilhame, o direito à emissão da liquidação de IVA no ano de 2009 ou 2010 estaria caduco nos termos do artigo 45.° da LGT.".

5. Desde logo, porque como resulta da lei aplicável, alínea d) do n.° 6 do artigo 16.° da Código do IVA, o facto tributário ocorre, não com a transação do conteúdo contido nas embalagens retornáveis, como concluiu erradamente o tribunal recorrido, mas sim, com a não devolução das mesmas por parte dos clientes;

6. Momento que se considera verificado, quando as empresas distribuidoras relevam tal facto na sua contabilidade, ou seja, reconhecem a não devolução por parte dos clientes daquelas embalagens, que no caso da Impugnante ocorreu no exercício de 2007, por intervenção dos serviços de inspeção tributária da AT, com os fundamentos então expressos em sede de RIT;

7. Sendo facto comummente aceite, que "O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto.", no caso em apreciação no presente recurso, a não devolução do vasilhame, como resulta da alínea d), do n.° 6 do artigo 16.°, "a contrario sensu" conjugado com a alínea b), do n.° 5 do artigo 35.° do Código do IVA;

8. Tendo a liquidação em crise nos presentes autos, correspondente à liquidação adicional de IVA n.º…….., no montante de € 152789,71, relacionada com a falta de liquidação de imposto (IVA/2007) referente ás "TARAS E VASILHAME" não devolvidas pelos clientes, por incumprimento do disposto na alínea d) do n.° 6 do artigo 16.°, conjugado com a aliena b) do n.° 1 do artigo 8.°, ambos do Código do IVA, sido notificada à Impugnante em 2010.04.08.

9. Dentro do prazo de 4 anos contados a partir do facto tributário, que ocorreu em 2007, com o reconhecimento contabilístico na conta de proveitos da quantia correspondente ao valor caucionado referente ao vasilhame não devolvido pelos clientes, que no caso do IVA se conta a partir inicio do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário, (artigo 45.°, n.° 1 e 5 da LGT), em momento algum se pode considerar como considerou o tribunal recorrido, ter ocorrido a caducidade do direito.

10. Desta forma deve a sentença recorrida ser revogada nesta parte e substituída por outra que faça uma correta aplicação do direito aos factos dados como provados, considerando não se encontrar caduco o direito à liquidação, por a mesma ter sido notificada à Impugnante dentro do prazo previsto no n.° 1 do artigo 45.° da LGT, o que se requer com as inerentes consequências legais.

11. O tribunal recorrido considerou ainda que "A Administração Fiscal tributou em sede de IVA como proveitos extraordinários, todos os vasilhames caucionados até 31/12/2005 e não devolvidos até aquela data, procedendo à liquidação de IVA, sem atender contudo, à data em que na realidade foram realizadas as transacções das mercadorias, cuja aplicabilidade do prazo limite presumido de três anos e a presunção dos proveitos extraordinários se situaria em data anterior.";

12. Discordamos em absoluto, em primeiro lugar, porque a liquidação de IVA controvertida nos presentes autos é uma consequência da correção efetuada em sede de IRC, através da qual se reconheceu como proveitos o valor em saldo na conta de clientes, corresponde a valores caucionados por estes, por os mesmos não terem procedido à devolução do vasilhame, valor que serviu de base àquela liquidação, nos termos do disposto na alínea d) do n.° 6 do art.° 16°, conjugado com a alínea b) do n.° 1 do artigo 8° ambos do Código do IVA, bem como e sede de IRC (artigo 20.° do Código do IRC).

13. A Impugnante vem agora, através dos presentes autos questionar a liquidação de IVA, quando não questionou a correção em sede de IRC, que reconheceu como proveitos parte do valor em saldo na conta "26870011 - DEV. E CRED.-BEM. DEV-P/CLIENTES", correspondente a clientes que não procederam à devolução do vasilhame, encontrando-se a mesma, como se disse e reitera plenamente consolidada;

14. Ora, uma vez reconhecido o proveito em sede de IRC, por força do disposto nos artigos 1.°, 3.°, n.° 1, alínea a), 17.° e 20.°, todos do Código do IRC, tal implica forçosamente a sua tributação em sede de IVA, em cumprimento do determinado nos artigos 1.°, 3.°, 8 e 16.°, n.° 1 e 6, alínea d) do Código do IVA.

15. Logo, ao contrario do que é afirmado pelo tribunal a quo, para efeitos de tributação em sede de IRC ou IVA, é irrelevante a data da transação dos produtos, porque, "in casu", como resulta da lei aplicável, alínea d) do n.° 6 do artigo 16.° da Código do IVA, o facto tributário ocorre, não com a transação do conteúdo contido nas embalagens retornáveis, como concluiu erradamente o tribunal recorrido, mas sim,

16. com a não devolução das mesmas por parte dos clientes, momento que se considera verificado quando as empresas distribuidoras relevam tal facto na sua contabilidade, reconhecem a não por parte dos clientes daquelas embalagens;

17. Não tem assim qualquer fundamento a acusação de que a AT tributou em sede de IVA como proveitos extraordinários, os valores de todos os vasilhames caucionados até 31/12/2005 e não devolvidos até aquela data, por ser essa a data relevante para efeitos de tributação, não a data da transação dos produtos acondicionados naqueles acondicionados, com entendeu aquele tribunal;

18. A AT, está sujeita ao princípio da legalidade constitucionalmente consagrado a sua legitimidade e competência apenas lhe advém da lei, a que se encontra vinculada. Estando-lhe reservado no âmbito do procedimento inspetivo a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infrações tributárias;

19. Comportando o mesmo todas as diligências necessárias ao apuramento da verdadeira situação tributária dos contribuintes, compreendendo a averiguação de factos e das situações tributárias, a investigação do cumprimento dos deveres tributários e a prevenção da violação das normas tributárias, artigos 63.° n.° 1 da LGT e artigo 2.°, n.° 2 do RCPIT;

20. Neste domínio, é plenamente pacifico, que a administração tributária pode adotar oficiosamente todas as iniciativas julgadas adequadas à descoberta da verdade material, não devendo refugiar-se em questões meramente formais, mas sim apurar factos, quer sejam favoráveis ou desfavoráveis ao sujeito passivo ou à própria administração tributária;

21. Realizando todas as diligências que se mostrem necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, incluindo as diligências que não tenham sido requeridas pela pessoa ou entidade inspecionada, mas que se revelem necessárias ao correto apuramento da situação tributária dos contribuintes inspecionados. (Princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.° da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 56.° do Código do Procedimento Administrativo);

22. Designadamente, entre outras: - A confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários; - A indagação de factos tributários não declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários; - A inventariação e avaliação de bens, móveis ou imóveis, para fins de controlo do cumprimento das obrigações tributárias.

23. Constatando-se essa inercia por parte da Impugnante, em dar cumprimento ao estipulado no artigo 16.°, n.° 6, alínea d) do Código do IVA, aliada ao facto pouco improvável de não existir vasilhame não devolvido, entendeu a AT, no âmbito das suas competências, suportada nos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material, ínsitos no procedimento tributário, suportada na contabilidade daquela, concretamente, na conta "2687001 - DEV. E CRED.-BEM. DEV-P/CLIENTES", que parte do saldo desta não tinha justificação, em consequência sujeitar a mesma ás regras de incidência dos respetivos impostos;

24. Assim, ao contrario do propugnado pelo tribunal recorrido, encontra-se plenamente legitimada a atuação da AT de presumir como presumiu um prazo para a devolução do vasilhame de três anos após a transação dos produtos neles acondicionados, com os fundamentos expressos em sede de RIT, e considerar transmitidos os mesmos para todos os efeitos legais, designadamente a sua tributação em sede dos respetivos impostos em que o ato tributário se insere, de acordo com as respetivas regras de incidência.

25. Assim sendo, a liquidação em crise não padece dos vícios que lhe são imputados.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto acórdão que faça uma correta aplicação do direito aos factos dados como provados ((artigo 45.°, n.° 1 e 5 da LGT, alínea b) do n.° 1 do artigo 8°, alínea d), do n.° 6 do artigo 16.°, "a contrario sensu" conjugado com a alínea b), do n.° 5 do artigo 35.°, todos do Código do IVA)) e, em consequência julgue improcedente a presente impugnação judicial.»

R......., S.A., notificada do recurso interposto, apresentou contra-alegações conforme seguidamente expendido:

«1. O Recurso interposto pela Fazenda Pública tem como objecto a douta Sentença a quo prolatada em 10.03.2020, a qual julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada pela Recorrida contra a liquidação adicional de IVA n.°……….. , respeitante ao período de Dezembro de 2007, no valor de €152.789,71, e a liquidação de juros compensatórios n.°…….., no valor de €12.223,18, que havia merecido também Parecer favorável do Digno Magistrado do Ministério Público (cf. fls. 460 e 461 dos autos em suporte papel).

2. Porém, a Fazenda Pública invoca apenas matéria de direito, pelo que, nos termos do artigo 280.°, n.° 1 do CPPT, a competência para dele conhecer cabe à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo e não ao Tribunal Central Administrativo Sul.

3. A convocação de matéria exclusiva de direito implica a incompetência absoluta deste Venerando Tribunal quanto à hierarquia e quanto à matéria, a qual, sendo embora de conhecimento ex officio, aqui expressamente se argui para todos os efeitos legais (artigo 16.° do CPPT).

4. Avançando para o caso deste Tribunal se considerar competente, cumpre recordar que a Sentença reconheceu (e bem) que a Recorrida cumpriu as exigências legais aquando da transmissão das bebidas acondicionadas em embalagens/vasilhames, mediante as devidas ressalvas quanto à não transmissão dessas embalagens/vasilhames (cf. artigo 16.°, n.° 1 e n.° 6, alínea d) e artigo 35.°, n.° 5, ambos do Código do IVA) e que, inexistindo prazo acordado entre a Recorrida e os seus clientes para a devolução dos vasilhames, a Autoridade Tributária ficcionou um prazo limite de 2 anos para essa devolução acontecer, o que é ilegal, ordenando assim a anulação das liquidações - vide último parágrafo da página 23, 1.° e 2.° parágrafos da página 24, dois últimos parágrafos da página 24 e 4.° a 6.° parágrafos da página 25.

5. A Fazenda Pública não se conforma com a fundamentação avançada pela douta Sentença (cf. 3.a conclusão do Recurso), recusando não poder presumir a transmissão das embalagens para efeitos de determinação do facto tributário (cf. conclusões 11.a a 25.a do Recurso) e negando que tenha havido caducidade do direito à liquidação adicional de IVA e correspectivos juros compensatórios (cf. conclusões 4.a a 10.a do Recurso).

6. Mas as liquidações sindicadas no caso em apreço (que são liquidações de IVA e não de IRC, não decorrendo da não impugnação da matéria de IRC implicações em IVA, como alega a Fazenda Pública nas conclusões 12.a a 14.a de Recurso), sendo ilegais, terão de ser anuladas: (i) porque a não devolução dos vasilhames nas datas chamadas à colação pela Autoridade Tributária não significa que tenha havido cessação da relação jurídica de caução; (ii) porque, ainda que pudesse assim entender-se, essa cessação nunca equivaleria, para efeitos de incidência fiscal, à transmissão dos vasilhames; e (iii) porque, mesmo que fosse de considerar ter havido essa transmissão, já há muito estaria caduco o direito às liquidações adicionais.

7. Quanto à não cessação da relação jurídica de caução: nos termos do Decreto-Lei n.° 366- A/97, de 20 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelos Decreto-Lei n.° 162/2000, de 27 de Julho, e Decreto-Lei n.° 92/2006, de 25 de Maio, e Portaria n.° 29-B/98, de 15 de Janeiro, o comprador presta uma caução aquando da compra das bebidas como forma de garantir a devolução dos vasilhames que as acondicionam, sendo essa caução restituída pela Recorrida no momento da devolução dos referidos vasilhames, significando isto que a relação contratual entre a Recorrida e os seus clientes perdura no tempo, não se esgotando com a transacção das bebidas.

