Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:18/12.0BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRS;
MAIS-VALIAS;
REINVESTIMENTO;
CONSTRUÇÃO;
MÚTUO;
FUNDAMENTAÇÃO “ A POSTERIORI” .
Sumário:1. O princípio da fundamentação contemporânea e contextual do acto traduz-se em a Administração não poder fundamentar um acto a posteriori, pois ao fazê-lo está a impedir o administrado de adequar e preparar devidamente o seu o direito de reacção contenciosa, dirigida à fundamentação do acto que lhe foi explicada e não a uma fundamentação estranha ao acto que impugnou.
2. Se o tribunal recorrido, no julgamento da pretensão anulatória considera aquilo que constitui a fundamentação do acto impugnado invocada a posteriori na contestação, e, por via disso, julga a impugnação improcedente, por aquela fundamentação não integrar a decisão de recurso hierárquico impugnada e não ser dela contemporânea, a decisão está inquinada de erro de julgamento, mas não do vício mais gravoso da nulidade por pronúncia indevida.
3. A alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, numa interpretação sistemática e teleológica contempla a aquisição da “propriedade de outro imóvel” ou “de terreno para a construção”, quer ainda a aquisição através de “construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel”.
4. Está, assim, excluído da tributação o produto da alienação de imóvel, efectuada posteriormente à construção de outro, ambos para residência própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, comprovadamente custeada com tal produto.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL



I. RELATÓRIO


J......... e N........., recorrem da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou improcedente a impugnação apresentada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de IRS n.º…………., referente ao ano de 2006.


Os Recorrentes terminam as alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«

Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou improcedente a impugnação intentada contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ........, deduzida contra a liquidação de IRS n.º ........, do ano de 2006.
No entender dos Recorrentes, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e excesso de pronúncia, na douta sentença recorrida, sendo, por conseguinte a mesma nula, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 do CPC, uma vez que:
a) ficou comprovado que, no dia 6 de Julho de 2006, os Recorrentes alienaram o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ........ – A, da freguesia de São Gonçalo, destinado a habitação própria e permanente, pelo preço de € 324.218,63 (Facto Assente D);
b) ficou provado que os Recorrentes reinvestiram parte do valor de realização - € 99.663,53 - na construção da sua nova habitação própria e permanente, dentro do prazo legal e sem recurso a crédito bancário (Factos Assentes E e F);
c) ficou demonstrado que, à data da venda do referido imóvel, os Recorrentes deviam à C........ o montante de apenas € 96.850,35 (conforme Campo 503 da Declaração de IRS do ano de 2006, junta como Doc. 3 do recurso Hierárquico, e projecto de decisão da reclamação graciosa junto como Doc. 1 da pi);
d) ficou provado que, por efeito da liquidação total desse montante àquela instituição bancária, os Recorrentes dispunham de um valor de realização disponível para reinvestimento de € 227.368,28 (€ 324.218,63 - € 96.850,35);
e) ficou comprovado que tal reinvestimento foi efectuado pelos Recorrentes na construção da sua nova habitação própria e permanente, realizada sobre o prédio urbano, terreno para construção, inscrito na matriz sob o artigo ......., da freguesia de Santa Maria Maior, adquirido pelos mesmos em 3 de Junho de 2005 (Facto Assente A);
f) se comprovou que, uma vez adquirido o imóvel e obtido o respectivo alvará de obras de construção n.º 113/2005, de 6 de Dezembro, de imediato os Recorrentes deram início às obras de construção da sua nova habitação própria e permanente, que seriam, por sua vez, concluídas em Março de 2007 (Facto Assente C);
g) se provou que, uma vez concluídas as obras, foi emitida pela Câmara Municipal do Funchal a licença de utilização n.º 70/2007, datada de 3 de Abril, para a moradia construída pelos Recorrentes (Facto Assente J);
h) se demonstrou que, uma vez emitida a referida licença de utilização, os Recorrentes submeteram a competente declaração para inscrição, Modelo 1 do IMI, no dia 9 de Abril de 2007, e de imediato afectaram o imóvel à sua habitação própria e permanente (Facto Assente K);
i) se provou que os Recorrentes procederam à alteração do seu domicilio fiscal para a Rua………….., no dia 14 de Abril de 2007, dentro dos cinco anos seguintes à data da realização (Facto Assente L);
j) o Tribunal a quo errou ao considerar que não existiu qualquer reinvestimento por parte dos Recorrentes face à contracção de um empréstimo bancário no valor de € 104.375,00;
k) a Administração Fiscal nunca alegou ou invocou o empréstimo bancário contraído pelos Recorrentes, em 31/10/2006, para indeferir a reclamação graciosa ou o recurso hierárquico e desconsiderar o reinvestimento;
l) as decisões de indeferimento quer da reclamação graciosa quer do recurso hierárquico assentaram apenas no alegado facto do reinvestimento não poder ser aceite nos termos da alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS;

