Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2630/15.7BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:10/08/2020
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:GERÊNCIA DE FACTO
CULPA
Sumário:I - É pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal.
II - Resultando provado que o Recorrido teve uma participação activa e directa nos negócios da sociedade, tendo contribuído para o desenvolvimento do seu giro comercial nas datas em que lhe seja imputável a falta de pagamento das dívidas exequendas, o que juntando ao facto de o oponente ser o único gerente da empresa e sendo a sua assinatura que vinculava a mesma, terá que se considerar demonstrada a gerência de facto.
III – Exercendo o Recorrido funções de gerência nas datas em que terminou o prazo legal de pagamento das dívidas exequendas revertidas, o regime no qual se poderia fundar a sua responsabilidade subsidiária pelas dívidas sociais é o previsto no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., o qual faz impender o ónus da prova sobre o gerente revertido, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida.
IV - Não pode considerar-se que o Recorrido tenha logrado ilidir a presunção de culpa pelo não pagamento da dívida exequenda que sobre si impendia. Não fazendo tal prova, deve considerar-se procedente este fundamento do recurso e, consequentemente, julgar parte legítima para a execução fiscal quanto a tais dívidas, contra si devendo prosseguir a execução enquanto responsável subsidiário.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

O Representante da Fazenda Pública, com os sinais nos autos, veio, em conformidade com os artigos 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 27 de novembro de 2019, a qual julgou procedente, por provada a ilegitimidade do oponente, a oposição deduzida por S..... relativamente à execução fiscal n.º ....., após citação por reversão e na qualidade de responsável subsidiário da sociedade C....., Lda., por dívidas de IVA referentes ao período compreendido entre 01/04/2009 e 31/08/2011, no total de € 467.838,11. Em consequência, mais aquela sentença determinou a extinção, quanto ao oponente, da execução fiscal n.º ...... Mais, ainda, fixou o valor do processo em €467.838,11 (cf alínea e), do n.º 1, do art. 97.º-A do CPPT) e condenou a Fazenda Pública em custas, com dispensa do pagamento do remanescente (cf n.º 6, do art. 7.º, do Regulamento das Custas Processuais).

O Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

I. Decidiu o Tribunal recorrido pela procedência da presente Oposição por, segundo entender, não ter ficado provado o efetivo exercício de facto da gerência pelo Oponente, decisão com a qual, e com todo o respeito devido, não se concorda;
II. Com efeito a originária devedora foi uma sociedade unipessoal da qual o Oponente foi nomeado gerente em 6 de abril de 2010, e desde 2010.04.16 foi seu único sócio, pois que adquiriu a quota única da sociedade;
III. Sendo que a originária devedora se manteve em atividade até 30 de novembro de 2011, e se obrigava com a assinatura de um gerente - o Oponente - que foi o seu gerente único desde 2010.05.01 até à dissolução da sociedade originária devedora;
IV. Período durante o qual o Oponente assinou cheques emitidos em nome da sociedade, assim vinculando-a perante terceiros;
V. Motivo porque não pode a Fazenda Pública concordar com o decidido na Douta Sentença recorrida que não estar provado qualquer facto de indicie o exercício da gerência de facto da sociedade executada por parte do oponente, entendimento que também foi o expresso pela Digna Magistrada do Ministério Público, no seu douto parecer;
VI. A prova testemunhal produzida nos autos não é de molde a permitir a conclusão de que o Oponente não foi gerente de facto da originária executada, pois que ambas as testemunhas trabalhavam em local diverso do oponente, conforme referido no douto parecer da digna Magistrada do Ministério Público;
VII. A lei não estabelece de forma precisa em que é que se consubstanciam os poderes de gerência. Porém, face ao previsto nos artigos 259.º e 260.º, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), parece resultar que serão típicos atos de gerência aqueles que implicam a representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objeto social;
VIII. O mesmo CSC no seu artigo 64.º, impõe aos gerentes/administradores um dever de diligência, ao abrigo do qual estes devem atuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores;
IX. O gerente/administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. Sendo que, se o ato em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Já se o ato tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação. Parece claro que o Oponente, ao assinar os cheques que assinou, sendo o único sócio e gerente da originária executada no período de 2010.05.01 até 2011.11.30, praticou atos de gerência que se enquadram num tipo de atos com eficácia externa, sobre terceiros, vinculando a sociedade;
X. No sentido de que a assinatura de cheques configura prova da gerência de facto, vejam-se os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferidos nos Processos n.os 05484/12 a 19/02/2015, 05690/12 a 19/11/2015 e 03336/09 a 06/10/2009;
XI. Vem sendo jurisprudencialmente entendido, a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem atos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto.
XII. Face à factualidade fixada e tendo presente o regime de responsabilidade aplicável atrás definido, impõe-se concluir que o Oponente foi gerente administrador de facto da sociedade - neste caso concreto, não só o Oponente não logrou afastar a gerência de facto, como ficou demonstrado que ele praticou atos em representação da sociedade originária devedora, designadamente a assinatura de diversos cheques. O facto de o Oponente ter aposto a sua assinatura em diversos cheques da originária devedora, assim vinculando a devedora originária, aliado ao facto de ter sido o único gerente da sociedade, que se manteve em atividade no período de 2010.05.01 até 2011.11.30, é o suficiente para que se considere que praticou atos de administração, naquele período;
XIII. No caso concreto, salvo devido respeito por entendimento diverso, o Oponente não logrou fazer prova exigida pela alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, ou seja, de inexistência de culpa na insuficiência da executada para satisfazer as dívidas fiscais em causa;
XIV. Segundo António Pereira de Almeida, na obra citada regista, “A obrigação de acompanhar e vigiar a actividade social não significa que o administrador deve saber tudo o que se passa no dia a dia em cada departamento e secção da sociedade, mas impõe o dever de instalar sistemas adequados de vigilância e controlo de informação (monitoring procedures) e eventualmente realizar uma investigação quando tome conhecimento de factos anómalos (duty of inquiry). (…). Já “O dever de diligência, está associado à obrigação de gestão, mas repare-se que o padrão de referência não é o “bónus pater familiae” do direito civil (art.ºs 487.º n.º 2, e 799.º n.º 2, do C Civ.), mas a figura abstracta de um “gestor criterioso e ordenado”, naturalmente com maior discricionariedade, mas mais exigente, tendo em atenção as importantes incumbências atribuídas aos administradores (art.º 64.º n.º 1, al. A), in fine).”.
XV. Não pode, pois, considerar-se que o Oponente tenha logrado ilidir a presunção de culpa pelo não pagamento da dívida exequenda que sobre si impendia. Ao não fazer tal prova, deve considerar-se improcedente a Oposição e julgar parte legítima para a execução fiscal o Oponente quanto a tais dívidas, contra si devendo prosseguir a citada execução enquanto responsável subsidiário;
XVI. O Oponente é, nessa medida, responsável pelo pagamento das dívidas de imposto e deve ser considerado parte legítima na presente execução, mantendo-se o despacho que contra ele decretou a reversão.
XVII. Ao não entender assim, a Sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito tendo violado o disposto nos artigos 23.º e 24.º n.º 1 alínea b), ambos da LGT
XVIII. Por fim, e atendendo ao facto de, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 7.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), nos recursos a taxa ser fixada nos termos da tabela I-B [ainda que pela alínea a) do n.º 1 do art.º 15.º do RCP esteja a Fazenda dispensada do pagamento prévio da taxa de justiça], e tendo sido atribuído à causa o valor de 467.838,11 Euros, sendo assim superior a 275 000,00 Euros, requer-se desde já a V. Exas. que seja determinada a dispensa do pagamento, a final, do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no n.º 7 do art.º 6.º do mesmo RCP.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente oposição, tudo coma as devidas e legais consequências.
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O oponente, aqui Recorrido, notificada, não apresentou contra-alegações.
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, devendo a sentença a quo ser mantida na esfera jurídica, porquanto, refere aquele parecer, se encontra bem fundamentada de facto e de direito e não sofre de qualquer vício.