8. Ora, não tendo sido estipulado contratualmente entre a Recorrida e os seus clientes um prazo para a devolução dos vasilhames, e inexistindo prazo legal para o efeito, o vencimento da obrigação de devolução ocorrerá mediante a interpelação do devedor pelo credor, o que poderá acontecer, no limite, no prazo de 20 anos, tudo nos termos conjugados dos artigos 777.°, n.° 1,805.°, n.° 1 e 309.°, todos do CC.

9. Com efeito, nada exclui a possibilidade de, porventura dentro de 1, 2, 5, 10, 15 anos ou mesmo amanhã, os clientes da Recorrida se dirigirem a si com o intuito de procederem à entrega dos vasilhames, exigindo, paralelamente, o montante entregue à data da transacção das bebidas - corroborando quanto se alega, veja-se o depoimento da Testemunha M......., vertido nos pontos 16, 17 e 18 da matéria de facto dada como provada e não controvertidos pela Fazenda Pública. 

10. Na verdade, a Recorrida não fica desonerada da sua obrigação comercial de devolver as cauções prestadas pelos seus clientes só porque a Autoridade Tributária entende que 2 anos é mais do que suficiente para que essa devolução ocorra, sendo aliás ónus da Autoridade Tributária demonstrar que cessou de facto (e não presumidamente) a relação entre a Recorrida e os seus clientes (vide artigo 74.°, n.° 1 da LGT e artigo 342.° do CC).

11. Por outro lado, também não pode proceder o argumento empregue no Relatório de Inspecção Tributária no sentido da extinção da relação contratual por impossibilidade de cumprimento por parte de alguns dos clientes da Recorrida, em virtude de estes terem cessado actividade em sede de IVA, porquanto a extinção da personalidade jurídica das pessoas colectivas apenas ocorre com o registo do encerramento da liquidação, o que poderá suceder muito posteriormente àquela cessação (cf. artigo 160.°, n.° 2 do CSC).

12. De facto, o eventual incumprimento das obrigações contratuais ou legais decorrentes das relações comerciais entre a Recorrida e os seus clientes, mormente a não devolução do vasilhame, constituirá facto gerador de responsabilidade civil e nunca, como sustenta a Autoridade Tributária, título válido de transmissão de propriedade dos vasilhames, razão pela qual o montante depositado pelos clientes respeitante aos vasilhames não poderá ser tratado como pagamento do preço (prestação característica da compra e venda), devendo antes ser entendido como forma de ressarcimento da Recorrida, que se vê privada da possibilidade de reaproveitamento das embalagens pelo não retorno das mesmas.

13. Assim, não resultando da vontade das partes (ou de outro modo de aquisição do direito de propriedade) um acordo sobre o prazo de retorno ou sobre o efeito translativo dos vasilhames, não pode a Autoridade Tributária sustentar que a propriedade de tais vasilhames se tenha transferido para os clientes da Recorrida através de meras ficções sem apoio legal.

14. Aliás, a Autoridade Tributária bem sabe que deveria respeitar os prazos legais, pois segundo a Informação n.° 466, da Direcção de Serviços do IVA, de 09.12.1985, “A ausência de retorno das embalagens do cliente nos prazos e nas condições acordadas, determina que se considerem efectivamente vendidas e como tal, sejam tributadas, procedendo-se também nessa altura ao registo contabilístico da venda.”: daqui resulta, a contrario, o reconhecimento da necessidade de atentar, prima facie, ao prazo acordado pelas partes para a devolução dos vasilhames retornáveis.

15. Ora, não havendo prazo definido para essa devolução, é de aplicar o prazo legal de 20 anos previsto no artigo 309.° do CC, não sendo permitido à Autoridade Tributária "criar" um qualquer prazo arbitrário (in casu 2 anos), até porque quando o legislador quis tributar uma operação que juridicamente não constitui uma transmissão, previu-o expressamente, como será disso exemplo o caso de venda de bens à consignação, bem como das prestações de serviços de carácter continuado: aí, nos termos dos artigos 3.°, n.° 1, alínea d) e 7.°, n.°s 6 e 9 do Código do IVA, presume-se a ocorrência da transmissão com a não devolução, no prazo de 1 ano a contar da data da entrega ao destinatário, das mercadorias enviadas à consignação.

16. Mas isto nesses específicos casos previstos na lei, conforme inciso da douta Sentença recorrida que a Fazenda Pública não consegue rebater (vide último parágrafo da página 24): "Nos termos do artigo 3.°, n.° i, alínea d) e artigo 7.°, n.° 6 e n.° 9, ambos do CIVA, presume-se a ocorrência da transmissão com a não devolução, no prazo de 1 ano a contar da data da entrega ao destinatário, das mercadorias enviadas à consignação, porém estamos em presença de um caso específico expressamente previsto na lei.".

17. O que se alega revela a falta de fundamentação legal da Autoridade Tributária para a nomeação do critério de 2 anos para determinar a presunção da não devolução do vasilhame (porquê estes 2 anos e não 1 ano?), assentando esse critério arbitrário dos 2 anos (a contar de 31.12.2005 e terminando, sem que se perceba como, em 31.12.2007) em considerações conclusivas, suposições e juízos valorativos, sem qualquer aderência à actividade probatória que onera a Autoridade Tributária em matéria de impostos, que tem de fazer prova da efectiva transmissão dos vasilhames por via da cessação do contrato (artigo 74.°, n.° 1 da LGT e artigo 342.° do CC), como realçou a Sentença recorrida - vide 3.° parágrafo da página 24 (realce nosso): "A Administração Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente, a prova da verificação dos pressupostos que determinam e suportam a liquidação adicional.".

18. Note-se, aliás, que a Autoridade Tributária reconhece que não está a proceder correctamente quando afirma que o apuramento deveria ser efectuado ano a ano, fornecedor a fornecedor e factura a factura ("ter-se-ia que controlar as saídas do vasilhame factura a factura, com a finalidade de aferir o prazo de um ano" - cf. 1.° parágrafo da página 31 do Doc.5) mas depois, surpreendentemente, (i) ficciona prazos de 2 anos, (ii) ficciona o termo a quo (31.12.2005) e (iii) ficciona o termo ad quem (31.12.2007).

19. Esta tripla ficção é, pois, uma criação administrativa arbitrária e sem qualquer apoio na letra da lei, violadora do Princípio da Legalidade fiscal, porquanto não é tarefa do aplicador do direito (rectius, da Autoridade Tributária) definir quando se presume ter havido devolução do vasilhame para efeitos de tributação em IVA - neste sentido, bem andou uma vez mais a Sentença recorrida ao reconhecer que o prazo limite para a devolução dos vasilhames "não decorre da lei, pelo que a Administração tributária adoptou um prazo limite presumido de dois anos para a efectiva devolução." (vide último parágrafo da página 23, realce nosso), ou seja, que "A Administração Fiscal ficcionou um prazo limite de devolução de dois anos para colocar um termo a contratos de caução que se apresentavam sem termo, tendo em vista suprir essa omissão e proceder à respectiva tributação, porém não sendo proibidas as presunções naturais, as mesmas não podem servir de base de incidência para a tributação adicional do imposto, excepto no termos expressamente e legalmente previstos, como sejam as previstas no artigo 84.° do CIVA (actual artigo 90.° do CIVA)." (vide 2.° parágrafo da página 24, realce nosso).

20. Porém, a Fazenda Pública refuta a Sentença recorrida precisamente porque insiste que, no âmbito das suas competências, está legitimada a fazer as presunções necessárias para lograr uma tributação, pretendendo deste modo que este Venerando Tribunal revogue a douta Sentença a quo, sancionando assim o seu entendimento enviesado de que pode, com base em presunções, juízos lógicos, de razoabilidade ou de probabilidade, tributar determinadas realidades que crê serem merecedoras dessa tributação (como seja o "facto pouco improvável de não existir vasilhame não devolvido” - vide segunda parte da 23.a conclusão do Recurso).

21. E veja-se também a conclusão 24.a do Recurso, a qual vai expressamente impugnada para todos os efeitos legais (realce nosso): "24. Assim, ao contrario do propugnado pelo tribunal recorrido, encontra-se plenamente legitimada a atuação da AT de presumir como presumiu um prazo para a devolução do vasilhame de três anos [ou 2 anos?] após a transação dos produtos neles acondicionados, com os fundamentos expressos em sede de RIT, e considerar transmitidos os mesmos para todos os efeitos legais, designadamente a sua tributação em sede dos respetivos impostos em que o ato tributário se insere, de acordo com as respetivas regras de incidência.".

22. Contudo, paradoxalmente, as considerações de valor emitidas pela Fazenda Pública - que presume, ficciona, inventa, cria, acha, percepciona, suspeita... - são totalmente incompatíveis com os princípios a que está vinculada, apregoados nas conclusões 18.a a 22.a do seu Recurso.

23. Com efeito, a imposição de um critério de tributação não pelo legislador mas pelo intérprete e aplicador da lei (designadamente o momento em que deve considerar-se existir um facto tributário) é materialmente inconstitucional, desde logo por violação do princípio da legalidade (artigo 103.°, n.°s 2 e 3 da CRP), ao passo que a derrogação pela Autoridade Tributária de matéria da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, com base numa ficção/presunção contra legem constitui uma ofensa grosseira do artigo 165.°, n.° 1, alínea i) da CRP e do artigo 8.°, n.° 2, alínea a) da LGT.

24. Violado queda ainda o princípio da separação dos poderes, por usurpação das funções do legislador (artigo 2.° da CRP e artigo 133.°, n.° 1 e n.° 2, alínea a) do CPA, na redacção vigente à data dos factos), não podendo a Autoridade Tributária proceder a uma interpretação correctiva da lei (proibida pelo artigo 8.°, n.° 2 do CC) só porque entende que "deveria" o legislador ter fixado um critério que entende lógico (2 anos), em violação do Princípio da Certeza e Segurança Jurídicas, Imparcialidade, Justiça e Boa-Fé (artigo 266.°, n.° 2 da CRP).

25. Pelo exposto, devem as liquidações adicionais ser declaradas nulas ou anuladas, por erro nos seus pressupostos de facto e de direito legitimadores do poder de tributar (cf. artigo 133.°, n.° 2, alíneas a) e d) ou, ad minus, artigo 135.°, ambos do CPA, na redacção vigente à data dos factos), até porque incumbe à Autoridade Tributária a prova da cessação da relação jurídica entre a Recorrida e os seus clientes (cf. artigo 74.° da LGT e artigo 342.° do CC), a qual, não sendo feita, permitirá uma dúvida fundada sobre a existência e quantificação do facto tributário, determinante da anulação dessas liquidações (artigo 100.°, n.° 1 do CPPT). 

26. Subsidiariamente, sem conceder, mesmo que se concluísse que a relação jurídica de caução havia cessado (o que apenas por dever de patrocínio se admite), ainda assim teria de concluir-se pela não transmissão dos vasilhames, porquanto, não representando a caução, a se, nem uma transmissão de bens, nem uma prestação de serviços, mas apenas a garantia do fiel cumprimento de uma inerente operação contratual, está desde logo afastada do recorte das normas de incidência tributária (cf. artigos 1.°, n.° 1, alínea a), 4.°, n.° 1 e 7.°, n.° 1 do Código do IVA).

27. E existe hoje suficiente Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia quanto à não aplicação de IVA quando não está subjacente a existência de operações económicas: nesta senda, por todos, alinha o Acórdão de 08.03.1988 (processo n.° 102/86), o qual pugna que "deve existir um nexo direcfo entre o serviço prestado e o contravalor recebido para que uma prestação de serviços seja tributável na acepção da Segunda Directiva”.

