Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8453/15.6BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IRC,
LEASE BACK,
LOCAÇÃO FINANCEIRA
Sumário:Só com o aditamento do art. 24.º-A ao CIRC, pelo DL n.º 420/93, de 28 de dezembro, e posteriormente com o aditamento de um n.º 2 a este preceito legal pela Lei n.º 39-B/94, de 27 de dezembro é que o legislador institui um regime especial que regulamenta as situações de entrega de um bem objeto de locação financeira ao locador seguida de relocação desse bem ao mesmo locatário (lease back), caso em que não há lugar ao apuramento de qualquer resultado para efeitos fiscais pelo locatário, sendo que este regime não se aplica retroativamente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A impugnante S... – C..., LDA e a Fazenda Pública, com os demais sinais nos autos, vêm recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada, da liquidação adicional de IRC do ano de 1992, no valor de 39.280.750$00.

A Recorrente, S... – C..., LDA, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«DONDE SE FORMULAM AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo tribunal a quo que decidiu julgar parcialmente procedente a impugnação apresentada pela Impugnante, ora Recorrente, e, em consequência, determinou a anulação parcial da liquidação de IRC do exercício de 1992, com o n.º 831..., corrigindo o lucro tributável de 61.462.212$00 para 47.196.085$00.
B) O tribunal ora recorrido fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos
resultantes da prova efectivamente produzida nos presentes autos.