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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, o objecto do mesmo está circunscrito à questão de saber se ocorre o alegado erro de julgamento quanto à subsunção dos factos provados ao regime do artigo 24º da LGT, no tocante à questão da gerência de facto.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:

A) Em 09/02/2009 foi registada na Conservatória do Registo Comercial do Montijo a constituição da sociedade C....., Lda., sendo sócia E..... e obrigando-se a sociedade com a intervenção de um gerente, sendo nomeada gerente E..... por deliberação de 09 de fevereiro de 2009 (cfr. fls. 109/verso do processo de execução fiscal em apenso).

B) Em 16/04/2010 foi registada a cessação de funções de gerente de E..... por renúncia datada de 01 de maio de 2010 (cfr. fls. 109/verso do apenso).

C) Em 16/04/2010 foi registada a nomeação como gerente S..... por deliberação de 06 de abril de 2010 (cfr. fls. 110 do apenso).

D) Em 25/02/2014 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º .....em nome de C....., Lda., por dívidas de IVA referentes ao período compreendido entre 01/04/2009 e 31/08/2011 no montante total de € 467.838,11 (cfr. fls. 1 do apenso).

E) No processo de execução fiscal em apenso constam cheques do Millenium BCP em nome da C....., Lda., assinados por E..... e datados de 08/09/2009, 04/09/2009, 30/10/2009, 08/10/2009, 07/12/2009 (cfr. fls. 41/verso, 42/verso, 45, 45/verso, 47 do apenso).

F) No processo de execução fiscal em apenso constam cheques do Banco Espírito Santo em nome da C....., Lda., assinados com assinatura idêntica à assinatura da procuração e datados de 06/11/2010 e 09/11/2010 (cfr. fls. 61 e 61/verso do apenso).

G) No processo de execução fiscal em apenso constam cheques do Millenium BCP em nome da C....., Lda., assinados com assinatura idêntica à assinatura da procuração e datados de 09/11/2010, 10/11/2010, 30/07/2010 (cfr. fls. 62, 62/verso, 75/verso, 79 do apenso).

H) Em 27/08/2014 foi proferido projeto de decisão de reversão da execução contra S..... com o teor de fls. 101 que se dá por integralmente reproduzido.

I) Em 25/08/2014 foi emitido despacho para audição (reversão) da execução mencionada em D) contra S..... (cfr. teor de fls. 109 do apenso).

J) Em 29/10/2014 foi proferido despacho de reversão contra o ora oponente constando os seguintes fundamentos:

“Dos administradores, diretores ou gerentes e outras pessoas que exerçam ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (art. 24º/nº1/b) da LGT) reposição da reversão extinta” (como consta de fls. 114 /115 do apenso).

K) Em 29/10/2014 foi emitida a citação por reversão dirigida ao ora oponente (cfr. fls. 15/verso a 117).

L) Os vencimentos eram pagos em dinheiro e entregues pelo Sr. P..... e pela D. E..... (cfr. depoimentos das 1ª e 2ª testemunhas).”

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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte: “[n]ão existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.”
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A convicção do Tribunal a quo assentou “no teor dos documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal em apenso conjugada com a prova testemunhal produzida (melhor identificada na ata de inquirição de testemunhas de fls. 61) e acima mencionada em cada uma das alíneas do probatório.”
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II.2. De Direito

Em sede de aplicação de direito, o Tribunal a quo julgou a presente oposição procedente por provada a ilegitimidade do oponente e consequentemente determinou a extinção, quanto ao mesmo, do processo de execução fiscal nº ...... Considerou aquele Tribunal que:
«Na verdade nos presentes autos não ficou provado que o oponente decidia os destinos da sociedade, que estabelecesse contacto com clientes, fornecedores ou que contratasse trabalhadores porquanto as testemunhas referiram sempre que o “patrão” era P..... e a esposa E......
Como tal, não tendo sido feita qualquer prova de que o oponente, para além de deter a qualidade de gerente de direito da executada originária, também a exerceu de facto, praticando os atos próprios e típicos da gerência no período aqui em causa, não pode ser responsabilizado, a título subsidiário, pelo pagamento das dívidas exequendas, sendo, por isso, parte ilegítima na execução fiscal.
Assim, perante a total ausência de factos que comprovem a gerência de facto, cuja demonstração incumbia à administração tributária, a mesma terá necessariamente de ser valorada contra esta.»

Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso invocando que a originária devedora foi uma sociedade unipessoal da qual o Oponente foi nomeado gerente em 6 de abril de 2010, e desde 2010.04.16 foi seu único sócio, pois que adquiriu a quota única da sociedade; Sendo que a originária devedora se manteve em atividade até 30 de novembro de 2011, e se obrigava com a assinatura de um gerente - o Oponente - que foi o seu gerente único desde 2010.05.01 até à dissolução da sociedade originária devedora; Período durante o qual o Oponente assinou cheques emitidos em nome da sociedade, assim vinculando-a perante terceiros. [conclusões de recurso II a IV]

Vejamos.

Perante a factualidade apurada, a sentença louvando-se, aliás, em jurisprudência do STA [(Pleno) – Acórdão de 28.02.2007, proferido no processo n.º 01132/06], veio a julgar procedente a oposição, em virtude da Administração Tributária em sede de execução fiscal nem na presente ter demonstrado o exercício da gestão de facto por parte do oponente, sendo que era esta quem tinha tal ónus, tendo ainda ficado provado o contrário.

Importa começar por realçar que a dívida exequenda respeita a dívidas de IVA referentes ao período compreendido entre 01/04/2009 e 31/08/2011, quando se encontra provado nos autos que até 1 de Maio de 2010 era gerente de direito E..... e que o oponente só foi nomeado gerente em 16/04/2010, nesse sentido vejam-se as alíneas A) e B) do probatório. No presente caso, só se provou a gerência de facto após o oponente ter sido nomeado gerente de direito, isto é, a partir de 16/04/2010 [vejam-se as datas constantes nos cheques referidos nas alíneas F) e G) do probatório].

Deste modo, o oponente só poderá ser responsabilizado pelas dívidas de IVA em causa a partir de 16/04/2010, porque antes dessa data não existe qualquer prova do oponente ter exercido a gerência de facto da sociedade devedora originária.

E quanto às dívidas de IVA em causa a partir de 16/04/2010, importa agora averiguar se a sentença a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito quando julgou procedente a oposição por entender que o Recorrido não é parte legítima para a execução.

Importa, pois, saber se o ora Recorrido, exercia as funções de gerência de facto na sociedade executada originária e, em consequência, foi feita a prova prevista no art. 24º nº 1 b) da LGT.
Nos presentes autos, a eventual responsabilidade subsidiária do Recorrido deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24 da LGT.
A responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual. O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.I; artº.239, nº.2, do C.P.T; artº.153, nº.2, do C.P.P.T).

Analisemos agora o regime aqui aplicável.
“Artigo. 24º da LGT
Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al. a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al. b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr. alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al. b), do normativo em exame).

Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da LGT, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor.
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als. a) e b), do artº.24, da LGT, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al. c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T.

Aqui chegados, não pode o aplicador do direito esquecer que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal - cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13.
Comecemos então por verificar se dos autos resulta provado, antes de mais, que o Recorrente preenche o primeiro pressuposto da responsabilidade subsidiária isto é, se a Fazenda Publica logrou provar que o Recorrente exerceu de facto as funções de gerente efectivo da sociedade executada, no período a partir de 16/04/2010.
Analisando, agora, a matéria de facto dada como assente, deve concluir-se que tal prova foi efectivamente realizada.

Conforme alíneas F) e G) do probatório, no processo de execução fiscal em apenso constam cheques do Banco Espírito Santo em nome da C....., Lda., assinados com assinatura idêntica à assinatura da procuração e datados de 06/11/2010 e 09/11/2010 (cfr. fls. 61 e 61/verso do apenso). E no processo de execução fiscal em apenso constam cheques do Millenium BCP em nome da C....., Lda., assinados com assinatura idêntica à assinatura da procuração e datados de 09/11/2010, 10/11/2010, 30/07/2010 (cfr. fls. 62, 62/verso, 75/verso, 79 do apenso).
Verifica-se, pois, que o oponente/recorrido assinou 5 cheques (de duas entidades bancárias diferentes) em nome da sociedade executada originária, o que significa que constava como titular das respectivas contas bancárias e evidencia a prática de actos de representação da sociedade.
Relativamente à assinatura de cheques em sede de reversão, e da prova da gerência de facto, pronunciou-se este Tribunal no Acórdão de 30/10/2014 com o nº 06216/12 onde se pode ler o seguinte:
«Examinando a matéria de facto provada (cfr.nº.15 do probatório), deve constatar-se que foi produzida prova da gerência de facto por parte do opoente. Assim é, porquanto, da factualidade provada se retira que o opoente praticou actos de representação (cfr.assinatura de cheques), da sociedade "(…) Lda.", fazendo apelo à distinção doutrinária mencionada supra.
E recorde-se que a assinatura de cheques necessários ao giro comercial da sociedade faz prova do exercício de facto de poderes de gerência da mesma (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 4/5/2004, proc.1179/03; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 7/3/2006, proc.933/05).»
Assim sendo, resultando provado que Recorrido teve uma participação activa e directa nos negócios da sociedade, tendo contribuído para o desenvolvimento do seu giro comercial nas datas em que lhe seja imputável a falta de pagamento das dívidas exequendas, o que juntando ao facto de o oponente ser o único gerente da empresa e sendo a sua assinatura que vinculava a mesma, terá que se considerar demonstrada a gerência de facto.
Nestes termos, deve concluir-se que, no caso concreto, a Fazenda Pública estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do oponente, ao abrigo do artº.24, nº.1, da L.G.T., perante a verificação da gerência de facto, ou seja, do exercício real e efectivo do cargo por parte do mesmo, contrariamente ao entendido pela decisão recorrida.

Aqui chegados, atento o acabado de mencionar e, exercendo o Recorrente funções de gerência nas datas em que terminou o prazo legal de pagamento das dívidas exequendas revertidas, o regime no qual se poderia fundar a sua responsabilidade subsidiária pelas dívidas sociais é o previsto no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., o qual faz impender o ónus da prova sobre o gerente revertido, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida, conforme examinado supra (na alínea b), do nº.1, do artº.24, da LGT, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, que onera o revertido, a aferir pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto. Concluindo que a sociedade não teria possibilidade de cumprir as suas obrigações tributárias, deveria o Recorrente ter tomado medidas no sentido de obviar a esta situação, maxime, pedindo a declaração de insolvência da empresa atempadamente. Esta forma de actuação era imposta pelo citado critério do bom pai de família, do gerente competente e criterioso.
Não pode, pois, considerar-se que o Recorrido tenha logrado ilidir a presunção de culpa pelo não pagamento da dívida exequenda que sobre si impendia. Não fazendo tal prova, deve considerar-se procedente este fundamento do recurso e, consequentemente, julgar parte legítima para a execução fiscal quanto a tais dívidas, contra si devendo prosseguir a citada execução enquanto responsável subsidiário.

Concluindo, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se parcialmente procedente o presente recurso.

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Uma pequena nota final relativamente à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP, tendo em consideração que o valor da causa foi fixado em € 467.838,11.

No caso concreto, ponderado o comportamento processual das partes litigantes, a complexidade do processo, e atendendo a que as questões decidendas não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, consideramos ser de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.


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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao recurso, e consequentemente:
- revogar a sentença recorrida na parte em que considerou provada a ilegitimidade do oponente na divída exequenda posterior a 16/04/2010;
- manter a sentença recorrida quanto ao mais.

Custas em partes iguais, sendo que o recorrido não apresentou contra-alegações, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.

Registe e notifique.

Lisboa, 8 de Outubro de 2020

[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Maria Cardoso e Catarina Almeida e Sousa]


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[Lurdes Toscano]

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[Maria Cardoso]

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[Catarina Almeida e Sousa]