Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2380/16.7 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/10/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:MAIS-VALIAS
VALOR DE AQUISIÇÃO
EDIFÍCIO CONSTRUÍDO
TERRENO
IRC
Sumário:I. Não estando previsto no CIRC, para efeitos de apuramento das mais e menos-valias, o cálculo do valor de aquisição de imóvel construído pelo próprio sujeito passivo, deve lançar-se mão do critério que, para esse efeito, é indicado no CIRS, quer porque ambos os impostos visam tributar rendimentos, quer porque esse critério se mostra ajustado ao fim visado.

II. O valor de aquisição deve reportar-se ao mesmo bem que o valor de realização, motivo por que, sendo esse bem um prédio edificado, não há que cindi-lo, para efeitos de determinação do valor de aquisição e aplicação dos coeficientes de desvalorização monetária, em terreno para construção e edifício.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

I..., Lda (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 27.06.2017, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), relativa ao exercício de 2010.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Neste seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“1 - O contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública" (redacção do artigo 875° do C.C. na versão aplicável ao caso em apreço).

2 - O modelo 129 de inscrição de prédio na matriz entregue em 1989 não constituía, nem podia constituir, documento legal de aquisição de imóvel.

3 - Desde a entrada em vigor do actual Código Civil e até 2008 apenas a escritura pública de compra e venda era reconhecida como único meio legal e legítimo de aquisição de imóvel.

4 - Para determinar qual o custo de aquisição do imóvel vendido pela Recorrente é imprescindível considerar o custo de aquisição do respectivo terreno (o lote de terreno para construção cuja aquisição temos vindo a apreciar e descrever).

5 - Os terrenos não são objecto de amortização ou depreciação fiscalmente aceites.

6 - O custo de aquisição, relevante para efeitos fiscais, comporta não só o preço de compra do imóvel como os demais custos inerentes (impostos, escritura e registo).

7 - O que, no caso em apreço, tudo somado totaliza Esc. 3.196.689,80, valor esse que, como bem comprova a tabela elaborada pela P..., representava em 2010 (data de "venda") o valor de aquisição, corrigido pelo coeficiente de desvalorização da moeda, de €55.273,06, valor esse que a A.T. nem sequer considerou na liquidação que efectuou.

8 - Fica, assim, demonstrado que o Tribunal Tributário errou na apreciação da prova devendo ser, quanto ao valor da escritura pública de aquisição do lote de terreno e aos cál...os de correcção monetária inerentes, dado provimento ao recurso ora apresentado.

9 - Nesse mesmo depoimento mencionou (a única testemunha inquirida) que a construção foi alvo de trabalhos de ampliação e reparação ao longo dos anos, os quais estão relacionados com os créditos hipotecários que incidiam sobre o prédio.

10 - Os créditos hipotecários constituem encargos inerentes ao prédio e como tal abrangidos pelo teor do N.° 2 do artigo 46.° do CIRC que dispõe que para apurar as mais e menos valias tem que se cal...ar a diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição.

11 - Também, quanto a este ponto, estão, o douto Acórdão recorrido e os cál...os constantes da liquidação efectuada pela A.T., totalmente errados.

12 - É um dado adquirido, e provado documentalmente nos autos, que a construção já existia em 1972 (vide documentos juntos com a impugnação).

13 - Entendeu o Tribunal Tributário, no douto Acórdão recorrido, privilegiar o valor probatório de um modelo 129 para inscrição de prédio na matriz, sobrepondo o mesmo ao valor de um documento público, elaborado por Notário, que o Código Civil qualifica como único meio válido para celebrar contrato de compra e venda de imóvel.

14 - Ora, está provado nos autos que o lote de terreno, onde foi construída a moradia, foi adquirido por compra e venda nos termos da escritura pública junta com a impugnação.

15 - Atribuir fiscalmente outra data de aquisição (mais de 20 anos posterior) em função de um alegado modelo 129 constitui, inequivocamente, violação da lei substantiva, por erro na interpretação e aplicação de norma jurídica aplicável e a violação de disposição legal que fixa a força de determinado meio de prova (no caso dos autos o valor da escritura pública de compra e venda)”

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) A decisão proferida sobre a matéria de facto padece de erro?

b) Verifica-se erro de julgamento, no tocante à data de aquisição do imóvel e seu valor?

c) Verifica-se erro de julgamento, dado que não foram considerados os créditos hipotecários suportados pela Recorrente?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em 07-10-2014 foi emitida a Ordem de Serviço n.° 01201404783, com despacho do Chefe de Divisão de 09-10-2014, relativamente ao sujeito passivo I... INVESTIMENTOS URBANOS E CONSTRUÇÕES, LDA. - NIPC: 5…, (a seguir designada por I... ou sujeito passivo), com sede na Av….- Lisboa, área da competência do Serviço de Finanças de Lisboa — 5.

