Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2093/16.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/09/2019
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:INCOMPETÊNCIA MATERIAL
ERRO JUDICIÁRIO COMETIDO POR ACTOS DO INQUÉRITO E DECISÕES NO PROCESSO-CRIME;
RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELA DELONGA NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA;
LEI N.º 67/2007, DE 31-12; VIOLAÇÃO DO DIREITO À JUSTIÇA EM PRAZO RAZOÁVEL; PROCESSO-CRIME;
ILICITUDE; DEMORA NA FASE DO INQUÉRITO;
CAUSALIDADE ADEQUADA; HONORÁRIOS DE ADVOGADO; LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA.
Sumário:
I – A jurisdição administrativa e fiscal é materialmente incompetente para conhecer de um pedido de indemnização por erro judiciário cometido por actos do inquérito e decisões no processo-crime;
II- Para aferir da ilicitude decorrente de um atraso na decisão judicial, há que considerar, primeiramente, de forma analítica o (in)cumprimento dos vários prazos legais para a prática dos vários actos e dos correspondentes prazos para a ocorrência das várias fases processuais, atendendo, ainda, às circunstâncias do caso concreto e designadamente: (i) à complexidade do caso; (ii) ao comportamento processual das partes; (iii) à actuação das autoridades competentes no processo; (iv) e à importância do litígio para o interessado;
III - Posteriormente, há que encetar um segundo raciocínio, já não analítico, mas global, em que a aferição do pressuposto da ilicitude decorrente da excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial se afere pela totalidade do período de tempo em que tal processo se desenvolveu;
IV – Ocorre violação do direito à justiça em prazo razoável quando relativamente a um processo-crime, de mediana complexidade ou relativamente simples, entre a data da abertura do inquérito e a decisão final em 1.ª instância mediaram cerca de 6 anos e 6 meses;
V - Estando em causa uma responsabilidade pelo ilícito, não se exige uma culpa subjectivada, aceitando-se como bastante uma culpa do serviço, globalmente considerado;
VI - O dano corresponde à lesão ou ao prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial produzido na esfera jurídica de terceiros, decorrente da demora na tramitação do processo, ou na decisão;
VII – O montante que se tenha de pagar a título de honorários de Advogado pela acção interposta para efectivar a responsabilidade do Estado por atraso na administração da justiça, é um dano indemnizável e decorrente do indicado atraso;
VIII – Não estando provado nos autos o valor daquele pagamento, deve o mesmo ser apurado em liquidação de sentença.
Votação:MAIORIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO
António ……………………………….. interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou verificada a excepção de incompetência material relativamente ao pedido de indemnização por erro judiciário, no valor de €10.000,00, assim como, que julgou improcedente o pedido de pagamento de uma indemnização por atraso na administração da justiça, no valor total de €10.000,00, a título de danos não patrimoniais e de €1.000,00, a título de danos patrimoniais, decorrente do pagamento de despesas judiciais e honorários de Advogado.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: “



O Recorrido Estado Português, aqui representado pelo Ministério Público (MP), nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1. O Recorrente não cumpriu o ónus de alegar e o ónus de concluir, nos termos do disposto no art. 639.º, n.º2, als. a) e b), do CPC.
2. O requerimento de interposição do recurso dever ser indeferido, nos termos do disposto no art.641.º, n.º, al.b), do CPC.
3. A douta decisão recorrida fez a correta aplicação da lei aplicada ao caso, não se mostrando esta ferida de qualquer vício e mostrando-se a mesma devidamente fundamentada e com a qual se concorda na íntegra, sendo certo que nos fundamentos ali aduzidos já haviam sido aludidos na contestação do Réu Estado Português.
4. Nestes termos, a douta sentença, ao contrário do que pretendo o Recorrente, não violou o disposto nos arts.5.º, n.º3 e 6.º, n.º1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e arts.2.º, 20.º e 212,º, da Constituição da República Portuguesa.”

Colhidos os vistos, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na decisão recorrida foi dada por provada a seguinte factualidade, não impugnada:
A) Em 11/08/2009, foi apresentada denúncia contra o A., à qual foi atribuído o NUIPC 110/09.9SJLSB e foi distribuída em 31/08/3009 (cfr. fls. 1 a 7 da Certidão, junta com a P. I, que ora se dá por integralmente reproduzida);
B) Em 02/09/2009, foi proferido despacho de delegação de competências na Polícia de Segurança Pública (cfr. fls. 8 da Certidão, junta com a P. I, que ora se dá por integralmente reproduzida);
C) Em 14/09/2009, foi junto aditamento à queixa referida em A), com a junção de 11 fotogramas
D) Em 28/09/2009, foi junto aditamento à queixa referida em A), com a identificação dos IMEI’s subtraídos (cfr. fls. 21 a 23 da Certidão, junta com a P. I, que ora se dá por integralmente reproduzida);
E) Em 09/10/2009 foi inquirido António ……………….., na qualidade de legal representante da ofendida (cfr. fls. 24 a 27 da Certidão, junta com a P. I, que ora se dá por integralmente reproduzida);
F) Em 09/10/2009, foi inquirida a testemunha João ……………………….. (cfr. fls. 28 e 29 da Certidão, junta com a P. I, que ora se dá por integralmente reproduzida);
G) Em 09/10/2009, foi prestada informação de serviço, tendo sido solicitada a possibilidade de apreciação da emissão de Mandados de Busca domiciliária para a residência do A. (cfr. fls. 30 e 31 da Certidão, junta com a P. I, que ora se dá por integralmente reproduzida);
H) Em 14/10/2009, o Procurado Adjunto do DIAP – 12.ª Secção promoveu a emissão de mandados de busca e apreensão para a residência do A. (cfr. fls. 33 da Certidão, junta com a P. I, idem);
I) Em 20/10/2009, pela Juiz de Instrução Criminal, do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, 3º Juízo foi ordenada a emissão de mandados de busca e apreensão para a residência do A. (cfr. fls. 35 da Certidão, junta com a P. I, idem);
J) Em 23/10/2009, foram os autos registados sob o n.º 110/09.9SJLSB, remetidos ao DIAP (cfr. fls. 37 da Certidão, junta com a P. I, idem);
K) Em 27/10/2009, os autos registados sob o n.º 110/09.9SJLSB foram remetidos do DIAP para a PSP de Lisboa- Sec. Inquéritos para OPC-Investigação em OPC (cfr. fls. 39 da Certidão, junta com a P. I., idem);
L) Em 04/11/2009, pela PSP, 3ª BIC/01 da 6.ª Esquadra de Investigação Criminal, Divisão de Investigação Criminal, do Comando Metropolitano de Lisboa foi inquirida a testemunha Carlos………………….. (cfr. fls. 43 da Certidão, junta com a P. I., idem);
M) Em 04/11/2009, pela 6.ª Esquadra de Investigação Criminal, Divisão de Investigação Criminal, do Comando Metropolitano de Lisboa foi prestada Informação de Serviço com pedido de emissão de Mandados de Busca e Apreensão para outra morada do denunciado, ora A. (cfr. fls. 45 e 46 da Certidão, junta com a P. I., idem);
N) Em 06/11/2009, foi promovida a emissão de mandados de busca e apreensão pelo Digno Magistrado do Ministério Público, junto do DIAP de Lisboa, Secção 1203, no âmbito do Inquérito n.º 110/09.9SJLSB (cfr. fls. 48 da Certidão, junta com a P. I., idem);
O) Em 13/11/2009, pela Juiz de Instrução Criminal, do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, 3º Juízo foi ordenada a emissão de mandados de busca e apreensão para a residência da companheira do denunciado, ora A. (cfr. fls. 50 da Certidão, junta com a P. I., idem);
P) Em 16/11/2009, foram emitidos os mandados de busca e apreensão referidos na alínea anterior (cfr. fls. 51 da Certidão, junta com a P. I., idem);
Q) Em 23/11/2009, foi promovida nova emissão de mandados de busca e apreensão pelo Digno Magistrado do Ministério Público, junto do DIAP de Lisboa, Secção 1203, no âmbito do Inquérito n.º 110/09.9SJLSB (cfr. fls. 56 da Certidão, junta com a P. I., idem);
R) Em 24/11/2009, pela Juiz de Instrução Criminal, do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, 3º Juízo foi ordenada a emissão de novos mandados de busca e apreensão (cfr. fls. 58 da Certidão, junta com a P. I., idem);
S) Em 25/11/2009, foram emitidos os mandados referidos na alínea anterior (cfr. fls. 62 da Certidão, junta com a P. I., idem);
T) Em 26/11/2009, foram os mandados referidos na alínea anterior entregues à PSP (cfr. fls. 65 da Certidão, junta com a P. I., idem);
U) Em 04/12/2009, foram realizadas as buscas ao A. com apreensão ao A. de uma granada de mão e diversas munições (cfr. fls. 73 a 78 e 83 a 90 da Certidão, junta com a P. I., idem);
V) Em 04/12/2009, foi solicitado o exame do material apreendido (cfr. fls. 94 da Certidão, junta com a P. I., idem);
W) Em 15/12/2009, foi realizado Auto de Exame Directo n.º 208/SETA/2009 (cfr. fls. 103 a 194 da Certidão com a P. I., idem);