m) tal argumento apenas foi invocado após a entrada da presente acção e em sede de contestação;
n) os Recorrentes deduziram a impugnação sub judice contra os fundamentos invocados na decisão de indeferimento do recurso hierárquico;
o) nunca antes da instauração da presente acção foi invocado pela Administração Fiscal, como fundamento do indeferimento do recurso hierárquico ou reclamação graciosa, o alegado empréstimo bancário contraído em 31/10/2006;
p) a Fazenda Pública não podia invocar, em sede de contestação, novos fundamentos para sustentar e suprir as deficiências e ilegalidades das suas decisões anteriores;
q) o Tribunal a quo pronunciou-se sobre fundamento que não foi objecto da decisão de indeferimento ora impugnada (veja-se fundamentos da decisão impugnada – Facto Assente R);
r) o Tribunal a quo conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento e que influíram na boa decisão da causa;
s) cabia ao douto Tribunal a quo decidir e apreciar apenas a legalidade da decisão de indeferimento proferida pela Administração Fiscal, tendo em conta os fundamentos nela invocados;
t) o Tribunal a quo não podia apreciar a causa com base em fundamentos que não foram invocados nem discutidos em sede administrativa e que, por esse motivo, não foram objecto de impugnação por parte dos Recorrentes;
u) nada impedia que os Recorrentes se socorressem de parte (€ 99.663,53) do valor de realização (€ 227.368,28) para proceder à construção da sua nova habitação própria e permanente;
v) nada impedia os Recorrentes de utilizarem a totalidade do valor de realização disponível de € 227.368,28 na compra ou construção da sua nova habitação própria e permanente e aplicarem o valor do empréstimo bancário noutras despesas e encargos posteriores;
w) os acórdãos invocados pela Fazenda Pública referem-se à não aceitação do reinvestimento, quando há recurso a crédito bancário, para os casos de aquisição de nova habitação própria e permanente e não para os casos de reinvestimento na construção de uma nova habitação própria e permanente, como é o caso sub judice;

x) no caso das aquisições de imóveis com recurso a crédito bancário, o empréstimo consta da própria escritura de aquisição, existindo um nexo de causalidade adequada claro entre o mútuo contraído e a aquisição em questão;
y) a escritura de mútuo com hipoteca junta aos autos como Doc. 1 da contestação, data de 31/10/2006, muito após a data de aquisição do imóvel onde foi construída a nova habitação própria e permanente dos Recorrentes (03/06/2005) e após a data da venda do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ........ – A, que originou a mais valia (06/07/2006);
z) os Recorrentes dispunham de valor de realização (€ 227.368,28) mais que suficiente para as despesas apresentadas nos autos (€ 99.663,53).

aa)o empréstimo suscitado foi contraído, a posteriori, para o pagamento de outras despesas que não as que foram apresentadas em sede de reclamação graciosa ou recurso hierárquico;
bb) cabia à Fazenda Pública provar que o empréstimo bancário serviu efectivamente para pagar as despesas e encargos juntos aos autos, o que não sucedeu nem podia suceder por impossibilidade objectiva;
cc) foi feita uma apreciação e valoração inapropriada e incorrecta dos factos e do direito aqui aplicáveis, valoração essa que, no entender da Recorrente, deveria ter conduzido a uma decisão diversa da encontrada, designadamente, à conclusão de que efectivamente os Recorrentes reinvestiram parte do valor de realização (€ 99.663,53) na construção da
sua actual habitação própria e permanente, dentro do prazo legal, sem recurso a crédito bancário, e que por essa razão, o referido montante deverá ser aceite como valor de reinvestimento, nos termos do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, para efeitos de exclusão de tributação da mais valia.

Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e com o douto suprimento de V. Exas., deve a douta sentença recorrida ser revogada e, consequentemente, ser julgada procedente a presente acção de impugnação, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!!!».



A Recorrida apresentou contra-alegações, mas não formulou conclusões



O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso não merece provimento.


Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.


II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação do recurso, são estas as questões que importa conhecer: (i) se a sentença enferma de nulidade por excesso de pronúncia na medida em que apreciou a legalidade do acto impugnado com base em fundamentação constante da contestação e nunca antes aduzida em sede administrativa; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir não estarem reunidos os pressupostos de que depende a exclusão de tributação prevista no art.º 10.º, n.º 5 alínea b), do CIRS.



***


III. FUNDAMENTAÇÃO

A) DE FACTO


Na sentença recorrida deixou-se consignado em sede factual:

«

Dão-se por provados os seguintes factos:

A) Em 3 de Junho de 2005 no Cartório Notarial do Funchal, juvenal R....... e A......., como primeiros outorgantes venderam a J......... e N........., segundos outorgantes, que compraram pelo preço de 42.500,00, um prédio urbano, destinado a construção, com 449,10m2, sito em Bom Sucesso, freguesia de Santa Maria Maior. Concelho do Funchal, inscrito na matriz sob o artº....... e descrito na Conservatória do registo Predial do Funchal, sob o nº ....., daquela freguesia (fls 117 a 119, dos autos);


B) Á data da aquisição o prédio urbano referido em A) correspondia o lote quatro do alvará de loteamento nº 33/93, de 6 de Dezembro (do 9;


C) Foi emitido o alvará de obras de construção nº 113/2005, de 6 de Dezembro (fls 124, dos autos);
A)


D) Em 6 de Julho de 2006, por escritura pública celebrado no Cartório Notarial do Funchal, J......... e N....., como primeiros outorgantes venderam a A..... e L....., como segundo outorgantes, que compraram, pelo preço de 324.218,63, a fracção autónoma destinada à habitação, individualizada pela letra “A”. do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, ao sítio da Bica de Pau, freguesia de São Gonçalo, concelho do Funchal, inscrita na matriz predial sob o artº........-A, e descrita na Conservatória do registo Predial sob o nº………, da freguesia de São Gonçalo (fls 35 a 40, dos autos);


E) Entre 6 de Julho de 2005 a 5 de Julho de 2006 os impugnantes tiveram despesas nos montantes de €39.714,00 nos 12 meses anteriores à alienação (facturas de fls 42 a 61, dos autos);


F) Em 6 de Julho de 2005 a 5 de Julho de 2006 os impugnantes tiveram despesas de

€59.949,53 nos 24 meses posteriores à alienação (facturas de fls 63 a 115, dos autos);



G) Por escritura pública de 31 de Outubro de 2006 de Mútuo com Hipoteca de fls 151 a 153, que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, através da qual a C........ concederam a J......... e N......... um empréstimo de 104.375,00 tendo este constituído hipoteca sobre o prédio urbano – terreno para construção – situado no Bom Sucesso, freguesia da Santa Maria Maior, Funchal (fls 151 a 153, dos autos);

H) Segundo as cláusulas do documento complementar que também rege o Mútuo referido em G) que o empréstimo se destina à construção do imóvel hipotecado para habitação própria e permanente (fls 155 a 165, dos autos);


I) Em 13 de Outubro de 2006 sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artº ......., foi constituída hipoteca voluntária registada a favor da C........ (fls 14 e 15, dos autos);


J) Em 3 de Abril de 2007 foi emitida pela Câmara Municipal do Funchal a licença de utilização nº 70/2007 (fls 126, dos autos);


K) A 9 de Abril de 2007 os impugnantes submeteram declaração para inscrição, Modelo 1 de IMI (fls 128 a 130, dos autos);