(Conforme resulta de fls. 1 do RIT)

B) Foi enviada Carta Aviso e respetivo folheto informativo, nos termos da alínea l) do n.° 3 do artigo 59.° da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 49.° do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), através do ofício n.° 065455 de 16/10/2014 e ofício n.° 065456 da mesma data sobre o “envio de elementos comprovativos de regularização da situação tributária”, ambos pelo registo postal n.° RD586605985PT para a sede do sujeito passivo, comunicando que iria ser objeto de ação inspetiva externa ao exercício de 2010.

(Conforme resulta de fls. 1 do RIT)

C) A carta a que se refere a alínea anterior foi devolvida pelos serviços dos CTT com indicação de “mudou-se”.

(Conforme resulta de fls. 1 do RIT)

D) A ação inspetiva iniciou-se em 05-11-2014 e terminou em 09-11-2015.

(Conforme resulta de fls. 1 do RIT)

E) Consideraram os Serviços de Inspeção Tributária:

«Encontra-se em curso um processo de inquérito com o n.° 1274/14.5IDLSB, em que é investigado indícios da eventual prática do Crime Fraude Fiscal, previsto e punido pelo artigo 103. ° do Regime Geral das Infrações Tributárias.

Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.° 1 do artigo 45. ° da LGT—Lei Geral Tributária (prazo de 4 anos) é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença acrescido de um ano, conforme n.° 5 do artigo 45. ° da LGT.

Assim sendo, porque os factos tributários em análise se encontram incluídos no processo de inquérito com o n.° 1274/14.5IDLSB, à liquidação dos impostos que se mostrem devidos aplica-se, quanto à caducidade, o disposto no já referido n. ° 5 do artigo 45. ° da LGT.»

(Conforme resulta de fls. 1 do RIT)

F) Quanto ao motivo, ao âmbito e à incidência temporal resulta do RIT:

«A presente ação de inspeção externa foi aberta na sequência do projeto 2014/EA/04 - “Mais-valias imobiliárias IRC — 2010, 2011 e 2012 - Pessoas Coletivas”, tendo-se verificado, através dos cruzamentos efetuados entre a declaração modelo 11 — Atos por Outorgante, a declaração periódica de rendimentos modelo 22 de IRC e declaração de informação empresarial simplificada -IES, que o sujeito passivo procedeu à alienação de imóveis e não apresentou a respetiva declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, do ano de 2010.»

(Conforme resulta de fls.2 do RIT)

G) A Impugnante é uma sociedade por quotas, tendo sido registada a sua constituição em 12 de junho de 1974. Tem como objeto a “Compra de prédios para venda, urbanização de terrenos e construções de imóveis”, conforme Certidão Permanente (Anexo IV).

(Conforme resulta de fls. 2 do RIT)

H) De conformidade com os elementos disponíveis no sistema informático da AT, a Impugnante está enquadrada com a atividade de “Outras atividades de acabamento em Edifícios”, com o CAE 43390.

(Conforme resulta de fls. 2 do RIT)

I) Os SIT efetuaram as seguintes diligências:

«> No dia 04-11-2014 foi efetuada a deslocação à sede do sujeito passivo de forma a iniciar a ação de inspeção com a assinatura da ordem de serviço pelo seu responsável. Não pudemos levar a efeito esta diligência porque não se encontrava ninguém, pelo que se procedeu à afixação na porta, da Nota de Marcação do Hora Certa, para que no dia marcado se encontrasse alguém responsável pelo sujeito passivo (Anexo II);

> No dia 05-11-2014 voltamos ao local da sede, na hora marcada e, também não foi possível encontrar ninguém, pelo que se procedeu à afixação, na porta, da Certidão de Verificação de Hora Certa (Anexo II);

No dia 28-11-2014 foi enviado o ofício n.° 076531, com o registo n.° RC952522979PT - carta a que se refere o artigo 233. ° do Código Processo Civil, informando que o início do procedimento de inspeção foi efetuado por afixação, tendo a mesma sido devolvida pelos serviços dos CTT com indicação de “mudou-se” (Anexo V);