X) Em 18/12/2009, o ora A. foi constituído arguido, tendo sido ouvido em auto de interrogatório, sendo-lhe fixada a medida de coacção de Termo de Identidade e Residência (cfr. fls. 103 a 194 da Certidão com a P. I., idem);
Y) Em 22/12/2009, foi prestada Informação de Serviço sobre o pedido de consulta às operadoras móveis a operar em território nacional (………/………../………….) (cfr. fls. 113 a 114 da Certidão com a P. I., idem);
Z) Em 22/12/2009, foi enviada ao COMETLIS o Relatório de Exame de um engenho convencional (granada de mão ofensiva, de instrução, Mod. M/962) referente ao processo n.º 110/09.9 SJLSB (cfr. fls. 121 da Certidão com a P. I., idem);
AA) Em 22/01/2010, por despacho do Procurado Adjunto, junto do DIAP de Lisboa, 12.ª Secção, foi solicitada às supras referidas operadoras móveis nacionais informação (cfr. fls. 121 da Certidão com a P. I., idem);
BB) Em 28/01/2010, a …….. enviou a sua resposta, a qual deu entrada no DIAP de Lisboa, 12.ª Secção em 03/02/2010 (cfr. fls. 132 da Certidão com a P. I., idem);
CC) Em 01/02/2010, a …………… enviou a sua resposta, a qual deu entrada no DIAP de Lisboa, 12.ª Secção em 22/04/2010 (cfr. fls. 142 a 166 da Certidão com a P. I., idem);
DD) Em 27/04/2010, a …………. enviou a sua resposta, a qual deu entrada no DIAP de Lisboa, 12.ª Secção em 05/05/2010 (cfr. fls. 170 a 195 da Certidão com a P. I., idem);
EE) Em 16/04/2010, 25/06/2010 e em 13/07/2010, o DIAP de Lisboa, 12.ª Secção insistiu junto da operadora móvel …………….. pela informação solicitada em AA) (cfr. fls. 170 a 195 da Certidão com a P. I., idem);
FF) Em 10/08/2010, a ……………. enviou a sua informação, a qual deu entrada no DIAP de Lisboa, 12.ª Secção em 18/08/2010 (cfr. fls. 199 a 200 da Certidão com a P. I., idem);
GG) Em 16/11/2010 foi lavrado Auto de Inquirição da testemunha Pedro………………………. (cfr. fls. 199 a 200 da Certidão com a P. I., idem);
HH) Em 26/11/2010 foi lavrado Auto de Inquirição das testemunhas Vitor ………………………. e Rahim ………………………….. (cfr. fls. 226 a 229 da Certidão com a P. I., idem);
II) Em 07/12/2010 foi lavrado Auto de inquirição das testemunhas Zahir …………………, Pedro……………………….., Daniel ……………………………, Pedro …………………… e Bruno ……………………….. (cfr. fls. 233 a 242 da Certidão com a P. I., idem);
JJ) Em 09/12/2010 foi lavrado Auto de inquirição das testemunhas Zahir……………… e Nelson ……………. (cfr. fls. 245 a 248 da Certidão com a P. I., idem);
KK) Em 10/12/2010 foi lavrado Auto de Apreensão Cautelar de telemóvel a Bruno ……… e Daniel ………. (cfr. fls. 249 a 251 da Certidão com a P. I., idem);
LL) Em 13/12/2010 foi lavrado Auto de inquirição das testemunhas Nuno ………, José ………….., Nuno …………….., Nuno …………………….. (cfr. fls. 252 a 259 da Certidão com a P. I., idem);
MM) Em 13/12/2010 foi lavrado Auto de Apreensão Cautelar de telemóvel a Nuno ……………. (cfr. fls. 260 da Certidão com a P. I., idem);
NN) Em 14/12/2010 foi lavrado Auto de inquirição da testemunha Nuno …………….. (cfr. fls. 261 da Certidão com a P. I., idem);
OO) Em 14/12/2010 foi lavrado Auto de Apreensão Cautelar de telemóvel a Nuno ………….. (cfr. fls. 263 a 264 da Certidão com a P. I., idem);
PP) Em 14/12/2010 foi lavrado Auto de inquirição da testemunha João ……………………. (cfr. fls. 265 e 266 da Certidão com a P. I., idem);
QQ) Em 14/12/2010 foi lavrado Auto de Apreensão Cautelar de telemóvel a João ………………… (cfr. fls. 267 da Certidão com a P. I., idem);
RR) Em 14/12/2010 foi lavrado Auto de inquirição da testemunha de Paulo ……………………. e Susana …………………………….. (cfr. fls. 270 a 271 da Certidão com a P. I., idem);
SS) Em 14/12/2010, a PSP pediu a validação de apreensão cautelar de telemóveis a Bruno …………….., Daniel ………………., Nuno …………….., Nuno …………… e João ……………, a qual foi validada em 15/12/2010 (cfr. fls. 270 a 271 e 281 da Certidão com a P. I., idem);
TT) Em 20/12/2010, foi pedida a emissão de mandados de busca e apreensão à residência de Paulo …………….. (cfr. fls. 277 a 278 da Certidão com a P. I., idem);
UU) Em 04/01/2011, foi emitida promoção referente à emissão de mandados de busca e apreensão referida na alínea anterior (cfr. fls. 289 a 290 da Certidão com a P. I., idem);
VV) Em 06/01/2011, foi proferido despacho pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal, ordenando a emissão dos requeridos mandados de busca (cfr. fls. 292 a 293 da Certidão com a P. I., idem);
WW) Foram emitidos os mandados e busca e realizadas as buscas e apreensão à residência de Paulo ………………………, tendo sido apreendidos diversos objectos (cfr. 293 a 305 da Certidão com a P. I., idem);
XX) Em 14/01/2011 foi lavrado auto de exame e avaliação dos objectos apreendidos
YY) Em 21/01/2011, foi constituído arguido Paulo …………………….., o qual foi ouvido em sede de interrogatório, tendo-lhe sido aplicada a medida de coacção de Termo de Identidade e Residência (cfr. fls. 315 a 320 da Certidão com a P. I., idem);
ZZ) Em 02/02/2011 foi solicitada pela PSP informação ao Administrador da operadora móvel …………………. (cfr. (cfr. fls. 321 da Certidão com a P. I., idem);
AAA) Em 18/02/2011 foi lavrado auto de inquirição das testemunhas Nuno …………., David …………, Sónia …………… e João …………………….. (cfr. fls. 331 a 339 da Certidão com a P. I., idem);
BBB) Em 21/02/2011, o inquérito foi remetido ao DIAP de Lisboa – 5ª Secção, a pedido deste (cfr. fls. 339 a 341 da Certidão com a P. I., idem);
CCC) Em 22/02/2011, os ……… prestaram informação à PSP, Divisão de Investigação Criminal (cfr. fls. 353 da Certidão com a P. I., idem);
DDD) Em 23/03/2011 foi prorrogado o prazo de investigação por 60 dias (cfr. fls. 350 da Certidão com a P. I., idem);
EEE) Em 02/03/2011, foi prestada informação de serviço pelo investigador Luís ……….., da PSP, Divisão de Investigação Criminal (cfr. fls. 354 a 356 da Certidão com a P. I., idem);
FFF) Em 16/03/2011, pelo DIAP de Lisboa, foi promovida a obtenção de elementos junto dos operadores de telecomunicação “…….”, “………………..” e “……………..” (cfr. fls. 357 a 359 da Certidão com a P. I., idem);
GGG) Em 21/03/2011, foi proferido despacho pelo juiz de instrução do 3º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa (cfr. fls. 360 da Certidão com a P. I., idem);
HHH)Em 28/03/2011, 3º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, solicitou informação às operadoras móveis …………….., …………… e …………. (cfr. fls. 361, 362, 363 da Certidão com a P. I., idem);
III) Em 31/03/2011 foi ordenado que os autos aguardassem por 10 dias pelos elementos solicitados às operadoras móveis (cfr. fls. 365 da Certidão com a P. I., idem);
JJJ) Em 31/03/2011 e 06/04/2011, as operadoras móveis enviaram a sua resposta (cfr. fls. 367 a 374 da Certidão com a P. I., idem);
KKK) Em 15/04/2011 foi ordenada a remessa do inquérito à PSP para conclusão da investigação (cfr. fls. 375 da Certidão com a P. I., idem);
LLL) Após diligências, em 09/05/2011, pelo investigador da 6ª Esquadra de Investigação Criminal, Divisão de Investigação Criminal, da PSP de Lisboa, foi solicitada a emissão de mandados de busca e apreensão à residência de José …………………… (cfr. fls. 388 da Certidão com a P. I., idem);
MMM) Em 13/05/2011, pela DMMP do DIAP de Lisboa, foi promovida a emissão de mandados de busca à residência referida na alínea anterior (cfr. fls. 391 a 392 da Certidão com a P. I., idem);
NNN) Em 24/05/2011, foi proferido despacho, ordenando a emissão de mandados de busca e apreensão pelo Juiz de Instrução Criminal do 3º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa (cfr. fls. 394 a 395 da Certidão com a P. I., idem);
OOO) Em 25/05/2011 foi emitido Mandado de Busca e Apreensão (cfr. fls. 396 da Certidão com a P. I., idem);
PPP) Em 27/05/2011, foram os autos remetidos à PSP (cfr. fls. 403 da Certidão com a P. I., idem);
QQQ) Em 14/06/2011, foram realizadas as buscas e apreensão e lavrado o respectivo auto (cfr. fls. 411 da Certidão com a P. I., idem);
RRR) Em 30/06/2011 foi constituído arguido José ………………………, o qual foi ouvido em interrogatório, tendo-lhe sido aplicada a medida de coacção de Termo de Identidade e Residência (cfr. fls. 413 a 416 da Certidão com a P. I., idem);
SSS) Em 08/07/2011, foi lavrado auto de interrogatório de arguido de José …………………….. (cfr. fls. 421 a 422 da Certidão com a P. I., idem);
TTT) Em 16/09/2011, foi realizado auto de exame e avaliação dos telemóveis apreendidos (cfr. fls. 424 a 429 da Certidão com a P. I., idem);
UUU) Em 20/11/2011 foi elaborado Relatório Final (cfr. fls. 437 da Certidão com a P. I., idem);
VVV) Conclusos os autos em 19/04/2013, por despacho de 20/05/2014 foi ordenada a requisição de CRC do Autor (cfr. fls. 451 a 452 da Certidão com a P. I., idem);
WWW) Conclusos os autos em 22/05/2014, na mesma data foi proferido despacho de arquivamento, tendo sido deduzida acusação contra o arguido (cfr. fls. 453 a 460 da Certidão com a P. I., idem);
XXX) Em 23/05/2014, o A. e o seu Ilustre Mandatário foram notificados do despacho de Acusação/Arquivamento, bem como para, no prazo de 20 dias, requerer a abertura de instrução, nos termos do art.º 287º do C.P.P. (cfr. fls. 461 a 462 da Certidão com a P. I., idem);