C) A ora Recorrente foi, em 1996, objecto de uma fiscalização à sua escrita, relativamente ao exercício de 1992, levada a efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, em virtude da qual resultou uma correcção ao lucro tributável anteriormente declarado e foi emitida a liquidação adicional de IRC do exercício do referido ano, com o n.º 931..., de 06.12.1996, a qual tempestivamente se impugnou.
D) Em 23.01.1992, a Recorrente celebrou com a T... - Sociedade de Locação Financeira, SA, um contrato de locação financeira, através do qual a Recorrente - locatária – vendeu à sociedade locadora, pelo valor de 60.000.000$00, a fracção designada pela letra "A" do prédio urbano sito na Calçada dos S..., em Lisboa, contrato este que se configura como contrato de "sale and lease-back".
E) A ora Recorrente, ciente dos seus deveres, mas também dos seus direitos, não acrescentou, no exercício fiscal de 1992, ao quadro 17 do modelo 22. a verba de 46.971.600$00, referente a mais-valias fiscais, na medida em que reinvestiu o valor de 60.000.000$00 proveniente da venda do imóvel, com a concretização da referida locação financeira, facto que já tinha suporte legal, nessa data, ao abrigo do artigo 44.º do CIRC, o qual consagrava que eram excluídas da tributação as mais-valias realizadas mediante transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado corpóreo, sempre que o valor da realização fosse reinvestido na aquisição de elementos do mesmo activo imobilizado corpóreo, até ao fim do segundo exercício seguinte ao da realização.
F) Não pode ser acolhida a posição defendida pela Fazenda Pública, que invocando o artigo 42.º do CIRC, refere que não foi feito reinvestimento do montante supra referido, dado que o imóvel só seria pertença da empresa aquando do pagamento integral de todas as prestações e respectivo valor residual.
G) Estatuía o artigo 42.º/6 do CIRC, na redacção vigente em 1992, que "não se consideram mais- valias ou menos valias os resultados obtidos na venda de bens objecto de locação financeira".
H) A lei, em 1992, ainda não tinha referido expressamente a figura do "lease-back" na lei tributária porquanto esse contrato, na altura atípico, acabara de aparecer no nosso ordenamento jurídico, tendo inclusive apenas passado a ser permitido, em Portugal, em 1991, com a carta circular de 17 de Outubro de 1991.
I) A figura do "lease-back" é uma espécie (ou modalidade) de locação financeira, pelo que devia ser integrada, já em 1992, no âmbito do referido n.º 6 do artigo 42.º do CIRC.
J) O instituto da locação financeira foi regulado, pela primeira vez, em regime próprio, em 1995, com a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 149/95, de 24 de Junho.
K) A interpretação ora defendida é tão óbvia que o próprio legislador, ciente da lacuna existente na lei tributária, em 1992, nesta matéria, veio posteriormente, em 1993, com a promulgação do Decreto-Lei n.º 420/93, de 28 de Dezembro, e em 1994, com a promulgação da lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro, colmatá-la, prevendo expressamente a situação específica do "lease-back".
L) A partir de 1995 o legislador previu precisa e expressamente a situação específica do "lease-back", para efeitos tributários.
M) Não dando a lei resposta explícita e imperativa ao caso específico do "lease-back", em 1992, é necessário interpretar a norma referida de acordo com as orientações previstas no artigo 9.º do Código Civil, bem como nos artigos 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa.
N) De acordo com o elemento histórico da nossa hermenêutica jurídica, temos de considerar que, no caso de contrato de "lease-back", não há lugar ao apuramento de qualquer resultado para efeitos fiscais.
O) O espírito da lei, ou a ratio legis, também aponta nesse sentido, relembrando que "para efeitos fiscais, mais relevante do que a qualificação jurídico-formal das operações é a consideração da respectiva função económica e financeira" (vide Acórdão do Tribunal Constitucional - Proc. n.º 114/00, publicado in http://www.pgdlisboa.pt).
P) Não faz qualquer sentido sujeitar uma empresa, em 1992, a mais-valias e menos-valias, numa determinada situação ainda não regulada especificamente por lei, e já não a sujeitar a essas mais-valias e menos valias, em 1995, porque o legislador, ciente da lacuna da lei, a veio colmatar.
Q) Deve a sentença recorrida ser alterada, na parte em que declara não assistir razão à Impugnante, ao considerar que esta não reinvestiu o valor obtido com o contrato de "lease-back", entendimento este que claramente se demonstrou não poder ter acolhimento, pelos motivos supra expostos!
R) No "lease back", os bens vendidos, que fazem parte do património do locatário, mantêm-se sob a sua sujeição administrativa, verificando-se, a posteriori, ao ser exercida a opção de compra, o reingresso jurídico no património do locatário.
S) Não há no "lease back" uma verdadeira transmissão, já que a locatária nunca deixou de ser a titular, de facto, do bem, que nunca sai da sua alçada.
T) Pelo supra exposto, dúvidas não restam de que não pode ter acolhimento a correcção efectuada pela Impugnada Fazenda Pública ao lucro tributável declarado pela Impugnante, consubstanciada na (errada) consideração como mais-valia do valor obtido com a concretização do contrato de "lease back", em 1992.
U) Devendo ser dado procedência ao pedido da Impugnante, na parte em que alega que o valor de 60.000.000$00 não deve ser considerado como mais-valia mas sim como valor reinvestido,
V) Sublinhe-se o paradoxo de que a própria sentença qualifica a transação realizada entre a Impugnante a T.... S.A., de locação financeira e não a abrange nos termos do artigo 42.º/6 do CIRC, o qual prevê expressamente que não se consideram mais-valias os resultados obtidos na venda de bens objecto de locação financeira...!
W) Deve ser dado procedência ao pedido da Impugnante, na parte em que alega o seu direito à amortização da fracção autónoma pelo valor de 900.000$00, Devendo a sentença proferida, na parte em que declara improcedente esse pedido, ser alterada! Aliás, foi a própria Impugnante que liquidou todos os impostos, nomeadamente a SISA, bem como as despesas tidas com registos, avaliações, notário, etc., conforme já resultou provados nos autos à margem referenciados,
X) O que nos leva a concluir que, também nesta parte, não pode merecer acolhimento a decisão do Mmo. Juiz do Tribunal a quo, que, salvo o devido respeito, não esteve bem ao desconsiderar o montante de 6.000.000$00, referente à SISA, pago pela Impugnante, em decorrência do contrato então celebrado, como custo da empresa, fiscalmente dedutível, pelo que deverá a sentença recorrida, também nessa parte, ser alterada!
Y) Quanto à contestação, legalmente fundada, do valor de 1.545.269$00, referente ao aluguer das viaturas sem condutor em regime de longa duração, no que respeita à correcção efectuada, deve ser dado provimento ao pedido da Impugnante, porquanto as viaturas com as matrículas Q..., X..., S… e V…, não deveriam ter sido sujeitas a qualquer correcção visto o seu valor ser inferior a 4.000$00 contos, devendo a sentença recorrida, na parte em que declara improcedente esse pedido da Impugnante, ser alterada!
Z) Quanto à alegação pela Impugnante de que sempre deveria ser aceite como custo o montante de 441.376$00 referente à parte da amortização financeira contida nas rendas pagas à empresa de locação financeira T..., S.A., não contabilizada como custo pela Impugnada, não merece qualquer censura a decisão proferida pelo Mmo. Juiz. do Tribunal o quo, o qual julgou, como não podia deixar de ser, procedente o pedido da Impugnante, nessa parte, na medida em que, transcrevemos "neste ponto, é a própria posição expressa na contestação da Fazenda Pública, que faz relevar o facto de tal montante dever ser aceite (vd. Alínea f) dos factos assentes), em conformidade com o disposto no artigo 23.º, n.º 1, alínea d) do CIRC”, pelo que deverá a sentença proferida, nessa parte, ser mantida!
AA) Também não merece qualquer censura a parte da douta sentença proferida, em que o Mmo. Juiz do Tribunal a quo decide julgar procedente o pedido da Impugnante, quanto à parte proporcional correspondente à mais-valia fiscal de 13.351.001$00 para o valor de 17.054.137$00, que deverá, cite-se "ser deduzido à mais-valia fiscal acrescida pela A.T. ao lucro tributável ao exercício", pois que, como resulta dos factos provados nos autos à margem referenciados (cfr. Alínea e) dos factos assentes), a Impugnante efectuou investimentos em vários bens do ativo imobilizado no exercício de 1992, 1993 e 1994, no total de 17.054.137$, aplicando-se os preceitos previstos nos artigos 44.º, n.º 1 e 2 do CIRC, na redacção de 1992, pelo que deverá a sentença proferida, nessa parte, ser mantida!
BB) Finalmente, quanto à questão da contestação pela Impugnante da correcção no valor de 473.750$00, referentes a deslocações e estadas de colaboradores da empresa Impugnante que, no âmbito das suas relações laborais com a mesma, tiveram de viajar por conta dela, não merece qualquer censura a decisão do Mmo. Juiz do Tribunal a quo, o qual julgou procedente o pedido da Impugnante, nessa parte, por ter sido manifestamente comprovado, no âmbito dos autos à margem referenciados, que os colaboradores J..., F... e P..., melhor descritos nos autos, não eram pessoas estranhas à empresa Impugnante, mas antes profissionais que prestaram os seus serviços à empresa Impugnante, em regime laboral, pelo que deverá a sentença, na parte em que declara que deverá ser anulada a correção no montante de 473.750$00, ser mantida!

Nestes termos e nos mais de Direito,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, substituindo-se a decisão recorrida por outra que, acolhendo as razões da Recorrente, altere a sentença proferida, nos termos acima expostos, julgando totalmente procedente a impugnação da ora Recorrente e declarando consequentemente a anulação total da liquidação de IRC, relativa ao exercício de 1992, com o n.º 831..., com as legais consequências. Só assim V. Exas. farão a costumeira JUSTIÇA!»