28. De facto, conforme demonstrado (cf. Doc.1), o valor recebido pela Recorrida é-o a título caucionatório, visto aquele valor não traduzir o pagamento da prestação de serviço/transmissão de bens consistente na transacção das respectivas bebidas.

29. Aliás, nas facturas emitidas pela Recorrida exclui-se ipsis verbis da venda as embalagens, ficando os clientes obrigados à sua devolução, em cumprimento do artigo 16.°, n.° 6, alínea d) e artigo 36.°, n.° 5, alínea b), in fine, ambos do Código do IVA, impugnando-se portanto expressamente a 23.a conclusão do Recurso, na parte em que alega não ter sido cumprido pela Recorrida o referido artigo 16.°, n.° 6, alínea d) do Código do IVA.

30. Em rigor, apenas artificialmente e contra legem se poderá considerar que a embalagem retornável, invólucro do bem efectivamente transmitido, com ele se transmite, e por isso constitui contravalor do bem transaccionado, até porque, como se viu, a caução apenas garante o cumprimento da obrigação, não traduzindo o valor do bem adquirido pelos clientes da Recorrida - neste sentido, vide Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 04.12.1990 (processo n.° C-186/89), segundo o qual, para a tributação em IVA, exige-se que todas as operações, seja qual for a sua forma jurídica, tenham por intuito retirar do bem em questão receitas com carácter de permanência (permanência que naturalmente não subjaz ao vasilhame, que em si mesmo é insusceptível de ser configurado ou confundido como contraprestação do valor do bem transmitido, ergo, como sua correspectividade). 

31. Assim, " uma prestação de serviços só é efectuada “a título oneroso”, na acepção do artigo 2°, ponto 1, da Sexta Directiva 77/388 (...), e só é assim tributável, se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transaccionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efectivo do serviço fornecido ao beneficiário” (idem).

32. Deste modo, atento o seu fito garantístico, de persuasão do cumprimento obrigacional do contrato, e assumindo notória função de indemnização, também por aqui não há susceptibilidade de se entender estar diante de uma operação económica sujeita a IVA [sem preocupações de exaustividade, vide os Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia de 18.05.2005 (processo n.° C-305/01), de 26.06.2003 (processo n.° 305/01) e de 03.03.1994 (processo n.° 16/93)].

33. Acresce que, por força do artigo 13.°, B), alínea d), ponto 2 da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17.05.1977, cuja transposição para o Direito Interno consta do artigo 9.°, n.° 27, alínea b) do Código do IVA [anterior artigo 9.°, n.° 28, alínea b)], estão isentas de imposto as “fianças e outras garantias", pelo que o valor pago a título de caução (que mais não é do que uma garantia especial do cumprimento das obrigações, nos termos do artigo 623.° e seguintes do CC) beneficia desta isenção, não podendo ser tributado em IVA.

34. É a própria Autoridade Tributária quem reconhece que a caução das embalagens representa a função de garantia do cumprimento da obrigação que impende sobre os clientes da Recorrida, quando menciona que "a não devolução das embalagens por qualquer razão (desaparecimento, destruição, mau estado de conservação, etc.) confere à R....... o direito à retenção do valor caucionado" (cf. 3.° parágrafo da página 17 do Doc.5).

35. Em circunstância alguma, portanto, aquele montante representado pela caução titula o pagamento do preço da transmissão do bem comercializado, atenta a expressa ressalva da não transmissão da embalagem, bem como a clara separação do seu montante relativamente ao preço do produto, os quais são por isso inconfundíveis (vide artigos 36.°, n.° 5, alínea b) e 16.°, n.° 6, alínea d) do Código do IVA), falecendo deste modo qualquer argumento jurídico que esgrima a defesa de uma relação sinalagmática entre o depósito/caução e o preço da transacção, dado que nenhuma correspectividade jurídica se estabelece entre ambos. 

36. Ao invés, o depósito/caução serve de estímulo à devolução da embalagem caucionada, sendo que a não devolução é sancionada com o accionamento daquela garantia, traduzida, como a Autoridade Tributária reconhece expressamente, na retenção pela Recorrida do valor da caução.

37. Do próprio Código de Boas Práticas de Caucionamento especialmente aplicável in casu resulta que o depósito ou caução "é o valor cobrado no acto de compra de uma embalagem reutilizável que só pode ser reembolsado no acto de devolução da embalagem depois de usada. Não configura assim o preço de uma transacção, mas é sobretudo, um estímulo à devolução da embalagem reutilizável" (realce nosso), distinguindo aí portanto a caução da contraprestação ou obrigação sinalagmática de pagamento do preço pela transacção do bem caucionado, com o qual, portanto, é imiscível.

38. Nenhuma dúvida pode assim subsistir quanto à natureza e condição da caução como garantia da obrigação (artigo 623.° e seguintes do CC) e isso, independentemente de revestir natureza pecuniária, porque sempre permanece vincadamente separada do preço da transmissão do bem (neste sentido, vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.03.2006, processo n.° 04877/01).

39. Certo é que a caução (garantia do cumprimento da obrigação), está isenta de IVA, nos termos do artigo 9.°, n.° 27, alínea b) do Código do IVA [anterior artigo 9.°, n.° 28, alínea b)], como resulta, a contrario, do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19.09.2007, processo n.° 0459/07: "nessa circunstância, e porque se não trata de uma garantia, a entrega consubstancia uma transacção sujeita a imposto, já que não é abrangida pela referida norma de isenção do artigo 9° n° 28 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.".

40. E como reconhece a Autoridade Tributária no Ofício n.° 1152, do SIVA, de 24.01.1991 (realce nosso): “[...] a simples constituição dessa caução porquanto mera entrega de valores para garantia de obrigações não é susceptível de ser classificada como contrapartida de uma qualquer operação tributável, situando-se, portanto, fora do campo de aplicação do IVA. // [...] Situação diferente é a que se constata na questão colocada pelo exponente, já que conforme referido em 2 desta informação, a quantia entregue, a título de caução, não é reembolsada mesmo no caso do cumprimento pontual das obrigações, pelo que configuram a contrapartida onerosa de prestação de serviços". 

41. Acresce adicionalmente que, ainda que se considere que a não devolução das embalagens retornáveis no decurso de determinado lapso temporal faz caducar a própria essência jurídica do depósito/caução em que se traduz o vasilhame (no que não se concede e apenas por dever de patrocínio se admite) então, ad minus, o valor representado pela caução traduzir-se-á numa indemnização pela perda sofrida pela Recorrida com a violação do cumprimento das obrigações dos seus clientes quanto à devolução das embalagens e não o recebimento do pagamento do preço de um bem (a embalagem, nunca efectivamente transmitido).

42. Logo, também por aqui, sempre procederá a ilegalidade do acto de liquidação sub judice, porquanto as indemnizações ressarcitórias de um dano ou prejuízo sofrido, sem carácter remuneratório, estão liminarmente excluídas da tributação em IVA, pois não são facto tributário: “Tal indemnização não assume, assim, uma natureza de contraprestação pela entrega de um bem ou prestação de serviço nem visa suportar os lucros cessantes da recorrida, tratando-se, antes, de uma compensação aos particulares lesados pelos prejuízos resultantes do interesse público. // E, assim sendo, se a indemnização sanciona a lesão de qualquer interesse, sem carácter remuneratório, não pode ser tributada em IVA, na medida em que não tem subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.06.2008, processo n.° 01144/06 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 03.03.2009, processo n.° 02507/08, realce nosso).

43. É a própria Autoridade Tributária que também assim doutrina na Informação Vinculativa (cf. artigo 68.°-A da LGT e 55.° do CPPT) por Despacho do Subdirector Geral dos Impostos, de 24.07.2007, em substituição do Director Geral, proferido no processo A100 2007113: “10. Se as indemnizações sancionam a lesão de qualquer interesse, sem carácter remuneratório porque não renumeram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não tem subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços”.

44. No mesmo sentido vide Informação Vinculativa por Despacho do Subdirector Geral dos Impostos, de 12.11.2007, em substituição do Director Geral, proferido no processo V023 2007015 e, bem assim, a Informação n.° 524, do SIVA, de 23.05.1989. 

45. Ora, atenta a natureza do objecto sobre que incide o acto de liquidação sub judice (rectius, o depósito/caução em que se consubstancia o vasilhame traduz uma garantia do cumprimento da obrigação de devolução da embalagem) em momento algum tal garantia pode configurar o pagamento do preço do bem transmitido, traduzindo-se (mesmo admitindo que nunca se chega a efectivar a devolução da embalagem reutilizável, o que apenas subsidiariamente se admite) no ressarcimento de um prejuízo ou dano sofrido pela Recorrida, que consiste na perda da sua propriedade (embalagem outrora adquirida), razão pela qual também por esta via estará vedada a sua tributação em IVA, sendo o acto de liquidação anulável por erro nos pressupostos (artigo 135.° do CPA, na redacção vigente à data dos factos).

46. Sendo que, uma vez mais, a Autoridade Tributária não demonstrou que ocorreu a transmissão dos vasilhames para efeitos de tributação (vide artigo 74.° da LGT e artigo 342.° do CC), permanecendo assim uma dúvida fundada sobre a existência e quantificação do facto tributário, devendo por isso a liquidação impugnada ser anulada (artigo 100.°, n.° 1 do CPPT).

47. Sem conceder, ainda que fosse de considerar como tendo havido transmissão dos vasilhames, sempre haveria de concluir-se pela caducidade do direito às liquidações adicionais.

48. Como se viu, a Sentença recorrida deu como provado que do Relatório de Inspecção Tributária que espoletou as liquidações impugnadas constam clientes cujo saldo de conta é reportado aos anos de 2000 a 2007, muitos dos quais com actividade cessada muito antes desse hiato temporal - neste sentido, vide ponto 6 e ponto 8 da matéria dada como provada, o qual se transcreve (realce nosso): "8. A Administração Tributária remete para o "Anexo 2” do Relatório de Inspecção a listagem de contas cliente consideradas para cálculo dos valores das cauções relativas a vasilhames não devolvidos, listagem constante de fls. do PEF, composta por 67 folhas, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, na qual constam clientes cujo saldo de conta é referenciado do ano 2000 ao ano de 2007, entre os quais se encontram vários clientes com a actividade cessada em sede de IVA e IRC desde o ano de 1995, 1998, 1999, 2000.”.

49. E certo é que a Fazenda Pública em lado algum refuta os factos dados como assentes pela Sentença, tal como não contesta - nem pode - as confissões feitas pela Testemunha R......., inspector tributário e autor do Relatório de Inspecção Tributária realizada ao ano de 2007, as quais se aceitam especificadamente nos termos e para os efeitos do artigo 465.°, n.° 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e) do CPPT - cf. pontos 12 e 13 da matéria de facto da Sentença (realce nosso): " 12. A Inspecção Tributária considerou como proveitos obtidos pela Impugnante no ano de 2007, cauções resultantes de transaccões facturadas no ano de 2000, cujo vasilhame não foi devolvido [...] // 13. As transacções realizadas após 31/12/2005 não foram consideradas, apenas as anteriores [...]".

50. A este propósito importa recordar que as liquidações em crise datam de 27.03.2010, tendo sido notificadas à Recorrida em 06.04.2010 (cf. Doc.6 e Doc.7), havendo que atentar ainda ao prazo legalmente estabelecido no artigo 45.°, n.° 1 da LGT, aplicável ex vi artigo 94.°, n.° 1 do Código do IVA.

51. Actualmente, desse artigo 45.°, n.° 1 da LGT resulta que o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada no prazo de 4 anos, contando-se este prazo desde o início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do IVA (idem, n.° 4), sendo de ressalvar que a redacção deste artigo foi introduzida pela Lei n.° 32-B/2002, de 30 de Dezembro, e que até aí o prazo de caducidade do IVA se contava a partir da data em que o facto tributário ocorreu.