YYY) Em 16/06/2014, o A. requereu a suspensão provisória dos autos (cfr. fls. 475 da Certidão com a P. I., idem);
ZZZ) Em 18/06/2014, foi determinado aguardar-se pela junção do original do requerimento referido na alínea anterior (cfr. fls. 479 da Certidão com a P. I., idem);
AAAA) Na mesma data, o arguido, ora A. apresentou o original do requerimento referido em ZZZ (cfr. fls. 482 da Certidão com a P. I., idem);
BBBB) Em 14/07/2014, foi determinada a remessa dos autos ao JIC para apreciação e decisão (cfr. 483 da Certidão com a P. I., idem);
CCCC) 12/09/2014, pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, Inst. Central, 1.ª Sec. Ins. Criminal, J2, foi ordenada a devolução dos autos ao DIAP (cfr. fls. 485 da Certidão junta com a P. I., idem);
DDDD) Em 18/09/2014, foi determinada a notificação do arguido, ora A. para esclarecer o teor do requerimento de fls. 482 da Certidão junta com a P.I. (cfr. fls. 487 da Certidão junta com a P. I., idem);
EEEE) Em 02/10/2014, o arguido, ora A. comunicou que “pediu apenas a suspensão provisória do processo que pode ser deferida havendo acordo de todas as partes” (cfr. fls. 491 da Certidão junta com a P. I., idem);
FFFF) Conclusos os autos em 14/01/2015, após distribuição, em 16/01/2015, foi proferido despacho a designar data para a realização da audiência de discussão e julgamento (cfr. fls. 506 da Certidão com a P. I., idem);
GGGG) Em 09/02/2015, o A. apresentou a sua Contestação, oferecendo o merecimento dos autos (cfr. fls. 511 da Certidão com a P. I., idem);
HHHH) Conclusos os autos em 16/02/2015, na mesma data foi admitida a Contestação (cfr. fls. 512 da Certidão com a P. I., idem);
IIII) Em 29/11/2015, a DMMP solicitou o reagendamento do julgamento (cfr. fls. 520 da Certidão com a P. I., idem);
JJJJ) Conclusos os autos em 02/11/2015, na mesma data foi proferido despacho determinando a notificação do arguido, ora A. E do seu defensor para informarem se se opõe à designação de nova data para a realização da audiência de julgamento (cfr. fls. 521 da Certidão com a P. I., idem);
KKKK) Em 06/11/2015, o arguido, ora A. apresentou requerimento, informando nada ter a opor à alteração de nova data para a realização da audiência de julgamento (cfr. fls. 521 da Certidão com a P. I., idem);
LLLL)Conclusos os autos em 12/11/2015, na mesma data foi proferido despacho da Mm:ª Juiz a designar nova data para realização da audiência de julgamento
MMMM) Em 10/02/2016, realizou-se a audiência de julgamento, onde foi requerida a audição de pessoa que não foi indicada como testemunha, nos termos do art.340.º, do CPC (cfr. fls. 534 a 537 da Certidão com a P. I., idem);
NNNN) Em 09/03/2016, procedeu-se à continuação da audiência de julgamento (cfr. fls. 540 a 542 da Certidão com a P. I., idem);
OOOO) Em 16/03/2016 procedeu-se à leitura de sentença (cfr. fls. 544 a 553 da Certidão com a P. I., idem);
PPPP) A sentença referida na alínea anterior transitou em julgado em 26/04/2016 (cfr. fls. 556 da Certidão com a P. I., idem);
QQQQ) Dá-se por integralmente reproduzido o teor do Doc. n.º 2, junto com a Contestação.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir da invocação do MP relativa à falta de objecto do recurso por o Recorrente não ter cumprido os ónus de alegar e de concluir e ter reproduzido a PI sem assacar vícios à decisão recorrida;
- aferir do erro decisório e da violação dos art.º s 5.º, n.º 3, 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), por a suspeita que incidiu sobre o A. ser infundada;
- aferir do erro decisório por não ter sido atribuída ao Recorrente a peticionada indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, quando está provado nos autos que ocorreu um atraso na administração da justiça, decorrente de uma demora no processo-crime por 6 anos e 8 meses.

Quanto à invocação do Recorrido relativa à falta de objecto do recurso, por o Recorrente não ter cumprido os ónus de alegar, de concluir e por ter reproduzido a PI sem assacar vícios à decisão recorrida, improcede, pois o recurso é composto por um corpo de alegações, finaliza com conclusões e na conclusão 1.ª do recurso o Recorrente vem indicar, de forma expressa, que a sentença recorrida violou os art.º s 5.º, n.º 3 e 6.º, n.º 1, da CEDH.
No demais, conforme jurisprudência do STA adoptada no P. 02715/17.5BELSB, de 17-01-2019, a circunstância do Recorrente se ter limitado no recurso a reproduzir a PI apresentada, sem indicar os concretos vícios que imputa à decisão recorrida, bastará para que se tenha de considerar que o recurso tem objecto. Nesse sentido julgou aquele STA no citado Acórdão, onde se determinou que “há que conhecer do objecto do recurso jurisdicional quando, não sendo patente que não se quis impugnar a sentença recorrida, o recorrente insista nos fundamentos invocados na petição inicial, sem acrescentar novos argumentos para justificar o desacerto daquela decisão.”
Em suma, improcede a referida questão prévia.

Quanto ao erro decisório e à violação dos art.º s 5.º, n.º 3 e 6.º, n.º 1, da CEDH, por a suspeita que incidiu sobre o A. ser infundada, reconduzir-se-á esta alegação ao conhecimento que foi feito na sentença da verificação da incompetência material dos tribunais administrativos para conhecimento da responsabilidade do EP por erro judiciário.
Na PI o A. e Recorrente vem invocar um erro judiciário por se ter persistido numa acusação crime que considera infundada e, por essa razão, requer uma indemnização de €10.000,00.
A responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função jurisdicional, que justifica o correspondente pedido indemnizatório por erro judiciário, vem prevista no art.º 13.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12. Se o invocado erro decorrer de uma decisão jurisdicional proferida por tribunais integrados na jurisdição administrativa e fiscal, a competência para apreciar da correspondente responsabilidade é destes tribunais. Mas quando tal erro tenha sido praticado por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal está excluída a sua apreciação do âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos – cf. art.º. 212.º, n.º 3, da CRP, 1.º, 4.º, n.ºs 1, 2 e n.º 4, al. a), do ETAF.
Da mesma forma, o art.º 4.º, nº 3, als. b) e c), do ETAF, exclui do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal o conhecimento de litígios que visem impugnar decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal ou actos relativos ao inquérito e instruções criminais, ao exercício da acção penal e à execução das respectivas decisões.
Aos tribunais administrativos compete, ainda, conhecer da responsabilidade civil extracontratual do Estado pela administração da justiça, por ocorrer uma demora na prolação de uma decisão judicial – cf. art.º. 212.º, n.º 3, da CRP, 1.º, 4.º, n.ºs 1 e 2, do ETAF e 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12.
Frente à causa de pedir tal como vem exposta na PI, o que está em causa nesta parte da PI não é a demora na prolação de decisões judiciais, mas o erro na instauração e manutenção do inquérito e do processo-crime.
Consequentemente, esta jurisdição é materialmente incompetente para conhecer de um pedido de indemnização por erro judiciário.
Há, portanto, que confirmar a decisão recorrida quando julgou que os tribunais administrativos eram materialmente incompetentes para conhecer a acção nessa parte.

Vem também o Recorrente invocar um erro decisório por não lhe ter sido atribuída uma indemnização a título de responsabilidade do EP por atraso na administração da justiça, pois diz que aquele inquérito e processo-crime de alongaram por 6 anos e 8 meses.
O direito a uma decisão judicial em prazo razoável foi consagrado no art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), na versão introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20-09.
Esse mesmo direito está também consagrado nos art.ºs 6.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), de 04-11-1950 (aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13-10, com depósito em 09-11-1978 e desde essa data aplicável na ordem jurídica interna – cf. aviso no DR, 1.ª Série, n.º 1/79, de 21-01-1979) e tem igualmente protecção nos art.ºs 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10-12-1948 (publicada no DR de 09-03-1978) e 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12-06, com depósito em 15-06-1978 e desde essa data aplicável na ordem jurídica interna – cf. aviso no DR, 1.ª Série, n.º 187/78, de 16-08-1978).
Por seu turno, o art.º 22.º da CRP consagrava desde a revisão de 1982 (Lei-Constitucional n.º 1/82, de 30-09-1982) um princípio geral da responsabilidade civil do Estado e demais pessoas colectivas públicas.
Naquela data inicial, estava em vigor o Decreto-Lei n.º 48051, de 21-11-1967, que não consagrava em termos expressos a responsabilidade do Estado pelo funcionamento defeituoso do serviço público de justiça e designadamente pela delonga anormal na administração da justiça.