A Recorrente, Fazenda Pública, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«-- EM RESUMO E CONCLUSÕES -- :

1°- A douta decisão de que se recorre não traduz uma correcta valoração e interpretação da matéria fáctica dada como provada, nem tão pouco uma correcta interpretação e aplicação da lei e do direito atinentes, em prejuízo da apelante. Na verdade,

2°- Considerou o Tribunal "a quo", a fIs. 14 da douta sentença ora posta em crise, que a impugnante efectuou investimentos em vários bens do activo imobilizado no exercício de 1992, 1993 e 1994, no valor total de 17.054.137$00, remetendo ainda para o ponto 3.1 da informação de fls. 71 a 75 dos autos.

3°- Ora, em tal ponto 3.1 da informação, efectivamente faz-se menção a essas facturas, constantes do anexo 1, 2 e 3, no entanto mais diz que não originou investimento em novos bens do activo imobilizado, não podendo, por conseguinte, ser aceite como reinvestimento.

4°- Assim, a douta sentença prolatada pelo tribunal "a quo", além de não fazer a devida análise crítica, ainda assume, erradamente, que a Fazenda Pública aceitou ou confessou tais factos, o que conduz a nulidade da sentença nesta parte.

5°- Acresce que, facilmente se constata que a impugnante comunicou à Administração Fiscal que o valor reinvestido iria recair no imóvel urbano, denominado fracção "A", sito na Calçada dos S..., em Lisboa.

6°- Nessa conformidade, não acresceu ao Quadro 17 o valor do contrato de locação financeira, pugnando para que esse mesmo contrato efectuado sobre o imóvel melhor identificado retro, considerado que fosse como reinvestimento, mas já não o fazendo relativamente aos montantes melhor identificados no ponto E) dos factos provados, o que demonstra de forma clara, cristalina e cabal a sua intenção de reinvestimento, ou seja, em momento algum pretendeu reinvestir nesses anteditos bens, outrossim a sua intenção resultou de forma inequívoca em reinvestir no imóvel urbano, objecto de locação.

7°- Mais, em momento algum foram efectuadas correcções a tais investimentos, logo, aceitando a AT, a forma, meio e montantes pelos quais a impugnante os contabilizou, não pode agora vir a mesma atacar este acto.

8°- Na verdade a apelada aceitou como verdadeira a escrita nesta parte, não se
compreendendo como pode a impugnante atacar um acto próprio, ou seja, algo que a mesma de forma espontânea e esclarecida levou a cabo.

9°- Colocando em crise a contabilização de um montante que a própria impugnante efectuou e que a AT aceitou, entendemos que estamos perante venire contra factum proprium, que cai no instituto do abuso de direito.

10º- No entendimento de António Menezes Cordeiro, in Litigância de Má-Fé Abuso do Direito de Acção e Culpa "In Agendo",p. 92 e ss., "o venire postula duas condutas da mesma pessoa, licitas em si, mas diferidas no tempo. Só que a primeira - o factum proprium - é contraditada pela segunda - o venire", ou seja há uma "relação de oposição que, entre ambas, se possa verificar"

11º- No caso concreto dos autos, a impugnante, não pode, agora, independentemente de a escrita da sua própria contabilidade estar correctamente efectuada ou não, prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente, ou seja, exercer a posição jurídica violada pelo próprio ou exigir o acatamento da situação já violada.

12º- Reiterando, se a própria impugnante não contabilizou devidamente os montantes, não pode agora invocar vícios, pois a AT acatou tal contabilização, não efectuando qualquer correcção, em sede de inspecção externa, relativamente a tais montantes, tendo sido totalmente aceites conforme estavam contabilizados

13º- Como pode a impugnante pugnar, por um lado, pelo reinvestimento da totalidade da mais-valia realizada, considerando que o montante de 60.000.000$00 foi totalmente reinvestido com a celebração de um contrato de locação financeira e por outro lado, pugnar também pelo reinvestimento de 2.505.114$00, 4.524.121 $00 e 10.024.902$00, nos anos de 1992, 1993 e 1994 respectivamente?

14º- Na verdade, tais pedidos são, de todo, incompatíveis, pelo que estamos claramente em face a abuso do direito de acção, maxime venire contra factum proprium.

15º- Importante se torna também chamar à colação o preconizado pelo antedito autor, a p. 119, "o abuso do direito é constatado pelo juiz, mesmo quando o interessado não o tenha expressamente mencionado: é, nesse sentido, de conhecimento oficioso", pelo que sendo de conhecimento oficioso pode ser alegado em sede recursiva.

16º- Destarte, a tudo quanto alegado vai reiterado, deve ser declarada a cessação do concreto exercício abusivo e em conformidade julgada a impugnação improcedente relativamente a serem considerados investimentos os montantes melhor identificados no ponto E) dos factos assentes.

17º- Sem prescindir, sempre se dirá que, consultando as facturas constantes do anexo 1, 2 e 3, facilmente se constata que facturas há que não podem de forma alguma ser consideradas como investimento.

18º- Na verdade, "integra os imobilizados tangíveis, móveis ou imóveis, que a empresa utiliza na sua actividade operacional, que não se destinem a ser vendidos ou transformados, com carácter de permanência superior a um ano".

19º- Atendendo a que o CAE principal da impugnante era o 59110 - Produção de Filmes, de vídeos e de programas de televisão, não se enxerga como podem jogos de computador (a fls 137, 138 e 139 dos autos) ser considerado reinvestimento.