52. É também consensual que a exigibilidade do IVA, determinante do início do prazo de caducidade, se afere em obediência às regras do artigo 7.° do Código do IVA: dá-se quando exista uma transmissão de bens e no momento em que estes sejam colocados à disposição do adquirente, ou seja, no caso vertente, a exigibilidade do IVA dar-se-ia com a transmissão das embalagens, transmissão essa que só ocorre se as embalagens forem "efectivamente transaccionadas", o que não sucedeu.

53. Como ficou demonstrado, a Recorrida não tem prazos estabelecidos com os seus clientes para a devolução do vasilhame caucionado pelo que, à míngua de condições acordadas entre as partes, não se pode inverter a factualidade subjacente e ficcionar a presunção da existência (não ocorrida) de transmissão de bens e consequente exigibilidade do IVA (como se viu, se não se der contratualmente a efectiva venda do vasilhame, a caução prestada não estará sujeita a IVA - cf. artigo 16.°, n.° 6, alínea d) e artigo 9.°, n.° 27, alínea b), ambos do Código do IVA, anterior artigo 9.°, n.° 28, alínea b) do mesmo diploma). 

54. Porém, a Autoridade Tributária ficciona o facto tributário com base num prazo de 3 anos a contar de 31.12.2005, sendo que, tanto quanto se percebe, no caso dos saldos parados preconiza o prazo de 2 anos contados da imobilização, referindo depois em outros locais que afinal se trata de factos referentes ao ano 2000 - vide 1.° parágrafo da página 13 do Doc.5: "Analisados os dados fornecidos pelo sujeito passivo, relativamente ao detalhe da conta por cliente e datas de movimento, verificou-se que parte do saldo atrás indicado, isto é, parte do valor de 6.707.820,78 euros, correspondia a valores de clientes com saldos parados, sendo certo que muitos destes saldos reportam-se pelo menos ao exercício de 2000. ” (realce nosso).

55. Na verdade, basta ler o Anexo 2 ao Relatório para confirmar que existem operações de 1986 a 2004, o que evidencia que todas as operações com os clientes já estavam paradas há mais de 4 anos aquando das liquidações (datadas de 27.03.2010 - cf. Doc.6 e Doc.7).

56. E em rigor a Autoridade Tributária deveria ter apurado cliente a cliente e operação a operação qual o termo a quo do prazo de caducidade, tomando em consideração a versão do artigo 45.° da LGT que esteve em vigor até 31.12.2002 e que determinava que o termo a quo se daria aquando de cada transacção, o que tudo junto determinaria a caducidade (bem) antes de 31.12.2009, até porque não se verificaram quaisquer fundamentos legais para a suspensão ou interrupção daquele prazo de caducidade (cf. artigo 46.° da LGT).

57. E sempre se diga que a Autoridade Tributária também não prova, como é seu ónus (artigo 74.°, n.° 1 da LGT e artigo 342.° do CC), o termo a quo do prazo de caducidade, ou seja, a tempestividade do seu direito à liquidação, neste caso materializado na prova da existência do facto tributário, pois que ficcionou não só o facto tributário, como também a data da sua ocorrência, numa tentativa de alargar o seu poder de liquidação a (ficcionadas) transmissões que, a existirem (que não existiram, reitera-se) ocorreram entre os anos de 1986 e 2004 (verdadeiro intervalo dos anos de operações que estão em causa, como se pode verificar no Anexo 2 ao Relatório, cit. Doc.5).

58. A Autoridade Tributária ficcionou a data de 31.12.2005 porque, tendo iniciado a acção inspectiva em 2009 e tendo demorado quase nove meses para a realizar, essa data de 31.12.2005 era a única que lhe permitia exercer o direito à liquidação, arrogando-se portanto o poder de criar um facto tributário(i), único termo a quo dos prazos de caducidade (artigo 45.° da LGT). 

59. Sendo evidente que as operações se reportam a períodos entre 1986 e 2004, a existir imposto em falta (no que não se concede) o mesmo já não podia ser liquidado, uma vez que há muito que havia decorrido os 4 anos desde o alegado facto tributário (ocorrido entre 1986 e 2004), pelo que a Autoridade Tributária, ao reconhecer essa antiguidade e ficcionar (triplamente!) um prazo tributário ou de início de contagem em 31.12.2005 (ou será em 31.12.2006? ou 31.12.2007?!) para todas as operações, viola o artigo 45.° da LGT.

60. Porém, como esta matéria já foi discutida em sede própria, empregar-se-á por hipótese (sem conceder, o que apenas por dever de patrocínio se admite) os factos alegados pela Autoridade Tributária para demonstrar que a conclusão terá de ser a de que as liquidações adicionais foram inquestionavelmente efectuadas fora do prazo de caducidade.

61. Com efeito, a liquidação adicional de IVA respeita, nos dizeres do Relatório (cf. Doc.5), a 3 grupos distintos de vasilhames caucionados e não devolvidos, a saber: (i) cauções não devolvidas respeitantes ao vasilhame transmitido a clientes com actividade à data de 31.12.2007 - no montante de €577.132,11 (cf. Doc.5, último parágrafo da página 13, em articulação com o 1.° parágrafo da página 14); (ii) cauções não devolvidas respeitantes ao vasilhame transmitido a clientes sem actividade e clientes que cessaram a actividade para efeitos de IVA em 2007 e anos anteriores até 1986 - no montante de €13.399,04 e €139.449,19 respectivamente, totalizando €152.848,23 (cf. Doc.5, último parágrafo da página 13 do Relatório e seu Anexo 2, fls. 4 a 67); e (iii) cauções não devolvidas respeitantes a clientes cujos saldos devedores foram provisionados a 100% à data de 31.12.2007 - no montante de €559,91 (cf. Doc.5, último parágrafo da página 13 do Relatório e seu Anexo 2, fls. 3).

62. Portanto, de acordo com os factos indicados pela Autoridade Tributária no Anexo 2 do Relatório (cf. Doc.5) deveria ter-se considerado a "transação dos produtos" como efectivada, respectivamente, nas seguintes datas (e não em 31.12.2005): (i) para os clientes activos com saldos imobilizados desde 2003 ou antes, na data da respectiva última transacção nesse exercício; (ii) para os clientes não incluídos no grupo predecessor, e cessados para efeitos de IVA nos anos de 2007 e anteriores, na data da última transacção antes da respectiva cessação; e (iii) para os clientes provisionados em 100%, na data da última transacção, sendo que para vários desses clientes os respectivos saldos se encontram imobilizados pelo menos desde 2003.

63. Assim, mesmo aplicando o critério de 3 anos da Autoridade Tributária, ou 2 anos no caso de saldos imobilizados, teríamos que a transmissão (ou a ocorrência do facto tributário) se verificou no limite 3 anos ou 2 anos, depois, a saber: (i) para as cauções subsumidas no primeiro grupo, cujos saldos se encontram imobilizados pelo menos desde 2003, importando o valor de €331.331,58 correspondendo ao vasilhame de 1748 do universo de 3299 clientes, em 31.12.2005; (ii) para as cauções subsumidas no segundo grupo, importando o valor de €11.500,78 dos €13.399,04 correspondendo ao vasilhame de 326 dos 389 clientes sem actividade, e cujos saldos estão imobilizados pelo menos desde 2003, bem como o valor de €88.655,39 dos €139.449,19 correspondendo ao vasilhame de 1362 do universo de 2270 clientes, os quais cessaram actividade até 2003 e/ou cujos saldos se encontram imobilizados desde 2003, em 31.12.2005; e (iii) para as cauções provisionadas a 100%, importando o valor de €264,43 dos €559,91, correspondendo à situação de 5 dos 15 clientes, cujos saldos estão assim imobilizados pelo menos desde 2003, em 31.12.2005.

64. Como se vê, mesmo usando o critério da Autoridade Tributária à luz dos factos carreados para o Relatório e para o seu Anexo 2, é possível (obrigatório!) determinar o termo a quo do prazo de caducidade, o que implicaria, claro está, que a Autoridade Tributária verificasse, cliente a cliente e saldo a saldo, se ainda estava em tempo de exercer o seu direito à liquidação, tal como a própria preconiza como correcto (cf. 1.° parágrafo da página 31 do Doc.5), optando contudo no caso concreto por se demitir dessa obrigação e ficcionar um facto tributário, não cumprindo o ónus da prova do seu direito à liquidação (artigo 74.° da LGT e artigo 342.° do CC).

65. Nesta conformidade, e mesmo admitindo - reitera-se, sem conceder - o critério propugnado pela Autoridade Tributária, também por essa via o direito de liquidação do IVA em causa caducou no máximo em 31.12.2009.

66. Face ao exposto, as liquidações de IVA e Juros Compensatórios (cf. Doc.6 e Doc.7) foram efectuadas fora do prazo de caducidade, o que consubstancia uma clara violação do artigo 103.°, n.° 3 da CRP e artigo 45.° da LGT, devendo por isso ser declaradas nulas (artigo 133.° do CPA, na redacção à data vigente) ou, ad minus, anuladas (artigo 135.° do CPA, na redacção à data vigente).

67. Deste modo, ficando demonstrado à saciedade que não existiu fundamento legal para a emissão das liquidações adicionais sindicadas, estão as mesmas irremediavelmente inquinadas de invalidade, determinante da sua nulidade ou anulabilidade, como bem decidiu o aresto a quo, que deve assim manter-se na Ordem Jurídica.

68. Todavia, caso este Venerando Tribunal conceda provimento ao propugnado pela Fazenda Pública, revogando a Sentença a quo (o que por mero dever de patrocínio se admite), roga-se a remessa dos presentes autos ao Tribunal de primeira instância, para que aí se conheça do mérito dos demais argumentos e vícios arguidos na Petição Inicial de Impugnação Judicial prejudicados pela Decisão recorrida, para os quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o Recurso Jurisdicional ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a Decisão recorrida, que assim se manterá na Ordem Jurídica, com o que se fará a devida e costumeira JUSTIÇA!»



**

O Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.

**

Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora,
decidir.
**

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
No caso trazido a exame, as questões a decidir consistem em saber:
(i) se o Tribunal Central Administrativo é (ou não) hierarquicamente incompetente, por estar em causa, no presente recurso, exclusivamente matéria de direito, em caso negativo,
(ii) se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao julgar verificada a caducidade do direito à liquidação com base na falta de notificação da liquidação dentro do prazo da caducidade.

**

III. FUNDAMENTAÇÃO

A.DOS FACTOS

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«1. A Impugnante R......., S.A. tem como objecto a "Produção e Comercialização de R.......rantes, organização, execução e comercialização de empreendimentos imobiliários” está enquadrada em sede de IVA no Regime Normal com Periocidade mensal (cf. Certidão da Conservatória do Registo Comercial a fls. 315 dos autos e relatório de inspecção a fls. 123 dos autos).

2. Em 26/5/2009, a Divisão de Inspecção a Empresas não Financeiras da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária iniciou um procedimento de inspecção externo à Impugnante, de âmbito geral e relativo ao exercício de 2007, em cumprimento da Ordem de Serviço n.° OI200900214 de 16/4/2009 (cf. Processo Administrativo Tributário de ora em diante designado de PAT).

3. Em 25/9/2009, através do ofício n.° 2597 emitido pela Divisão de Inspecção a Empresas não Financeiras, foi comunicado à Impugnante a prorrogação do prazo de inspecção por um período de três meses, por despacho emitido em 13/9/2009, pelo chefe de divisão no âmbito da delegação de competências do Director de Serviços, com fundamento na existência de "circunstâncias de especial complexidade” nos termos do disposto no artigo 36.°, n.° 2 e n.° 3 do RCPT (cf. oficio e despacho a fls. 111 a 113 dos autos).