Todavia, a doutrina e a jurisprudência largamente maioritárias passaram a considerar que o artigo 22.º da CRP determinava um princípio geral de responsabilidade civil do Estado por danos causados no exercício das suas funções – política, legislativa, jurisdicional ou administrativa – e que era uma norma directa e imediatamente aplicável, servindo, por isso, de fundamento para a interposição de uma acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito e culposo (cf. neste sentido, o Ac. do STA, n.º 26535, de 07-03-1989, que deu o mote à alteração jurisprudencial nesta matéria, ou mais recentemente fazendo a referência à anterior jurisprudência o Ac. do STJ n.º 368/09.3YFLSB, de 08-09-2009. Vide também, entre outros, os Acs. do, do STA n.º 0533/09, de 19-11-2009 ou n.º 0122/10, de 05-05-2010 ou n.º 0144/13, de 27-11-2013. Na doutrina, vide, entre muitos outros Jorge Miranda - “A Constituição e a Responsabilidade Civil do Estado” - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Coimbra, 2001, pp. 927-934; JJ Gomes Canotilho - Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4º ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000, p. 496; Fausto Quadros - “Omissões legislativas sobre direitos fundamentais”. Nos Dez Anos da Constituição, Lisboa INCM, 1987, pp. 60- 61; Rui Medeiros - A Decisão de Inconstitucionalidade, Os Autores, o Conteúdo e os Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade da Lei. Lisboa: Universidade Católica Editora, 1999, pp. 576-620; Manuel Afonso Vaz - A Responsabilidade Civil do Estado, Considerações Breves sobre o seu Estatuto Constitucional. Porto: Edição UCP, 1995, pp. 7-13; Maria da Glória FP Dias Garcia - A Responsabilidade Civil do Estado e Demais Pessoas Colectivas Públicas. Lisboa: CES, 1997, pp. 40-46; Maria Rangel de Mesquita - “Responsabilidade do Estado e Demais Entidades Públicas: o Decreto-lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967 e o Artigo 22º da Constituição”. Perspectivas Constitucionais, Nos 20 anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 1997; Isabel Celeste M. Fonseca - “A responsabilidade do Estado pela violação do prazo razoável: quo vadis?”. Revista do Ministério Público, Ano 29, Jul-Set. 2008, nº 115, pp. 8-9).
Entretanto, foi publicada a Lei nº 67/2007, de 31-12, que no seu artigo 12.º vem prever em termos expressos que “é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa”.
Nos termos da Lei nº 67/2007, de 31-12, são pressupostos - cumulativos - para a efectivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas na administração da justiça, a existência de um facto ilícito e culposo, que tenha provocado danos e a verificação de um nexo de causalidade entre aquele facto e os danos verificados.
O facto é entendido como um acto conteúdo positivo ou negativo, como uma conduta de um órgão ou do seu agente, no exercício das suas funções e por causa delas.
No caso, o facto corresponderá ao acto ou à omissão da administração (da justiça, vg. aos tribunais), de proceder à regular tramitação e decisão num processo.
Exige-se, depois, a ocorrência de uma ilicitude, reconduzível à violação por aquele facto de normas legais e regulamentares ou princípios gerais aplicáveis, ou à prática de actos materiais que infrinjam tais normas e princípios, ou que infrinjam as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser consideradas (cf. art.ºs. 7.º e 12.º da Lei nº 67/2007, de 31-12).
Para aferir da ilicitude decorrente de um atraso na decisão judicial, a jurisprudência nacional, seguindo o entendimento que já vinha sendo tomado pelo TEDH, a propósito da aplicação do art.º 6.º, n.º 1, da CEDH, vem invocando que para a apreciação da violação do prazo razoável, há que considerar, primeiramente, de forma analítica o (in)cumprimento dos vários prazos legais para a prática dos vários actos e dos correspondentes prazos para a ocorrência das várias fases processuais.
Verificada a violação de um dado prazo, essa constatação não será, contudo, o bastante para se concluir pela violação do direito a uma decisão em prazo razoável. Diversamente, há então que atender também às circunstâncias do caso concreto: (i) à complexidade do caso - aqui relevando o número de partes ou de testemunhas ou o número de meios de prova a produzir; (ii) o comportamento processual das partes; (iii) a actuação das autoridades competentes no processo; (iv) e a importância do litígio para o interessado – vg., havendo que apreciar-se o concreto assunto que é discutido no processo e a importância que o mesmo reveste para o respectivo autor ou os próprios bens que se pretendem salvaguardar com o litígio.
Assim, verificando-se um atraso no cumprimento de prazos por razões ainda justificadas face aos termos do concreto litígio, ou derivadas de comportamentos provocados pelas próprias partes, há que afastar, nestas situações, o preenchimento do conceito de “prazo razoável”.
Posteriormente, há que encetar um segundo raciocínio, já não analítico, mas global, em que a aferição do pressuposto da ilicitude decorrente da excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial se afere pela totalidade do período de tempo em que tal processo se desenvolveu. Para o cômputo desse prazo global releva não apenas a fase declarativa, desde o seu início, mas também a fase de execução judicial, importando apurar, no todo, o tempo em que decorreu até que uma dada pretensão formulada em juízo fosse efectivamente conhecida ou satisfeita.
Assim, como se defende no STA no Ac. n.º 0319/08, de 09-10-2008, “Deve em seguida passar a analisar-se na globalidade o tempo de duração da acção e o seu estado e, se a conclusão que se recolher deste conspecto for clara e seguramente no sentido de que foi ultrapassado o prazo razoável não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos actos daquele percurso. Uma situação deste tipo pressupõe evidentemente uma opinião praticamente unânime de um universo de apreciadores que o julgador pode prefigurar e portanto ocorre apenas quando a demora processual seja chocante, inaceitável, para os critérios do homem comum e das suas expectativas ponderadas sobre o andamento da máquina da administração da justiça.” (sobre a apreciação do pressuposto da ilicitude por quebra do direito à justiça em prazo razoável, para além do acórdão do STA, acima citado, vide, entre outros, os Acs. do STA n.ºs. 122/09, de 08-07-2009, 090/12, de 10-09-2010, 122/10, de 05-05-2010, 144/13, de 27-11-2013 ou 72/14, de 21-05-2015. Entre a jurisprudência do TEDH remete-se para os Acs. n.ºs. 53615/08, de 25-09-2012, Novo e Silva c. Portugal, 75529/01, de 08-06-.2006, Sürmeli c. Alemanha, 35382/97, de 06-04-.2000, Comingersoll SA c. Portugal, 33729/06, de 10-06-2008, Martins Castro e Alves Correio de Castro c. Portugal, 39297/98, de 08-03-2001, Pinto de Oliveira C. Portugal, 12986/87, de 24-08-1993, Scuderi c. Itália ou 12598/86, de 19-02-1992, Viezzer c. Itália).
Refiram-se, a este propósito, as palavras de Isabel Celeste da Fonseca, quando lembra que “o Tribunal de Estrasburgo já afirmou que a duração razoável corresponde em princípio à duração média de um processo, sendo certo que – em princípio, sublinhe-se – a duração em média em 1.ª instância deve corresponder a 3 anos, ou dois anos e sete meses, se atendermos às causas em matéria laboral ou relativas a pessoas. E a duração média de todo o processo deve corresponder, em princípio, sublinhe-se de novo, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais, em que 2 anos pode significar duração excessiva, tendo em conta a particularidade de certas situações jurídicas litigiosas” (cf. da Autora, “Violação do prazo razoável e reparação do dano: quantas novidades, mamma mia! Anotação ao Ac. do STA de 09-10-2008, Proc. 319/08”, in CJA, Braga, Cejur, n.º 72, (Nov-Dez) 2008, pp. 45-46).
Quanto à culpa, é entendida enquanto um juízo subjectivo ou de censurabilidade, que liga o facto ao agente, por ter praticado a própria conduta ilícita ou por ter violado regras jurídicas ou de prudência que tinha obrigação de conhecer e adoptar.
Por aplicação dos art.ºs. 10.º, n.º 1, e 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12, a culpa é apreciada pela diligência que é exigível, em abstracto, a um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor em face do circunstancialismo próprio do caso concreto.
Estando em causa uma responsabilidade pelo ilícito, não se exige uma culpa subjectivada, a culpa personalizável no próprio autor do acto, aceitando-se como bastante uma culpa do serviço, globalmente considerado. Considera-se, pois, que da circunstância dos serviços de justiça não funcionarem de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são expectáveis num Estado de Direito, decorre a indicada culpa, que aqui é apreciada enquanto uma culpa anónima ou de serviço (cf. art.º 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12).
Por aplicação do art.º 10.º, n.º 2, da Lei n.º 67/2007, de 31-12, há aqui uma inversão da regra geral do ónus da prova prevista no art.º 344.º, n.º 1, do CC, presumindo-se a culpa, salvo prova em contrário (cf. art.º 350.º, n.º 2, do CC).
No que concerne ao pressuposto dano, corresponderá à lesão ou ao prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial produzido na esfera jurídica de terceiros, decorrente da demora na tramitação do processo, ou na decisão, ou na adopção tempestiva procedimentos cautelares e de medidas provisórias que tenha sido oportunamente requeridas para se acautelar direito.
Atendendo à concreta situação, que não se coaduna com um princípio de restauração natural, aqui afasta-se a regra do 562.º do CC, concretizando-se o direito à reparação pelo dano, sempre, através de uma prestação pecuniária.
Por via da jurisprudência do TEDH tem sido igualmente entendido que se deve presumir a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial, não sendo necessário ao A. alegar e provar esses mesmos danos. Será um dano comum, que se apura de acordo com as regras da vida, inerente a todas as pessoas (singulares) que são vítimas de um atraso na justiça. Logo, a alegação e prova só nestas acções só serão exigíveis nos casos em que os danos excedam os normalmente produzidos nestas situações (cf. neste sentido, entre outros, os Acs. do TEDH n.ºs 62361, de 29-03-2006, Riccardi Pizzati c. Itália ou 50262/99, de 22-06-2004, C. Bartl c. República Checa).
Seguindo a jurisprudência do TEDH será também possível atribuir às pessoas colectivas uma indemnização por danos não patrimoniais, mas aqui e ficarem alegados e provados nos autos, vg. porque se verifique que da demora resultaram dificuldades de gestão, organização ou planeamento da empresa, danos para a sua imagem ou dificuldades financeiras.
Tal presunção da existência de danos não patrimoniais é, no entanto, ilidível, aceitando-se que haja casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano moral mínimo ou, até nenhum dano moral (cf. art.ºs 346.º e 351.º do CC).
Quanto ao montante do dano não patrimonial, regem os art.ºs. 496.º, nº 3 e 494.º do CC, quando indicam que o montante da indemnização deve ser fixado equitativamente, tendo em atenção a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do caso, como o grau de culpabilidade do agente (cf. também art.º 41.º da CEDH).