20º- No mesmo sentido, as facturas constantes a fls. 129, relativas a reparação automóvel, sendo efectivamente uma prestação de serviços e não aquisição de bens.

21º- Para finalizar, veja-se a fl. 124, em que a factura lá constante diz respeito a caçarolas prestige. Entendemos que também esta factura não pode ser contabilizada como investimento.

22º- Assim, ainda que não se entenda que estamos na presença do instituto jurídico do abuso de direito, sempre se dirá que a materialidade de tais facturas, ou seja, os bens efectivamente adquiridos, jamais podem ser considerados como investimento.

23º- Quanto à correcção referente a deslocações e estadas, entendeu o tribunal "a quo" que "resulta dos documentos de fls. 53 a 61 dos autos, tais pessoas são prestadoras de serviços da impugnante, não sendo, assim, «pessoas estranhas» a ela", aceitando assim o montante de 473.750$00 como custo".

24º- Na verdade, não podemos concordar com tal entendimento pois cabe ao contribuinte, no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora.

25º- Acresce que os documentos apresentados pela impugnante não comprovam o pagamento de qualquer remuneração no ano de 1992, outrossim comprovam relativamente a outros anos que não o antedito.

26º- Ressuma pois, um claro erro de julgamento, pois se o ónus era incumbência da impugnante, e não resultando da matéria provada factos susceptíveis de nos levarem a tal conclusão, há um claro e manifesto erro de julgamento, devendo, por conseguinte, ser valorado negativamente contra a impugnante a falta de prova de tal premissa, pois a esta incumbia, indo a douta sentença ao arrepio das normas jurídicas do ónus da prova, maxime art. 74.° LGT e 342.° do Código Civil.

27º- Não o entendendo assim, a douta sentença em recurso violou os preceitos legais invocados na mesma, pelo que, deverá ser revogada, com todas as legais consequências devidas.

TERMOS EM QUE,

Deve ser admitido o presente recurso e revogada a douta decisão da primeira instância, substituindo-a por outra que julgue totalmente improcedente a impugnação judicial, com todas as consequência legais.

Todavia,

Em decidindo, Vossas Excelências farão a costumada Justiça!

Pede deferimento»

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pelas Recorrentes nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

Recorrente Impugnante:
_ erro de julgamento de facto e de direito porquanto o reinvestimento em causa, no âmbito de um contrato de lease back tinha suporte jurídico no art. 44.º do CIRC (conclusões A) a V) das alegações de recurso);
_ erro de julgamento quanto ao direito de amortizar a fração autónoma pelo valor de 900.00$00 (conclusão W) das alegações de recurso), quanto à SISA paga pela Impugnante como custo da empresa (conclusão X) das alegações de recurso), quanto as viaturas (conclusão Y) das alegações de recurso).


Recorrente Fazenda Pública:

- nulidade da sentença por não se ter considerado o ponto 3.1. da informação de fls. 71 a 75 dos autos (conclusões 1.ª a 4.ª);
_ erro de julgamento por a Impugnante colocou em crise um valor que efetuou e aceitou, o que consubstancia um abuso de direito (conclusões 5.ª a 16.ª);
_ erro de julgamento porquanto as faturas em causa não podem ser consideradas como investimento (conclusões 17.ª a 22.ª);
_ erro de julgamento quanto as correções referentes a deslocações e estadas porque cabe ao contribuinte o ónus da prova da indispensabilidade das despesas em causa, sendo que os documentos não provam o pagamento de remunerações em 1992 (conclusões 23.ª a 27.ª).

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«III. FUNDAMENTAÇÃO

1. Dos Factos

Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:
A) Em 23.01.1992, no 25° Cartório Notarial de Lisboa, representantes da
"T... - Sociedade de Locação Financeira, S.A." e representantes da impugnante, assinaram o escrito denominado "Compra e Venda e Locação Financeira", através do qual a impugnante declarou vender à T... a fracção autónoma designada pela letra "A" do prédio urbano sito na Calçada dos S..., em Lisboa pelo preço de 60.000.000$00, sendo sobre a mesma fracção simultaneamente celebrado o contrato de locação financeira pelo montante de 60.000.000$00 com duração de quinze anos, sendo pago em 60 prestações trimestrais no montante de 3.471.257$00 (cfr. fls. 13 a 47 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

B) Consta da alínea d) da Cláusula XIX (Outros Encargos) das Cláusulas Gerais do contrato de locação referido na alínea antecedente que para além da renda convencionada, a Locatária deverá reembolsar ou pagar à Locadora a título de encargos contratuais "todos os encargos fiscais, notariais e de registo devidos pela celebração deste contrato e aquisição do imóvel pela LOCADORA, nos quais se compreendem, nomeadamente, o valor da sisa devida (...) ".

C) Em 23.01.1992 foi emitido o conhecimento de sisa n° 15/225 do Serviço de Finanças de Lisboa 10 referente à aquisição mencionada em A), no valor de 6.000.000$00, tendo na mesma data sido emitido pela impugnante um cheque no
mesmo montante (cfr. fls. 48 e 49 dos autos).

D) A impugnante contabilizou no exercício de 1992 o montante de 473.750$00 a título de deslocações e estadas, tendo como documentos de suporte três facturas emitidas em nome da impugnante por "G... Viagens e Turismo, SA" e "E... - Agência de Viagens de A…, Lda", constando nas referências de cada uma das facturas os nomes de prestadores de serviços J..., F... e P... (cfr. fls. 50 a 61 dos autos).