4. Em 20/1/2010, a Divisão de Inspecção a Empresas não Financeiras da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária emitiu o projecto de relatório inspectivo constante de fls. 116 a 139 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e do qual consta em síntese o seguinte:

" (...)

III - 1.2 - TARAS E VASILHAME (730.540,25 euros)

A) Descrição

A R......., no âmbito da sua actividade comercial, transacciona bebidas acondicionadas em embalagens retornáveis ou reutilizáveis.

Face a esse condicionalismo o procedimento contabilístico passa pela utilização de um sistema de caucionamento dessas embalagens, movimentando a crédito, no momento da venda do produto, a conta “2687001 - DCD - BEM. DEV.P/CLIENT” por contrapartida do débito na conta do respectivo cliente. O valor caucionado, referente a taras e vasilhame, está perfeitamente identificado nas facturas de venda, concorrendo para o “total a pagar”, mas excluído de IVA, nos termos da alínea d) do n.° 6 do artigo 16° do CIVA, conforme menção expressa nas facturas “As taras relativas aos produtos facturados são propriedade da R....... e não foram transaccionadas, ficando expressamente acordada a sua devolução

O descaucionamento, efectuado aquando da devolução por parte dos clientes do vasilhame anteriormente levantado, implica, em termos contabilísticos, o movimento inverso.

Importa ainda referir que, todos os clientes ao pagarem o valor das facturas constantes das contas correntes, pagam o valor referente ao caucionamento do vasilhame e paletes inerente a essa(s) mesmas factura(s), sendo que aquando da devolução do mesmo vasilhame é relevada na sua conta corrente uma nota de crédito, que o cliente irá descontar em pagamentos futuros.

A conta “2687001”, com referência à data de 31/12/2007, apresenta um saldo credor de 6.707.820.78 euros, correspondendo a um movimento total de saldos devedores de 23.451.605,00 euros e de saldos credores de 23.409.056,38 euros, significando que, em termos globais, esse saldo geral respeita ao montante do vasilhame caucionado ainda não devolvido pelos clientes.

Deste modo, a referida conta “2687001 - DCD - BEM. DEV.P/CLIENT” expressa no balanço da R......., reflecte uma responsabilidade da empresa perante os seus clientes, na medida em que estes possam vir entregar o vasilhame levantado e assim reclamar a correspondente caução.

Analisados os dados fornecidos pelo sujeito passivo, relativamente ao detalhe da conta por cliente e datas de movimento, verificou-se que parte do saldo atrás indicado, isto é, parte do valor de 6.707.820.78 euros, correspondia a valores de clientes com saldos parados, sendo certo que muitos destes saldos reportam-se pelo menos ao exercício de 2000.

A metodologia adoptada para determinar quais os saldos parados, foi a de verificar a data do último movimento de cada cliente e nesse momento apurar o respectivo saldo final na

conta “2687001”, isolando assim, por exercícios, os saldos dos clientes cujo último movimento se verificou nesse mesmo exercício.

Paralelamente questionou-se a empresa no sentido de apurar, qual o prazo de validade máxima dos produtos que comercializa. Em resposta à notificação conclui-se que os prazos podem variar, contudo o prazo máximo de validade dos produtos é de um ano. Assim, adoptou-se o prazo de 3 anos, como sendo o limite a partir do qual o vasilhame caucionado não seria devolvido (ver anexo 2, fls 1 a 2 - devido ao elevado número de folhas, fez-se a entrega da listagem completa em suporte informático).

Somando o montante das cauções por cliente a 31 de Dezembro de 2005, o valor ascende a 730.540,25 euros, sendo que desses, 559,91 euros (ver anexo 2, fls 3), referem-se a clientes cujos saldos se encontram provisionados a 100% e, 152.848,13 euros (ver anexo 2, fls 4 a 67), dizem respeito a clientes cuja actividade se encontra cessada ou sem actividade para efeitos de IVA, com data anterior a 2007, de acordo com o cadastro da DGCI.

A título meramente exemplificativo mencionamos apenas alguns clientes, cuja actividade para efeitos fiscais se encontra cessada:

(...)

Deste modo, conjugando a informação constante da listagem do balancete de terceiros com a listagem dos clientes provisionados a 100% (conta “28”), ambas reportadas à data de 31/12/2007 e cruzando essa informação com a listagem que constitui a posição da conta “268700Í" à data de 31/12/2005, podemos formular as seguintes conclusões:

a) O montante total, relativo a caucionamento de vasilhame, reflectido na conta 2687001, cuja devolução se considera não efectuada e como tal terá que ser considerada como proveito, ascende a 730.540,25 euros;

b) Deste, o valor de 718.131,35 euros não está incluído no balancete de terceiros, apenas na conta 2687001, sendo que:

b1) Uma parte, no montante de 152.848,13 euros, diz respeito a clientes que se encontram sem actividade ou cessados, de acordo com o sistema de cadastro da DGCI; e

b2) Outra parte, no montante de 559,91 euros, diz respeito a clientes, cujo saldo se encontra provisionado a 100%;

c) Embora incluído no balancete de clientes, o valor.de 12.408,90 euros diz respeito a clientes cujo saldo de caução de vasilhame se encontra parado há mais de três anos.

B) Enquadramento Contabilístico/Legal e Contratual

A este propósito, o Plano Oficial de Contabilidade (POC), relativamente à explicação do conteúdo e movimentação da conta “427 - Taras e vasilhame”, dispõe o seguinte:

- "Compreende os objectos destinados a conter ou acondicionar as mercadorias ou produtos, quer sejam exclusivamente para uso interno da empresa, quer sejam embalagens retornáveis com aptidão para utilização continuada.

A contabilização das embalagens retornáveis como imobilizações não impede a utilização e a contabilização de garantias ou de cauções que lhes respeitem (desdobradas por clientes, dentro da conta 268 «Outros devedores e credores - Devedores e credores diversos»), as quais deverão ser regularizadas quando se reconhecer a venda das respectivas embalagens.

Além disso, a empresa delas proprietária deverá satisfazer os seguintes requisitos:

a) Dispor de registos sobre o movimento das embalagens demonstrativos de que a regra geral é a restituição pelos clientes;

b) Facturar as embalagens não restituídas pelos clientes até ao fim do prazo estipulado, utilizando para o efeito as correspondentes cauções ou parcelas dos depósitos de garantia; transferir para resultados os custos dessas embalagens e as respectivas amortizações acumuladas;

c) Utilizar o método FIFO para a determinação do custo das embalagens a abater - por não terem sido restituídas pelos clientes ou atendendo ao seu estado de deterioração, obsolescência ou inutilização - relativamente às quais não possa ser utilizado o método de custo específico. ”

Em termos de enquadramento legislativo, o Decreto-Lei n.° 366-A/97 de 20/12, “transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.° 94/62/CE, do Parlamento e do Conselho, de 20 de Dezembro de 1994, e estabelece os princípios e as normas aplicáveis à gestão de embalagens e resíduos de embalagens, com vista à prevenção da produção desses resíduos, à reutilização de embalagens usadas, à reciclagem e outras formas de valorização de resíduos de embalagens e consequente redução da sua eliminação final n.° 1 do art.° 1o.

No art.° 4.°, sob a epígrafe "Responsabilidade pela gestão das embalagens e resíduos de embalagens”, estabelece-se que "os operadores económicos são co-responsáveis pela gestão das embalagens e resíduos de embalagens n.° 1, definindo-se no n.° 1 do art.° 5o que “para efeitos do cumprimento das obrigações estabelecidas no artigo anterior, os operadores económicos podem optar por submeter a gestão das suas embalagens e resíduos de embalagens a um dos dois sistemas, de consignação ou integrado (...)”

Estes sistemas, nos termos do art.° 9.°, encontram-se regulados pela Portaria n.° 29-B/98 de 15/01.

Relativamente ao sistema integrado, nos termos do art.° 7.° da Portaria, “os embaladores, os responsáveis pela colocação de produtos no mercado nacional e os industriais de produção de embalagens ou matérias-primas para o fabrico de embalagens podem transmitir a sua responsabilidade pela gestão dos resíduos das suas embalagens a uma entidade gestora devidamente licenciada para exercer essa actividade”.

Relativamente ao sistema de consignação, aquele que está em causa neste caso, nos termos do artigo 2.°, n.° 2, do mesmo diploma, “a consignação envolve necessariamente a cobrança aos consumidores, no acto da compra, de um depósito, que só pode ser reembolsado no acto da devolução (...) sem ultrapassar o seu valor real", acresce que "o distribuidor/comerciante é obrigado a cobrar e a reembolsar o depósito previsto no número anterior, bem como a assegurar a recolha das embalagens usadas, no local de venda, e o seu armazenamento em condições adequadas n.° 3 do referido artigo.

O n.° 6 do mesmo artigo refere ainda que “os embaladores e ou os responsáveis pela colocação de produtos no mercado nacional são obrigados a proceder à recolha das embalagens recebidas e armazenadas pelo distribuidor/comerciante dentro de um prazo a acordar entre as partes”.

Em termos de responsabilidade, o art.° 3.° define que “no fim do ciclo de retorno, a responsabilidade pelo destino final das embalagens reutilizáveis cabe aos respectivos embaladores ou aos responsáveis pela colocação de produtos no mercado nacional”.

A este propósito pode ler-se no “Código de Boas Práticas de Caucionamento”, elaborado peia Associação Nacional dos Industriais de Refrigerantes e Sumos de Frutas - ANIRSF, o seguinte:

- “4.10) As empresas deverão inventariar as existências de embalagens reutilizáveis (taras e vasilhame) em cada cliente e assegurar a operacionalização de uma rotina de valorização que lhes permita efectuar o descaucionamento pelo valor a que as embalagens (referência a referência) foram efectivamente caucionadas. (...)

4.12) As empresas não obstante receberem o valor de depósito referente às embalagens reutilizáveis devem assegurar-se que os procedimentos logísticos inerentes à recuperação das suas embalagens são expeditos, uma vez que é da sua responsabilidade a recolha das mesmas”.

Mas, reportando-nos à análise dos esclarecimentos prestados aquando da notificação, o sujeito passivo informou que, relativamente ao prazo acordado para a devolução do vasilhame caucionado, “a R....... não tem prazo definido para a devolução do vasilhame retornável

Deste modo conclui-se que, por um lado, nos termos do contratualizado com os clientes, a R....... deverá receber o vasilhame emprestado aos seus clientes logo que cesse o fim para que este foi emprestado, isto é, logo que os distribuidores tenham em sua posse o vasilhame vazio. Por outro lado, com a morte, leia-se cessação da relação comercial e a circunstância de muitos dos clientes com saldos parados terem já cessado a actividade, o contrato cessa imediatamente, pelo que a estes impõe-se a devolução do vasilhame em seu poder e à R....... cumpre tomar as medidas necessárias tendentes a exigir que a devolução do vasilhame se efective.

C) Conclusão

Face aos registos contabilísticos efectuados, verifica-se que relativamente aos clientes elencados nas listagens fornecidas pelo sujeito passivo, os caucionamentos foram efectuados em períodos tão distantes do período agora analisado (2007), que nos leva a concluir que a não devolução das embalagens por qualquer razão (desaparecimento, destruição, mau estado de conservação, etc.) confere à R....... o direito à retenção do valor caucionado e consequentemente a sua tributação como proveito extraordinário.

Importa ainda referir a circunstância de as empresas que utilizem embalagens reutilizáveis (taras e vasilhame) as deverem inventariar em cada cliente e assegurarem a operacionalização de uma rotina de valorização que lhes permita efectuar o seu descaucionamento pelo valor a que essas embalagens (referência a referência) foram efectivamente caucionadas.