L) No dia 14 de Abril de 2007 os impugnantes fizeram a alteração do seu domicílio fiscal para a Rua ……………… (fls 132, dos autos);


M) O prédio referido em A) passou a prédio urbano inscrito na matriz sob o artº…….., da freguesia de Santa Maria Maior (fls 134 e 135, dos autos);


N) Pela AF foi efectuada a liquidação nº…………., referente ao ano de 2006 de IRS, no montante a pagar de €24.309,36;

O) No dia 2 de Agosto de 2010 os impugnantes deduziram reclamação graciosa contra a liquidação referida em N);


P) Em 12 de Maio de 2011 os impugnantes foram notificados do indeferimento da reclamação graciosa referida em O) (fls 17 a 20, dos autos);


Q) Em 7 de Junho de 2011 os impugnantes interpuseram recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa (fls 22, dos autos);


R) Em 2 de Setembro de 2011 os impugnantes foram notificados do projecto de indeferimento do recurso hierárquico, onde consta nomeadamente (fls 24 a 31, dos autos):
(…).


«imagens no original»








S) Em 25 de Outubro de 2011 os impugnantes foram notificados do indeferimento do recurso hierárquico (fls 32, dos autos).

*

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados.».

III.B) DE DIREITO


Alegam os recorrentes que a sentença enferma de nulidade por pronúncia indevida na medida em que fez apreciação da legalidade do impugnado acto de indeferimento do recurso hierárquico com base em fundamentos invocados pela Fazenda Pública na contestação, mas nunca antes invocados no procedimento administrativo.


As causas de nulidade da sentença estão taxativamente previstas no art.º 615.º do CPC e, em especial, no processo tributário, no art.º 125/1 do CPPT.

Em ambas as disposições se prevê como causa de nulidade da sentença “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.


Relaciona-se essa causa de nulidade com o disposto no art.º 608/2 do CPC, que estabelece: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».


Ora, a questão factual do empréstimo bancário contraído pelos impugnantes, aqui recorrentes, em 31/10/2006 e omitido à declaração foi suscitada pela Fazenda Pública na contestação e, por conseguinte, não ocorreu qualquer pronúncia indevida da sentença, que se ocupou de questão suscitada por uma das partes.


Como tal, não ocorre nulidade da sentença por pronúncia indevida ou excesso de pronúncia.


Mas isso assente, importará verificar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar, na apreciação que fez da legalidade do acto impugnado, pressupostos factuais que não constavam da fundamentação daquele acto ou de qualquer outro a montante do procedimento e só na contestação vieram a ser invocados pela Fazenda Pública.



Atentando no ponto R) da matéria assente, em que estão reproduzidos os fundamentos da decisão do recurso hierárquico, resulta que o indeferimento da pretensão dos
impugnantes – de exclusão da tributação em IRS dos ganhos obtidos com a alienação de um imóvel destinado a habitação própria e permanente reinvestidos na construção de outro imóvel destinado ao mesmo fim – assentou nesta ordem de razões:

«…no caso concreto, o montante de € 99.663,53 foi reinvestido na construção da habitação própria e permanente dos recorrentes.
Mas a alínea b) do n.º5 do artigo 10.º do CIRS (com a redacção em vigor em 2006, dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que vigorou até à nova redacção introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12), apenas exclui da tributação os ganhos provenientes da venda do imóvel, se o produto da sua venda/realização for aplicado na aquisição a que se refere a alínea anterior”, isto é, a aquisição da propriedade de outro imóvelou de “terreno para construção”, e não da “const rução , ampliação ou melhoramento de outro imóvel”.
Assim, à luz do CIRS em vigor no exercício de 2006, é tributável o produto da alienação de imóvel, efectuada posteriormente à construção de outro, ambos para residência permanente do sujeito passivo (ou do seu agregado familiar), custeada com tal produto».