E) A impugnante efetuou investimentos em vários bens do ativo imobilizado nos exercícios de 1992, 1993 e 1994, nos montantes de 2.505.114$00, 4.524.121$00 e 10.024.902$00, respetivamente (acordo - artigo 31° da p.i. e ponto 3.1 da informação de fls. 71 a 75 dos autos, que foi tomada como contestação pelo Representante da Fazenda Pública).

F) A impugnante suportou em 1992 o montante de 441.376$00 a título de amortização financeira correspondente às rendas pagas no âmbito do contrato de locação financeira celebrado com a T..., SA, não contabilizada como custo (acordo - artigo 29° da p.i. e ponto 3.2 da informação de fls. 71 a 75 dos autos, que foi tomada como contestação pelo Representante da Fazenda Pública).

G) A impugnante foi alvo de ação de inspeção ao exercício de 1992 e a IRC, tendo em 26.09.1996 sido preenchido o Mapa de Apuramento Mod. DC-22 contendo as correções efetuadas no montante de 59.884.664$00 e a correspondente alteração ao lucro tributável declarado, constando do Quadro 22 - "Fundamentação das correcções efetuadas", o seguinte:
"1 - O sujeito passivo denominado S... - Cinema de Publicidade, Lda" ao necessitar de um financiamento, propôs à firma T... - Soe. de Locação Financeira Imobiliária, S.A., que esta lhe concedesse, através da celebração de um contrato de locação financeira, um financiamento que comporta a compra da fracção autónoma designada pela letra "A" do prédio urbano sito na Calçada dos S..., em Lisboa, da qual é proprietária, e a locação da mesma fracção à firma S... - C..., Lda. podendo esta adquirir a fracção locada findo o contrato, pelo preço acordado.

Assim, a identificada fracção é vendida à T... - Soe. De Locação Financeira Imobiliária, pelo preço de 60.000.000$00, valor que serviu de base ao contrato de locação financeira efectuado pela locadora. O referido contrato, de que é locatária a S..., Lda, refere que o pagamento será efectuado em 60 prestações trimestrais de 3.471.257$00 e que o valor residual é de Esc: 15.000.000$00.
Na alienação do referido imóvel, vendido à T..., SA, é apurada uma mais-valia contabilística de Esc: 49.660.000$00 (abatida ao Quadro 17 da Mod. 22) e uma mais-valia fiscal de Esc: 46.971.600$00 que a empresa não acresceu ao Quadro 17 por entender que, ao fazer o contrato de locação financeira com a T..., SA, estava a reinvestir o valor de Esc: 60.000.000$00 (valor de realização na venda do imóvel). Isto não está correcto porque o imóvel só será pertença da empresa aquando do pagamento integral de todas as prestações e respectivo valor residual. Assim, dever-se-á acrescer ao resultado fiscal declarado a importância de Esc: 46.971.000$00 referente à mais-valia fiscal (artigo 42° do CIRC).
Por outro lado, também o referido imóvel, objecto da já referida locação financeira, não deveria constar do Mapa de Reintegração e Amortização, nem deveria ser calculada qualquer amortização, pelo que, o valor de Esc: 900.000$00 vais ser acrescido ao resultado fiscal do exercício (artigo 32° do CIRC).

2 - O sujeito passivo acresceu ao Quadro 17 o valor de Esc: 80.730$00, referente a Contribuição Autárquica paga no exercício de 92, e deduzida à colecta, no Quadro 19, o mesmo valor.
No entanto, esta Contribuição Autárquica diz respeito a uma fracção de um prédio urbano afecta à actividade da empresa e não a um prédio de rendimento, pelo que, este valor é considerado custo do exercício de 1992, não devendo ser deduzido à colecta no cálculo do imposto (artigo 74° do CIRC).

3 - Não acresceu ao Quadro 17 a importância de Esc: 4.652.200$00 referente ao Aluguer de viaturas sem condutor, em regime de longa duração que resulta da diferença entre o valor da amortização financeira incluída nas rendas pagas e o valor de reintegração máxima correspondente ao mesmo período de tempo que poderia ser praticado, caso as viaturas tivessem sido adquiridas directamente (alínea i) do nº 1 do artigo 41° do CIRC.

Cálculos:

(...)
4 - A correcção efectuada na rubrica "Outros não especificados anteriormente", no montante de Esc: 7.441.594$00, é composto por:
- Esc: 40.224$00 referente a insuficiência de estimativa para imposto que não acresceu ao Quadro 17 (alínea a) do n° 1 do artigo 41° do CIRC
- Esc: 6.000.000$00 referente à SISA da fracção do prédio urbano que foi alienada e que foi paga pela T..., SA, uma vez que não é custo da empresa (artigo 23° do CIRC)
- Esc: 1.401.370$00 referente a deslocação e estadas, uma vez que as mesmas foram pagas a pessoas estranhas à empresa (artigo 23° do CIRC)"

(cfr. fls. 8 a 11 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

H) Com base no resultado da ação inspetiva desenvolvida à impugnante, e transcrito na alínea antecedente, foi emitida em 06.12.1996 em seu nome, a liquidação de IRC do exercício de 1992 com o n° 831... que apurou o montante a pagar de 39.280.750$00 e com data limite de pagamento o dia 17.01.1997 (cfr. fls. 6 dos autos).

I) Em 14.03.1997 a impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação mencionada na alínea antecedente (cfr. fls. 1 a 11 da reclamação graciosa n° 40074.2/97 apensa aos presentes autos).

J) A reclamação graciosa mencionada na alínea antecedente não foi decidida antes da apresentação da presente impugnação.

K) Em 12.07.2006 a impugnante havia pago ao abrigo do Decreto-Lei n° 124/96, de 10.08, 104.241,83€ referente ao IRC e correspondentes juros compensatórios e juros de mora resultantes da liquidação mencionada em H) (cfr. fls. 288 a 341 dos autos).