Ainda aqui, há igualmente que atender à jurisprudência do TEDH, que tem exigido que a indemnização a atribuir pelo juiz nacional seja razoável e em montante idêntico aos atribuídos por aquele TEDH para casos semelhantes. Para aferir os casos semelhantes o TEDH compara os números de anos, o número de jurisdições em que os casos correram, a importância dos interesses em jogo, o comportamento das partes e considera as situações para um mesmo país (c. neste sentido, entre outros, os Acs. do TEDH n.º 36813/97, de 29-03-2006, Scordino c. Itália, 64699/01, de 29-03-2006, Musci c. Itália ou 64890/01, de 10-11-2004, Apicella c. Itália).
Ou seja, para aferir do quantum da indemnização a arbitrar nos processos de indemnização decorrentes de atraso na decisão de processo judicial deve considerar-se os padrões fixados, quer na jurisprudência nacional, quer do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Sobre o assunto, indicando os vários montantes para os casos “semelhantes”, pronunciou-se detalhadamente o STA no Ac. n.º 01004/16, de 11-05-2017, ali se referindo o seguinte: ”quanto aos montantes que concretamente têm sido fixados pelo «TEDH» no quadro de petições dirigidas contra o Estado Português, aqui também R., invocando a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, ressaltam, nomeadamente, as condenações de:
- 4.000,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 27.10.2009, no c. «Ferreira Araújo do Vale», §§ 22, 24 e 27 - relativo ao atraso verificado em ação (declarativa e executiva) instaurada no Tribunal de Trabalho ainda pendente e que se estendia já por 04 anos e 09 meses para uma só instância];
- de 3.500,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 13.04.2010, no c. «Ferreira Alves n.º 6», §§ 23 e 51 - relativo ao atraso verificado, nomeadamente, em ação de regulação de poder paternal/direito visitas que durou 07 anos e 11 meses, para dois graus de jurisdição];
- de 28.000,00 € [para um A.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 43.000,00 € do que foi o montante arbitrado ao mesmo na ação indemnizatória interna] e de 11.000,00 € [para outros dois AA.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 21.000,00 € do que foi o montante arbitrado aos mesmos na ação indemnizatória interna] [no Ac. daquele Tribunal de 12.04.2011, no c. «Domingues Loureiro e outros», §§ 55, 60 e 68 - relativo aos atrasos verificados em ação cível (acidente de viação) e na ação indemnizatória fundada no atraso na administração da justiça, que, respetivamente, duraram 14 anos, e 20 dias para três instâncias percorridas, e 12 anos, 06 meses e 19 dias, numa só instância];
- de 1.200,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 20.09.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 7», §§ 38 e 53 - relativo ao atraso verificado em ação cível para cobrança de dívida que durou 08 anos, 08 meses e 12 dias para três instâncias percorridas];
- de 7.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.10.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 8», §§ 69/71 e 95 - relativo ao atraso verificado em três ações cíveis que duraram, respetivamente, 10 anos, 06 meses e 28 dias para duas instâncias, 12 anos, 05 meses e 01 dia para duas instâncias, e 09 anos e 14 dias para quatro instâncias];
- de 16.400,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 31.05.2012, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira n.º 4», §§ 48/49 e 68/70 - relativo ao atraso verificado em duas ações cíveis (falência/verificação créditos e ação para efetivação de responsabilidade contratual por construção defeituosa de um imóvel) que, respetivamente, duraram 15 anos, 05 meses e 03 dias, para três instâncias, e 04 anos, 03 meses e 28 dias para duas instâncias] [aquele montante corresponde ao valor global arbitrado, resultante da soma duma primeira verba indemnizatória de 14.400,00 € (respeitante aos danos não patrimoniais decorrentes do atraso na ação falimentar) e duma segunda de 2.000,00€ (relativa aos danos pelo atraso na outra ação)];
- de 5.000,00 € [para uns requerentes] e de 4.800,00 € [para outros requerentes] [no Ac. daquele Tribunal de 16.04.2013, no c. «Associação de Investidores do Hotel Apartamento Neptuno e outros», §§ 48/50 e 77 - relativo ao atraso verificado em ações cíveis (de recuperação empresas, de falência, de reclamação e verificação créditos e ação para execução especifica de contrato-promessa) que, respetivamente, duraram 16 anos, 01 mês e 01 dia, para três instâncias, 18 anos, 04 meses e 13 dias para três instâncias, 14 anos, 03 meses e 20 dias em duas instâncias, e 14 anos, 05 meses e 12 dias numa só instância];
- de 15.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 30.10.2014, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira e outros», §§ 50 e 73 - relativo ao atraso verificado em processo penal que durou 14 anos e 09 meses numa só instância] [quantia essa a ser repartida pelos três requerentes - 5.200,00 €];
- de 3.750,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.06.2015, no c. «Liga Portuguesa de Futebol Profissional», §§ 88 e 100 - relativo ao atraso verificado em ação laboral que durou 09 anos e 07 meses, para três instâncias];
- de 11.830,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 29.10.2015, no c. «Valada Matos das Neves», §§ 111 e 117 - relativo ao atraso verificado em ação de reconhecimento de direito quanto à existência de contrato trabalho com autarquia que durou 09 anos, 11 meses e 20 dias, num único grau de jurisdição].
LIII. Já no plano interno e quanto aos litígios que concretamente têm sido julgados por este Supremo e os montantes fixados nas condenações do Estado Português por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável resulta, nomeadamente, o seguinte:
- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 28.11.2007 (Proc. n.º 0308/07) - relativo ao atraso verificado em ação cível (despejo), que intentada em 18.01.1995 ainda estava pendente em 2003, percorrendo duas instâncias];
- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 09.10.2008 (Proc. n.º 0319/08) - relativo ao atraso verificado em execução sentença cível, intentada em 30.01.1997 e que perdurou até 22.02.2002, data em que foi declarada suspensa a instância nos termos do art. 882.º do CPC (na redação à data vigente), percorrendo duas instâncias];
- 10.000,00 € [no Ac. do STA de 09.07.2009 (Proc. n.º 0365/09) - relativo ao atraso verificado em ação cível (acidente de viação) intentada em 15.07.1983 e que perdurou até 30.10.2003 (data em que se iniciaria a audiência de discussão e julgamento e em que o processo terminou por transação), correspondendo a uma duração superior a 20 anos numa só instância];
- 10.000,00 € [para um A.] e 5.000,00 € [para cada um dos dois outros AA.] [no Ac. do STA de 01.03.2011 (Proc. n.º 0336/10) - relativo ao atraso verificado em ação cível (inventário facultativo instaurado em 13.12.1981), pendente à data da instauração indemnizatória, ia para 26 anos, e sem que tivesse terminado, tendo percorrido duas instâncias];
- 3.550,00 € [para um A.] e 1.500,00 € [para o outro A.] [no Ac. do STA de 15.05.2013 (Proc. n.º 01229/12) - relativo aos atrasos verificados em processos tributários (impugnações judiciais - uma relativa a «IVA» e outra a «IRC»), processos que, tendo sido apresentados em juízo em 19.02.2003 só foram julgados em 18.10.2006, isto é, cerca de 03 anos e 08 meses depois da sua apresentação, sem que tivessem ocorrido incidentes anormais e em que os atrasos, fundamentalmente, resultaram de duas «paragens» do processo, a primeira, entre a contestação e a inquirição de testemunhas - mais de um ano - e, a segunda, entre a notificação para a apresentação das alegações finais e o julgamento - quase dois anos -, tendo percorrido apenas uma instância];
- 4.000,00 € [no Ac. do STA de 14.04.2016 (Proc. n.º 01635/15) - relativo ao atraso verificado em processo de menores (regulação do poder paternal), instaurado em 07.07.1999 e concluído em 18.01.2011, sempre na mesma instância, sendo que no valor arbitrado foi considerado apenas o período de duração (de 04 anos) e até ao seu termino correspondente ao período que a A. interveio, após ter atingido a maioridade];
- 4.800,00 € [para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 30.03.2017 (Proc. n.º 0488/16) - relativo ao atraso verificado em processo penal, no qual foi deduzida acusação em 30.04.2003 e que após cerca de 12 anos (à data da emissão da sentença na ação indemnizatória - 23.07.2015) ainda estava pendente mercê de suspensão aguardando a decisão dos processos tributários de impugnação judicial instaurados relativamente às liquidações de «IRC» e de «IVA»].
Mais se refira, que atendendo à jurisprudência do TEDH, vão sendo apontados a título meramente indicativo os valores que oscilam entre 1.000,00€ e 1.500,00€ por cada ano de demora do processo – cf. neste sentido os Acs do TEDH n.ºs 65102/01, de 29-03-2006, Mostacciuolo v. Italy (n.º 2), 65075/01, de 29-03-2006, Giuseppina and Orestina Procaccini c. Italy, 64886/01, de 29-03-2006, Cocchiarella c. Italy, 64699/01, de 29-03-2006, Musci c. Itália ou 64890/01, de 10-11-2004, Apicella c. Itália. Assim apontando Fonseca, Isabel Celeste - “Violação do prazo razoável e reparação do dano: quantas novidades, mamma mia! Anotação ao Ac. do STA de 09-10-2008, Proc. 319/08”, in CJA, Braga, Cejur, n.º 72, (Nov-Dez) 2008, pp. 45-46; Ac. do STA n.º 07472/11, de 12-05-2011.
Para a efectivação da responsabilidade exige-se, ainda, a verificação do pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Aplica-se aqui, tal como para os demais casos da responsabilidade do Estado pelo ilícito, a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, tal como vem formulada no art.º 563.º do CC, preceito segundo o qual a “obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Ou seja, só ocorre este nexo quando os danos, em abstracto, são consequência apropriada do facto. Igualmente, se para a produção do dano a condição é de todo indiferente ou só se tornou condição em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, essa condição não será causa adequada do dano que se alega.