> No dia 16-01-2015 foram enviados os seguintes ofícios, no sentido de notificar o sujeito passivo:

o Ofício n.° 003082, com o registo n.° RD534580784PT — no qual se solicitava a apresentação, no dia 04 de fevereiro, na sede da empresa, dos elementos da contabilidade do ano de 2010, tendo a mesma sido devolvida pelos serviços dos CTT com indicação de “Mudou-se” (Anexo VI);

o Ofício n. ° 003081, com o registo n. ° RD534580775PT, remetido a José Harry de Almeida Araújo, gerente da I... — no qual se solicitava a apresentação, no dia 04 de fevereiro, na sede da empresa, dos elementos da contabilidade do ano de 2010, tendo a mesma sido devolvida pelos serviços dos CTT com indicação de “objeto não reclamado” (Anexo VII);

> No dia 11-02-2015 desloquei-me ao escritório da Técnica de Contas com o intuito de consultar os elementos da contabilidade, tendo esta informado que não tinha quaisquer documentos, pelo que não pode apresentar a declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, conforme termo de declarações (Anexo VIII).

Mais informou que a residência do gerente não é a que consta do cadastro, tendo a mesma fa...tado a morada atual.

Na mesma data foi efetuada a notificação da I..., na pessoa da Técnica de Contas, para no dia 26 de fevereiro proceder à exibição da escrita (Anexo VIII).

> No dia 13-02-2015 foi enviado o ofício n.° 008884, com n.° RD534582025PT, remetido a José Harry de Almeida Araújo, gerente da I..., para a morada fa...tada pela atual Técnica de Contas, na qual se solicitava a apresentação, no dia 26 de fevereiro, nesta Direção de Finanças de Lisboa, dos elementos da contabilidade referentes ao ano de 2010. Em resposta à notificação, o advogado Dr. Luis Borges Rodrigues, informou que o seu cliente não poderia comparecer nesta Direção porque se encontrava no Brasil. No entanto, não foi proposta outra data para a apresentação dos elementos. (Anexo IX);

> No dia 26-02-2015 voltei novamente ao escritório da Técnica de Contas, tendo a mesma apresentado a contabilidade, nomeadamente, extratos de conta, documentos de suporte aos registos efetuados, bem como os balancetes.

Da análise à contabilidade constatou-se que a mesma não se encontrava encerrada, pelo que não foi efetuado o apuramento de resultado líquido do exercício (A nexo X).

Nesta data foi notificada o I..., na pessoa da Técnica de contas para proceder ao encerramento da contabilidade e ao apuramento do resultado liquido, bem como à entrega da declaração modelo 22 de IRC e da declaração lES, ambas do ano de 2010 e apresenta-las no dia 13-03-2015 (AnexoX).

> No dia 13-03-2015 foi apresentada pela Técnica de contas a contabilidade da I..., nomeadamente, balancete de encerramento, balanço e demonstração de resultados.

Verificou-se também que a Técnica de Contas procedeu também à entrega da declaração modelo 22 de IRC bem como à declaração lES do ano de 2010 (Anexo XI)»

(Conforme resulta de fls. 4 e 5 do RIT)

J) Os SIT solicitaram elementos e pediram esclarecimentos:

«Com o objetivo de verificar a veracidade do valor declarado na escritura de compra e venda constante da declaração modelo 11 de IMI, submetida pelo notário foi solicitado à empresa F... — Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA, na qualidade de gestora do adquirente do imóvel

Fundo de Gestão de Património Imobiliário — F..., via mail, para remeter a estes serviços cópia da escritura de compra e venda e fotocópias dos meios de pagamento utilizados.

Em resposta ao solicitado a F... remeteu os seguintes elementos (Anexo XII):

> Fotocópia da escritura de compra e venda celebrada no Cartório Notarial de P… em 06-08-2010;

> Fotocópia do cheque n. ° … do Banco Espírito Santo, emitido em 06-08-2010 no montante de €4.723.000,00;

> Fotocópia do cheque n.° … do Banco Espírito Santo, emitido em 06-08-2010 no montante de €3.282.000,00.»

(Conforme resulta de fls. 5 e 6 do RIT)

K) Em matéria de “DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL”, resulta do RIT:

«III. 1 - Descrição dos factos

1 — No âmbito da presente ação inspetiva, - “Mais-valias imobiliárias —2010, 2011 e 2012 - Pessoas Coletivas”, constatou-se, através da consulta à declaração modelo 11 - Atos por outorgante (declaração submetida pelos notários) que o sujeito passivo procedeu, em 06-08-2010, à alienação do imóvel inscrito na matriz sob o artigo …. da freguesia e concelho de Cascais, pelo montante de €8.005.000,00.