L) A impugnante foi declarada insolvente por sentença do 4° Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, proferida no processo n° 155/09.9TYLSB em 18.02.2009 (cfr. fls. 369 e 370 dos autos).

M) A presente impugnação foi apresentada em 25.06.1997 (cfr. fls. 2 dos autos).


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Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.

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A decisão da matéria de facto fundou-se na prova documental junta aos autos e na posição expressa pelas partes nos respetivos articulados, p.i. e contestação.»

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Conforme resulta dos autos, com base na matéria de facto supra, o Meritíssimo Juiz do TT de Lisboa julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, na qual estava em causa várias correções efetuadas pela AT no âmbito de uma análise interna à declaração de IRC do exercício de 1992. As partes não se conformam com o decidido nas respetivas partes em que decaíram.

Comecemos pelo recurso da Impugnante.

Invoca a recorrente Impugnante, antes de mais, erro de julgamento de facto e de direito, entendendo que o reinvestimento do valor das mais-valias apuradas com a venda de uma fração à uma sociedade, no âmbito de um contrato de lease back, tinha suporte jurídico no art. 44.º do CIRC. Mais invoca que a figura do lease back já se encontrava abrangida na locação financeira, e, portanto, o resultado da venda obtidos não se considera mais-valia ao abrigo do n.º 6, art. 42.º do CIRC (conclusões A) a V) das alegações de recurso).

Vejamos.

Resulta da fundamentação da correção ora em causa que se encontra aposta na declaração DC-22 que a AT não colca em causa os contratos subjacentes à questão ora discutida. Contudo, entende que não há reinvestimento da mais-valia no âmbito desse contrato de locação financeira porque “o imóvel só será pertença da empresa aquando do pagamento integral de todas as prestações e respectivo valor residual.”

Na verdade, o que resulta do contrato de compra e venda e locação financeira que subjaz à correção ora em causa, é que a Impugnante vendeu uma fração e simultaneamente tomou-a em locação, sendo que neste contrato se encontra estabelecido uma “opção de compra”, ou seja, a Impugnante teria de comunicar até um ano antes do termo do contrato de locação se “pretende adquirir para si, em propriedade, o imóvel locado;” e nesse caso, deveria pagar à locadora um montante a título de valor residual, sendo que “A propriedade do imóvel considerar-se-á transferida para a locatária na data de pagamento o valor residual e contra esse pagamento”.

Portanto, com a celebração do contrato de compra e venda, a propriedade da fração passou efetivamente para a locadora, sendo que nos termos do contrato de locação a transferência da propriedade do imóvel depende do exercício da opção de compra, ou seja, acordou-se que é uma faculdade da Impugnante em exercer esse direito mediante o pagamento do valor residual estabelecido, portanto não existe sequer uma obrigação de comprar a fração no final do contrato.

Assim sendo, é correto o entendimento da AT no sentido de que “o imóvel só será pertença da empresa aquando do pagamento integral de todas as prestações e respectivo valor residual.”, e, nessa medida, não existe reinvestimento da mais-valia gerada pela venda, aliás, podemos dizer que é facto incerto se a Impugnante exercerá o direito de opção de compra, e por essa via deter a propriedade dessa fração, portanto, relativamente a esta operação não se poderá entender que existiu um reinvestimento.

Por outro lado, e ao contrário do que alega a recorrente, não houve reinvestimento do mesmo valor pelo qual alienou o imóvel, uma vez que com a celebração do contrato de locação financeira a recorrente não despendeu qualquer valor nem adquiriu o direito de propriedade do bem.

Portanto, ao contrário do que entende a recorrente, não se aplica ao caso dos autos a exclusão da tributação de mais-valias por via do reinvestimento do valor de realização na aquisição de elementos do mesmo ativo imobilizado corpóreo, tal como previsto no art. 44.º do CIRC.

Entende ainda a recorrente que a presente operação de lease-back pode ser enquadrada ao abrigo das normas jurídicas existentes à época, nomeadamente do disposto no art. 42.º, n.º 6 do CIRC, de modo a não se considerar mais-valia.

Contudo, sem razão.

Na verdade, o n.º 1 do art. 42.º do CIRC, na redação vigente à época, considerava mais-valias realizadas os ganhos obtidos relativamente aos elementos do ativo imobilizado mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere. É nesta regra geral de tributação que se insere a operação em causa, não se aplicando o disposto no n.º 6 ao caso dos autos, pois este preceito legal apenas exclui da tributação os resultados obtidos na venda de bens objeto de locação financeira, o que não sucede no caso em apreço, em que o ganho obtido advém da venda de um bem que era propriedade da recorrente, ou seja, não se trata da venda de bem objeto de locação financeira, e portanto a situação dos autos não se subsume à hipótese normativa.

Sublinhe-se que só com o aditamento do art. 24.º-A ao CIRC, pelo DL n.º 420/93, de 28 de dezembro, e posteriormente com o aditamento de um n.º 2 a este preceito legal pela Lei n.º 39-B/94, de 27 de dezembro é que o legislador institui um regime especial que regulamenta as situações de entrega de um bem objeto de locação financeira ao locador seguida de relocação desse bem ao mesmo locatário, caso em que não há lugar ao apuramento de qualquer resultado para efeitos fiscais pelo locatário.

Portanto, em momento anterior a este regime do art. 24.º-A do CIRC as situações de lease back, como a dos autos, encontravam-se abrangidas pelo regime geral de tributação previsto no n.º 1 do art. 42.º do CIRC. A introdução deste regime especial ocorre em momento posteriormente ao da verificação do facto tributário em causa nos autos, e nessa medida, o novo regime não é aplicável retroativamente, pois se fosse essa a intenção do legislador o teria dito expressamente. Pelo que, não se verifica o erro de julgamento invocado.