Tendo em conta a determinarão dos saldos parados de clientes, a verificação da cessação da actividade, para efeitos fiscais, de uma grande maioria dos clientes, o seu cruzamento com os clientes elencados no balancete de terceiros/clientes e conjugando essa informação com a listagem dos clientes provisionados a 100%, isto é, com mora há pelo menos 24 meses, leva-nos a concluir que parte da responsabilidade inscrita no balanço da R......., no que respeita aos credores com caução por taras e vasilhame, terá que ser anulada, sendo reconhecido o respectivo proveito extraordinário, pelo que, nos termos do artigo 20° do CIRC, será de acrescer ao lucro tributável o montante de 730.540,25 euros.

(...)

III - 2.2.1 - TARAS E VASILHAME - (153.413,45 euros)

O tratamento conferido no Código do IVA às embalagens recuperáveis, face à conjugação do disposto na alínea d) do n.° 6 do art.° 16° e na alínea b) do n.° 5 do artigo 35° ambos do citado diploma, materializa-se no procedimento segundo o qual as importâncias recebidas a título de caução de depósito, aquando da entrega das embalagens, não serão tidas em consideração no cálculo do valor tributável dos produtos que a condicionam, na dupla condição de:

1) O fornecedor não as ter efectivamente transaccionado, isto é, não as considerar vendidas e, por consequência, não relevar contabilisticamente tal operação como venda nem como adiantamento;

2) Na factura ou documento equivalente, essas quantias forem objecto de uma indicação em separado e se mencionar expressamente que foi acordada a devolução das embalagens.

A ausência de retomo das embalagens retomáveis por parte dos clientes nos prazos e nas condições acordadas, determina que se considerem efectivamente vendidas e como tal sejam tributadas, procedendo-se nessa altura ao registo contabilístico da venda.

Face a toda a argumentação aduzida no ponto ‘'III - 1.2 - Taras e Vasilhame” do presente relatório, o valor do proveito correspondente a taras e vasilhame não retomados ascende a 730.540,25 euros, valor que deverá constituir base de incidência de IVA, nos termos do disposto na alínea d) do n.° 6 do art.° 16°, conjugado com a alínea b) do n.° 1 do art.° 8o ambos do CIVA.

O valor do imposto foi apurado com referência à data de 31/12/2007, data em que se considera verificado o proveito, sendo o seu montante o que resulta da aplicação da taxa de 21%, prevista na alínea c) do n.° 1 do artigo 18° do diploma atrás referido, uma vez que os bens em causa não se enquadram das listas anexas ao Código do IVA, ao valor correspondente às taras e vasilhame não retornados.

Assim, o valor do imposto em falta ascende a 153.413,45 euros (730.540,25 x 21%).

(…)”

5. Em 5/2/2010, após comunicação do projecto de relatório de inspecção descrito no ponto que antecede, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia nos termos constantes de fls. 141 a 158 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, da qual consta em síntese o seguinte:

“ ( …)

Perante o exposto, e com o intuito de avaliar a proposta de correcção a que ora se responde, entende a exponente que as seguintes questões se impõem, a saber:

Qual a data/momento relevante para que, neste casos, se possa presumir a não devolução do vasilhame e, consequentemente, a tributação em sede de IVA?

(1) Será o prazo de 3 anos a contar da transmissão dos produtos outrora contidos no vasilhame - no caso, dos Refrigerantes - tal como pressuposto pela DSIT? Ou, reformulando aquela primeira questão,

(2) O prazo a considerar para efeito de determinação do momento em que o vasilhame já não será devolvido não deverá ser nenhum outro mas apenas o que permita, dentro da coerência do sistema em que o Código do IVA se consubstancia, atingir um equilíbrio entre (i) o poder tributário do Estado, (ii) a vontade firmada das partes na transmissão de bens e a (iii) segurança jurídica na vertente da limitação daquele poder de tributar?


25°

Adicionalmente, se a resposta à pergunta (1) supra fosse susceptível de merecer uma resposta afirmativa, o que não se aceita, não deveria então a DSIT ter exposto de forma clara, congruente e suficiente a razão pela qual considerou tal prazo de 3 anos como sendo o limite a partir do qual o vasilhame caucionado não seria devolvido, permitindo, desse modo, que a exponente ficasse habilitada desde a notificação do Projecto de Relatório a controlar as razões de facto e de direito da DSIT para, se concordasse, poder conformar-se com o citado entendimento?

26°

Ora, como veremos adiante, o prazo de 3 anos tido como referência para as correcções propostas não se afigura no entender da exponente correcto, mormente porque legalmente infundado - não há qualquer norma com força de lei que permita/sugira/imponha a adopção de tal critério.

27°

Por outro lado, a selecção da citada metodologia não permite a percepção ou o entendimento pela R....... do que levou a DSIT a propor a prática das correcções contestadas nesta sede, o que equivale à falta de fundamentação por violação do disposto no artigo 77.° da LGT e do artigo 125.° do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável ex vi alínea d) do artigo 2.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

28°

Voltando agora ao critério dos 3 anos adoptado pela DSIT, o que levou a considerar que a exigibilidade do imposto - por presunção de transmissão de vasilhame entregue pela R....... aos seus clientes (actuais ou passados) - coincide com o dia 31 de Dezembro de 2007, além de não ter arrimo legal, não respeita a doutrina administrativa produzida nesta matéria.

(…)


32°

Contudo, de acordo com os usos comerciais próprios deste sector de actividade, a data da devolução coincidirá genérica e tendencialmente, no canal Horeca (sem distribuidores a intermediar, pois nestes casos há constituição de stocks de vasilhame relevantes e permanentes), com a data da entrega de uma nova encomenda - i.e., o vasilhame referente a, por exemplo, Novembro de 2009 será à partida devolvido com a entrega da encomenda referente a Dezembro deste ano, sendo que com a nova encomenda novo vasilhame volta a ser caucionado, tal como as autoridades fiscais constataram pela análise das facturas e restantes documentos que lhe foram facultados. De facto um cliente activo tem, no mínimo, um stock permanente de vasilhame que corresponderá ao produto que assegura o seu ciclo de encomenda. Este stock de vasilhame varia ao longo do ano de acordo com a sazonalidade do seu negócio.

(…)


36°

Ou seja, a R....... não discute que, de facto, se terá de considerar transmitido o vasilhame caucionado e não devolvido, aceitando tal premissa.

37°

O que a R....... não aceita por discordar em absoluto é tão-somente o critério adoptado pelas autoridades fiscais para determinar o momento da exigibilidade do imposto e, consequentemente, que esteve na base do apuramento do IVA liquidado - ou seja, o de que tal momento ocorreu três anos após a transmissão dos produtos outrora contidos no vasilhame.

38°

A R....... demonstrará que, não obstante aceitar a obrigatoriedade que sobre si impendeu de, a dada altura, liquidar IVA sobre os valores de cauções correspondente a vasilhame não retomado, com o decorrer do tempo tal obrigatoriedade caducou.

(...)


60°


Como se disse, não obstante concordar-se em absoluto que a liquidação de imposto deveria ter tido lugar, o certo é que impor agora tal liquidação é, efectivamente, algo que peca por tardio atendendo às regras em vigor a respeito da caducidade do direito à liquidação dos tributos.

61°

Ou seja, e com base no raciocínio aqui exposto pela R......., estariam ainda - e bem - sob a alçada do poder tributário da Fazenda Pública apenas as presunções de transmissão de vasilhame a que respeitem cauções constituídas durante e após o ano de 2006, o que, como se sabe, não aconteceu, porquanto os valores em análise respeitam todos a cauções constituídas em data anterior a 2006.

• Da taxa de IVA aplicável na liquidação


62°

Subsidiariamente e ainda que não venha a ser reconhecida, por parte da Administração Fiscal, a caducidade do direito à liquidação do valor de IVA que, na parte referente aos vasilhames, pelo presente meio se contestou - o que não se compreenderia nem se aceitaria, por tão evidente que ficou demonstrada a sua verificação -, ainda assim impõe-se o reconhecimento de que, ao invés daquilo que é preconizado no Projecto de Relatório, a taxa de imposto aplicável ao vasilhame composto por embalagens que se destinam a acondicionar e tomar comercializável o produto vendido pela R....... não poderá ser outra que não a taxa reduzida de 5%.

63°

A aplicação da taxa reduzida de 5% à situação ora vertente determinaria, caso estivesse ainda em aberto o direito à liquidação, o que fortemente se rejeita atendendo ao que aqui se expôs, que o montante de IVA cuja correcção é proposta em sede de Projecto de Relatório sofreria uma significativa redução, cifrando-se em € 31.358,64 (5% de IVA sobre 0 valor corrigido de €627.172,78).

(…)”

6. Em 9/2/2010, a Divisão de Inspecção a Empresas não Financeiras da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária emitiu o relatório inspectivo constante de fls. 116 a 139 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e do qual consta em síntese o seguinte:

“ (…)

1 - 4.1.2 - TARAS E VASILHAME

Esta correcção foi anulada parcialmente, em 2.970,20 euros, na sequência do direito e audição, conforme ponto IX - Direito de Audição - Fundamentação, deste relatório. Assim o montante a corrigir ascende a 727.570,05 euros.

(…)

I - 4.1.2.1 - TARAS E VASILHAME

A ausência de devolução das embalagens retornáveis por parte dos clientes nos prazos e nas condições acordadas, determina que se considerem efectivamente vendidas e como tal sejam tributadas em sede de IVA, procedendo-se nessa altura ao registo contabilístico da venda e à consequente liquidação de IVA.

Em virtude de se ter considerado como proveito o valor de 730.540,25 euros, nos termos do disposto na alínea d) do n.° 6 do artigo 16°, conjugado com a alínea b) do n.° 1 do artigo 8.° do CIVA, implica que haja incidência de IVA, com referência à data de 31/12/2007, data em que se verifica o proveito, pelo que foi apurado imposto em falta no valor de 153.413,45 euros (730.540,25 x 21%) (ver ponto III - 2.2.1).

Esta correcção foi anulada parcialmente, em 623,74 euros, na sequência do direito de audição, conforme ponto IX - Direito de Audição - Fundamentação, deste relatório. Assim, o montante a corrigir ascende a 152.789,71 euros (727.570,05 x 21%).

(...)

VIII- DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

Face aos artigos 60° da Lei Geral Tributária e 60° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, aprovados pelo D.L. n.° 398/98, de 17 de Dezembro, e 413/98* de 31 de Dezembro, respectivamente, notificou-se o sujeito passivo, através do ofício n.° 198 de 16 de Janeiro de 2010, para exercer no prazo de 10 dias o direito de audição sobre o Projecto do Relatório de Inspecção Tributária.

O direito de audição foi exercido, por escrito, pelo sujeito passivo em 05 de Fevereiro de 2010 (nossa entrada n.° 477).

Relativamente aos pontos 111-1.1 - Excesso de Reintegrações, 111-2.1 - IRC - Tributação Autónoma - Despesas de Representação e III-2.2.2 - Dedução Indevida de IVA, constante no Projecto do Relatório de Inspecção Tributária nada foi referido em contrário, mantendo- se a correcção inicialmente proposta.

Relativamente aos pontos 111-1.2 - (IRC) Taras e Vasilhame e 111-2.2.1 - (IVA) Taras e Vasilhame, constantes no supra mencionado Projecto de Correcções, o sujeito passivo pronunciou-se tendo- se, com base nos elementos apresentados, procedido como segue:

a) IRC - Taras e Vasilhame - ponto III.1.2 do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária

Face ao exposto no direito de audição, relativamente à correcção proposta em sede de IVA, nomeadamente nos seus artigos 13° e 14°, seria de concluir que a correcção em IRC estaria empolada em 103.148,40 euros.