Olhando agora a contestação da Fazenda Pública na impugnação judicial (a fls.146 do processo), dela consta, nomeadamente e entre o mais:

«…mesmo que se entenda que quer a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, quer a decisão de indeferimento do recurso hierárquico erraram ao não considerarem como reinvestimento os valores despendidos com a construção do imóvel, e ao fundamentarem essa não consideração na alínea b) do 10.º n.º 5, esse entendimento em nada afectará a legalidade e eficácia do acto de liquidação, como passaremos a demonstrar».
E adiante prossegue: «É que, talvez por esquecimento, o Autor omitiu um facto relevante para a análise da liquidação em apreço.
Na verdade, por escritura pública…celebrada a 31/10/2006 (…) o Autor outorgou um mútuo com hipoteca sobre o terreno para construção, no valor de € 104.375,00…».



A sentença, não só fez constar do ponto G) do probatório, o facto alegado na

contestação, como veio a concluir:

«…os impugnantes omitiram um facto que a FP na sua contestação lembra.

Pois resulta do probatório que não houve reinvestimento já que os impugnantes obtiveram para pagamento da construção da sua habitação um empréstimo bancário no valor de
€104.375,00.

Se o montante das despesas efectuadas foram de € 59.949,53 nos 24 meses posteriores à alienação – de 07/07/2005 a 05/07/2006 – deduzido o valor do crédito não ocorreu investimento dos ganhos obtidos.
E por esta via também não podem obter vencimento na impugnação».


O assim decidido não pode manter-se.



Aos recorrentes foi transmitida uma fundamentação do acto impugnado – tendo sido com base nela que intentaram a presente impugnação judicial e que consistia unicamente no facto de não se poder considerar como reinvestimento os valores despendidos na construção de outro imóvel – sendo que, mais tarde, em sede de contestação, foram confrontados com uma outra fundamentação completamente inovatória, que consistiu em terem “outorgado um mútuo com hipoteca sobre o terreno para construção, no valor de € 104.375,00”. Ora esta fundamentação a posteriori que não é contemporânea do acto nem contextual, é legalmente inadmissível, pois, não cumpre as exigências do dever legal de fundamentação, não podendo considerar-se como fazendo parte integrante do acto impugnado (cf. artigos 77.º da Lei Geral Tributária e 152.º e 153.º do Código do Procedimento Administrativo, ex vi do 2.º, alínea c) da LGT).

Com efeito, nos termos do disposto no art.º 152º do Código do Procedimento Administrativo “… devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente: a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; b) Decidam reclamação ou recurso”; e o art.º 77.º da LGT estabelece que “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária” (nº 1), sendo que “A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo” (nº 2).


Assim como também não pode a fundamentação ser extemporânea do acto, ou seja, tem que dele constar, pois só deste modo se concedem ao contribuinte os motivos que conduzem à decisão tomada e não a qualquer outra, que o contribuinte ignora.


Tais normas, correspondem ao cumprimento de directiva constitucional decorrente do actual artigo 268.º, nº 3 da CRP no qual se consagra o dever de fundamentação e correspondente direito subjectivo do administrado à fundamentação, sendo que, com a enunciação de tal dever se visa harmonizar o direito fundamental dos cidadãos a conhecerem os fundamentos factuais e as razões legais que permitem a uma autoridade administrativa ou tributária conformar-lhes negativamente a sua esfera jurídica com as exigências que a lei impõe à Administração de actuar, na realização do interesse público, com presteza, eficácia e racionalidade.


Em termos de prática administrativa, como é sabido, fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado acto, acto este que terá de conter expressamente os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão, para que se conheçam as premissas do acto e se refiram todos os motivos determinantes do conteúdo resolutório; mas também não pode ser omissa e vir a ser completada mais tarde em sede de impugnação judicial do acto.


Ou seja, a Administração não pode, pelos motivos expostos, fundamentar um acto a posteriori, pois ao fazê-lo está a impedir o administrado de adequar e preparar devidamente o seu o direito de reacção contenciosa dirigida à fundamentação do acto que lhe foi explicada e não a uma fundamentação estranha ao acto que impugnou e que é o único a manter-se na ordem jurídica se não for anulado.


Trata-se, pois, a fundamentação contemporânea, de um instrumento fundamental da garantia contenciosa.


