Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:50/10.9BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:07/11/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NÃO DEFINITIVIDADE DA DECISÃO DE ADMISSÃO DO RECURSO.
LEGITIMIDADE PARA DEDUZIR RECURSO.
ARTº.280, NºS.1 E 3, DO C.P.P.T.
SUCUMBÊNCIA.
CRITÉRIO MATERIAL DO EXAME DA LEGITIMIDADE PROCESSUAL PARA RECORRER.
SITUAÇÕES PROCESSUAIS EM QUE O AUTOR É PARTE VENCIDA.
SITUAÇÕES PROCESSUAIS EM QUE SE PODE UTILIZAR O MECANISMO DE AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO.
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
MODIFICAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO DEVE BASEAR-SE NUM RESULTADO RACIONALMENTE SUSTENTADO.
I.M.T.
AQUISIÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE DE BENS IMÓVEIS.
LIQUIDAÇÃO DO IMPOSTO DEVIDO POR EFEITO DA TRADIÇÃO DA POSSE DE IMÓVEL.
ARTº.2, Nº.2, AL.A), 1ª. PARTE, DO C.I.M.T.
ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO DO ACTO TRIBUTÁRIO.
Sumário:1. O Tribunal "ad quem" não se encontra vinculado à decisão proferida pelo Juiz "a quo" que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o seu efeito, atento o preceituado no artº.641, nº.5, do C.P.C., na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (aplicável "ex vi" do artº.281, do C.P.P.T.).
2. A legitimidade para interposição do recurso (“ad recursum”) cabe a quem na decisão judicial fique vencido, como estatui o artº.280, nº.1, do C.P.P.T. No nº.3, da citada norma o legislador vem esclarecer o conceito ficar vencido, para efeitos de interposição de recurso jurisdicional, considerando-se como tal a parte que não obteve a plena satisfação dos seus interesses na causa. A legitimidade para recorrer consubstancia um aspecto da legitimidade processual (excepção dilatória de conhecimento oficioso e que obsta ao conhecimento do mérito da causa/recurso - cfr.artºs.576, nº.2, 577, al.e) e 578, todos do C.P.Civil), assim devendo entender-se que fica vencido quem é prejudicado ou afectado pela decisão judicial em causa. Normalmente, ficar vencido é consequência da decisão judicial ser contrária à posição assumida pela parte no processo ou, por outras palavras, à pretensão/pedido formulado.
3. A este título deve chamar-se à colação a noção de sucumbência (cfr.artº.629, nº.1, do C.P.Civil), enquanto requisito de admissão do recurso. Esta, a sucumbência, tem que ser desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do Tribunal de que se recorre, conclusão que se retira da conjugação do disposto nos artºs.280, nº.4, do C.P.P.T., e 629, nº.1, do C.P.Civil, este aplicável "ex vi" do artº.281, do C.P.P.T.
4. Nesta sede (o exame da legitimidade para recorrer), mais do que analisar a conduta da parte que precede a decisão judicial (critério formal), importa antes verificar em que medida esta (a mesma decisão judicial) lhe é, ou não, objectivamente desfavorável (critério material).
5. O autor é parte vencida se a sua pretensão foi recusada, no todo ou em parte, por razões de forma ou de fundo. O autor não deixa de ser parte vencedora se a sua pretensão foi acolhida, ainda que sem a argumentação jurídica aduzida pela parte. Mais do que as razões que presidiram à decisão, interessa o exame do resultado na esfera jurídica da parte (o dito critério material). Recorde-se que o mecanismo de recurso pressupõe que seja perceptível a existência de uma utilidade na posterior intervenção de um Tribunal Superior. Tal mecanismo não foi criado para satisfazer interesses meramente subjectivos do recorrente ou para mero conforto moral deste, sem qualquer repercussão no resultado da lide.
6. Ainda que a parte destinatária de uma decisão judicial favorável seja confrontada com uma resposta negativa a algum ou a todos os argumentos ou questões que suscitou, não fica legitimada a interpor recurso. A atendibilidade de outros fundamentos, para além dos que foram considerados na decisão judicial, é matéria que a parte vencedora eventualmente deve introduzir nas contra-alegações do recurso que venha a ser interposto pela parte vencida, nos termos do artº.636, nº.1, do C.P.Civil (mecanismo de ampliação do âmbito do recurso), por forma a assegurar ou reforçar o resultado já obtido, ainda que por uma via diversa da que foi trilhada na decisão recorrida.
7. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
8. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
9. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
10. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
11. O Tribunal de 2ª. Instância pode/deve modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova produzidos, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a regra da livre apreciação da prova, quando aplicável, um resultado diferente do produzido pelo Tribunal “a quo” que seja racionalmente sustentado.
12. O I.M.T. é um imposto sobre a riqueza, cumprindo o comando constitucional que considera a riqueza como um dos dois indicadores fundamentais de capacidade tributária dos contribuintes (cfr.artº.103, nº.1, da C.R.Portuguesa). Este tributo sujeita a imposto a aquisição onerosa de bens imóveis, independentemente do título ou da forma jurídica utilizada nessa aquisição. O objecto da sujeição do imposto não é propriamente o acto ou contrato que titulam a aquisição, mas sim o efeito desses actos ou contratos, ou seja, a transmissão da propriedade ou dos direitos correspondentes sobre esses imóveis.
13. A sujeição a imposto da aquisição do direito de propriedade de bens imóveis prevista no artº.2, nº.1, do C.I.M.T., consubstancia o mais importante facto tributário do I.M.T. Trata-se do facto tributário paradigmático e nuclear do I.M.T. e aquele cuja verificação é a mais frequente. Esta norma sujeita a imposto, tanto a aquisição da propriedade do imóvel, como de figuras parcelares deste. O valor tributável sujeito a imposto segue a regra geral, do maior dos valores, ou o declarado ou o valor patrimonial do imóvel, tal como se prevê no artº.12, nº.1, do C.I.M.T.
14. Nos termos do artº.2, nº.2, al.a), 1ª. parte, tal como já acontecia em sede de regime da antiga Sisa, o legislador ficciona como transmissão sujeita a imposto a entrega material da posse do imóvel objecto mediato do contrato-promessa. A lei exige a verificação de dois pressupostos constitutivos da sujeição a imposto:
a-Em primeiro lugar que exista uma promessa de aquisição ou alienação de um imóvel;
b-Em segundo lugar que se verifique a tradição do imóvel objecto do contrato (excepcionando-se o caso do imóvel se destinar a habitação própria e permanente do promitente-comprador).