Naquele valor está incluído o montante de:

a) 2.751,13 euros referente a 3 clientes, cujo saldo teve uma variação no decurso dos anos de 2005 a 2007, contrariando assim, a metodologia adoptada pela Administração Fiscal;

b) e o restante, ou seja, 100.397,27 euros referente a 2 clientes activos (I....... e T.......), cujos negócios passaram para outras entidades fiscais.

Considera a R....... que, o saldo da conta de cliente da I....... com o NIF ........., passou, a partir de 2005, para a I......... ACE com o NIF ........, devendo, o saldo da conta de caucionamento de vasilhame passar a ser considerado como pertencente a este último.

Relativamente ao saldo de cliente da T....... -…….., Lda., como NIF………., responsável pelo aprovisionamento da E........ Lda. com o NIF ........, até 30 de Junho de 2005, a partir desta data passou a ser feito nesta última, pelo que o saldo de caucionamento de vasilhame, também deverá ser considerado como pertencente à E........

Sucede porém, relativamente ao alegado pela R......., no que diz respeito a clientes cujos negócios passaram para outras entidades fiscais, que não se pode relegar o facto de a 31 de Dezembro de 2007 a conta de caucionamento de vasilhame ainda ter saldo e de se tratar de entidades juridicamente distintas, consubstanciando para estas entidades a obrigação de devolver à R....... o vasilhame anteriormente caucionado, o que impede que sejam as novas entidades jurídicas responsáveis pela sua devolução.

Face ao exposto, e analisado o ficheiro base à correcção efectuada, apenas se dá provimento ao alegado pelo sujeito passivo no que diz respeito a clientes cujo saldo variou no anos 2005 a 2007, ajustando-se, em 2.970,20 euros, o valor da correcção inicialmente proposta de 730.540,25 euros para 727.570,05 euros.

b) IVA - Taras e Vasilhame - ponto III.2.2.1 do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária

Importa referir em primeiro lugar que, face aos argumentos apresentados pelo sujeito passivo e, tal como foi referido na alínea a) supra, o valor da correcção relativo a Taras e Vasilhame para efeitos de IRC, e que serve como base tributável para a correcção em sede de IVA, foi ajustado em 2.970,20 euros, de 730.540,25 euros para 727.570,05 euros, sendo que o valor do IVA em falta, que incide sobre o valor ajustado para efeitos de IRC, passa a ser de 152.789,71 euros e não de 153.413,45 euros, como previsto no ponto III.2.2.1 do Projecto de Correcções.

Veio o sujeito passivo alegar em sede de Direito de Audição, que a liquidação do IVA relativo ao vasilhame caucionado e não devolvido pelos clientes da R....... não é devida, em virtude de ter excedido o prazo de caducidade do direito à liquidação de imposto, previsto no n.° 1 do artigo 45° da LGT.

No que se refere à caducidade do direito à liquidação do IVA, proposta no projecto de relatório, em virtude de se ter considerado a transmissão por não devolução, por parte dos clientes, do vasilhame caucionado, vem o sujeito passivo questionar no artigo 24° do seu direito de audição. Qual a data/momento relevante para que, nestes casos, se possa presumir a não devolução do vasilhame e, consequentemente, a tributação em sede de IVA?", afirmando ainda que não aceita como resposta o entendimento por parte da DSIT, onde é fixado em 3 anos esse limite, adiantando que, este prazo, para efeitos de presunção de transmissão do vasilhame caucionado, carece de força de lei que imponha tal entendimento.

Mais vem afirmar no seu direito de audição que, a utilização do dia 31 de Dezembro de 2007, como o momento considerado para efeitos de presunção da transmissão do vasilhame caucionado e não devolvido por parte dos clientes, para além da sua ilegalidade, contraria a doutrina administrativa produzida nesta matéria, por parte da Direcção de Serviços do IVA, onde se estatui que a ausência de retorno das embalagens por parte do cliente nos prazos e condições acordadas determina que se considera efectivamente vendidas e, como tal tributadas, procedendo-se, também nessa altura, ao registo contabilístico da venda".

Desta forma, há que determinar primeiro, o prazo contratualmente definido entre as partes, e apenas através do seu incumprimento, considerar a sua transmissão.

Mais entende a R......., uma vez que não acorda prazos de devolução com os seus clientes, que há que recorrer aos usos comerciais do sector, onde “(...) a data da devolução coincidirá genérica e tendencialmente, no canal Horeca (sem distribuidores a intermediar, pois nestes casos há constituição de stocks de vasilhame relevantes e permanentes), com a data de uma nova encomenda”.

(...)

Antes de mais é de referir que relativamente ao prazo adoptado pela Administração Fiscal no que diz respeito a saldos parados, foi indicado por lapso na fundamentação do projecto de relatório o período de 3 anos, quando na realidade queríamos dizer 2 anos que corresponde ao prazo que vai de 31 de Dezembro de 2005 a 31 de Dezembro de 2007.

Posto isto, face ao alegado pelo sujeito passivo, importa, como referido nas fundamentações da correcção proposta que, a metodologia adoptada pela Administração Fiscal ao presumir a transmissão de vasilhame caucionado, motivada pela não devolução por parte dos clientes da R......., após 3 anos da transacção dos produtos, está a ter em conta o prazo de validade dos produtos comercializados pela R......., ou seja, admite-se a hipótese da devolução do produto dentro do prazo de um ano, período em que o produto ainda está em perfeitas condições de consumo.

Por outro lado, acautelam-se situações de transmissão de produtos no final do ano, como por exemplo em Dezembro de um determinado ano n, em que a devolução do vasilhame deveria ser feita no prazo de um ano, acompanhando assim o prazo de validade do produto, mas que por alguns condicionalismos se faça com ligeiros atrasos, podendo desta forma e admitindo o exemplo atrás referido seria feito no princípio do ano n+2.

Trata-se aqui da adopção de um prazo, perfeitamente razoável em face das circunstâncias, porque em caso contrário, e no limite, ter-se-ia que controlar as saídas do vasilhame factura a factura, com a finalidade de aferir o prazo de um ano.

Desta forma adoptou-se a data limite de 31 de Dezembro de 2005, tendo como referência o ano de análise (2007), para se presumir a transmissão do vasilhame caucionado e contabilizado na conta “2687001 - DCD - EMB. DEV P/CLIENTES”.

Relativamente à caducidade do direito à liquidação de IVA, que incide sobre o valor tributável, respeitante ao valor considerado como proveito, por não ter sido devolvido o vasilhame anteriormente caucionado, considera a administração fiscal que o momento do nascimento da obrigação tributária ocorre quando se presume a sua transmissão, que neste caso aconteceu a 31 de Dezembro de 2007, por recurso a saldos parados de vasilhame no fim do exercício de 2005 e anteriores.

A data da transmissão não poderá ser outra, até porque contabilisticamente aquele valor, relativo ao caucionamento de vasilhame não devolvido se encontra numa conta de Balanço, que reflecte ainda uma responsabilidade para com os seus clientes, pelo que apenas se considera transmitido contabilisticamente com a sua inclusão em proveitos.

Importa relembrar, tal como fundamentado no Projecto de Correcções que, a R....... aquando da venda do produto, emite uma factura, onde consta o valor caucionado, referente a taras e vasilhame, concorrendo para o “total a pagar", mas excluído de IVA, nos termos da alínea d) do n.° 6 do artigo 16° do CIVA, conforme menção expressa nas facturas "As taras relativas aos produtos facturados são propriedade da R....... e não foram transaccionadas, ficando expressamente acordada a sua devolução

Está expresso nas facturas que as taras que acondicionam os produtos não foram transaccionadas até porque se fossem transaccionadas, incluiria o valor tributável para efeitos de incidência da taxa de imposto, não podendo desta forma, usar do estatuído naquele dispositivo legal, previsto no Código do IVA. Apenas se presume a sua transmissão se, e apenas, quando aquele vasilhame for considerado como não retomável, o que se considerou no exercício de 2007.

Quanto à taxa utilizada para a liquidação do IVA, que no caso do vasilhame é de 21%, a mesma que a R....... suporta na aquisição daquele material que posteriormente acondicionará os produtos por si comercializados, seria incoerente utilizar a taxa reduzida de 5%, prevista na verba 1.11 da Lista I anexa ao Código do IVA, por se considerar que o momento da transmissão do vasilhame não é o mesmo considerado para os seus produtos, porque, e uma vez mais se recorre ao mencionado expressamente nas facturas emitidas pela R......., onde as taras não foram transaccionadas.

Ora se as taras não são transaccionadas aquando da venda do produto, apenas o acondicionam e serão posteriormente devolvidas, no momento em que se consideram transmitidas, terão que ter tratamento fiscal igual, ao que a R....... suporta aquando da sua aquisição, a mesma incidência de taxa de IVA, que, por ausência de verba nas listas I e II anexas ao Código do IVA, apenas têm cabimento, na taxa prevista na alínea c) do n.° 1 do artigo 18° do CIVA, ou seja, 21%.

Assim, e pelo exposto será de manter em parte a correcção proposta quanto à liquidação do IVA que incide sobre a transmissão do vasilhame caucionado e que ascende a 152.789,71 euros.

(…)”

7. Em 24/2/2010, os Serviços de Inspecção Tributária enviaram à Impugnante o oficio 0482 de 22/2/2010, constante de fls. 161 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, com o assunto: “ RELATÓRIO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA - ART. 77.° DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA (LGT) E ARTIGO 62.° DO REGIME COMPLEMENTAR DO PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA (RCPIT) ”.

8. A Administração Tributária remete para o “Anexo 2” do Relatório de Inspecção a listagem de contas cliente consideradas para cálculo dos valores das cauções relativas a vasilhames não devolvidos, listagem constante de fls. do PEF, composta por 67 folhas, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, na qual constam clientes cujo saldo de conta é referenciado do ano 2000 ao ano de 2007, entre os quais se encontram vários clientes com a actividade cessada em sede de IVA e IRC desde o ano de 1995, 1998, 1999, 2000.

9. Em 27/3/2010, a Direcção Geral dos Impostos emitiu em nome da Impugnante a liquidação adicional de IVA n.° 10042149, constante de fls. 195 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, relativa ao período de 12/2007, no valor de EUR 152.789,71, com data limite para pagamento voluntário de 31/5/2010.

10. Em 27/3/2010, a Direcção Geral dos Impostos emitiu em nome da Impugnante a liquidação adicional de juros compensatórios n.°……, constante de fls. 197 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, calculados sobre EUR 152.789,71, entre 11/2/2008 a 10/2/2010, relativa ao período de 12/2007, no valor de EUR 12.223,18, com data limite para pagamento voluntário de 31/5/2010.

11. Em 2/9/2010, a presente Impugnação judicial foi apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (cf. carimbo a fls. 1 dos autos).

12. A Inspecção Tributária considerou como proveitos obtidos pela Impugnante no ano de 2007, cauções resultantes de transacções facturadas no ano de 2000, cujo vasilhame não foi devolvido (cf. depoimento da testemunha R.......).

13. As transacções realizadas após 31/12/2005 não foram consideradas, apenas as anteriores (cf. depoimento da testemunha R.......).

14. Até 30 de Junho de 2005, o saldo de cliente da T....... -……, Lda., como NIF…….., era responsável pelo aprovisionamento da E........ Lda. com o NIF ........ (cf. depoimento da testemunha M.......).

15. A partir 30 de Junho de 2005, passou a ser feito directamente pela E......., o saldo de caucionamento de vasilhame, foi considerado pela Impugnante como pertencente à E....... (cf. depoimento da testemunha M.......).

16. A Impugnante tem mutos clientes que encerram a actividade temporariamente e quando voltam a abrir vão devolver vasilhame e comprar mercadoria (cf. depoimento da testemunha M.......).

17. A Impugnante tem distribuidores a devolver vasilhame, como tem clientes a devolver vasilhame directamente (cf. depoimento da testemunha M.......).