Ora, assim sendo, também não se verifica o erro de julgamento na parte julgada quanto ao direito de amortizar a fração autónoma pelo valor de 900.00$00 (conclusão W) das alegações de recurso). Na verdade, face ao exposto, a recorrente não tem direito à amortização da fração autónoma por aquele valor, uma vez que, à data do facto tributário, em 1992, não estávamos perante um bem do ativo imobilizado da sociedade.

Quanto à correção referente à SISA paga, entende a recorrente que este montante foi pago pela Impugnante em decorrência do contrato de locação financeira celebrado, tratando-se de custo fiscalmente dedutível (conclusão X das alegações de recurso).

Vejamos.

Resulta da fundamentação subjacente a esta correção que a AT não aceitou como “custo” da empresa o montante de 6.000.000$00 referente à Sisa da fração do prédio em questão, nos termos do art. 23.º do CIRC, porque o bem foi alienado e a SISA foi paga pela locadora.

Ora, é verdade que resulta da cláusula XIX do contrato de locação financeira que a sisa devida pela celebração desse contrato constitui um encargo contratual da locatária (cf. ponto B) da matéria de facto), ora recorrente, que deverá ser reembolsado à locadora. Ou seja, o encargo com a SISA constitui um encargo da Impugnante nos termos do contrato de locação, e que foi efetivamente suportado pela Impugnante (cf. ponto C) da matéria de facto).

Contudo, a não aceitação do custo tem por suporte legal o disposto no artigo 41.º, n.º 1, alínea c), do CIRC, que à época, estabelecia expressamente a não dedutibilidade dos impostos e quaisquer outros encargos incidentes sobre terceiros que a empresa não esteja legalmente autorizada a suportar.

Portanto, é a própria lei que exclui a dedutibilidade de encargos como o que está em causa nos autos, ou seja, sendo a SISA um imposto devido por terceiro (in casu a locadora), ainda que efetivamente suportada pela Impugnante (nos termos do contrato de locação), esta não está autorizada pela lei a suportar tal encargo, e nessa medida, o custo não é fiscalmente dedutível.

Portanto, improcede o recurso nesta parte, sendo de confirmar a sentença recorrida, também nesta parte.

Finalmente, quanto à correção referente a viaturas, no valor de 1.545.269$00 invoca a recorrente que o valor das viaturas em causa é inferior a 4.000 contos, e, portanto, não deveriam estar sujeitas a qualquer correção (conclusão Y) das alegações de recurso).

Contudo, nos termos do disposto na alínea i), do n.º 1, do art. 41.º do CIRC, conjugado com o disposto nas alíneas c) e f) do art. 32.º, também do CIRC, não são dedutíveis os encargos as rendas de locação financeira de viaturas ligeiras de passageiros que resultam da diferença entre o valor da amortização financeira incluída nas rendas pagas e o valor da reintegração máxima que poderia ser praticada se a viatura tivesse sido adquira diretamente. Deste modo, sendo o período de vida útil das viaturas 4 anos, são amortizáveis à taxa máxima de 25% por exercício, independentemente de os veículos terem como valor de aquisição menos de 4.000.000$00.
A sentença que assim decidiu, não merece qualquer reparo, e, por conseguinte, nesta parte, improcede o recurso.

Portanto, e em suma, improcede in totum o recurso da Impugnante.

Passemos, então, ao recurso da recorrente Fazenda Pública.

Invoca, desde logo, a recorrente Fazenda Pública, a nulidade da sentença por não se ter considerado o ponto 3.1. da informação de fls. 71 a 75 dos autos (conclusões 1.ª a 4.ª). Invoca ainda erro de julgamento por a Impugnante colocou em crise um valor que efetuou e aceitou, o que consubstancia um abuso de direito (conclusões 5.ª a 16.ª), e que as faturas em causa não podem ser consideradas como investimento (conclusões 17.ª a 22.ª).

Antes de mais, cumpre referir que ainda que a Fazenda Pública tenha invocado formalmente a nulidade da sentença, a verdade é considerando os fundamentos invocados, estes não constituem nulidade da sentença, nos termos previstos no art. 125.º do CPPT.

Na verdade, a questão que é materialmente colocada pela recorrente à a falta de “análise crítica” do ponto 3.1. da informação pelo tribunal a quo, o que consubstancia a invocação de um erro de julgamento de facto que a verificar-se conduzirá, não à nulidade da sentença, mas à revogação da mesma, e será então, por esse prisma que se analisará a questão sindicada.

Ora, da análise do referido ponto 3.1. da informação resulta da mesma que “a impugnante efectuou, contudo, outros investimentos em vários bens do activo imobilizado nesse exercício e nos dois subsequentes, num total de 17.054.137$00”. Mais se refere nessa informação de forma discriminada os valores investidos em ativo imobilizado em 1992, 1993 e 1994, juntando-se em anexo faturas de algumas dessas aquisições.

Ora, é com base nessa informação oficial da Direção de Finanças de Lisboa (DFL) que se dá como provado o facto da alínea E), pelo que, não se verifica o erro de julgamento invocado, e ao contrário do que entende a recorrente, não se verifica qualquer violação das regras do ónus da prova (art. 74.º da LGT).

Efetivamente, o facto dado como provado na alínea E) assenta naquela informação oficial da DFL, e nessa medida, entendeu-se, e bem que nos termos do disposto no art. 44.º, n.º 1, do CIRC, para aquele valor de reinvestimento de 17.054.137$00 deverá ser deduzido a parte proporcional correspondente à mais valia fiscal apurada pela AT, não se verificando qualquer erro de julgamento, improcedendo as conclusões 1 a 4.