De referir, ainda, que a mais recente jurisprudência do STA em matéria de responsabilidade civil do Estado Português decorrente de atraso na administração da justiça, na esteira do Ac. do TEDH n.º 73798/13, de 29-10-2015, Valada Matos c. Portugal, vem entendendo uniformemente que por força de um princípio da subsidiariedade, e por aplicação dos art.ºs 6.º, 113.º, 34.º, 35.º e 41.º da CEDH, compete, em primeira linha, ao juiz nacional reparar de forma razoável as violações dos direitos e liberdades que vem consagrados naquela Convenção, intervindo o TEDH apenas numa segunda linha, se esgotados os mecanismos nacionais e quando não tenha havido uma resposta reparatória que possa considerar-se satisfatória – cf. neste sentido os Ac. do STA n.º 488/16, de 30-03-2017 e Ac. do STA n.º 01004/16, de 11-05-2017.
Nesta mesma lógica, se se entender que a resposta nacional não é satisfatória, é possível o recurso àquele TEDH para efectivar correspondente o direito indemnizatório, como que duplicando-se as apreciações judiciais sobre o mesmo assunto.
Como se explica no Ac. do STA n.º 01004/16, de 11-05-2017, a possibilidade “de “duplicação” de meios essa que será tão mais frequente quanto menor for a efetividade dos meios indemnizatórios internos em matéria de duração excessiva dos processos judiciais, efetividade a ser aferida à luz dos critérios definidos pelo próprio «TEDH» [e que são os seguintes: i) a ação de indemnização deve ser decidida em prazo razoável; ii) a indemnização deve ser prontamente paga, em princípio, no mais tardar seis meses após a data em que a decisão que concede a indemnização se tornou exequível; iii) as regras processuais que regem a ação de indemnização devem ser conformes aos princípios de equidade garantidos pelo art. 06.º da «CEDH»; iv) as regras sobre custas judiciais não devem representar um encargo excessivo para os litigantes cuja ação é fundada; v) o montante das indemnizações não deve ser insuficiente em comparação com os montantes concedidos pelo Tribunal em casos semelhantes] [cfr., entre outros, os Acs. do «TEDH» de 10.04.2008 (c. «Wasserman v. Rússia/n.º 2», §§ 49 e 51), de 15.01.2009 (c. «Bourdov v. Rússia/n.º 2», § 99), e de 29.10.2015 (c. «Valada Matos das Neves v. Portugal», §§ 72/73)], e inerentes decorrências relativamente ao grau de certeza jurídica e de efetividade quanto ao uso do meio contencioso interno para que este possa e deva ser utilizado para os efeitos do art. 35.º, § 1 daquela Convenção [necessidade de esgotamento de «todas as vias de recurso internas»], o qual, no caso português, foi considerado existir, a partir de 27.05.2014, impondo-se, assim e para efeitos do contencioso junto daquele Tribunal, a necessidade do uso/esgotamento dos meios internos após tal data [cfr. o citado Ac. do «TEDH» de 29.10.2015 (c. «Valada Matos das Neves v. Portugal», §§ 102/106) em contraposição com o que o mesmo Tribunal havia concluído, anteriormente, no Ac. de 10.06.2008 (c. «Martins Castro e Alves Correia de Castro v. Portugal», § 56)].
XIV. De notar, ainda, que no quadro do processo deduzido junto do «TEDH» e da possibilidade da sua apresentação quando foi usado também o meio contencioso interno aquele Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 34.º da «CEDH», afere e controla tal uso pela exigência do dever de preenchimento por parte do requerente, mormente, da condição relativa ao ter de deter e de manter a qualidade de “vítima” em todos os estádios do processo [cfr., entre outros, os Acs. do «TEDH» de 07.05.2002 (c. «Bourdov v. Rússia», § 30), de 29.03.2006 (Pleno/Grande Câmara - doravante «GC») (c. «Scordino v. Itália/n.º 1», §§ 179/182) e de 07.06.2012 (c. «Centro Europa 7 S.R.L. e Di Stefano v. Itália», §§ 80/82)].
XV. E que uma decisão ou uma medida favorável ao requerente só é suficiente para lhe retirar a qualidade de “vítima”, para os efeitos do referido preceito, se as autoridades nacionais reconheceram explicitamente ou em substância, e se repararem a violação da Convenção [cfr. nomeadamente, para além do citado Ac. do «TEDH» de 29.03.2006 (GC) (c. «Scordino v. Itália/n.º 1», § 180); ainda os Acs. do mesmo Tribunal de 26.07.2005 (c. «Siliadin v. França», §§ 61/63), de 01.06.2010 (GC) (c. «Gäfgen v. Alemanha», § 115), e de 12.09.2012 (GC) (c. «Nada v. Suíça», § 128)], sendo que apenas quando estas condições estejam preenchidas a natureza subsidiária do mecanismo de proteção da Convenção se oporá ou impedirá um exame da queixa [cfr., entre outros, Acs. do «TEDH» de 20.03.2003 (c. «Jensen e Rasmussen v. Dinamarca (dec.)», I), e de 31.01.2008 (c. «Albayrak v. Turquia», § 32)], na certeza de que a questão de saber se o requerente continua a ser vítima pode também depender do montante da indemnização concedida pelas jurisdições internas e da efetividade (incluindo a prontidão) do “recurso indemnizatório” [vide, entre outros, Acs. do «TEDH» de 20.12.2001 (c. «Normann v. Dinamarca - dec.», §§ 7/9), e de 29.03.2006 (GC) (c. «Scordino v. Itália/n.º 1», § 202)].”
Feito o anterior enquadramento, apreciemos, em concreto, o caso dos autos, considerando o que antes ficou dito.
Diz a Recorrente que o atraso na administração da justiça ocorreu porque foi arguido num inquérito e processo-crime que demorou, ao todo, 6 anos e 8 meses.
Analisado o inquérito e o processo-crime em questão, verifica-se, que o A. e Recorrente foi constituído arguido em 18-12-2009, já na decorrência do processo de inquérito (NUIPC 110/09.9SJLSB).
Entretanto, após a constituição como arguido do A. e Recorrido, destacam-se as seguintes ocorrências processuais:
- formalização de um pedido de consulta aos operadores móveis a operar em Portugal;
- realização de exame do engenho convencional apreendido (granada de mão ofensiva);
- proferimento de despacho do MP a solicitar informações à ………, ………….. e ………… relacionadas com os IMEI’s dos equipamentos furtados;
- recebimento de resposta da …………….., da ……… e da ………………..;
- ocorrência da inquirição de Pedro ………………, de Vitor ………………., de Rahim …………., de Zahir ……….., de Pedro ……………….., de Daniel ……………….., de Pedro ………………., de Bruno …………….. e de Nelson ………………………………..;
- apreensão cautelar dos telemóveis a Bruno ……………. e a Daniel ………………;
- inquirição de Nuno …………….., de José ……………., de Nuno ……………… e de Nuno ……………..;
- apreensão cautelar de telemóvel a Nuno ……………..;
- inquirição de Nuno ………………………..;
- apreensão cautelar de telemóvel a Nuno …………….;
- inquirição de João ………………….;
- apreensão cautelar de telemóvel a João ……………;
- inquirição de Paulo …………………….. e de Susana ……………………..;
- pedido de emissão de mandados de busca e apreensão à residência de Paulo …………….., respectiva promoção do MP e despacho do JIC de emissão dos requeridos mandados de busca;
- realização das buscas, com a apreensão de diversos objectos, conforme resulta do respectivo auto de apreensão;
- auto de exame e avaliação dos objectos apreendidos;
- constituição como arguido e interrogatório como arguido de Paulo …………………….;
- inquirição de Nuno ………………, de David …………….., de Sónia …………… e de João ………………….;
- pedido de informação aos operadores móveis …….-“…………..”, ………, …………… e …………., sobre a identidade do utilizador do telemóvel ……………………;
- respostas dos operadores;
- pedido de emissão de mandados de busca e apreensão à residência de José …………………….;
- promoção do MP de emissão de mandados de busca e apreensão à referida residência e correspondente despacho do JIC;
- realização das buscas;
- interrogatório como arguido de José ……………………;
- realização de exame de avaliação de telemóveis apreendidos;
- elaboração do relatório final;
- requisição de CRC;
- dedução de despachos de arquivamento e de acusação.
Por conseguinte, apreciada analiticamente a fase de inquérito, verifica-se, que entre 18-12-2009 - a data da constituição do A. e Recorrente como arguido - e a data da acusação – 22-05-2014 - ocorreram diversas buscas, a apreensão de 4 telemóveis, foram realizados exames a um engenho convencional e aos indicados telemóveis, foram ouvidas 22 testemunhas e foram pedidas diversas informações aos operadores de telecomunicações.
Assim, uma dilação de 4 anos e 5 meses para estas diligências, que não são de grande complexidade, reconduz-se a uma demora não expectável e que terá de rotular-se de ilícita, porque extravasa, em muito, prazo de 8 meses indicado no art.º 276.º, n.º 1, do Código Penal (CP), sem que se encontre uma justificação suficiente para a indicada demora.
Refira-se, também, que não obstante ser unanimemente entendido que os prazos que vêm referidos no art.º 276.º do CPP para a duração do inquérito são prazos meramente ordenadores e não peremptórios, ainda assim terão de ser encarados como um parâmetro a atender para efeitos da verificação do prazo razoável da duração de um inquérito (cf. a propósito dos prazos do inquérito e sua natureza indicativa, entre outros, os Acs. do TRL n.º 8597/2008-5, de 27-01-2009, n.º 121/08.1TELSB-B.L1-3, de 17-03-2010, TRC n.º 5/13.1IDCTB-B.C1, de 26-10-2016, TRE n.º 36/08.3ZRFAR-A.E1, de 13-10-2009 ou TRP n.º 134/12.9GBVNG-B.P1, de 25-09-2013).
Por conseguinte, na aferição do ilícito decorrente do atraso na administração da justiça, há que ponderar os prazos legais – indicativos, como se disse – com a realidade do caso, com a sua maior ou menor complexidade.
Repare-se, que no inquérito em apreço que foi reduzido o número de buscas e apreensões e os exames efectuados não se evidenciam como algo muito moroso e complexo. Quanto aos pedidos de informações aos operadores de telecomunicações, vieram a ser prontamente respondidos.