18. Se passado dois, três anos, aparece um camião a devolver vasilhame, a Impugnante aceita e devolve a caução correspondente (cf. depoimento da testemunha M.......).

19. A Impugnante cauciona os vasilhames em circuito fechado, uma vez que é a única empresa em Portugal a produzir os Refrigerantes da marca "Coca-cola” cujos vasilhames são únicos (cf. depoimento da testemunha M.......).


*


A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada e no depoimento do Inspector Tributário R......., autor do relatório de inspecção realizado à Impugnante e que procedeu à explicação de acção inspectiva realizada. E no depoimento da testemunha M......., contabilista, que exerceu as funções de Técnica Oficial de Contas para a Impugnante no ano de 2006 ao ano de 2010, tendo respondido com rigor, de forma verosímil e coerente às perguntas que lhe foram formuladas.

Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.»

**

B.DE DIREITO
DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA DESTE TCA
A primeira questão que cumpre apreciar e decidir, é a da competência em razão da hierarquia deste Tribunal Central Administrativo para conhecer do presente recurso, questão que, em conformidade com o disposto no artigo 13.º do CPTA [aplicável por força do disposto no artigo 2º, alínea c), do CPPT], assume carácter prioritário relativamente a todas as outras.
Para a Recorrida no caso concreto, não vem suscitada nenhuma questão de facto, nenhuma alteração do probatório pelo que competente para apreciar do mérito é o Supremo Tribunal Administrativo.
Diga-se, porém, que sem razão.
Na verdade, nos termos do artigo 280.º, nº1 do CPPT, «[d]as decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, (…) para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, (…), para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo».
E, nos termos do artigo 26.º, al. b), do ETAF, atribui-se competência à Secção de Contencioso Tributário do STA para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito.
Por sua vez, o artigo 38º, al. a), do ETAF, atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artigo 26º, al. b), do mesmo diploma.
A propósito destes normativos, tem vindo a ser proclamado pela boa doutrina que «[n]a delimitação da competência do STA em relação à dos tribunais centrais administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, que fixam o objecto do recurso, o recorrente pede a alteração da matéria de fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa» [cfr., Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Volume I, 2006, pág. 213].
De uma forma sintética, podemos, então dizer, que será competente para conhecer do recurso de decisão proferida por Tribunal de 1ª. Instância o Supremo Tribunal Administrativo, sempre que o recurso tiver por fundamento exclusivamente matéria de direito e competente para dele conhecer o Tribunal Central Administrativo (Secção de Contencioso Tributário de um dos Tribunais Centrais) se o fundamento não for exclusivamente de direito.
No caso “sub judice”, conforme se retira das conclusões das alegações de recurso apresentadas pela recorrente, pois que são estas, como já o dissemos, as relevantes para aferir do objecto e âmbito do recurso, verifica-se que em especial nas conclusões 2. e 10. manifesta clara discordância com o decidido perante a matéria de facto fixada pelo Tribunal « a quo», alegação que está para além da mera interpretação de normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida, supostamente, violados na sua determinação.
Mas sendo assim, os fundamentos do presente recurso não versam exclusivamente matéria de direito, pelo que a competência para o seu conhecimento pertence a este Tribunal, por força do artigo 38º, al.a), do ETAF, e não ao STA -2ªSecção.
Assim, há que concluir que improcede a suscitada questão de incompetência hierárquica deste Tribunal Central Administrativo.

Do mérito do recurso

Resulta do probatório que a Impugnante (doravante recorrida) foi objecto de uma acção de inspecção referente ao exercício de 2007, a coberto da Ordem de Serviço n.º OI200900214, datada de 16 de Abril de 2009.

E na sequência desse procedimento a Administração Tributária emitiu a liquidação adicional de IVA relativa ao período de 07/12, no valor de 151,789,71€ acrescida de juros compensatórios.

Discordando da legalidade da liquidação, foi pela recorrida apresentada impugnação judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.

Esta impugnação judicial foi julgada procedente, tendo em conta a falta de notificação no decurso do prazo de caducidade, e, consequentemente, anulou a liquidação.

Para tanto, a Meritíssima Juiz do Tribunal «a quo» considerou, em síntese, que estando em causa transacções realizadas em data anterior ao ano de 2000, ainda que se considerasse o prazo legal presumido pela Administração Tributária para a devolução do vasilhame, o direito à emissão da liquidação de IVA no ano de 2009 ou 2010, já ocorrera a caducidade do direito à liquidação nos termos do artigo 45.º da LGT.

A Fazenda Pública (doravante recorrente) não se conforma com o assim decidido, por considerar que o momento do nascimento da obrigação ocorre quando se presume a sua transmissão. E, foi com base, neste raciocínio que elegeu a data de 31 de Dezembro de 2007, socorrendo-se para tanto dos saldos parados de vasilhame ao fim do exercício de 2005, donde defende, que a liquidação sindicada foi emitida no prazo de quatro anos a que alude o artigo 45.º da LGT.

Segundo a recorrida o prazo adoptado pela Administração Tributária para efeitos de determinação do momento em que o vasilhame já não será devolvido é criado administrativamente, no que não está em harmonia com a coerência do sistema que caracteriza o CIVA e não logrou provar como é seu ónus o termo a quo do prazo de caducidade, ou seja, a tempestividade do seu direito à liquidação, neste caso materializado na prova da existência do facto tributário.

Assim, como acima deixámos enunciado e que, repete-se, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento julgar verificada a caducidade do direito à liquidação com base na falta de notificação da liquidação dentro do prazo da caducidade.

Como sabemos, a caducidade do direito de liquidar a obrigação tributária constitui excepção peremptória que extingue o direito de exigir o montante correspondente ao valor em que se liquidou a obrigação tributária.

De acordo com o artigo 45.° nº 1 da LGT (aplicável ex vi artigo 94,º, n.º1 do CIVA), o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, salvo se a lei fixar outro prazo.

A falta de notificação da liquidação dentro do prazo da caducidade do direito à liquidação constitui, por força do normativo citado, ilegalidade invalidante do acto de liquidação.

Feito este enquadramento de carácter geral e entrando na análise do caso concreto que é submetido à nossa apreciação, verifica-se, que a liquidação sindicada tem como suporte a falta de liquidação de imposto (IVA) referente às “TARAS E VASILHAME” não devolvidas pelos clientes, com o consequente incumprimento do disposto na alínea d) do n.º 6 do artigo 16.º, conjugado com a aliena b) do n.º 1 do artigo 8.º, ambos do CIVA.

O legislador estabeleceu na alínea b) do n.º5 do artigo 35.º do CIVA que «as embalagens não efectivamente transaccionadas deverão ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução, ou seja, a respectiva factura deve conter uma discriminação destas e bem assim a expressa menção de que houve acordo com o respectivo fornecedor quanto à sua devolução.

Conforme resulta dos presentes autos, a recorrente reconhece, o que, de resto, não foi posto em causa no Relatório de Inspeção, que a recorrida fez constar nas facturas de venda emitidas aos clientes, o valor caucionado, referente a taras e vasilhame, concorrendo o mesmo para o «total a pagar», mas excluído de IVA, nos termos da alínea d) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA, constando inclusive a nota de que: «As taras relativas aos produtos facturados são propriedade da R....... e não foram transaccionadas, ficando expressamente acordada a sua devolução (… )», não tendo contudo fixado o prazo limite para a devolução dos vasilhames.

Não estipulando o legislador qualquer prazo nessa matéria, a Administração Tributária ficcionou o facto tributário com base num prazo de 3 anos a contar de 31.12.2005, sendo que no caso dos saldos parados adoptou o prazo de prazo de 2 anos contados da imobilização, e noutras situações, ainda não deixou de fazer referência ao ano de 2000, como ilustra a seguinte passagem do Relatório de Inspecção «Analisados os dados fornecidos pelo sujeito passivo, relativamente ao detalhe da conta por cliente e datas de movimento, verificou-se que parte do saldo atrás indicado, isto é, parte do valor de 6.707.820,78 euros, correspondia a valores de clientes com saldos parados, sendo certo que muitos destes saldos reportam-se pelo menos ao exercício de 2000

E, foi neste contexto, que a Administração Tributária partindo do prazo de devolução do vasilhame de dois anos após a transação dos produtos neles acondicionados, presumiu e situou temporalmente as transmissões sujeitas a imposto a 31 de Dezembro de 2007, isto é, presumiu os vasilhames como não retornáveis.

Perante este quadro, seguindo a linha de raciocínio externada no Relatório de Inspecção, então, como bem refere a recorrida, os Serviços de Inspecção deveriam ter sido apurado cliente a cliente e operação a operação e fixado o termo a quo do prazo de caducidade, tomando em consideração a versão do artigo 45.º da LGT que esteve em vigor até 31.12.2007, isto porque, conforme é reconhecido no Relatório de Inspecção foram identificados três grupos distintos de vasilhames caucionados e não devolvidos: (i) Caução não devolvidas respeitantes ao vasilhame transmitido a clientes com actividade à data de 31.12.2007 (RIT pág.13 e14), (ii) Caução não devolvidas respeitantes ao vasilhame transmitido a clientes sem e actividade e clientes que cessaram a actividade para efeitos de IVA em 2007 e nos anos anteriores (RIT pág.13) e (iii) Caução não devolvidas respeitantes a clientes cujos saldos devedores foram provisionados a 100% à data de 31.12.2007 sem e actividade e clientes que cessaram a actividade para efeitos de IVA em 2007 e nos anos anteriores.

Não obstante, o que ficou dito, está fora de qualquer dúvida, como, aliás, sublinhou a Meritíssima Juiz « a quo» que o prazo limite de devolução de dois anos para colocar um termo a contratos de caução que se apresentavam sem termo, fixado pela Administração Tributária, «tendo em vista suprir essa omissão e proceder à respectiva tributação, porém não sendo proibidas as presunções naturais, as mesmas não podem servir de base de incidência para a tributação adicional do imposto, excepto no termos expressamente e legalmente previstos, como sejam as previstas no artigo 84.º do CIVA (actual artigo 90.º do CIVA)».

Porém, independentemente da discussão acerca do prazo de dois anos [termo a quo (31.12.2005) e termo ad quem (31.12.2007)] escolhido pela Administração Tributária e de reconhecer que não está a proceder correctamente quando afirma que o apuramento deveria ser efectuado ano a ano, fornecedor a fornecedor e factura a factura (“ter-se-ia que controlar as saídas do vasilhame factura a factura, com a finalidade de aferir o prazo de um ano”), a verdade é que, da análise ao anexo II do Relatório de Inspecção, no qual consta a lista de clientes considerados cujo saldo de conta é referenciado ao ano 2000, entre os quais se encontram vários clientes com a actividade cessada em sede de IVA e IRC desde o ano de 1995, 1998, 1999, 2000, então, tendo a liquidação impugnada subjacente transacções realizadas pela recorrida em data anterior ao ano de 2000, sido emitida em 27.3.2010 ( cfr. ponto 9. do probatório), a esta data já havia à muito decorrido o prazo do direito à liquidação a que alude o artigo 45.º da LGT.

A sentença recorrida, que decidiu neste sentido, não merece censura, motivo por que o recurso não merece provimento.

IV.CONCLUSÕES
I. O legislador estabeleceu na alínea b) do n.º5 do artigo 35.º do CIVA que «as embalagens não efectivamente transaccionadas deverão ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução, ou seja, a respectiva factura deve conter uma discriminação destas e bem assim a expressa menção de que houve acordo com o respectivo fornecedor quanto à sua devolução.
II. Não constando da factura o prazo para a devolução dos vasilhames, não pode a Administração Tributária optar por um prazo limite presumido de dois anos para a efectiva devolução.

V.DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 25 de Março de 2021

[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Isabel Fernandes e Jorge Cortês]
(Ana Pinhol)