Como dissemos, é contextual a fundamentação quando se integra no próprio acto e dela tem de ser contemporânea, o que no caso em apreço não sucede, pois que os impugnantes e ora recorrentes se viram confrontados na sua pretensão anulatória com uma fundamentação completamente inovatória na contestação e relativamente à qual não puderam estruturar a sua defesa.


Deste modo, não podia a sentença recorrida ter considerado no julgamento da pretensão anulatória aquilo que constitui a fundamentação do acto impugnado invocada a posteriori na contestação, e, por via disso, ter julgado a impugnação improcedente, por aquela fundamentação não integrar a decisão de recurso hierárquico impugnada e não ser dela contemporânea, estando inquinada de erro de julgamento, mas não do vício mais gravoso da nulidade, que foi o alegado (art.º 5/3 do CPC).


Na procedência desse segmento da apelação, importará prosseguir no conhecimento da pretensão anulatória deduzida nos autos em razão da fundamentação que efectivamente
consta do acto impugnado, o que passamos a fazer.


Como resulta do ponto R) da matéria assente, que reproduz o teor do acto impugnado, o indeferimento do recurso hierárquico assentou no entendimento de que a alínea b) do n.º 5 do art.º 10.º do CIRS apenas exclui da tributação os ganhos provenientes da venda do imóvel, se o produto da sua venda/realização for aplicado na aquisição da propriedade de outro imóvel ou de terreno para construção, que não na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel.


Como os impugnantes aplicaram o produto da alienação de um imóvel destinado a habitação própria e permanente na construção de outro destinado ao mesmo fim, o produto da alienação é, na óptica da AT, tributável. Vejamos.


Na redacção em vigor em 2006, o n.º 5 do art.º 10º do CIRS dispunha:

«5 – São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:
a) Se, no prazo de vinte e quatro meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em território português;
b) Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior, desde que efectuada nos doze meses anteriores;
c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir;
d) Em caso de reinvestimento de montante diverso do declarado nos termos da alínea anterior, o sujeito passivo fica obrigado a entregar declaração de substituição, com os valores efectivamente reinvestidos, dentro do primeiro prazo normal que ocorra após o termo do período de 24 meses a que se refere a alínea a).».


Como ilustra o probatório, os impugnantes alienaram o imóvel destinado a sua habitação própria e permanente por escritura de 06/07/2006 e pelo preço de 324.218,63 Euros (cf. ponto D) da matéria assente).

Incorreram em despesas com a construção de outro imóvel destinado ao mesmo fim no valor de 39.714,00 Euros nos 12 meses anteriores à alienação e, no valor de 59.949,53 Euros, nos 24 meses posteriores à alienação, despesas essas tituladas por facturas juntas aos autos e que no seu conjunto perfazem 99.663,53 Euros (cf. pontos E) e F) da matéria assente), montante que pretendem excluído da tributação por reinvestimento.


Embora a razão de ser desta exclusão de tributação seja a de proteger e favorecer fiscalmente a aquisição de habitação própria e permanente [vd. Rui Duarte Morais, “Sobre o IRS”, Almedina, 2ª edição, p. 142.], o «objectivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias» [Sobre esta matéria, vd. José Guilherme Xavier de Basto, “IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos”, Coimbra, 2007, pp. 412/420].


No entanto, a lei não deixa de explicitar os requisitos que devem estar preenchidos para que opere tal exclusão tributária do ganho obtido mediante a alienação onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar: no caso da alínea a), é preciso que o ganho seja reinvestido, no prazo de 24 meses, “na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino”.


Portanto, relativamente ao produto da alienação reinvestido pelos impugnantes na construção de outra habitação própria e permanente, nos 24 meses posteriores, sem grande esforço exegético podemos dizer que a situação encontra previsão na exclusão de tributação contemplada na alínea a) do n.º 5 do art.º 10.º do CIRS, no mesmo sentido apontando a alínea c) do n.º 6 do mesmo preceito.


Questão menos pacífica na jurisprudência é a de saber se a alínea b) daquele n.º 5 do art.º 10.º do CIRS limita a exclusão de tributação relativamente à anterior alínea a), restringindo-a às situações de “aquisição da propriedade de outro imóvel” ou de “terreno para construção”, mas já não de “construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel”, quando o valor de realização seja utilizado nos 12 meses anteriores à alienação.