Não obstante o número relativamente elevado e inquirições, este número, só por si, não implica a caracterização deste inquérito como sendo muito complexo.
Mais se assinale, que se identifica no inquérito um momento processual em que ocorre uma clara paragem do processo, pois conforme factos provados, após diversas diligências que foram ocorrendo sucessivamente no tempo, em 19-04-2013 o processo foi concluso ao DMMP, que só em 20-05-2014, isto é, cerca de 1 ano depois, foi proferido o despacho a determinar a requisição e junção do CRC do arguido António …………... Ou seja, entre 19-04-2013 e 20-05-2014 ocorre uma maior delonga do processo que não vem justificada.
Já no que se refere à fase de julgamento, processou-se num hiato de cerca de 1 ano e 9 meses.
Nesta fase, evidencia-se uma maior demora do processo a partir de 16-02-2015, porquanto se designa o julgamento apenas para 23-11-2015, ou não sendo possível nessa data para 03-12-2015, ou seja, para mais 9 meses depois da data daquele despacho, sendo que o julgamento só veio, depois, a ser realizado em 10-02-2016.
Portanto, no total, desde a data em que o Recorrente foi constituído arguido, o processo-crime demorou 6 anos e 6 meses, aqui se incluindo a fase de inquérito e de julgamento.
O processo tramitou apenas em 1.ª instância, ou seja, não foi alvo de recursos para tribunais superiores.
Com este enquadramento teremos de concluir que o processo em questão apresenta-se como um processo de complexidade mediana ou relativamente vulgar.
Conforme despacho de 22-05-2014, foi determinado o arquivamento do inquérito relativamente a um crime de detenção de arma proibida e com relação ao crime de receptação, praticado por dois dos arguidos e foi deduzida acusação contra o ora Recorrente por crime de abuso de confiança.
Quanto à sentença, deu por provados 9 factos, como não provados 8 factos e absolveu o Recorrente do crime por que vinha acusado.
Apreciada a acusação e a sentença, conclui-se, que a causa não apelava a matéria fáctica e jurídica muito complexa, que reclamasse a apreciação de diferentes regimes jurídicos, a apreciação de quadros legais complicados, ou o julgamento de matéria que gerasse celeuma na doutrina e jurisprudência, de difícil aplicação prática.
Em suma, no caso teremos de concluir pela verificação de uma demora não justificada na administração da justiça e, portanto, pela verificação do ilícito que dá lugar à responsabilidade do EP.

Quanto ao comportamento das partes no processo, dos dados apurados não resulta que estas tenham litigado com imperícia, ou de forma prejudicial à lide mais célere.
No que concerne à importância do litígio para o interessado, estava em um inquérito num processo-crime, que seguramente teve relevo para o ora Recorrente, por se relacionar com factos pessoais e um ilícito penal, do qual vinha acusado.
No mais, nada ficou provado nestes autos.
Neste seguimento, atendendo às circunstâncias do caso – e considerando a jurisprudência nacional e do TEDH, acima indicadas - teremos que admitir que foi excessivo quer o tempo de cerca de 4 anos e 5 meses para o a fase do inquérito, quer um tempo global do processo de 6 anos e 6 meses.
Como acima se indicou, o TEDH e no seu seguimento a doutrina e jurisprudência nacionais, vêm assinalando como um tempo razoável para a tramitação de um processo, numa só instância, o período de 3 anos.
O processo ora em questão demorou 6 anos e 6 meses, mais do dobro daquele tempo.
Como se disse, o referido processo, não obstante a sua delonga, foi um processo relativamente simples ou de complexidade mediana.
Assim, frente ao caso concreto – e atendendo à jurisprudência do TEDH, que se tem de seguir - há aqui que concluir pela ocorrência de uma violação do direito à justiça num prazo razoável.
Está, pois, verificado o requisito da ilicitude que dá lugar à obrigação de indemnizar.
Nestes termos, não há que acompanhar a decisão recorrida quando julgou não verificado o pressuposto da ilicitude e por essa razão fez claudicar os pedidos do A.
A decisão recorrida, porque considerou não verificado o requisito da ilicitude do facto, julgou prejudicado o conhecimento dos demais pressupostos da obrigação de indemnizar do EP.
Porque se entende que o pressuposto da ilicitude está verificado, compete-nos agora aferir dos demais pressupostos da responsabilidade.
Assim, no que concerne à culpa, existirá uma culpa de serviço, uma culpa globalmente considerada.
Ou seja, a administração da justiça não funcionou de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são expectáveis num Estado de Direito, desde logo porque não conseguiu efectivar num tempo mais curto e, portanto, mais razoável o terminus do inquérito e posteriormente a realização do julgamento, com a prolação da sentença subsequente (cf. art.º 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12).
Quanto a este pressuposto, indique-se, que o TEDH vem advogando que uma carga excessiva de trabalho ou a falta de meios disponíveis nos Tribunais não é fundamento legal para isentar ou obstar à efectivação da responsabilidade por atrasos na administração da justiça. Nestas situações, o Estado responderá civilmente pela desorganização do aparelho judicial, assim como pela deficiente definição dos quadros e meios dos Tribunais.
Aqui chegados, importa analisar os danos invocados pelo A. e ora Recorrente para se concluir quer pela existência desses danos, quer pela verificação do pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Reclama o A. e Recorrente uma indemnização de €10.000,00 pelos danos não patrimoniais decorrentes do atraso na administração da justiça.
Como acima aduzimos, o inquérito-crime em que o A. e Recorrente foi arguido demorou cerca de 4 anos e 5 meses e o julgamento subsequente demorou sensivelmente mais 1 ano e 9 meses. Ao todo o processo demorou cerca de 6 anos e 6 meses, incluindo o inquérito e o julgamento, que se processou numa só instância.
Como acima se indicou, a jurisprudência perfilhada pelo TEDH vem presumindo os anos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial. Entende aquele Tribunal que os danos não patrimoniais são danos comuns, que decorrem das regras da vida. Quanto à alegação e prova destes danos, o TEDH só as requer quando estes danos excedam os normalmente produzidos nestas situações.
Dos factos provados não resultam danos não patrimoniais, superiores aos comuns, para o A. e Recorrente.
Como se indicou, o TEDH tem entendido como um tempo razoável para a tramitação em 1.ª instância de um processo entre 2 anos e 7 meses e 3 anos. Esse mesmo Tribunal vem atribuindo por cada ano de atraso valores que oscilam entre 1.000,00€ e 1.500,00€.
Dos autos não resulta provado que a demora do processo tenha causado incómodos, irritações, ansiedade ou qualquer frustração de expectativas e projectos para o A. e Recorrente. Portanto, os danos que aqui se indemnizam são apenas os danos comuns, próprios de quem tem um processo a correr contra si e não vê o seu terminus mais cedo, ficando onerado por essa via, danos estes que a jurisprudência do TEDH entende terem de ser indemnizados ainda que não venham alegados e provados nos autos, porque se presumem como ocorridos, salvo prova em contrário.
O processo em questão demorou 6 anos e 6 meses. Assim, seguindo os padrões do TEDH entende-se que pelo atraso ocorrido no indicado processo deve ser arbitrada uma indemnização a título de danos não patrimoniais de €3.000,00.
O A. e Recorrente clama também uma indemnização por danos patrimoniais, decorrentes do pagamento de despesas com o presente processo e respectivos honorários de patrono escolhido, no valor de €1.000,00.
Decorre dos autos que o A. e Recorrente vem patrocinado por Advogado. Decorre ainda dos autos que o A. e Recorrente goza de beneficio de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Assim, o único dano que decorre para o Recorrente será o relativo ao pagamento de honorários ao seu patrono, pois não teve quaisquer despesas com o processo, por via do apoio judiciário que lhe foi concedido.
O atraso na administração da justiça foi a causa da interposição da presente acção de responsabilidade. Assim, aquele atraso é causa adequada aos danos que se peticionam com os honorários de advogado.
Mais se note, que ao nível da jurisprudência do STA é pacífico, que sendo o mandato judicial obrigatório, as correspondentes despesas com os honorários do Advogado constituem um dano indemnizável, ainda que limitadas ao valor adequado e necessário para eliminar da ordem jurídica a actuação ilícita da Administração, geradora do dever de indemnizar - cf., entre muitos, os Acs. do STA n.º 266/11, de 20-06-2012 e n.º 0314/13, de 19-05-2016.
O valor de €1.000,00 como correspondendo ao pagamento pelo A. e Recorrente dos honorários do seu Advogado, não vem provado nos autos.
Assim, não obstante estar provada a existência de um dano indemnizável correspondente aos dispêndios que o A. e Recorrente terá com o pagamento dos honorários do Advogado, aquele concreto pagamento não vem provado nos autos.
Por conseguinte, quanto ao valor pago pelo A. e Recorrente ao seu Mandatário, há que relegar para liquidação o apuramento do respectivo valor (cf. art.ºs 358.º, n.º 2 e 609.º, n.º 2, do CPC). Mais se indique, que o valor a apurar em liquidação está balizado pelo pedido feito nesta acção, pelo que não poderá ultrapassar os €1.000,00 que aqui se peticionam a este título.