15. A actuação da A. Fiscal gera uma situação de erro sobre os pressupostos de facto do acto tributário objecto do processo (vício que gera a anulação do mesmo), um dos fundamentos possíveis do processo de impugnação (cfr.artº.99, do C.P.P.T.), ocorrendo, além do mais, quando está erradamente quantificada a matéria tributável.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
1-"S.... - P...., S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Castelo Branco, exarada a fls.247 a 262 do presente processo, através da qual julgou procedente a presente impugnação, pela sociedade "S.... - P...., S.A." intentada, visando liquidação de I.M.T., relativa ao ano de 2004 e no montante total de € 267.454,62, mais tendo anulado o mesmo acto tributário.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.289 a 331 do processo físico) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Entende a AF que a recorrente deveria ter pago IMT com a celebração do contrato-promessa, sendo que, como resulta abundantemente demonstrado pelo acervo documental junto aos autos, nessa data, estavam reunidos os pressupostos para a isenção de IMT no contrato definitivo;
2-Quer na data de celebração do contrato promessa de compra e venda, quer na data de outorga da escritura de compra e venda, a recorrente cumpria todos os pressupostos para beneficiar de isenção de IMT, COMO EXPRESSAMENTE RECONHECIDO PELA ADMINISTRAÇÃO FISCAL E, PORTANTO, DO SEU CONHECIMENTO OFICIOSO;
3-Como resulta dos documentos juntos aos autos, no momento em que celebrou o contrato-promessa de compra e venda (em 2004) a recorrente estava legalmente habilitada E CERTIFICADA PELA ADMINISTRAÇÃO FISCAL a não pagar qualquer IMT pela compra, qualidade que a recorrente manteve também nos anos seguintes, pelo que não fazia qualquer sentido, nem teria qualquer utilidade, liquidar um IMT que a recorrente não iria pagar;
4-Não deixa de ser contraditório que a AF conte o prazo de três anos de isenção de IMT para imóveis destinados revenda a partir da data de celebração do contrato promessa de compra e venda, mas refira que a isenção de IMT para revenda não opera com esse mesmo contrato de promessa;
5-Se a transmissão já se operou com o facto complexo constituído pelo contrato-promessa com tradição, os factos posteriores deixam de ter virtualidade para serem considerados “transmissão”, pois não há lugar a dupla tributação relativamente a uma mesma transferência da propriedade de bens - sendo que o facto tributário que está em causa é a aquisição de bens imóveis para revenda, por quem se dedica a essa actividade - facto tributário esse que se encontra isento do pagamento de IMT;
6-A AF considera o prazo de três anos PARA EFEITO DE ISENÇÃO DE IMT NA REVENDA reportado à celebração do contrato promessa, mas, paradoxalmente, considera que NÃO HÁ ISENÇÃO nesse contrato e, portanto, liquida imposto a pagar - o que, sendo incompreensível e incoerente, constitui vício de fundamentação;
7-Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo não existe vício de fundamentação apenas nos casos de falta de fundamentação, mas também nos casos em que, como nos autos, existe uma fundamentação errónea e incoerente;
8-Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo não está apenas em causa a prova dos pressupostos para a isenção no momento da operação, mas a prova que a recorrente fez, durante o procedimento administrativo, de que cumpria esses pressupostos - assim obstando à liquidação adicional de imposto;
9-Entende o Tribunal a quo, a este respeito, que «(...) a impugnante só em sede de reclamação é que apresenta declarações que poderiam servir de base à pretendida isenção (cfr. fls 39 a 42 do PA relativo à reclamação graciosa)», decidindo, todavia, que «(...) agora as mesmas não podem ser consideradas (...)»;
10-Como é sabido, na impugnação judicial apresentada na sequência do indeferimento de reclamação graciosa, podem ser cumulados os vícios da liquidação com os vícios do procedimento de reclamação graciosa - sendo que a recorrente invocou que, apesar de a AF ter conhecimento oficioso de que cumpria os pressupostos para a isenção - como resulta dos documentos referidos - ainda assim absteve-se de considerar a verdade material alcançada, por não lhe ser favorável, violando assim o princípio do inquisitório;
11-O dever de imparcialidade subjacente ao inquisitório «(...) reclama que a administração tributária procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja prova seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração.», pelo que «A não averiguação dos elementos necessários à descoberta da verdade material, com a consequente violação do princípio do inquisitório, é fundamento de ilegalidade do acto tributário (...).»;
12-Como resulta documentalmente provado, quando celebrou o contrato-promessa de compra e venda (em 2004) a recorrente estava legalmente habilitada E CERTIFICADA PELA ADMINISTRAÇÃO FISCAL a não pagar qualquer IMT pela compra - doc. n.° 3 junto com a reclamação graciosa;
13-Ao assim não entender incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto e erro de julgamento da matéria de direito;
14-Para proceder à liquidação adicional em causa nos autos, a AF conferiu primado absoluto à forma em detrimento da real substância, económica e fiscal, do negócio - de que tem conhecimento e que propositadamente posterga;
15-Ou seja, a AF, além de desconsiderar totalmente a contabilidade da recorrente, atem-se apenas à forma (do contrato) e não à sua real substância, económica e fiscal, desconsiderando que todas as evidências apontam no sentido de que a recorrente assumiu, claramente, a intenção de proceder à aquisição para revenda dos imóveis em causa - como veio a suceder;
16-Ao assim não entender, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de direito - mormente dos artigos 36.° n.° 4, 38° n° 1 e 11,° n.° 3 da LGT;
17-A AF entende este tipo de contratos-promessa como transmissões sujeitas a imposto, mas esquece que o regime fiscal que se lhes aplica é o de uma antecipação do pagamento do imposto que será devido aquando da transmissão do direito de propriedade com a celebração da escritura de compra e venda - sendo que NÃO PODE HAVER ANTECIPAÇÃO DO PAGAMENTO DE IMPOSTO DEVIDO NA ESCRITURA SE, NESSA ESCRITURA, NÃO HÁ QUALQUER IMPOSTO A PAGAR;
18-O artigo 2.° n.° 2 a) do CIMT - como aliás já estabelecia o art. 2.°, § 1,° do CIMSISD - adoptou expressamente, na definição da incidência do imposto, um conceito de transmissão a título oneroso de propriedade imobiliária mais amplo que o seu conceito civilístico, considerando, para o efeito da incidência real de IMT, como transmissão a título oneroso da propriedade imobiliária, as promessas de compra e venda logo que verificada a tradição para o promitente comprador;
19-A razão de ser desta extensão do conceito civilístico de transmissão para efeitos de incidência do imposto encontra-se no receio do legislador de que, a fim de evitar o pagamento do imposto, o promitente comprador não viesse a celebrar o respectivo contrato de compra e venda, contentando-se com uma transmissão de facto;
