Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:42/10.8 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/27/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IRC 
RENDIMENTOS AUFERIDOS POR ENTIDADES NÃO RESIDENTES
CDT
Sumário:I. Tendo em vista a dispensa de retenção na fonte dos dividendos percebidos por entidades não residente em território nacional, cujos pressupostos foram demonstrados através do preenchimento do modelo de requerimento legalmente exigido, não basta à Fazenda Pública alegar o facto de que não se trata de beneficiário efectivo do rendimento para recusar o reembolso do imposto retido.
II.Sendo um facto impeditivo do direito pela mesma invocado, cabe à Fazenda Pública a prova cabal da verificação do mesmo; o que não logrou ser feito.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a acção administrativa especial deduzida pela sociedade B(…) contra o despacho de indeferimento do reembolso de IRC (2008), retido na fonte em excesso, proferido em 01/10/2009, pela Directora de Serviços das Relações Internacionais.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1. A sentença recorrida não pode manter-se, pois que padece de diversos erros de julgamento em matéria de facto, bem como em matéria de direito.

2. A A. é um "mutual fund" que tem natureza de um trust. Porém - contrariamente ao que se entendeu na sentença recorrida - mesmo estando estas entidades expressamente incluídas no âmbito subjectivo da CDT, a aplicação do respectivo regime dependia da verificação e da prova da verificação de todos os demais requisitos e condições na mesma previstos.

3. Diversamente do que se parece entender na sentença recorrida - e como decorre seja do então artigo 90º-A do CIRC, seja do 74º da LGT, seja mesmo, diga-se, das regras gerais do ónus da prova, conforme estabelecidas no artigo 342º do Código Civil -, a prova da verificação desses pressupostos da aplicação da Convenção cabia à contribuinte.

4. A contribuinte, ora recorrida, não fez tal prova, seja em sede administrativa, seja em sede judicial.

5. Contrariamente ao que se entendeu na sentença recorrida, o modelo 22-RFI não era - e não é - prova suficiente para deferir a pretensão da A.

6. Nos termos da CDT com o Canadá, designadamente da alínea a) do nº1 do artigo 4º dessa Convenção, para beneficiar da mesma uma pessoa tem que estar sujeita a imposto por obrigação pessoal ou ilimitada pelo menos num dos Estados contratantes.

7. Contrariamente ao que se entendeu na sentença recorrida, a verificação desse pressuposto não decorria provada pelo modelo 22-RFI que foi junto, pois não foi isso que no quadro IV desse Modelo foi atestado pela autoridade fiscal canadiana: diz-se que a entidade em causa está aí "sujeita a imposto sobre o rendimento", mas já não decorre do seu teor se é por obrigação pessoal e ilimitada.

8. Assim, não foi provado, in casu, a verificação deste pressuposto, pelo que o regime da CDT não era aplicável à situação em apreço nos termos preconizados pela sentença recorrida.

9. Sendo de aplicar aqui o entendido numa situação semelhante à ora em apreço, em que também só tinha sido apresentado o modelo 22-RFI, no ponto 9 do acórdão proferido no processo arbitral nº73/2012-T (que oportunamente transcrevemos nestas alegações e está publicado em www.caad.org.pt)

10. O que só por si determina a revogação da sentença recorrida.

11. Contrariamente ao que decorre da sentença recorrida impunha-se, ainda, comprovar que a entidade em causa não é fiscalmente transparente.

12. Do texto da CDT e atendendo ao seu objectivo e propósito de evitar a dupla tributação, decorre que, para beneficiar da mesma, a entidade não pode ser fiscalmente transparente, pois caso a tributação não seja feita na esfera da entidade e sim na dos respectivos beneficiários, são estes, na realidade, que podem ser susceptíveis de sofrer dupla tributação.

13. O que resulta da declaração fiscal de rendimentos de 2008 (declaração traduzida junta aos autos pela A. em 3/03/2022) é que o rendimento aí declarado foi totalmente imputado aos beneficiários e que esse rendimento não foi sujeito a imposto na esfera da ora recorrida, dizendo-se aí expressamente que o “rendimento tributável” desta é zero (cf. declaração, em especial a 5ª e 6ª folhas – linhas 20 e 42-; a 13ª folha –quadro 9, linha 928-; e, ainda, a 16ª folha desse documento).

14. Assim, não estando demonstrada a verificação deste pressuposto, não cabia aplicar o regime da CDT à situação em apreço, o que também é, só por si, determinante da revogação da sentença recorrida.

15. Por último - contrariamente ao que se decidiu na sentença recorrida, que também aqui errou - não foi também provado, como se impunha nos termos da alínea b) do nº2 do artigo 10.º da CDT, que a ora recorrida era o beneficiário efectivo dos dividendos.

16. Contrariamente ao que se afirma na sentença recorrida - que também aí incorre em erro de julgamento em matéria de facto - esse facto não foi e não é aceite pela AT.

17. E incorre também em erro de julgamento em matéria de facto ao pretender que do modelo 22- RFI decorre feita tal prova, pois a única entidade que, nesse modelo, declarou que assim é, foi a própria A., como decorre claro da leitura do quadro IX (ponto 2) do modelo 22-RFI em causa, nada tendo as autoridades fiscais canadianas atestado/certificado aí sobre essa concreta questão.

18. Ao que acresce que do teor da supra mencionada declaração de rendimentos de 2008 resulta, precisamente, indiciado o contrário, ou seja não ser a A. a beneficiária efectiva dos dividendos em causa, mas antes que o rendimento é directamente atribuído aos respectivos beneficiários (beneficiários do fundo/trust) e não à A.

19. Não tendo a ora A., como era seu ónus, provado a verificação deste pressuposto, não podia, também por isso, legalmente - designadamente atendo o mencionado artigo 10.º da CDT- ter lugar o reembolso determinado pela sentença recorrida.

20. A douta sentença recorrida padece, assim, dos apontados erros de julgamento, apresentando- se, ademais, desconforme com todos os preceitos acima referenciados, e, em consequência, não merece ser mantida.

21. Devendo, antes, ser confirmado na ordem jurídica o despacho da Directora de Serviços das Relações Internacionais que foi impugnado nos presentes autos e que, ao indeferir o pedido de reembolso de imposto efectuado pela ora recorrida, procedeu à devida e correcta interpretação e aplicação da lei aos factos.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Ex.as, deverá

Ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional e anulado a douta sentença recorrida, com as legais consequências;

Confirmar-se, atenta a sua manifesta legalidade, o despacho da Directora de Serviços das Relações Internacionais impugnado nos autos, como é de Direito e Justiça.»

3. A recorrida não apresentou contra-alegações.

3. O Digno Magistrado do Ministério Público notificado nos termos do artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, para querendo se pronunciar sobre o mérito do recurso, nada disse.

4. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões do recorrente, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) ex vi artigo 140.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável por força do disposto no artigo 97.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto, consubstanciado na errónea valoração da prova, e de direito por a Autora não ter feito prova da verificação dos pressupostos de aplicação da Convenção Para Evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e o Canadá


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

« 1) O A. é um fideicomisso, sendo, em 2007, residente fiscal em território canadiano, para efeitos de imposto sobre o rendimento (cfr. fls. 18 a 32, dos autos, e, quanto ao documento consubstanciado na declaração de rendimentos, respetiva tradução, constante de fls. 95 a 110 e 157 a 164, dos autos, e fls. não numeradas, do processo administrativo).

2) Em 2007 e 2008, o A. apresentou, no Canadá, declaração de imposto sobre o rendimento (cfr. fls. 20 a 32 e respetiva tradução, constante de fls. 95 a 110 e 157 a 164).

3) O A. detinha participações sociais numa entidade com sede em território português (cfr. fls. 18 e 19, dos autos, e fls. não numeradas, do processo administrativo).

4) Na sequência do mencionado em 3), em 07.11.2007, foram pagos ao A. dividendos no valor de 2.733.494,37 Eur. (cfr. fls. 18 e 19, dos autos, e fls. não numeradas, do processo administrativo).

5) Na sequência do referido em 4), foi retido na fonte imposto sobre o rendimento no valor de 546.698,87 Eur. (cfr. fls. 18 e 19, dos autos, e fls. não numeradas, do processo administrativo).

6) Face ao mencionado em 5), o A. apresentou, junto dos serviços da AT portuguesa, modelo n.º 22-RFI, solicitando o reembolso de parte do imposto mencionado em 5), no valor de 136.674,72 Eur., do qual constava, designadamente, o seguinte:

a. Quadro I preenchido, indicando o A. como beneficiário efetivo dos rendimentos;

b. Quadro II preenchido, indicando tratar-se de rendimentos de dividendos, respetiva quantificação, valor de imposto retido e valor de imposto a reembolsar;

c. Quadro IV preenchido, indicando que o A. foi residente no Canadá, para efeitos de aplicação do art.º 4.º, da CDT Portugal/Canadá, no ano de 2007, e que foi sujeito a imposto sobre o rendimento;

d. Data de 16.02.2009, assinatura e carimbo identificando ser do “diretor do gabinete de serviços fiscais”, de Ontário (cfr. fls. 18 e 19, dos autos, e fls. não numeradas, do processo administrativo).

7) Na sequência do mencionado em 6), foi elaborada informação n.º 10123/2009, de 19.08.2009, na direção de serviços das relações internacionais, da qual consta designadamente o seguinte:

“…


(…) – Imagem original nos autos


…” (cfr. fls. não numeradas, do processo administrativo).

8) Sobre a informação mencionada em 7), foi proferido despacho, a 19.08.2009, pela diretora de serviços das relações internacionais, com o seguinte teor:

“Concordo. Notifique-se o beneficiário efectivo dos rendimentos, nos termos do artº

60º da LGT” (cfr. fls. não numeradas, do processo administrativo).

9) Na sequência do referido em 7) e 8), foi remetido ao A., pelos serviços da AT, ofício, datado de 20.08.2009, para efeitos de exercício do direito de audição, no prazo de 15 dias contados da data de registo do mesmo (cfr. fls. não numeradas, do processo administrativo).

10) Na sequência do mencionado em 9), foi elaborada informação n.º 12174/2009, de 30.09.2009, na direção de serviços das relações internacionais, da qual consta designadamente o seguinte:

“…

Em 2009-03-11, a empresa B(…), com sede em CANADA, solicitou o reembolso de imposto retido na fonte, e relativo a Dividendos, da importância ilíquida total de €2.733.494,37, e quantidade de acções 1.691.210, ISIN – PTPTCOAM0009, pagos pelo B.., SA, NIPC 50… na parte em que o imposto excede o limite previsto na convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e CANADA.

(…)

Na informação n.º 10123, de 2009-08-19, foi proposto o indeferimento do pedido de reembolso, com os seguintes fundamentos:

Foi por despacho de 20/11/2008 do Sr. Director Geral dos Impostos, sancionado o entendimento de que, para que um Fundo de Investimento ou de Pensões possa beneficiar de regime previsto em convenção destinada a evitar a dupla tributação, deverá preencher cumulativamente os seguintes requisitos:

- Ser considerado como "pessoa" para efeitos da convenção.

- Deverá fazer-se prova, designadamente através de declaração emitida pelas autoridades fiscais competentes do Estado de residência do fundo, de que este está aí sujeito a imposto por obrigação pessoal e ilimitada ("fully liable to tax") e de que não é fiscalmente transparente (ou seja, de que o fundo, enquanto tal, está aí sujeito a imposto, independentemente da tributação que possa ocorrer na esfera dos respectivos participantes);

- Deverá obter-se declaração de que o fundo é o "beneficiário efectivo" desses dividendos.

No presente caso, não existindo troca de informação e não tendo sido apresentados os meios de prova necessários, propôs-se o indeferimento do pedido.

(…)

Daquela proposta foi a entidade requerente notificada, por carta registada, (data do registo 2009-08-21), Ofício N.º 21111, para, querendo, exercer o direito de audição, no prazo de 15 (quinze) dias, contados a partir do 3° dia posterior ao do registo.

Encontrando-se ultrapassado o prazo concedido, o requerente não exerceu, até à presente data, aquele direito.

(…)

Face ao exposto sou de parecer que deverá ser mantida a decisão de indeferimento do pedido reembolso de imposto que incidiu sobre o rendimento de €2.733.494,37 e quantidade de acções 1.691.210, ISIN - PTPTCOAM0009.”

(cfr. fls. Não numeradas, do processo administrativo).

11) Sobre a informação mencionada em 10) e após parecer de concordância, foi proferido despacho, pela diretora de serviços das relações internacionais, a 01.10.2009, com o seguinte teor:

“Indefiro, com os fundamentos invocados” (cfr. fls. não numeradas, do processo

administrativo).

12) O A. apresentou, junto dos serviços da AT, documento, que ali deu entrada a 07.01.2010, na sequência do mencionado em 9), para efeitos de exercício de direito de audição, anexando três documentos (fls. não numeradas, do processo administrativo).


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DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.


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MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos e constante do processo administrativo apenso, conforme indicado em cada um desses factos.

Quanto ao facto 1), no tocante à natureza jurídica do A., tal revela-se ainda facto não controvertido, atenta a própria posição da AT expressa nas informações mencionadas em 7) e 10).


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2. DE DIREITO

Constitui objecto do presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgando procedente a acção administrativa especial deduzida por B(…), contra o despacho de indeferimento do pedido de reembolso de IRC retido na fonte, proferido em 01/10/2009, pela Diretora de Serviços das Relações Internacionais, condenou a entidade demandada no reembolso do IRC retido, em excesso, no valor de € 136.674,72.

A Recorrente não se conforma com o decidido, invocando que a Autora não fez prova da verificação dos pressupostos da aplicação da CDT celebrada entre Portugal e Canadá, que o modelo 22-RFI não é prova suficiente de que o Recorrido era o beneficiário efectivo dos dividendos e que a sujeição sobre o rendimento no Canadá é por obrigação pessoal e ilimitada, não resultando provado ainda que a Recorrida não é uma entidade transparente e que foi a beneficiária efectiva dos dividendos.

Questiona-se, portanto, neste recurso, o acerto da sentença recorrida que julgou procedente a acção apresentada do acto de indeferimento do pedido de reembolso.

A sentença recorrida para julgar procedente a acção expendeu o seguinte

Sendo o A. um trust com sede no Canadá, há que considerar a CDT celebrada entre Portugal e este Estado, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 81/2000, de 6 de dezembro.

Em termos de âmbito objetivo, decorre desde logo do seu art.º 2.º que são abrangidos os impostos sobre o rendimento de ambos os Estados, incluindo, pois, o IRC [cfr. art.º 2.º, n.º 1, al. b), ii)].

Quanto ao âmbito subjetivo, o mesmo faz alusão ao conceito de pessoa [cfr. art.º 4.º, n.º 1, al. a)], conceito esse que, por seu turno e antes de mais, se encontra definido no art.º 3.º.

Assim, atento o disposto no art.º 3.º, n.º 1, al. d), da mencionada CDT, “[o] termo ‘pessoa’ compreende as pessoas singulares, os fideicomissos [trusts], as sociedades ou qualquer outro agrupamento de pessoas” (sublinhados nossos).

(…) há que atender ao conceito de residente, mencionado no já referido art.º 4.º, cuja al. a) do n.º 1 prescreve que:

“1. Para efeitos desta Convenção, a expressão «residente de um Estado Contratante» significa:

a) Qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direcção ou a qualquer outro critério de natureza similar. Todavia, esta expressão não compreende as pessoas que só estão sujeitas a imposto nesse Estado relativamente aos rendimentos de fontes situadas nesse Estado”.

Atento, pois, o teor desta disposição da CDT, resulta que, ínsito ao conceito de residente, está a sujeição da pessoa a imposto num Estado contratante e que não esteja apenas sujeita a imposto nesse Estado relativamente aos rendimentos de fontes situadas nesse Estado.

Quanto ao regime dos dividendos, o mesmo encontra-se consagrado no art.º 10.º, da CDT, cujo n.º 2, al. b), define que os dividendos podem ser objeto de retenção na fonte até ao limite de 15% (dado que, in casu, não é aplicável a al. a), ii), uma vez que o A. não é uma sociedade), no Estado Contratante de que é residente a sociedade que paga os dividendos.

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, como resulta da matéria de facto provada, foram pagos dividendos ao A., um trust residente no Canadá, tendo havido uma retenção na fonte de IRC de 20%.

Nessa sequência, o A. requereu, perante a AT portuguesa, o reembolso do valor retido em excesso, nos termos do então art.º 90.º-A, n.º 7, do CIRC, face à taxa de retenção de 15%, prevista no art.º 10.º, n.º 2, al. b), da CDT Portugal/Canadá, apresentando o modelo 22 - RFI.

Em causa está apenas saber se eram suficientes para deferir a pretensão do A. os elementos por este apresentados ou se era necessária prova adicional [máxime declaração da AT canadiana, em que constasse que o A. estava sujeito a imposto por obrigação pessoal e ilimitada (“fully liable to tax”) e não era fiscalmente transparente].

Desde já se adiante que assiste razão ao A.

Com efeito, como resulta da factualidade assente, dos elementos apresentados pelo A. perante a AT portuguesa consta a declaração da AT canadiana no sentido de que o A. se enquadra no conceito de residente, no ano de 2007, para efeitos do art.º 4.º, da CDT Portugal/Canadá.

Ora, esta declaração, cuja autenticidade e veracidade nunca são postas em causa pela AT portuguesa, atesta, precisamente, que o A. é considerado residente para efeitos de aplicação da CDT (o que, atento o disposto no art.º 4.º, n.º 1, al. a), da mesma, implica ser tributado no Canadá).

Logo, a exigência adicional da AT portuguesa carece de fundamento, porquanto a própria AT canadiana atestou que o A. reunia as condições subjetivas inerentes à aplicação da CDT.

Sempre se refira, adicionalmente que, se dúvidas houvesse e ao contrário do que resulta da informação que fundamenta a decisão de indeferimento, a AT portuguesa poderia ter usado do mecanismo de troca de informações, previsto no art.º 25.º, da CDT, o que não foi feito, tendo aliás sido referido que não existia. Não colhe o argumento, aventado na contestação, de que tal procedimento é demasiado moroso, sob pena de se tratar de letra morta.

Assim, não sendo nunca posta em causa a veracidade da declaração constante da Mod. 22-RFI, aposta pela AT canadiana, a mesma, como já mencionado, respondia às exigências para efeitos de aplicação da CDT: a AT Canadiana expressamente declarou ser o A. residente, para efeitos de aplicação da CDT, e ser sujeito de imposto sobre o rendimento, em 2007. A questão de o A. ser beneficiário efetivo, para além de resultar demonstrada em sede factual, é aceite pela própria AT, como resulta expressamente do teor da informação que fundamenta o indeferimento do pedido de reembolso. Como tal, os elementos adicionais exigidos pela AT portuguesa revelam-se desnecessários, face ao atestado pela AT canadiana que, como já referido, nunca foi posto em causa.

Complementarmente, saliente-se, o A. demonstrou, na presente sede, ser sujeito de imposto sobre o rendimento no Canadá, tendo apresentado as competentes declarações em 2007 e 2008.

Vejamos.

No caso em apreço, a Recorrida é um fideicomisso (“trust”), com sede no Canadá, que detinha participações sociais numa sociedade com sede em Portugal, a qual lhe pagou dividendos no valor € 2.733.494,37, no ano de 2007, aplicando a taxa de retenção na fonte de 20%, tendo o A. solicitado à Administração Tributária o reembolso do valor retido em excesso, face à taxa de 15% prevista na CDT celebrada entre Portugal e o Canadá (artigo 10.º, n.º 2, alínea b)) tendo junto a declaração Modelo 22-RFI, ao abrigo do disposto no artigo 90.º-A do CIRC (na redacção à data dos factos).

A questão fulcral nos presentes autos é justamente o despacho de indeferimento deste pedido de reembolso.

Como se viu, a decisão da 1.ª instância, com base na matéria de facto dada como provada e não impugnada, julgou procedente a acção no entendimento, em suma, que a declaração da Administração Tributária canadiana, no sentido que o A. se enquadra no conceito de residente, no ano de 2007, para efeitos de aplicação da CDT, é suficiente, não carecendo de prova suplementar, que a A. demonstrou ter apresentado as competentes declarações em 2007 e 2008, e que a Administração Tributária aceitou expressamente ser o A. o beneficiário efectivo. Mais realçou que, ao contrário do invocado pela Administração Tributária, existe o mecanismo de troca de informações, como resulta do artigo 25.º da CDT, pelo que, se dúvida houvesse, a AT portuguesa poderia ter lançado mão desse mecanismo, o que não foi feito.

Ora, a Recorrente não logrou pôr em causa o assim decidido na sua alegação de recurso, pois, limita-se a esgrimir os argumentos constantes da contestação, pretendo substituir a valoração da prova feita pelo Tribunal a quo, pela sua própria valoração repetindo que deve ser desconsiderado não só o formulário Modelo 22-RFI, no qual se prova que o A. pode beneficiar das disposições da CDT, como também a declaração de rendimentos apresentada para o ano de 2007, que atesta ser uma entidade sujeita a imposto no Canadá, para efeitos de sustentar o indeferimento do pedido de reembolso, sem, todavia, ter feito qualquer prova de que o A. não era o efectivo beneficiário dos rendimentos.

Por tal motivo improcedem as conclusões do recurso que sustentam o erro de julgamento da matéria de facto, por erro na apreciação da prova.

Aqui chegados, adiantamos, desde já, que a sentença recorrida merece a nossa inteira concordância.

Sobre as questões colocadas no presente recurso, já este Tribunal se pronunciou, no âmbito do processo n.º 09554/16, de 10/11/2016, estando em causa as mesmas partes e o conhecimento das mesmas questões sendo que as sentenças recorridas também são idênticas, bem como as alegações de recurso.

Assim, em função da semelhança em relação ao caso em apreço, e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica constante do identificado acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, por as questões aqui em análise não deferirem, pelo que, permitindo-nos transcrever a passagem relevante, cujo entendimento perfilhamos:

« 2.2.3. Contra o veredicto que fez vencimento na instância, a recorrente alega que a recorrida não fez prova nos autos do direito à dispensa de retenção na fonte do IRC de 2007. Na tese da recorrente, deve fazer-se prova de que o fundo em causa é uma entidade tratada como pessoa colectiva para fins tributários no seu Estado de residência, designadamente, através da declaração de emitida pelas autoridades ficais competentes desse Estado; deve fazer-se prova de que o fundo está aí sujeito a imposto por obrigação pessoal e ilimitada e de que é não fiscalmente transparente; deve obter-se declaração de que o fundo é “beneficiário efectivo” desses dividendos.

Recordem-se os normativos relevantes:

Artigo 90.º-A do CIRC (“Dispensa total ou parcial de retenção na fonte sobre rendimentos auferidos por entidades não residentes”).

«1. Não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC quando, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado Português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direcção efectiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada».

A CDT celebrada entre Portugal e o Canadá foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República, n.º 81/2000, publicada no DR, I Série-A, de 06.12.2000 – CDT.
«O termo “pessoa” compreende as pessoas singulares, os fideicomissos, as sociedades ou qualquer outro agrupamento de pessoas» - artigo 3.º/d), da CDT.

«A expressão “residente de um Estado contratante” significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direcção ou qualquer outro critério de natureza similar» - artigo 3.º/1/a), da CDT.

Recorde-se que do probatório resultam os elementos seguintes.

i) O A. é o beneficiário efetivo dos rendimentos em causa;

ii) Trata-se de rendimentos de dividendos, derivados de participação social sobre sociedade residente em Portugal;

iii) O A. foi residente no Canadá, para efeitos de aplicação do art.º 4.º, da CDT Portugal/Canadá, no ano de 2007, e foi sujeito a imposto sobre o rendimento.
Perante os elementos coligidos nos autos, a recorrente invoca o carácter transparente e de mero veículo intermediário da distribuição dos dividendos em causa da entidade ora recorrida.

Mas se assim é, cabia à recorrente o ónus de diligenciar, designadamente, junto da administração fiscal da residência da entidade beneficiária, no sentido de apurar da realidade da percepção do rendimento em causa – artigo 25.º da CDT (“Troca de informações”), ónus que no caso não cumpriu.

A recorrente invoca a declaração de rendimentos da recorrida relativa ao exercício de 2008, da qual constaria rendimento tributável igual a zero.

Sucede, porém, que o exercício em causa nos autos é o de 2007; para além de que a declaração em apreço aparenta ter sido emitida pelos serviços fiscais do Canadá; o que pode suscitar a dúvida sobre os elementos elevados ao n.º 6 do probatório (modelo n.º 22-RFI, solicitando o reembolso de parte do imposto); mas, por outro lado, não permite ter a certeza sobre o alegado carácter transparente da sociedade autora. Sendo este um facto impeditivo do direito pela mesma invocado, cabe à recorrente a prova cabal da verificação do mesmo; o que não logrou ser feito (artigo 342.º/2, do CC).
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente intenção rescisória.» (disponível em
www.dgsi.pt/.

De referir, por ultimo, que este foi também o sentido dos acórdãos deste TCAS de 08/02/2018, proferido no processo n.º 46/10.0BELRS e de 03/12/2020, proferido no processo n.º 43/10.6BELRS, onde foram apreciadas as mesmas questões.

Nesta conformidade nenhuma censura merece a decisão recorrida que viabilizou a pretensão formulada pela aqui Recorrida no âmbito da presente acção administrativa especial.

Pelo exposto, a sentença não errou no julgamento que fez, pelo que, o recurso não merece provimento.


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Conclusões/Sumário (acolhemos aqui também as conclusões do acórdão proferido no processo n.º 09554/16):

I. Tendo em vista a dispensa de retenção na fonte dos dividendos percebidos por entidades não residente em território nacional, cujos pressupostos foram demonstrados através do preenchimento do modelo de requerimento legalmente exigido, não basta à Fazenda Pública alegar o facto de que não se trata de beneficiário efectivo do rendimento para recusar o reembolso do imposto retido.

II. Sendo um facto impeditivo do direito pela mesma invocado, cabe à Fazenda Pública a prova cabal da verificação do mesmo; o que não logrou ser feito.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes que integram a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente

Notifique.

Lisboa, 27 de Outubro de 2021.


Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Isabel Fernandes – 2.ª Adjunta