Em conclusão, há que revogar a decisão recorrida quando entendeu que, no caso, não se verificava o pressuposto ilicitude e, consequentemente, fez claudicar in totum os pedidos do A.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam em:
- conceder provimento parcial ao recurso e revogar a decisão recorrida quando não deu procedência aos pedidos de indemnização por atraso na administração da justiça, julgando, nesta parte, a acção procedente e condenando o R. a indemnizar o A. e Recorrente no montante de €3.000,00, título de danos não patrimoniais e no montante que vier a ser apurado em liquidação de sentença a titulo de danos patrimoniais, correspondentes ao valor do pagamento dos honorários de Advogado;
- manter a decisão recorrida quando julgou os Tribunais Administrativos materialmente incompetentes para conhecer do pedido de indemnização por actos relativos ao inquérito criminal ou ao exercício da acção penal;
- custas pelo Recorrente, pelo decaimento parcial do recurso, que se fixam em 30%, sem prejuízo do apoio judiciário de que goze (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA) e sem custas pelo Recorrido, isenção objectiva;


Lisboa, 9 de maio de 2019
(Sofia David)

(Helena Telo Afonso)[ voto de vencido]

(Pedro Nuno Figueiredo)
[Declaração de voto: Voto o sentido da decisão tomada, conceder provimento parcial ao recurso e revogar a decisão recorrida quando não deu procedência aos pedidos de indemnização por atraso na administração da justiça, sem prejuízo de entender nesta parte que devia ter sido equacionada a circunstância do autor em momento algum ter reagido contra os atrasos detetados no processo.Não obstante, analisada a matéria de facto provada, sempre seria de conceder a indemnização, nos termos previstos no artigo 4º do regime da responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro.
Lisboa, 9 de maio de 2019
Pedro Nuno Figueiredo]


Voto de vencido

Salvo o devido respeito pelo enquadramento jurídico que obteve vencimento, negava provimento ao recurso, pelas seguintes razões:
Entendemos, tal como no acórdão, que estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual - ilicitude, culpa e dano - pelo que, cumpriria apreciar o nexo de causalidade entre o dano e o facto ilícito praticado.
Os danos não patrimoniais, de verificação presumida, porque revestem um nexo de causalidade adequada com o facto ilícito (cfr. art. 563º do CC), que consiste na duração irrazoável do processo, devem ser ressarcidos pelo Tribunal, segundo critérios de equidade, em função das circunstâncias do caso concreto, bem como, os relativos aos honorários, a liquidar.
Em face do que antecede, mostrando-se verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por atraso na administração da justiça, importa, agora, determinar o quantum indemnizatório a atribuir ao lesado.
Contudo, a este propósito, cumpre analisar a conduta do arguido, ora Recorrente, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 4.º do RRCEE.
Estabelece a citada norma o seguinte: “Quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do acto jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”.
Cumpre, pois, analisar se a conduta do Recorrente, então arguido, contribuiu para a produção ou agravamento dos danos resultantes da demora dos autos de inquérito e, consequentemente, para a duração global do processo, e, bem assim, quais as consequências que daí podem resultar para a fixação do montante indemnizatório.
Estabelece o art.º 108.º do CPP, sob a epígrafe “Aceleração de processo atrasado” o seguinte:
1 - Quando tiverem sido excedidos os prazos previstos na lei para a duração de cada fase do processo, podem o Ministério Público, o arguido, o assistente ou as partes civis requerer a aceleração processual.
2 - O pedido é decidido:
a) Pelo Procurador-Geral da República, se o processo estiver sob a direcção do Ministério Público;
b) Pelo Conselho Superior da Magistratura, se o processo decorrer perante o tribunal ou o juiz.
3 - Encontram-se impedidos de intervir na deliberação os juízes que, por qualquer forma, tiverem participado no processo.”.
E dispõe o art.º 109.º, do CPP referente à tramitação do pedido de aceleração, o seguinte:
“1 - O pedido de aceleração processual é dirigido ao presidente do Conselho Superior da Magistratura, ou ao Procurador-Geral da República, conforme os casos, e entregue no tribunal ou entidade a que o processo estiver afecto.
2 - O juiz ou o Ministério Público instruem o pedido com os elementos disponíveis e relevantes para a decisão e remetem o processo assim organizado, em três dias, ao Conselho Superior da Magistratura ou à Procuradoria-Geral da República.
3 - O Procurador-Geral da República profere despacho no prazo de cinco dias.
4 - Se a decisão competir ao Conselho Superior da Magistratura, uma vez distribuído o processo vai à primeira sessão ordinária ou a sessão extraordinária se nisso houver conveniência, e nela o relator faz uma breve exposição, em que conclui por proposta de deliberação. Não há lugar a vistos, mas a deliberação pode ser adiada até dois dias para análise do processo.
5 - A decisão é tomada, sem outras formalidades especiais, no sentido de:
a) Indeferir o pedido por falta de fundamento bastante ou por os atrasos verificados se encontrarem justificados;
b) Requisitar informações complementares, a serem fornecidas no prazo máximo de cinco dias;
c) Mandar proceder a inquérito, em prazo que não pode exceder 15 dias, sobre os atrasos e as condições em que se verificaram, suspendendo a decisão até à realização do inquérito; ou
d) Propor ou determinar as medidas disciplinares, de gestão, de organização ou de racionalização de métodos que a situação justificar.
6 - A decisão é notificada ao requerente e imediatamente comunicada ao tribunal ou à entidade que tiver o processo a seu cargo. É-o igualmente às entidades com jurisdição disciplinar sobre os responsáveis por atrasos que se tenham verificado.”.
Decorre dos citados preceitos legais que, no âmbito do processo penal, o arguido pode utilizar o mecanismo da aceleração processual sempre que tendo sido excedidos os prazos previstos na lei, considere existir um atraso injustificado, designadamente, na conclusão do inquérito.
Como salienta Ricardo Pedro, não fazendo o arguido uso do expediente de aceleração processual previsto no art.º 108.º do CPP, “poderá o tribunal decidir, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou excluída. (...) Lembre-se que em sede de recurso para o TEDH se verifica uma similar consequência: o incidente de aceleração processual é considerado um recurso efectivo, já que se considera que o melhor remédio é a prevenção. Uma das formas de prevenção é requerer a aceleração a fim de impedir a ocorrência de uma duração excessiva do processo. A consequência de o recorrente não lançar mão deste expediente é a inadmissibilidade da queixa junto do TEDH, inviabilizando a atribuição de uma eventual indemnização, fundada no não esgotamento dos meios de recurso internos (cf. art. 35.º da CEDH).” – cfr. Contributo para o estudo da responsabilidade civil extracontratual do Estado por violação do direito a uma decisão em prazo razoável ou sem dilações indevidas, aadfl, 2011, pp. 95 e 96.
A este propósito, vejam-se as decisões do TEDH, sobre a admissibilidade da queixa, de 02/12/1999 (caso Tomé Mota c. Portugal) e de 23/10/2003 (caso Roseiro Bento c. Portugal), disponíveis em www.hudoc.echr.coe.int, nas quais o Tribunal perfilhou o entendimento segundo o qual o instituto legal da aceleração processual previsto nos arts. 108.º e 109.º do CPP é considerado um recurso preventivo e efectivo, nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 35.º, n.º 1, e 13.º da CEDH, consubstanciando tal mecanismo um meio adequado de tutela do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável previsto no art.º 6.º da CEDH.
Por essa razão, o Tribunal considerou, em ambos os arestos, as queixas por atraso na duração do processo penal inadmissíveis, pelo facto de os requerentes não terem demonstrado a prévia utilização do mecanismo de aceleração processual, que se afigura como um recurso eficaz que possibilita ao interessado reagir contra a duração excessiva do processo criminal e, bem assim, requerer a sua aceleração. O que em termos práticos significou a não atribuição de uma eventual indemnização em virtude do requerente não ter esgotado os meios de recurso internos que o TEDH considera como meios efectivos.
Ora, aplicando este entendimento ao caso dos presentes autos, verifica-se que não resultou provado que o arguido, ora Recorrido, tenha deduzido o incidente de aceleração processual, cuja utilização assumiria um carácter preventivo do atraso injustificado que se apontou ao inquérito aqui em causa e que seria adequado a evitar a produção de eventuais danos.
Perante a previsão deste mecanismo no âmbito do processo penal, o qual confere ao arguido a possibilidade de reagir contra os atrasos detectados em cada fase do processo, designadamente, na fase de inquérito e, consequentemente, permite ao Procurador-Geral da República, estando o processo sob a direcção do Ministério Público, pronunciar-se acerca do carácter justificado ou injustificado do atraso, em face das concretas circunstâncias do caso, não pode deixar de se concluir que, na situação dos presentes autos, ao instaurar a presente acção para efectivar a responsabilidade civil extracontratual do Estado por atraso na conclusão do inquérito penal sem que tenha demonstrado nos autos o recurso ao expediente da aceleração processual, o ora Recorrente, porque omitiu o dever de accionar o referido mecanismo considerado adequado a afastar o dano, concorreu para a produção da acção danosa aqui em causa, revelando, de igual modo, desinteresse em relação ao desenvolvimento e duração do inquérito.
Na verdade, não se provou que o arguido, ora Recorrente, tivesse apresentado nos autos qualquer requerimento, conduta que não só revela um desinteresse pela tramitação do processo e, consequentemente, com a respectiva duração, como também permite concluir que o Autor não lançou mão de um expediente que se encontrava ao seu dispor e configura uma solução legal, específica do processo penal, que permite reagir eficazmente contra os atrasos ocorridos na duração de qualquer fase processual, revestindo a natureza de um meio preventivo da violação do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável.
Por outro lado, provou-se que requereu a suspensão provisória do processo – cfr. alíneas YYY) a EEEE) do probatório, assim como, não se opôs ao adiamento do julgamento – cfr. alíneas IIII) a MMMM) do probatório.
Donde resulta que existe culpa do lesado, derivada da omissão da diligência exigível com a qual poderia ter evitado a produção do dano.
Nesta conformidade, ponderando o comportamento do lesado durante o inquérito, designadamente, em virtude do incumprimento do ónus que sobre o mesmo impendia de utilizar os mecanismos legais preventivos da duração excessiva da fase de inquérito e à luz do disposto no art.º 4.º do RRCEE, entendemos que a indemnização a arbitrar ao Autor, ora Recorrente a título de responsabilidade civil extracontratual do Estado por atraso na administração da justiça, deveria ser excluída totalmente, improcedendo, em consequência, a pretensão indemnizatória do Autor, ora Recorrente.
Em face do exposto, com a antecedente fundamentação, confirmaria a sentença recorrida, e, consequentemente negaria provimento ao recurso.
Lisboa, 9 de Maio de 2019.

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(Helena Afonso)