Em sentido afirmativo, pode ver-se, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02/13/2008, tirado no proc.º 0996/07, em cujo sumário doutrinal se deixou consignado:
«I - A alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares apenas contempla a “aquisição a que se refere a alínea anterior” – seja, a da “propriedade de outro imóvel” ou “de terreno para construção” -, que não a “construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel”.
II - Não está, assim, excluído da tributação o produto da alienação de imóvel, efectuada posteriormente à construção de outro, ambos para residência permanente do sujeito passivo (ou do seu agregado familiar), alegadamente custeada com tal produto».

Salvo o devido e muito respeito pela posição ali expressada, julgamos que da interpretação sistemática e teleológica daquela alínea b) do n.º 5 do art.º 10.º do CIRS, se colhe entendimento diverso, no sentido da não limitação da exclusão de tributação às situações de utilização do valor de realização na aquisição de outro imóvel ou de terreno para a construção, deixando de fora as situações de utilização daquele valor, nos doze meses anteriores, na construção de outro imóvel. Dizemos porquê.


Com efeito, a aquisição de um imóvel destinado a habitação (ou de ingresso na esfera patrimonial do sujeito passivo desse tipo de imóvel) tanto pode efectuar-se através da aquisição (originária ou derivada) de uma habitação já edificada e inscrita na matriz predial urbana, como através da construção de edifício habitacional num prédio rústico ou terreno para construção que o sujeito passivo adquiriu – que é a forma de fazer surgir e fazer ingressar na sua esfera patrimonial um novo prédio urbano.


Ambas as formas de aquisição estão, a nosso ver, contempladas naquela alínea b), do n.º 5 do art.º 10.º do CIRS, até porque do disposto no art.º 46° do mesmo Código decorre que a aquisição tanto pode referir-se a imóvel adquirido a terceiros como a imóvel construído pelo próprio sujeito passivo, fazendo a norma a distinção para efeitos de cálculo do respectivo valor de aquisição (No imóvel adquirido a terceiros, considera-se como valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação da sisa, ou não tendo havido lugar à liquidação sisa, o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto; no imóvel construído pelo próprio, considera-se como valor de aquisição o maior dos seguintes valores: (i) o valor patrimonial inscrito na matriz, ou (ii) o valor do terreno mais os custos de construção devidamente comprovados, obtendo-se o valor do terreno pelas regras da liquidação da sisa).


Por outro lado, tendo em conta a finalidade desta norma de exclusão de tributação – eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias – não se vê como deixar de considerar abrangida pela exclusão de tributação prevista na alínea b), a forma de aquisição de imóvel através de construção.


Pelo contrário, nada indicia que o legislador fiscal não tenha querido contemplar esta hipótese na alínea b) do n.º 5 do art.º 10.º do CIRS, embora a tenha deixado fora do alcance literal da norma, sendo certo que as normas de incidência tributária admitem interpretação extensiva (cf. artigo 11.º, n.ºs 1 e 4, da LGT).


Nessa linha de raciocínio, não resultando controvertido que os impugnantes e ora recorrentes utilizaram parte do valor de realização na construção de outro imóvel nos doze meses anteriores e reinvestiram outra parte daquele valor de realização na construção do mesmo nos vinte e quatro meses posteriores, ambas as hipóteses estão contempladas nas normas de exclusão de tributação, respectivamente, da alínea a) e da alínea b), do n.º 5 do art.º 10.º do CIRS.


Assim, o montante de 99.663,53 Euros (cf. pontos E) e F) do probatório) utilizado/reinvestido pelos recorrentes na aquisição de outro imóvel através de construção está excluído “in totum” da tributação em IRS, estando o acto impugnado inquinado de vício de lei por erro nos pressupostos, tendo a sentença recorrida que validou a decisão da AT incorrido em erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica.


O recurso merece provimento.


IV. DECISÃO



Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação judicial procedente e anular o acto impugnado.



Custas a cargo da Recorrida.

Lisboa, 25 de Março de 2021




[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10- A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, LUÍSA SOARES e CRISTINA FLORA].

VITAL LOPES