20-O Tribunal a quo acabou por não se pronunciar expressamente sobre esta matéria, entendendo remeter para os alegados pressupostos formais, sendo que a questão suscitada extravasa os sobreditos pressupostos - que, de resto, estão documentalmente provados - pelo que, ao não tomar conhecimento sobre a ratio do artigo 2° n.° 2 a) do CIMT, no sentido de afastar a sua aplicabilidade ao caso dos autos, incorreu o Tribunal a quo omissão de pronúncia, a acarretar a nulidade da sentença;
21-Na medida em que se discute nos autos a aplicabilidade ou não de uma isenção de IMT - estamos claramente perante um benefício fiscal, pelo que o artigo 7.° CIMT deve ser interpretado extensivamente no sentido de ser aplicável aos contratos-promessa com tradição de imóveis para revenda, nos termos do disposto no artigo 9.° EBF;
22-Ora, o Tribunal a quo não decide sobre esta questão concreta, nomeadamente pela apreciação da possibilidade de interpretação extensiva das normas sobre benefícios fiscais como legitimando a conclusão de que, para efeito da isenção de IMT, os efeitos são os mesmos na aquisição definitiva e na aquisição prometida com tradição - pelo que padece de nulidade por omissão de pronúncia;
23-Resulta da prova documental junta aos autos que a AF confessa, «Não nos surgem quaisquer dúvidas sobre a verificação daqueles pressupostos para a isenção do IMT no acto da celebração da escritura de compra e venda, lavrada em 03.08.2006 (...)»;
24-Todavia, entende a AF que, para efeito da isenção de IMT, o contrato promessa com tradição não integra o conceito de transmissão, embora afirme - de forma notoriamente contraditória - que, para efeito de tributação em sede de IMT, tal contrato já integra aquela noção;
25-Entende a AF que quando o artigo 7° n.° 4 CIMT estabelece “haja sido pago imposto” se entende implicitamente a referência ao «imposto que tenha sido pago aquando da celebração de eventual contrato de promessa de compra e venda com tradição dos bens para o promitente adquirente.», mas a menção “haja sido pago imposto” ínsita no artigo 7.° n.° 4 CIMT diz respeito, outrossim, às situações em que não se verifica o exercício normal e habitual da actividade, ou seja: situações em que o adquirente não exerceu a actividade no ano anterior ao da aquisição: situações em que o adquirente iniciou a sua actividade no ano da aquisição;
26-Como resulta da sentença recorrida, o Tribunal a quo não decide sobre esta questão concreta, que deveria ter conhecido, sendo que o conhecimento da mesma não se encontra prejudicado pela decisão proferida - pelo que padece de nulidade por omissão de pronúncia;
27-Nos termos do artigo 2º n° 2 a) do CIMT, e para efeitos de IMT, consideram-se “transmissões onerosas de bens imóveis" as promessas de aquisição e de alienação, logo que verificada a tradição para o promitente adquirente - o que significa que, para efeitos de incidência de IMT, a lei ficciona que a promessa aquisitiva, acompanhada de tradição para o promitente adquirente, configura uma "transmissão onerosa de bem imóvel";
28-Sob pena da quebra da unidade interpretativa do sistema jurídico-tributário do IMT, quando o artigo 7° n° 1 do CIMT se reporta às isenções de IMT nas "aquisições de prédios para revenda", não pode deixar de se considerar que se reporta às “transmissões" (de prédios para revenda) tal e qual as mesmas são definidas no citado artigo 2° do CIMT, para efeitos de IMT;
29-Como resulta da sentença recorrida, o Tribunal a quo não decide sobre esta questão concreta, que deveria ter conhecido, sendo que o conhecimento da mesma não se encontra prejudicado pela decisão proferida - pelo que padece de nulidade por omissão de pronúncia;
30-A entender-se que o enquadramento dado pela AF é o correcto - o que não se concede e apenas se adianta como hipótese de raciocínio - e caso a recorrente tivesse efectuado o pagamento de IMT aquando da celebração do contrato promessa em causa - o que não tem qualquer lógica económica ou fiscal - a recorrente sempre seria restituída desse imposto no momento da escritura, pelo que a AF apenas teria direito a juros pela dilação temporal entre o pagamento e esse reembolso e não ao imposto que resulta da liquidação impugnada;
31-Como resulta da sentença recorrida, o Tribunal a quo não decide sobre esta questão concreta, que deveria ter conhecido, sendo que o conhecimento da mesma não se encontra prejudicado pela decisão proferida - pelo que padece de nulidade por omissão de pronúncia;
32-Consta documentalmente provado nos autos, a liquidação impugnada nos autos foi emitida pelo Chefe de Finanças Adjunto do Serviço de Finanças de Covilhã, e resulta documentalmente provado nos autos, que foi emitida uma liquidação contemporânea da liquidação impugnada, relativamente à qual a AF veio a reconhecer que não existe delegação ou subdelegação de poderes que permitisse ao Chefe de Finanças Adjunto proceder à liquidação e notificação de impostos;
33-Quando confrontada nos presentes autos com a concreta inexistência de delegação ou subdelegação de competências naquele Chefe de Finanças Adjunto, a AF apenas veio invocar que são liquidações diferentes, não demonstrando, como lhe competia, a existência efectiva de delegação ou subdelegação de competência legal que, no caso em apreço, tivesse legitimado a emissão e notificação da liquidação impugnada - sendo que, a existir tal delegação ou subdelegação de competências, que não existe, sempre se impunha que a mesma estivesse publicada em Diário da República;
34-A questão relevante para a decisão dos presentes autos não era o facto de um outro acto de liquidação ter sido revogado pela AF, mas sim o facto de ter sido revogado com base na confessada e concretamente verificada FALTA ABSOLUTA DE DELEGAÇÃO OU SUBDELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIAS DO ÓRGÃO EMITENTE DA LIQUIDAÇÃO ORA IMPUGNADA;
35-Ao assim entender, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de direito, mormente da repartição do ónus da prova e da demonstração legal de delegação e subdelegação de competências, e em erro de julgamento da matéria de facto, por desconsideração de documento de onde resulta demonstrada a incompetência orgânica do Chefe de Finanças Adjunto;
36-Se, em face dos elementos documentais juntos aos autos, o Tribunal a quo, ainda assim, entendia que não se encontrava demonstrada a incompetência do Chefe de Finanças Adjunto - o que não se concede e apenas se admite como hipótese de raciocínio - competia-lhe diligenciar pela descoberta da verdade material, ordenando a notificação da AF para fazer prova da existência de delegação ou subdelegação de competências, nomeadamente por referência do âmbito, extensão e sentido dessa delegação ou subdelegação, e indicação do Diário da República onde o mesmo se encontrava publicado;
37-Nestes termos e nos melhores de direito, deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, o que se deverá fazer por obediência à Lei e por imperativo de JUSTIÇA!
X
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância deste primeiro recurso deduzido.
X
2-O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA também deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto a sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Castelo Branco, exarada a fls.247 a 262 do presente processo, através da qual julgou procedente a presente impugnação, mais tendo anulado a liquidação de I.M.T. objecto do processo.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.379 a 390 do processo físico) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-A impugnante, a ora recorrida S….-P…., SA., invocou vários vícios no sentido de se proceder à anulação do acto tributário, 4 dos quais foram julgados improcedentes e 1 procedente, sendo deste, que se recorre o;
2-Qual julga procedente a impugnação e anula o acto impugnado (fls. 261) relativamente ao vício analisado sob o n.º 5 - Do invocado erro na fixação do valor patrimonial tributário dos prédios em causa;
3-Com o devido e merecido respeito, crê a Fazenda Pública, a ora recorrente que, o Meritíssimo Juiz "a quo" não tem razão na decisão proferida, aplicando erradamente o direito aos factos relevantes para a decisão, violando assim, várias disposições da CIMIT e do CIMI;
4-A decisão, parte de premissa errada quanto à fixação da matéria de facto;
5-Não foi considerado, os factos descritos no relatório de fls. 63 a 69 do PA, e referenciados na informação da proposta constantes de fls. 170 a 178 do procedimento de reclamação graciosa n. 06122….. e, cujos factos não foram impugnados, pelo que devem ser considerados provados;
6-Que não foi tido em conta na decisão, e que é relevante para efeitos de liquidação do IMT, o facto do promitente vendedor "Q...." ter procedido à inscrição dos prédios urbanos em causa, através da entrega de declarações Mod. 1 de IMI, em 04/05/2004, antes da celebração do contrato de promessa, dado que o valor patrimonial tributável apurado na 2.ª avaliação de tais prédios realizada em 24/10/2007, reporta-se à data da entrega das referidas declarações para inscrição nas matrizes, ou seja, reporta-se à data de 04/05/2004;
7-Tendo em conta que em 29/12/2004, posteriormente à entrega das declarações Mod. 1 de IMI, foi celebrado o contrato de promessa entre o promitente-vendedor "Q...." e o promitente­comprador "S…..";
8-Que o valor patrimonial final apurado após avaliação ocorrida em 24.10.2007, teve por base nas referidas declarações Mod. 1 de IMI, apresentadas em 04/05/2004, pelo promitente-vendedor "Q….. ";
9-Verifica-se assim, que o facto tributário relevante e que determina o apuramento do valor patrimonial tributário dos prédios, ocorreu em 04/05/2004, com a entrega das declarações Mod. 1 de IMI e não a data de 29/12/2004 com a celebração do contrato promessa como se decidiu;
10-A data de 04/05/2004 determina o momento do valor patrimonial tributável objecto de incidência do IMT;
11-É com referência à data de 04/05/2004 que deve ser apurado o valor dos lotes para efeitos das taxas de IMT, com base no valor patrimonial final apurado após 2.ª avaliação, ocorrida em 24.10.2007, cuja avaliação reporta-se à data da entrega das referidas declarações para inscrição nas matrizes, ou seja à data de 04/05/2004;
12-Considerado o maior de um dos valores seguintes:
O do contrato celebrado em 29/12/2004 ou do valor tributário dos imóveis apurados após a 2.ª avaliação, ocorrida em 24.10.2007, reportada à data de 04/05/2004;
13-Foi nestes termos que a Administração Fiscal procedeu à liquidação adicional do IMT, em relação aos prédios objecto de avaliação nos quais foi apurado valor patrimonial superior ao valor declarado no contrato, com;
14-Base legal nas seguintes disposições previstas:
No n.º 2 do art.º 19.º que prevê a iniciativa da liquidação, nos termos do n.º 2 do art.º 31.º CIMT que prevê a liquidação adicional no caso em que haja lugar a avaliação, nos termos do art.º 33.º prevê a liquidação de juros compensatórios e ainda;
15-Nos termos do n.º 1 do art.º 12.º CIMT que prevê o IMT incide sobre o valor constante do contrato, ou sobre o valor patrimonial tributário, consoante o que for maior, e, nos termos do art.º 16.º CIMT que prevê aplicação temporal do valor patrimonial tributário, que é o valor dos imóveis inscritos na matriz, à data da liquidação, conjugados com o, art.º 7.º do CIMI que prevê a determinação do valor patrimonial tributário, com o n.º 4 do art.º 37.º do CIMI, que prevê que a data da avaliação, reporta-se à data da entrega das declarações de Mod. 1 de IMI, para inscrição nas matrizes;
16-Pelo exposto, mostra-se que nos termos legais, não existe qualquer vício que, conduza à anulação do acto tributário;
17-Termos em que, nos melhores de Direito e com o suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência revogada a sentença ora recorrida, que deverá assim, ser substituída por outra em que, julgue não conceder provimento em relação ao vício julgado procedente que determinou a anulação do acto impugnado, como será de JUSTIÇA.
X
A sociedade impugnante/recorrente produziu contra-alegações no âmbito da instância deste segundo recurso deduzido (cfr.fls.407 a 415 do processo físico), as quais remata com o sequente quadro Conclusivo:
1-A recorrente limita-se a remeter genericamente para o procedimento administrativo, sem identificar, em concreto, a que factos de refere - não podendo pretender, obviamente, que o Tribunal a quo desse como provado, "em bloco", o teor desse procedimento - pelo que não demonstra quais os concretos pontos da matéria de facto que entende erradamente julgados;
2-Como é sabido, em processo tributário não existe o ónus da impugnação especificada, sendo que, mesmo que tais "factos" não tivessem sido impugnados - o que não se concede - nunca daí poderia resultar, de forma simplista, a prova dos mesmos;
3-Na verdade, de acordo com o entendimento actual do princípio da legalidade administrativa, incumbe à AF o ónus de prova da verificação dos requisitos legais das decisões positivas e desfavoráveis ao destinatário - como sejam a existência dos factos tributários e a respectiva quantificação;
4-Refere a Fazenda Pública que não foi considerado o facto de o promitente vendedor ter procedido à inscrição dos prédios na matriz em 04.05.2004 e que a determinação do Valor Patrimonial Tributário (VPT), ocorrida em 24.10.2007 se reportar à realidade física existente no ano de 2004;
5-Ora, em sentido inverso, nada existe no procedimento inspectivo que seja susceptível de suportar a conclusão de que, na determinação do VPT, foi considerada a realidade física existente três anos antes;
6-Por outro lado, o facto de se considerar que a declaração "Modelo 1" de IMI foi entregue em data anterior à celebração do contrato-promessa em causa nos autos não briga, de forma alguma com a decisão do Tribunal a quo, na medida em que o Tribunal a quo decidiu que a liquidação de IMT em causa nos autos não poderia manter-se nos termos propostos porque, não resulta da avaliação que a mesma, porque realizada em momento posterior ao contrato, tenha determinado o VPT por referência à data desse contrato;
7-Por outro lado, no procedimento inspectivo que fundamenta a liquidação, Administração Fiscal veio defender que deveria ter sido liquidado IMT na celebração do contrato-promessa, em 29.12.2004, quando, nessa data, o IMT apenas poderia ser liquidado sobre o valor do contrato e não sobre o VPT, dado que este apenas veio a ser determinado três anos depois;
8-Neste caso, também não faz sentido a liquidação de juros compensatórios, reportados à data da celebração do contrato promessa, com referência a um VPT que apenas veio a ser determinado muito tempo depois;
9-Os VPT que foram considerados pela AF para efeitos do apuramento do valor tributável objecto de liquidação de IMT estão errados, porquanto, relativamente a alguns deles, foi pedida segunda avaliação, nos termos do artigo 76 CIMI, pelo que o seu VPT ainda não se encontra juridicamente consolidado e, portanto, não poderia ter sido utilizado para a liquidação em causa - uma vez que o VPT constitui precisamente a base tributável do IMT;
10-Como invocado pela recorrida, os VPT dos imóveis em causa não foram notificados ao vendedor (Quinta da C.....) e ao comprador (impugnante), como deveriam, pelo que são ineficazes e, portanto, não poderiam servir de base à liquidação impugnada;
11-TERMOS EM QUE, com a improcedência do presente recurso, deve a douta sentença recorrida ser mantida nos seus precisos termos, assim se cumprindo a Lei e se fazendo JUSTIÇA!
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso deduzido pela sociedade impugnante, mais se devendo conceder provimento à apelação da Fazenda Pública, em consequência do que se deve manter a liquidação objecto do processo (cfr.fls.605 a 607 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.609 e verso do processo), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.249 a 252 do processo físico):
A-A impugnante, "S.... - P...., S.A.", com o n.i.p.c. 503 …., possui o Código de Actividade Económica n.° 6…., compra e venda de bens imobiliários (cfr.documento junto a fls.15 do processo administrativo apenso, o qual aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido; relatório de inspecção junto a fls.89 a 98 do processo administrativo apenso, o qual aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido);
B-A impugnante firmou um acordo escrito com a "Quinta da C..... – E…, S.A.", datado de 29.12.2004, pelo qual aquela prometeu comprar a esta "[...] oito lotes de terreno para construção, n°s 2, 3, 4, 11, 17, 18, 19 e 20 sitos na Quinta do…., freguesia de ….. concelho da C..... [...]" (cfr. documento junto a fls.101 e 102 do processo administrativo apenso, os quais aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos);
C-A impugnante firmou quatro acordos escritos com a "Quinta da C..... – E…, S.A.", datados de 29.12.2004 e intitulados «Cessão de posição contratual em contrato promessa de compra e venda» (cfr.documentos juntos a fls.104 a 107 do processo administrativo apenso, os quais aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos);
D-A impugnante firmou um acordo escrito com a "Quinta da C..... – E…., S.A.", datado de 05.09.2005, designado por «Acordo» e do qual se extrai que:
"[...]
B) Em 29 de Dezembro de 2004, a Primeira Contraente [Quinta da C..... – E…., S.A.], na qualidade de dona e legítima possuidora de oito lotes de terreno para construção, n°s 2, 3, 4, 11, 17, 18, 19 e 20, sitos na Quinta do…, freguesia de …concelho da C....., inscritos na Repartição de Finanças daquela freguesia com as matrizes prediais números 7.., e 9…. e descritos na Conservatória do Registo Predial sob os números 1….e 9…, respectivamente e aí inscritos a seu favor da Primeira Contraente, celebrou um contrato promessa de compra e venda desses lotes, com a segunda contraente [impugnante] tendo nessa data assumido a posse dos respectivos lotes.
[...]
D) É a segunda contraente que se encontra a comercializar os lotes identificados no considerando b)
[...]"
(cfr.documento junto a fls.111 e verso do processo administrativo apenso, o qual aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido);
E-A impugnante foi objecto de uma acção inspectiva parcial ao exercício de 2004, promovida pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto (cfr.documentos juntos a fls.9 a 11 do processo administrativo apenso os quais aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos);
F-Em resultado da acção inspectiva mencionada na alínea anterior veio a ser emitido o Relatório de Inspecção Tributária, datado de 04.05.2009, do qual se extrai que:
"[...]
No caso em análise são muitas as evidências que a S..... tomou desde logo a posse dos imóveis objecto de contrato de promessa de compra e venda em 29/12/2004: o pagamento integral do preço acordado para a transacção, o registo contabilístico em contas de existências, a assunção de despesas inerentes a alterações ao alvará de loteamento anteriores à efectiva transferência jurídica da propriedade que ocorreu por escritura pública em 03/08/2006. Acresce o facto de estar expresso num documento assinado pelas duas partes, Quinta da C..... e S....., que com o contrato promessa compra e venda foi transferida a posse dos imóveis, pelo que a Quinta da C..... registou o rédito com a venda e a S..... assumiu a compra com o registo contabilístico na classe de Existências.
Deste modo o IMT deveria ter sido liquidado em momento anterior ao contrato promessa de compra e venda, nos termos do artigo 22° do CIMT, na medida em que verificada a tradição, momento em que ocorre a transmissão, nasce a obrigação tributária como prevê o artigo 5º do CIMT.
O responsável pelo pagamento do imposto é o S.P. para o qual se ficciona a transmissão para efeitos de IMT, no caso a S....., de acordo com o estipulado no artigo 4.° do CIMT.
[...]"
(cfr.documento junto a fls.89 a 98 do processo administrativo apenso, o qual aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido);
G-A impugnante teve conhecimento do documento referido na alínea anterior por ofício dos Serviços de Inspecção Tributária do Porto, por aquela recebido a 11.05.2009 (cfr. documentos juntos a fls.114 a 116 do processo administrativo apenso os quais aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos);
H-Por ofício do 2º. Serviço de Finanças da Covilhã, datado de 29.07.2009, foi a impugnante "[...] notificada para no prazo de 30 dias proceder ao pagamento de IMT no valor de € 242.364,53 (duzentos e quarenta e dois mil trezentos e sessenta e quatro euros e cinquenta e três cêntimos), acrescido da importância de € 25.090,09 referente a juros compensatórios, findo o qual será extraída certidão de dívida, referente à liquidação oficiosa, que teve por base a informação constante no relatório da inspecção efectuada ao sujeito passivo. Serviu de base à liquidação o valor tributável em imóveis de natureza urbana, aos quais se aplica a Taxa de 6,5% nos termos da alínea d), do n° 1 do art° 17° do CIMT [...]"
(cfr.documentos juntos a fls.141 a 144 do processo de reclamação graciosa apenso os quais aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos);
I-A impugnante teve conhecimento do ofício referido na alínea anterior em 31.07.2009 (cfr.documentos juntos a fls.141 a 144 do processo de reclamação graciosa apenso os quais aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos);
J-A impugnante, através dos seus Advogados, apresentou uma exposição escrita dirigida ao Sr. Director de Finanças de Castelo Branco, que designou por «Reclamação Graciosa» (cfr.documento junto a fls.4 a 27 do processo de reclamação graciosa apenso e que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido);
K-Em documento intitulado «Proposta Fundamentada de Decisão», datado de 20.11.2009, relativamente à exposição escrita referida na alínea anterior, conclui-se, além do mais, que:
"[...] Em face do exposto e de todos os documentos e informações constantes dos autos, sou de parecer de que se deverá não só manter a liquidação de IMT e Juros Compensatórios reclamados, mas também proceder-se a uma liquidação adicional de IMT e Juros Compensatórios, pelas diferenças apontadas na matéria de facto [...]"
(cfr.documento junto a fls.170 a 178 do processo de reclamação graciosa apenso e que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido);
L-A impugnante teve conhecimento do documento referido na alínea anterior (cfr. documentos juntos a fls.184 e verso do processo de reclamação graciosa apenso e que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos);
M-Em documento intitulado «Despacho», datado de 30.12.2009 e firmado pelo Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Castelo Branco, sobre a exposição escrita referida na alínea J supra extrai-se que:
"[...] Da análise do requerido e após as diligências julgadas necessárias com vista a permitir a apreciação do pedido, conclui-se que o mesmo não merecia deferimento, nos termos e fundamentos expressos na proposta de decisão que antecede, que notificada ao reclamante, nos termos e para os efeitos do exercício do direito de audição previsto nas alínea b), do n° 1 do art. 60° da LGT aprovada peio decreto-lei n.° 398/98, de 17 de Dezembro, não tendo porém utilizado desse direito. Neste termos, fazendo plena apropriação dos fundamentos expresso naquela referida proposta de decisão, e tornando-a agora definitiva, indefiro o pedido do Reclamante [...]"
(cfr.documento junto a fls.185 do processo de reclamação graciosa apenso e que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido);
N-A impugnante teve conhecimento do despacho referido na alínea anterior por ofício dos serviços da Direcção de Finanças de Castelo Branco em 04.01.2010 (cfr.documentos juntos a fls.187 e 188 do processo de reclamação graciosa apenso e que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos);
O-A petição inicial da presente impugnação foi remetida pelo Advogado da impugnante para este Tribunal via correio electrónico em 18.01.2010 (cfr.data de envio aposta a fls.2 dos presentes autos);
P-Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os documentos juntos pela impugnante com o articulado superveniente dos presentes autos (cfr.documentos juntos a fls.121, 123, 125 e 126 dos presentes autos e que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não ficaram demonstrados com interesse para a decisão a proferir, os demais factos alegados pelas partes nos respectivos articulados juntos ao presente processo…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do Tribunal assentou nos documentos constantes do Processo Administrativo (PA) e que não foram objecto de qualquer forma de impugnação…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a impugnação, mais determinando, em consequência, a anulação parcial da liquidação objecto do presente processo (cfr.al.H) do probatório), visto padecer de erro na fixação do prévio valor patrimonial tributário dos imóveis em causa, porque apurado em relação à data de 24/10/2007, que não à data de 29/12/2004, a do facto tributário.
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Em primeiro lugar, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Não ocorrendo qualquer nexo de prejudicialidade entre os recursos deduzidos, entende este Tribunal apreciar os mesmos com base num critério meramente cronológico, assim se começando por examinar a apelação apresentada pela sociedade impugnante (cfr. artº.124, do C.P.P.Tributário).
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1-Face ao recurso deduzido pela sociedade impugnante, "S.... - P...., S.A.", impõe-se, antes de mais, aquilatar da legitimidade do apelante para a interposição do mesmo, dado que obteve ganho de causa na 1ª. Instância, conforme supra mencionado, tudo nos termos do actual artº.631, nº.1, do C.P.Civil (cfr.anterior artº.680, nº.1, do C.P.Civil de 1961), "ex vi" do artº.281, do C.P.P.T., tal como do artº.280, nºs.1 e 3, deste último diploma.
Recorde-se que este Tribunal não se encontra vinculado à decisão proferida pelo Juiz "a quo" que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o seu efeito, atento o preceituado no artº.641, nº.5, do C.P.C., na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (aplicável "ex vi" do artº.281, do C.P.P.T.).
Mais se deve vincar que as partes já foram notificadas ao abrigo do artº.655, nº.1, do C.P.Civil, com o objectivo de se pronunciarem sobre a legitimidade para dedução desta apelação (cfr.despacho exarado a fls.724 do processo físico), tendo a sociedade impugnante apresentado requerimento no qual conclui pela manutenção e decisão do recurso por este Tribunal (cfr.fls.729 a 731 do processo físico).
A legitimidade para interposição do recurso (ad recursum) cabe a quem na decisão judicial fique vencido, como estatui o artº.280, nº.1, do C.P.P.T. No nº.3, da citada norma o legislador vem esclarecer o conceito ficar vencido, para efeitos de interposição de recurso jurisdicional, considerando-se como tal a parte que não obteve a plena satisfação dos seus interesses na causa. A legitimidade para recorrer consubstancia um aspecto da legitimidade processual (excepção dilatória de conhecimento oficioso e que obsta ao conhecimento do mérito da causa/recurso - cfr.artºs.576, nº.2, 577, al.e) e 578, todos do C.P.Civil), assim devendo entender-se que fica vencido quem é prejudicado ou afectado pela decisão judicial em causa. Normalmente, ficar vencido é consequência da decisão judicial ser contrária à posição assumida pela parte no processo ou, por outras palavras, à pretensão/pedido formulado (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/05/2012, proc.5533/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.413 e seg.).
A este título deve chamar-se à colação a noção de sucumbência (cfr.artº.629, nº.1, do C.P.Civil), enquanto requisito de admissão do recurso. Esta, a sucumbência, tem que ser desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do Tribunal de que se recorre, conclusão que se retira da conjugação do disposto nos artºs.280, nº.4, do C.P.P.T., e 629, nº.1, do C.P.Civil, este aplicável "ex vi" do artº.281, do C.P.P.T. (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/07/2016, proc.9718/16; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.220; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª. Edição, Almedina, 2014, pág.37 e seg.).
Nesta sede (o exame da legitimidade para recorrer), mais do que analisar a conduta da parte que precede a decisão judicial (critério formal), importa antes verificar em que medida esta (a mesma decisão judicial) lhe é, ou não, objectivamente desfavorável (critério material).
O autor é parte vencida se a sua pretensão foi recusada, no todo ou em parte, por razões de forma ou de fundo. O réu quando, no todo ou em parte, seja prejudicado pela decisão. Nessa medida, o que sobreleva é o resultado final e não tanto o percurso trilhado pelo Tribunal para o atingir. Sendo o réu absolvido do pedido, pouco importa se, para o efeito, o Tribunal fundou a decisão na falta de prova dos factos alegados pelo autor ou na verificação de uma excepção peremptória aduzida pelo réu. O autor não deixa de ser parte vencedora se a sua pretensão foi acolhida, ainda que sem a argumentação jurídica aduzida pela parte. Mais do que as razões que presidiram à decisão, interessa o exame do resultado na esfera jurídica da parte (o dito critério material). Recorde-se que o mecanismo de recurso pressupõe que seja perceptível a existência de uma utilidade na posterior intervenção de um Tribunal Superior. Tal mecanismo não foi criado para satisfazer interesses meramente subjectivos do recorrente ou para mero conforto moral deste, sem qualquer repercussão no resultado da lide. Destarte, ainda que a parte destinatária de uma decisão favorável seja confrontada com uma resposta negativa a algum ou a todos os argumentos ou questões que suscitou, não fica legitimada a interpor recurso. A atendibilidade de outros fundamentos, para além dos que foram considerados na decisão judicial, é matéria que a parte vencedora eventualmente deve introduzir nas contra-alegações do recurso que venha a ser interposto pela parte vencida, nos termos do artº.636, nº.1, do C.P.Civil (mecanismo de ampliação do âmbito do recurso), por forma a assegurar ou reforçar o resultado já obtido, ainda que por uma via diversa da que foi trilhada na decisão recorrida (cfr.António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª. Edição, Almedina, 2017, pág.77 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.25 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. Edição, Almedina, 2009, pág.144 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, no articulado inicial do presente processo (cfr.fls.5 a 35 do processo físico - I volume), a sociedade impugnante e ora recorrente formula somente um pedido, a anulação parcial da liquidação de I.M.T. objecto dos autos, com base numa das diversas causas de pedir que arrola para o efeito.
Na sentença estruturada pelo Tribunal “a quo”, este julgou procedente a impugnação, mais determinando, em consequência, a anulação da liquidação objecto do presente processo (cfr.al.H) do probatório), visto padecer de erro na fixação do prévio valor patrimonial tributário dos imóveis em causa (errónea quantificação do facto tributário), tudo conforme supra se exarou.
Com estes pressupostos, a sociedade impugnante e ora recorrente obteve ganho de causa na primeira instância, carecendo de legitimidade para deduzir o presente recurso.
Arrematando, julga-se procedente a excepção dilatória de ilegitimidade do recorrente "S.... - P...., S.A." com vista à interposição do presente recurso da decisão do Tribunal "a quo", a qual obvia ao conhecimento do objecto da apelação, mais se devendo condenar nas custas do incidente a que deu causa com o mínimo de taxa de justiça (cfr.artº.7, nº.4, e Tabela II do R.C.Processuais), ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
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2-A recorrente FAZENDA PÚBLICA alega, em primeiro lugar e em síntese, que não foi tido em conta na decisão recorrida o facto do promitente vendedor "Quinta C....." ter procedido à inscrição dos prédios urbanos em causa, através da entrega de declarações Mod. 1 de I.M.I., em 04/05/2004, portanto, antes da celebração do contrato de promessa identificado na al.B) do probatório. Que o valor patrimonial tributável apurado na 2ª. avaliação de tais prédios, a qual foi realizada em 24/10/2007, se reporta à data da entrega das referidas declarações para inscrição nas matrizes, ou seja, à citada data de 04/05/2004. Que o facto tributário relevante e que determina o apuramento do valor patrimonial tributário dos prédios em causa nos autos ocorreu em 04/05/2004, com a entrega das indicadas declarações Mod. 1 de I.M.I., que não na data de 29/12/2004, com a celebração do contrato promessa, como decidiu o Tribunal “a quo”. Que tal factualidade consta do relatório junto a fls.63 a 69 do processo administrativo apenso, igualmente sendo referenciada na informação exarada a fls.170 a 178 do procedimento de reclamação graciosa (cfr.conclusões 4 a 9 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, um erro de julgamento de facto da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Mais, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Tal ónus ainda se pode considerar mais rigoroso no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6. Por outras palavras, o recorrente apenas observa os ónus de impugnação legalmente exigidos, quando especifica os concretos meios de prova que impõem que, para cada um dos factos impugnados, fosse julgado não provado, quando indica qual a decisão que em concreto deve ser proferida sobre a matéria impugnada e menciona os documentos ou pontos da gravação com referência ao que ficou expresso na acta da audiência de discussão e julgamento ou, pelo menos, apresenta transcrições dos depoimentos das testemunhas que corroboram a sua pretensão (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/04/2014, proc.7396/14; ac.T.R.Lisboa, 1/03/2018, proc.1770/06.8TVLSB-B.L1-2; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/10/2018, proc.6584/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/02/2019, proc. 118/18.3BELRS).
Por último, deve vincar-se que o Tribunal de 2ª. Instância pode/deve modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova produzidos, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a regra da livre apreciação da prova, quando aplicável, um resultado diferente do produzido pelo Tribunal “a quo” que seja racionalmente sustentado (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/06/2018, proc.6499/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/02/2019, proc.118/18.3BELRS; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.285).
No caso concreto, é manifestamente improcedente o presente esteio do recurso, com base nos seguintes vectores:
1-Tanto no projecto de relatório da Inspecção Tributária, junto a fls.54 a 70 do processo administrativo apenso, como na informação que fundamenta a decisão de indeferimento da reclamação, constante de fls.170 a 178 do processo de reclamação graciosa apenso, se faz menção, meramente “a latere”, à aludida entrega das declarações modelo 1 de I.M.I., por parte da sociedade "Quinta da C..... – E…., S.A.", mas sem nunca associar tal entrega à avaliação que esteve na origem da liquidação oficiosa impugnada nos presentes autos;
2-O Relatório de Inspecção Tributária, datado de 04/05/2009 e identificado na al.F), do probatório, expressamente faz menção da data da avaliação dos imóveis em causa como sendo a de 24/10/2007;
3-Na contestação apresentada pela Fazenda Pública junto do Tribunal “a quo” (cfr. fls.91 a 94 do processo físico) em nenhum momento alega tal entidade que a liquidação objecto do processo se fundamentou no V.P.T. apurado em virtude da entrega das declarações modelo 1 de I.M.I., por parte da sociedade "Quinta da C..... – E…., S.A.", mais sendo quantificado o mesmo por reporte a tal data de entrega;
4-Não consta do processo físico e respectivos apensos (cfr.dados de avaliação juntos a fls.74 a 105 do processo de reclamação graciosa apenso), qualquer documento que comprove o alegado pelo recorrente, portanto, que a avaliação que esteve na origem da liquidação oficiosa impugnada nos presentes autos se reportou à data de 04/05/2004.
Face ao exposto, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente esteio do recurso, em consequência do que se solidifica a factualidade provada oriunda do Tribunal “a quo”.
Aduz a entidade apelante, igualmente e em sinopse, que a presente apelação visa o fundamento da impugnação que originou a anulação parcial do acto tributário de I.M.T. objecto do processo. Que é com referência à data de 04/05/2004 que deve ser apurado o valor dos lotes para efeitos das taxas de I.M.T., com base no valor patrimonial final apurado após 2.ª avaliação, ocorrida em 24/10/2007. Que não existe qualquer vício que conduza à anulação do acto tributário impugnado (cfr.conclusões 1 a 3 e 10 a 16 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O I.M.T. é um imposto sobre a riqueza, cumprindo o comando constitucional que considera a riqueza como um dos dois indicadores fundamentais de capacidade tributária dos contribuintes (cfr.artº.103, nº.1, da C.R.Portuguesa).
O I.M.T. sujeita a imposto a aquisição onerosa de bens imóveis, independentemente do título ou da forma jurídica utilizada nessa aquisição. O objecto da sujeição do imposto não é propriamente o acto ou contrato que titulam a aquisição, mas sim o efeito desses actos ou contratos, ou seja, a transmissão da propriedade ou dos direitos correspondentes sobre esses imóveis. A sujeição a imposto da aquisição do direito de propriedade de bens imóveis prevista no artº.2, nº.1, do C.I.M.T., consubstancia o mais importante facto tributário do I.M.T. Trata-se do facto tributário paradigmático e nuclear do I.M.T. e aquele cuja verificação é a mais frequente. Esta norma sujeita a imposto, tanto a aquisição da propriedade do imóvel, como de figuras parcelares deste. O valor tributável sujeito a imposto segue a regra geral, do maior dos valores, ou o declarado ou o valor patrimonial do imóvel, tal como se prevê no artº.12, nº.1, do C.I.M.T. (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 10/3/2011, rec.386/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/03/2013, proc.5472/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7276/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/04/2016, proc.9438/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/05/2019, proc.607/13.6BELRS; José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 3ª. Edição, 2016, pág.233 e seg.; António Santos Rocha e Outro, Tributação do Património, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.433 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, não se provando que tenha sido por reporte à data de 04/05/2004 que foi apurado o v.p.t. dos lotes de terreno em causa nos autos, conforme decidido supra, parecem cair por terra os argumentos do recorrente.
Apesar disso, avancemos para o exame do enquadramento jurídico da liquidação oficiosa de I.M.T. objecto do processo (cfr.al.H) do probatório).
A liquidação oficiosa de I.M.T. fundamenta-se nos artºs.2, nº.2, al.a), 4, 5, nº.2, 19, nº.2, e 22, nº.2, todos do C.I.M.T., tendo por referência o contrato-promessa de compra e venda celebrado em 29/12/2004 (cfr.als.B) e F) do probatório).
Nos termos do artº.2, nº.2, al.a), 1ª. parte, tal como já acontecia em sede de regime da antiga Sisa, o legislador ficciona como transmissão sujeita a imposto a entrega material da posse do imóvel objecto mediato do contrato-promessa. A lei exige a verificação de dois pressupostos constitutivos da sujeição a imposto:
1-Em primeiro lugar que exista uma promessa de aquisição ou alienação de um imóvel;
2-Em segundo lugar que se verifique a tradição do imóvel objecto do contrato (excepcionando-se o caso do imóvel se destinar a habitação própria e permanente do promitente-comprador).
Somente quando estes dois requisitos estiverem reunidos é que se verifica a sujeição a I.M.T.
O imposto deverá ser pago nos trinta dias imediatos à data em que o promitente-comprador entra na posse, uso ou fruição do bem (cfr.artº.36, nº.5, do C.I.M.T.).
A antecipação da sujeição a I.M.T. do momento em que se realiza o contrato de compra e venda para aquele em que se dá a tradição da posse é uma das manifestações de que o legislador do I.M.T. (tal como o da Sisa) não faz depender os efeitos fiscais da perfeição do conceito de transmissão para efeitos civis e dá relevo a um conceito económico de transmissão que é próprio do C.I.M.T., mais não dependendo de qualquer outro conceito de transmissão, nomeadamente, o do direito civil (cfr.José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 3ª. Edição, 2016, pág.354 e seg.; António Santos Rocha e Outro, Tributação do Património, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.440).
A liquidação do imposto devido por efeito da tradição da posse segue o regime normal previsto no C.I.M.T. para a transmissão da propriedade, ou seja, o valor tributável será o valor patrimonial tributário ou o valor declarado, consoante o que for maior, como estabelece o artº.12, nº.1, do mesmo diploma, tudo como já se aludiu supra (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 10/3/2011, rec.386/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/03/2013, proc.5472/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7276/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/04/2016, proc.9438/16; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 8/05/2019, proc.607/13.6BELRS; José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 3ª. Edição, 2016, pág.366; António Santos Rocha e Outro, Tributação do Património, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.498).
Especificamente, a liquidação oficiosa objecto do presente processo tem fundamento legal no artº.19, nº.2, do C.I.M.T., sendo derivado da inércia do sujeito passivo de promover a mesma no prazo legal supra identificado.
Ora, conforme vincou o Tribunal “a quo”, o valor patrimonial dos imóveis cuja tradição ocorreu com a celebração do contrato-promessa, deveria ter sido determinado por reporte à data do facto tributário (29/12/2004), quando, na realidade, tal v.p.t. terá sido apurado face à data da avaliação realizada em 24/10/2007 (cfr.al.F) do probatório - documento junto a fls.89 a 98 do processo administrativo apenso).
Em conclusão, verifica-se uma situação de erro sobre os pressupostos de facto do acto tributário (vício que gera a anulação do mesmo), um dos fundamentos possíveis do processo de impugnação (cfr.artº.99, do C.P.P.T.), ocorrendo, além do mais, quando está erradamente quantificada a matéria tributável (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/09/2012, proc.3145/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/09/2017, proc.7964/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.115 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269).
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente também o presente esteio do recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1-REJEITAR O RECURSO INTERPOSTO PELA SOCIEDADE IMPUGNANTE, devido a procedência da excepção de ilegitimidade "ad recursum", mais se condenando nas custas pelo incidente a que deu causa com o mínimo de taxa de justiça;
2-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DEDUZIDO PELA FAZENDA PÚBLICA E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se a Fazenda Pública em custas em ambas as instâncias.
X
Registe.
Notifique.
Ofício junto a fls.722 do processo físico: satisfaça, remetendo cópia do presente acórdão.
D.N.
X
Lisboa, 11 de Julho de 2019



(Joaquim Condesso - Relator)



(Mário Rebelo - 1º. Adjunto)



(Patrícia Manuel Pires - 2º. Adjunto)