Por outro lado, ao contrário do alegado pela recorrente Fazenda Pública, não se verifica qualquer abuso de direito por parte da Impugnante, trata-se antes de se admitir a correção fiscal a favor do contribuinte que se impõe pelo princípio da justiça e pelo princípio da tributação pelo lucro real, quando é a própria AT que reconhece que houve reinvestimento de parte dos montantes em causa em vários bens do ativo imobilizado, e deste modo improcedem as conclusões 5 a 16.

Finalmente, também não procedem as alegações da recorrente Fazenda Pública quando invoca que as faturas em causa não podem ser consideradas como investimento, pois por um lado, como a própria informação salienta, apenas se juntaram algumas das faturas, e não todas, e por outro lado, nem todas as que constam dizem respeito a esta correção. Como já referimos, é a própria AT que aceita a existência desse reinvestimento, tal como resulta do ponto 3.1 da informação oficial, sendo essa informação a base para que se tenha dado como provado o facto da alínea E) no qual assenta a decisão, e nessa medida, não colhem os demais argumentos constantes das conclusões 17 a 26.

Pelo exposto, e nesta parte, improcede o recurso da Fazenda Pública.

Finalmente, a recorrente Fazenda Pública invoca erro de julgamento quanto as correções referentes a deslocações e estadas (no montante de 473.750$00) porque cabe ao contribuinte o ónus da prova da indispensabilidade das despesas em causa, sendo que os documentos não provam o pagamento de remunerações em 1992 (conclusões 23.ª a 27.ª).

Contudo, sem razão.

Na verdade, ao contrário do alegado pela recorrente Fazenda Pública, quanto às regras do ónus da prova cabe à AT o ónus de fundadamente pôr em causa a indispensabilidade de um determinado “custo” (gasto), através da evidenciação de indícios sólidos e consistentes da sua dispensabilidade “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” (art. 74.º, n.º 1, da LGT), face à presunção de veracidade de que goza as declarações dos contribuintes e os dados inscritos na sua contabilidade (art. 75.º, n.º 1 da LGT).

Por outro lado, o requisito de indispensabilidade do “custo” (gasto) do art. 23.º do CIRC tem de ser aferido através de um juízo casuístico, não podendo associar-se ao êxito de gestão, não se confundindo com a sua oportunidade ou conveniência, não abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal), antes abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim. Portanto, mais do que uma análise objetiva do custo, tem de se aferir subjetivamente a sua indispensabilidade. Este requisito legal de indispensabilidade associa-se ao facto de um custo ser necessário, de se apresentar como habitual à obtenção de proveitos ou ganhos ou à manutenção da unidade produtiva - (v. por todos, o acórdão do TCAS de 09/07/2020, 138/04.5BELSB e jurisprudência aí citada).

In casu, a correção fundamentou-se no art. 23.º do CIRC, entendo a AT que os encargos em causa não eram fiscalmente dedutíveis porque essas quantias “foram pagas a pessoas estranhas à empresa”, o que desde logo é insuficiente para sustentar a correção face ao ónus da prova que recai sobre a AT, sendo certo que todas as faturas se encontram emitidas em nome da Impugnante.

Suscitando-se dúvidas sobre essas despesas por aquele apontado motivo, a AT deveria, ao abrigo do princípio do inquisitório, ter indagado junto da Impugnante as relações que esta mantinha com essas pessoas, esclarecendo de modo cabal da verificação dos pressupostos da tributação, conforme é seu ónus. Ademais, tal como resulta da matéria de facto dada como provada, e que não foi eficazmente impugnada, e que de resto encontra suporte documental suficiente nos autos, das faturas em causa consta os nomes de prestadores de serviços da Impugnante (cf. ponto D) da matéria de facto), tal como alegado na p.i. pela Impugnante que identificou cada uma das pessoas em causa e relacionamento empresarial.

Por conseguinte, nenhum reparo importa fazer à sentença recorrida, que deverá ser confirmada também nesta parte.

Em suma, quanto aos fundamentos do recurso da Fazenda Pública, improcede, in totum, os fundamentos do recurso.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencidas na presente causa ambas as Recorrentes, ambas deram causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte), na respetiva proporção, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a recorrente Impugnante, e se prejuízo da isenção de custas de que beneficial a Fazenda Pública. Efetivamente, o presente processo foi instaurado em data anterior a 01/01/2004, e portanto, a Recorrente Fazenda Pública está isenta de custas ao abrigo do art. 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, e art. 9.º, do DL n.º 29/98, de 11 de Fevereiro, que aprovou tal Regulamento.


Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)


Só com o aditamento do art. 24.º-A ao CIRC, pelo DL n.º 420/93, de 28 de dezembro, e posteriormente com o aditamento de um n.º 2 a este preceito legal pela Lei n.º 39-B/94, de 27 de dezembro é que o legislador institui um regime especial que regulamenta as situações de entrega de um bem objeto de locação financeira ao locador seguida de relocação desse bem ao mesmo locatário (lease back), caso em que não há lugar ao apuramento de qualquer resultado para efeitos fiscais pelo locatário, sendo que este regime não se aplica retroativamente.

II. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso da Impugnante e ao recurso da Fazenda Pública.


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Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento que se fixa em ¾ para a Impugnante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia, e ¼ para a Fazenda Pública, sem prejuízo da isenção de custas de que beneficia.

D.n.

Lisboa, 25 de fevereiro de 2021.


A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora


A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy