Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:641/17.7BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:05/08/2019
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL;
REJEIÇÃO LIMINAR;
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO.
Sumário:I – Dispõem as alíneas b) e c) do nº1 do artigo 209º do Código de Procedimento e Processo Tributário (rejeição liminar da oposição) que, recebido o processo, o juiz rejeitará logo a oposição por não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º e por ser manifesta a improcedência.
II - A manifesta improcedência da pretensão do Oponente justifica a prolação de despacho de rejeição liminar.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório

I....LDA, veio apresentar OPOSIÇÃO ao Processo de Execução Fiscal n.º 11…..

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por decisão de 8 de Janeiro de 2018, por manifesta improcedência, rejeitou-a, com fundamento na circunstância de os factos não se integrarem em nenhum dos fundamentos da oposição à execução – artigo 204º do CPPT -, sendo que a lei prevê meio judicial de impugnação para contra eles reagir (a dívida exequenda tem origem em liquidações de IVA e IRC).

Nas suas alegações, a Recorrente I...LDA, formula as seguintes conclusões:

«1. A sociedade oponente, ora recorrente foi citada de que corria termos corra si processo de execução fiscal n.º 11……. e apensos, tendo em 06- 11-2017 deduzido oposição porquanto se entende que não são devidos os impostos IRC e IVA aí peticionados.

2. Por sentença datada de 08-01-2018, o douto tribunal "a quo" decidiu rejeitar a oposição por manifesta improcedência.

3. A sociedade oponente, ora recorrente não se conforma com a sentença recorrida que por ser manifesta a improcedência rejeitou a oposição, pois o tribunal "a quo" para além de não ter interpretado convenientemente o vertido na oposição deduzida cometeu um erro de julgamento sobre a matéria de facto, pois os elementos de prova impunham decisão diversa.

4. Tendo a ora recorrida deduzido oposição por considerar que os impostos peticionados são inexistentes, conforme prevê a alínea a) do artigo 204.º do CPPT, o que aliás, salvo melhor entendimento, se encontra bem explicitado na oposição deduzida.

5. Uma vez que a C….. do S…. Algarvio - Tavira requereu a insolvência da sociedade ora recorrente porquanto a mesma era devedora de capital, juros e valores que se encontravam garantidos por garantias bancárias por aquela instituição totalizando a divida em cerca de 2.282.124,50€.

6. A sociedade não tinha forma nem tesouraria de resolver e pagar aos seus credores, tendo acordado com a C.C.A.M. pôr termo àquele pedido de insolvência mediante dação em cumprimento do imóvel inscrito na matriz rústica sob o n.º 1….e registado sob o nº 2….. da freguesia de S….., imóvel inscrito na matriz rústica sob o n.º 1….. e registado sob o nº 2….. da freguesia de S….., imóvel inscrito na matriz rústica sob o n.º 1…. e registado sob o nº 2…. da freguesia de S….., imóvel inscrito na matriz sob o n.º 1…. e registado sob o nº 2…. da freguesia de S…….

7. Pese embora se tenha verificado a necessidade de pagamento de impostos atenta a impossibilidade da dação aquando da existência de dívidas fiscais não existiu qualquer ganho, tendo os bens sido alienados por preço abaixo do valor de mercado.

8. Tratando-se sim de uma adjudicação de bem garantido mediante hipoteca (garantia real).

9. Por outro lado, relativamente ao Imobilizado não foi este avaliado tendo o seu valor sido calculado de forma incorreta pelo Serviço de Finanças, assim como o valor de juros os quais não foram contabilizados.

10. Neste caso deveria para efeitos de proteção e garantia de tratamento de igualdade de todos os contribuintes serem equiparadas as isenções às garantias dadas para a instituição bancária.

11. Esta ao revés do ora proposto gozou de isenção de pagamento de IMT nos termos do art. 43º da LGT.

12. Os particulares no caso a contribuinte têm de pagar os impostos, não beneficiando de qualquer isenção.

13. A sociedade, perdeu todo o seu escopo de hotelaria, tentou inverter o pedido de insolvência realizado e cumprir e, portanto, a dação realizada tratou-se de um "acordo" à ação de insolvência realizada.

14. O tribunal "a quo" não atendeu correctamente ao objecto do processo, bem como aos elementos de prova que constam do processo executivo, muito pelo contrário não foram produzidas quaisquer provas para aferir da veracidade dos factos invocados pela ora recorrente.

15. Andou mal o tribunal "a quo" ao rejeitar a oposição por ser manifesta a improcedência, dado que não constam da sentença recorrida nenhum fundamento que justifique tal improcedência.

16. Nem tão pouco foram realizadas as diligências probatórias necessárias para se aferir da séria existência séria ou não dos factos e do direito invocado pela oponente.

17. Aliás, resulta dos factos alegados e de toda a prova junta, prova essa que o tribunal "a quo" se obviou de analisar, que a oponente não deve nenhum dos impostos peticionados em sede de processo executivo.

18. Não se justificando o alegado indeferimento, aliás tem sido entendimento da nossa jurisprudência nomeadamente do Supremo Tribunal Administrativo que:

"... O indeferimento liminar, com fundamento em manifesta improcedência, só tem justificação em casos extremos, ou seja, quando essa inviabilidade seja irremediavelmente evidente."

19. Resultando desde logo que não estamos perante um caso que justifique a manifesta improcedência, pois a inviabilidade da oposição deduzida pela ora recorrente, salvo o devido respeito, não pode ser considerada irremediavelmente evidente.

20. Assim sendo, e ao abrigo do disposto nos artigos 203.º e seguintes do CPPT, o Tribunal "a quo" deveria ter recebido a presente oposição e, em consequência, determinar a suspensão do processo executivo.

21. Termos em que e por violação do disposto nos artigos 203.º, 204.º e 209, n.º 1, alínea c) do CPPT deverá a sentença recorrida ser revogada e consequentemente deverá ser proferida outra que receba a presente oposição.

22. E bem assim por a sentença recorrida se encontrar ferida de nulidade nos termos do disposto no artigo 615.º do Código de Processo Civil, aqui aplicável subsidiariamente.

23. Mesmo que assim não se entenda e sem prescindir, a sociedade ora recorrente não se conforma com a sentença recorrida porquanto não se pode considerar como considerou o tribunal "a quo" que não é clara a alegação da Oponente, alegando que a oposição deduzida seria contraditória, isto é, inepta.

24. Com a figura processual da ineptidão da petição inicial visa-se evitar que o juiz seja colocado na impossibilidade de julgar correctamente a causa, decidindo sobre o mérito, em face da inexistência de pedido ou de causa de pedir, ou de pedido ou causa de pedir que se não encontrem deduzidos em termos inteligíveis. [cfr. Direito Processual Civil Declaratório; vol. II, pág. 219].

25. A sentença recorrida considera que não é clara a alegação da Oponente o que não se concorda, pois embora se admita que a petição inicial possa apresentar algumas deficiências, certo é que a causa de pedir e o pedido são bastantes claros e encontram-se bastantes percetíveis.

26. No caso em apreço, é manifesto que não se verifica qualquer obscuridade ou ininteligibilidade na oposição deduzida.

27. Mais se refere que o vício da ininteligibilidade só acontece quando os factos e a conclusão são expostos na petição em termos de tal modo confusos, obscuros ou ambíguos que não possa apreender-se qual é o pedido ou a causa de pedir, o que não sucede in casu.

28. Veja-se a este propósito o disposto no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo: 2281/11.STBGMR.Gl , datado de 24-04-2012, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo: 666/07.0TYLSB.Ll -2, datado de: 30-06-2011, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo:24944/10.2T2SNT.L1-6, datado 27-09-2012, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo: 5582/11.9TBBRG.G 1, datado de 26-06- 2012 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo: 0230401, datado de 14-03-2002, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

29. O facto de a petição ser contraditória poderia implicar a improcedência da acção, mas não a rejeição por indeferimento liminar.

30. Contudo, um dos princípios consagrados no Código de Processo Civil aqui aplicável subsidiariamente é o princípio da cooperação (artigo 7.º), seguindo a lição de Miguel Teixeira de Sousa [Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, pág. 65 e segs.], existe um dever de cooperação das partes com o tribunal, mas também há um idêntico dever de colaboração deste órgão com aquelas.

31. Este dever (trata-se, na realidade, de um poder-dever ou dever funcional) desdobra-se, para esse órgão, em quatro poderes deveres essenciais: dever de esclarecimento; dever de prevenção; dever de consulta das partes e dever de as auxiliar na remoção de dificuldades.

32. O que agora nos interessa é o dever de prevenção, ou seja, o dever de o tribunal prevenir as partes sobre as eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos.

33. Este dever de prevenção tem várias consagrações legais específicas, entre elas, o convite às partes para aperfeiçoarem os seus articulados - artigo 590.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, o que não sucedeu no caso em apreço.

34. Assim, entende-se que a Autora que deve ser convidada, nos termos do artigo 590.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, a suprir as insuficiências quanto à concretização da matéria de facto acima referidas e a expor os factos e os pedidos de forma mais clara.

35. A sentença recorrida ao declarar inepta a petição inicial violou o disposto no artigo 186.º do Código de Processo Civil porquanto dos autos não resulta, nem se verifica ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, nem tão pouco há contradição entre ambos.

36. A sentença recorrida viola ainda o princípio da cooperação disposto no artigo 7.º e o artigo 590.º, n.º 4 ambos do Código de Processo Civil, uma vez que o tribunal "a quo" ao abrigo daquilo que é o princípio da cooperação não convidou a parte a suprir as deficiências e/ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.

37. Devendo ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, concedendo-se prazo para a Autor aperfeiçoar a sua petição inicial, seguindo os autos os seus termos ulteriores.

38. Sem prescindir, a sentença recorrida refere ainda que estão assegurados meios judiciais de impugnação das liquidações, sendo manifesto que, também aqui, não é possível a procedência da Oposição à Execução, indiciando mais uma vez que podemos estar perante um erro na forma do processo, erro esse que consubstancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso (cfr.artºs.193 e 196, do Código de Processo Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, 'ex vi" do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), o que deve ser conhecido no despacho saneador (cfr.artº.595, nº.1, al.a), do Código de Processo Civil) ou, não existindo este, até à sentença final (cfr.artº.200, nº.2, do Código de Processo Civil) e só pode ser arguido até à contestação ou neste articulado (cfr.artº.198, nº.1, do Código de Processo Civil), sendo que, a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte.

39. ln casu, no processo judicial tributário o erro na forma do processo igualmente substância uma nulidade processual de conhecimento oficioso, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correcta, importando, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr. artº.97, nº.3, da L.G.T.; artº.98, nº.4, do C.P.P.T.).

40. Pelo que deveria o tribunal "a quo" ter convolado os presentes autos atendendo ao princípio da economia processual que enforma todo o direito adjectivo (Cfr. artº.130, do CP.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.2, al.e), do C.P.P. Tributário).

41. A possibilidade de convolação da forma de processo pressupõe que todo o processo passe a seguir a tramitação adequada, sendo que o pedido formulado no final do articulado inicial constitui um dos elementos que se deve adequar à nova forma processual a seguir.

42. O direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895).

43. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição.

44. O que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr.artº.204, da C.R. Portuguesa).

45. Ao abrigo do artº.268, nº.4, da C.R. Portuguesa, é garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, e a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos.

46. Na mesma linha, no artº.9, nº.1, da L.G. Tributária, garante-se o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos. O direito a uma tutela jurisdicional efectiva consubstancia-se como o direito a obter, em prazo razoável, decisões que apreciem, com força de caso julgado, as pretensões regularmente deduzidas em juízo (isto é, as pretensões que forem apresentadas na observância dos pressupostos processuais de cujo preenchimento depende, nos termos da lei, a obtenção de uma pronúncia judicial sobre o respectivo mérito) e a possibilidade de fazer executar essas decisões.

47. O artigo 103.º, da C.R.P., principalmente os seus nºs.2 e 3, consagra o princípio da legalidade fiscal como um dos elementos estruturantes do Estado de direito constitucional. Especificamente o artigo 103.º, nº.3, da C.R.P., reconhece, além do mais, o direito de não pagamento de impostos cuja liquidação e cobrança se não façam na forma prescritas na lei, assim consagrando uma espécie de direito de resistência à imposição de exacções fiscais inconstitucionais ou ilegais (cfr. artigo 21.º, da C.R. Portuguesa).

48. A sentença recorrida é inconstitucional por violação do artigo 103.º, da C.R.P., em conjugação com o artigo 17.º também da C.R.P. que estabelece o direito fundamental de natureza análoga de que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, cuja liquidação e cobrança não se façam nos termos da lei, inconstitucionalidade essa que desde já se invoca para efeito de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional.

49. Termos em que deverá ser revogada a douta sentença recorrida ser revogada e consequentemente deverá ser proferida outra que receba a presente oposição, seguindo os autos os seus ulteriores termos.

Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso e revogar a douta sentença recorrida, seguindo os autos os seus ulteriores termos, assim se fazendo Justiça!»


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A Recorrida, FAZENDA PÚBLICA, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – Fundamentação

A sentença recorrida rejeitou a oposição à execução deduzida pela ora Recorrente por ter considerado ser manifesta a improcedência da mesma.

Para tanto, teceu as seguintes considerações:

“(…) A Oponente invoca como fundamento da sua Oposição o disposto no artigo 204.º do CPPT. Apresenta, pois, a sua Oposição sem concretizar qual dos fundamentos do artigo 204.º pretende lançar mão.

Da interpretação da Petição Inicial, resulta que a Oponente pretende a declaração da inexistência dos impostos em apreço, fundamento que se encontra previsto na primeira parte da alínea a) daquele artigo 204.º que determina que a Oposição pode ter como fundamento a “ Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação”.

Trata-se, aqui, da “ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, que se distingue da « ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação; isto é, na ilegalidade abstracta a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado” – cfr. JORGE DE SOUSA, ob. cit., nota 4 ao artigo 204.º.

Ora, no ponto, a Oponente sustenta no artigo 25.º do seu articulado inicial que “temos a ter ver uma inconstitucionalidade na interpretação do artigo 10.º, n.º 1, no caso de este não ser interpretado no sentido de que ao estarmos perante uma mora no cumprimento de obrigações por mais de um ano a instituição financeira gozou de direitos reais”.

Não é clara a alegação da Oponente.

Por um lado, não indica expressamente o diploma no qual se encontra a norma alegadamente inconstitucional, que é o Código do IMT referido no artigo 17.º da Petição Inicial que se refere à isenção de que beneficiou a instituição financeira.

Mas, assim sendo, esta norma do Código do IMT é totalmente estranha às dívidas exequendas de IRC e IVA, pelo que, ainda que se concluísse pela inconstitucionalidade da norma, uma vez que ela é estranha aos pressupostos de direito das liquidações que deram origem às quantias exequendas, a Oposição sempre teria, aqui, que improceder.

Por outro lado, a pedida declaração de inexistência do IRC e do IVA, interpretada no sentido de se pretender, aqui, a anulação das liquidações destes impostos por eles não serem devidos, enquadra - se no fundamento de Oposição previsto no artigo 204.º, n.º 1, alínea h), do CPPT, que estatui que a Oposição pode ter por fundamento a “Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação” .

Ora, nos termos da parte final desta norma, este fundamento apenas é admissível quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação.

Como vem alegado, a dívida exequenda tem origem em liquidações de IVA e de IRC. Sendo que a lei prevê meio judicial de impugnação destes actos.

Desde logo, o n.º 1 do artigo 137.º do Código do IRC garante que os sujeitos passivos podem impugnar a liquidação de IRC, efectuada pelos serviços da Administração Fiscal, com os fundamentos e nos termos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Assim, com fundamento em qualquer ilegalidade do acto de liquidação de IRC, pode ser deduzida Impugnação Judicial – cfr. os artigos 99.º e 102.º do CPPT.

E o mesmo se diga quanto às liquidações de IVA – artigo 97.º, n.º 1, do Código deste imposto.

Pelo que, estando assegurado meio judicial de impugnação das liquidações, é manifesto que, também aqui, não é possível a procedência da Oposição à Execução. (…)”

III – Direito

Cumpre decidir.

A questão objecto do presente recurso consiste em saber se incorreu em erro de julgamento a decisão recorrida ao indeferir liminarmente a oposição por entender que ser manifesta a sua improcedência, na medida em que não foram invocados quaisquer fundamentos de oposição, pretendendo a Recorrente discutir a legalidade em concreto das dívidas exequendas, sendo que para tal pretensão existe meio processual adequado.

Vem, por outro lado, invocada pela Recorrente a nulidade da sentença nos termos do preceituado no artigo 615º do CPC, sem contudo precisar em que termos considera verificar-se a mesma.

Considera, ainda, a Recorrente que a sentença viola o disposto no artigo 186º do CPC, que deveria o processo ter sido convolado na forma processual adequada e que a sentença é inconstitucional por violação do artigo 103º da CRP.

Vejamos.

A decisão recorrida (fls. 115 e 166) rejeitou liminarmente a oposição, por manifesta improcedência, com a seguinte fundamentação: por um lado, como a dívida exequenda é proveniente de IRC e de IVA, a alegada inconstitucionalidade de uma norma do CIMT é estranha aos pressupostos de direito das liquidações que deram origem à dívida exequenda; por outro, não é admissível, em sede de oposição, discutir a legalidade concreta das liquidações de IRC e de IVA.

Considerou-se que a causa de pedir não se subsumia ao fundamento de oposição previsto na alínea h) do nº1 do artigo 204º do CPPT.

É contra o assim decidido que se insurge a Recorrente.

Vem invocada pela Recorrente a nulidade da sentença nos termos previstos no artigo 615º do CPC sem, contudo, concretizar em que medida considera verificar-se a alegada nulidade, não tendo, sequer, enunciado qual ou quais das alíneas daquele normativo considera ter sido violada.

Ora, tal alegação, vaga e genérica, é claramente insuficiente para que este Tribunal se possa pronunciar, pelo que não se conhece de tal fundamento do recurso.

Vejamos, agora, se se verifica fundamento para o despacho de rejeição/ indeferimento liminar.
Dispõem as alíneas b) e c) do nº1 do artigo 209º do Código de Procedimento e Processo Tributário
(rejeição liminar da oposição) que, recebido o processo, o juiz rejeitará logo a oposição por não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º e por ser manifesta a improcedência.

A jurisprudência do STA já, por várias vezes, expressou o entendimento de que o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.
Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e razoavelmente indiscutível que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC (Redacção então em vigor.)) e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» - cf. neste sentido o Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 26.09.2012, recurso 377/12, de 16.05.2012, recurso 212/12, de 12.01.2011, recurso 766/10 e de 24.02.2011, recurso 765/10, todos in
www.dgsi.pt.

No caso apreço, adiante-se desde já, entendemos que a improcedência da pretensão do oponente é clara e indiscutível justificando a prolação do despacho de indeferimento liminar.
Da análise global da petição inicial é indubitável que a Recorrente não invoca qualquer fundamento de oposição subsumível aos previstos no artigo 204º do CPPT.

Efectivamente, como bem refere a sentença recorrida, a invocada inconstitucionalidade de uma norma do CIMT (para mais considerando que a dívida exequenda não respeita a este imposto) é estranha aos pressupostos de direito das liquidações que estão na origem das dívidas exequendas, pelo que não se pode considerar fundamento de oposição àquela execução.

Por outro lado, o que a Recorrente pretendia era discutir a legalidade concreta das liquidações de IRC e de IVA, o que não é admissível em sede de oposição à execução fiscal, salvo se reunidas as circunstâncias previstas na alínea h) do nº1 do artigo 204º do CPPT, o que não se verifica no caso, já que, como se diz na sentença recorrida, a Recorrente sempre poderia ter deduzido impugnação judicial daquelas liquidações.

Isto dito, temos por verificada a manifesta improcedência da pretensão da Recorrente, justificativa da prolação de despacho de rejeição liminar.

Invoca, por outro lado, a Recorrente que se pode ler nas entrelinhas que a sentença terá considerado inepta a petição inicial, pelo que entende que deveria ter sido dado cumprimento ao preceituado no nº4 do artigo 590º do CPC.

Não tem razão.

Nos termos do nº4 do artigo 590º do CPC incumbe ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.

Refira-se que em lado algum na sentença recorrida se refere a ineptidão da petição inicial. É verdade que a sentença recorrida refere não ser clara a alegação da Oponente, no entanto, não chega a classificar a p.i. como inepta, não fazendo sentido clarificar uma petição inicial que sempre levaria à improcedência da pretensão da Recorrente, como foi decidido. Razão para que improceda a alegada violação do nº4 do artigo 590º do CPC, bem como do artigo 7º do mesmo Código

Vejamos, agora, se assiste razão à Recorrente quando afirma que deveria o tribunal a quo ter convolado os presentes autos atendendo ao princípio da economia processual.

Sendo pacífico que é perante o pedido formulado que se afere da adequação da forma processual e tendo a Recorrente (na petição inicial) expressamente pedido a extinção da execução fiscal, não cremos que haja erro na forma de processo capaz de sustentar um juízo de eventual convolação.

Dito de outro modo: o juízo quanto à verificação dos pressupostos de convolação da forma de processo ou de inexistência de causa que a afastem só faz sentido se, anteriormente, o Tribunal conclui pela verificação de erro na forma de processo e não quando conclui que está perante uma situação de manifesta improcedência. Neste sentido, veja-se o Acórdão deste TCAS de 28 de Março de 2019, proferido no âmbito do processo nº 126/16, e do qual se extrai o seguinte:

“I - É entendimento jurisprudencial pacífico, à luz do regime legal vigente no ordenamento jurídico tributário português, que a ilegalidade concreta da liquidação constitui fundamento de Impugnação Judicial e não de Oposição à Execução Fiscal.

II - Tendo o Oponente fundado o pedido de extinção da execução, que expressamente formulou, em causas concretas de ilegalidade da liquidação, é acertado o juízo de que a acção é manifestamente improcedente (artigo 209.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

III – Constituindo a manifesta improcedência o fundamento da sentença recorrida, não há razões jurídicas que justifiquem um juízo de eventual convolação da Oposição à Execução Fiscal em Impugnação Judicial, o qual apenas deverá ter lugar nas situações de erro na forma de processo.”

Se atentarmos no teor da sentença recorrida verificamos que em lado algum se refere e verificação de erro na forma de processo. O que se diz é que estando assegurado meio judicial de impugnação das liquidações, é manifesto que não é possível a procedência da Oposição à Execução.

Improcede, por isso, a pretensão de convolação para o meio processual adequado.

Resta apreciar a alegada inconstitucionalidade da sentença recorrida por violação do artigo 103º da CRP em conjugação com o artigo 17º, também da CRP.

A Recorrente afirma, na conclusão 48º, que a sentença recorrida é inconstitucional por violação do artigo 103.º, da C.R.P., em conjugação com o artigo 17.º também da C.R.P. que estabelece o direito fundamental de natureza análoga de que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, cuja liquidação e cobrança não se façam nos termos da lei, inconstitucionalidade essa que desde já se invoca para efeito de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional.

Vejamos.

Dispõe o artigo 103º da CRP:
“1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.
2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.”

E o artigo 17º preceitua o seguinte: O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga.


A Recorrente afirma, de forma conclusiva, que a sentença recorrida é inconstitucional por violação dos normativos supra transcritos. Ora, não se consegue vislumbrar em que medida a sentença recorrida viola tais normas constitucionais, já que a Recorrente não concretiza como teria ocorrido tal violação, pelo que se conclui não se verificar a invocada inconstitucionalidade da sentença recorrida.


Neste sentido, veja-se o Acórdão do STA de 21 de Setembro de 2016, onde se expendeu o seguinte:


“(…) Ora, não obstante a questão da constitucionalidade ser do conhecimento oficioso, no caso de a mesma invocada pelo recorrente, este não fica dispensado do ónus de alegação que sobre ele impende (cfr. art. 639.º do CPC). O incumprimento desse ónus, não tendo a consequência de dispensar o tribunal ad quem do conhecimento da questão, por certo não o obriga a suprir a falta de alegação.


Assim, não vislumbrando nós argumento que possa suportar a tese dos Recorrentes e também o não adiantando estes, não se justifica mais do que «um sumário juízo negativo no sentido da inexistência da inconstitucionalidade alegada»”

IV - Decisão


Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 8 de Maio de 2019

Comunique aos serviços do Ministério Público identificados a fls. 135.

(Isabel Maria Fernandes)

(Catarina Almeida e Sousa)

(Hélia Gameiro Silva)