2 — Do cruzamento efetuado entre a declaração modelo 11 e a declaração periódica de rendimentos modelo 22 de IRC e declaração de informação contabilística e fiscal — IES, constatou-se que, não obstante o sujeito passivo ter exercido a sua atividade, não procedeu à entrega das referidas declarações.

Das diligências efetuadas e referidas no ponto II.3.3 do capítulo II, os únicos contactos que se conseguiram efetuar no sentido da consulta e recolha de elementos da contabilidade, foram os efetuados com a atual e anterior Técnicos de Contas, D. A… e Sr. Jo….

Na sequência das diligências referidas anteriormente, a Técnica de Contas procedeu ao encerramento e apresentação da contabilidade, bem como à submissão das declarações em falta, ou seja, a declaração periódica de rendimentos modelo 22 e a declaração lES, ambas do ano de 2010 (Anexo XI).

3 - Dos elementos apresentados bem como da declaração periódica de rendimentos modelo 22 do ano de 2010, verificou-se que foi apurado um prejuízo contabilístico e fiscal no montante de €296.999,48, conforme se pode constatar da Demonstração de Resultados por Naturezas e Apuramento do Resultado Fiscal a seguir indicada:

Demonstração Resultados por Naturezas e Apuramento Lucro tributável

Ano 2010

4- Consultados os balancetes apresentados, bem como aos documentos que serviram de base aos lançamentos contabilísticos, constatamos que não foi contabilizada a venda do imóvel identificado no ponto 1 deste capítulo e que o mesmo continua mencionado na conta 43 - Ativos Fixos Tangíveis.

Os rendimentos derivados de tais operações concorrem para a formação do resultado líquido, e consequentemente, para a determinação do lucro tributável, nos termos do artigo 17.° do Código do Imposto sobre as Pessoas Coletivas (CIRC), pelo que vamos proceder ao seu cál...o e à devida correção.»

(Conforme resulta de fls. 6 e 7 do RIT)

L) Em matéria de correções meramente aritméticas resulta do RIT:

«Conforme mencionado no capítulo anterior, o sujeito passivo procedeu à alienação do imóvel inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia e concelho de Cascais pelo montante de €8.005.000,00 e não refletiu tal alienação da sua contabilidade.

Dos elementos da contabilidade, constatou-se que o referido imóvel faz parte do ativo da sociedade, encontrando-se registado na conta 43 — Ativos Fixos Tangiveis.

Os rendimentos derivados de tais operações concorrem para a formação do resultado líquido, e consequentemente, para a determinação do lucro tributável, nos termos do artigo 17.° do Código do Imposto sobre as Pessoas Coletivas (CIRC), pelo que vamos proceder ao seu cál...o e à devida correção.»

(Conforme resulta de fls. 8 do RIT)

M) Os SIT procederam ao enquadramento fiscal das correções:

«De acordo com o artigo 46.° do Código do IRC, Consideram -se mais- valias ou menos valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o titulo por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afetação permanente a fins alheios à atividade exercida, respeitantes a:

a) Ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis, ativos biológicos que não sejam consumíveis e propriedades de investimento, ainda que qualquer destes ativos tenha sido reclassificado como ativo não corrente detido para venda

Para determinação do valor das mais/menos valias vejamos os n.°s 2 e seguintes do artigo 46. ° do CIRC:

“2 — As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade e outras correções de valor previstos no artigo 35.°, bem como das depreciações ou amortizações aceites fiscalmente, sem prejuízo da parte final do n.° 5 do artigo 30.°.

3— Considera-se valor de realização:

f) nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação”.

Por outro lado, o valor de aquisição é atualizado nos termos do n.° 1 do artigo 47,° do CIRC:

“1 — O valor de aquisição corrigido nos termos do n.° 2 do artigo anterior é atualizado mediante a aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda para o efeito publicados em portaria do Ministro das Finanças, sempre que, à data da realização, tenham decorrido pelo menos dois anos desde a data da aquisição, sendo o valor dessa atualização deduzido para efeitos da determinação para efeitos da determinação do lucro tributável.”

111.2.2 — Determinação do valor de alienação e aquisição

Para cál...o da Mais-valia obtida com a alienação do imóvel mencionado e de acordo com a legislação referida no ponto anterior, passamos a determinar:

2.2.1 - Valor alienação

Valor de alienação corresponde ao valor da contraprestação, ou seja valor pelo qual o imóvel foi alienado, que de acordo com a escritura de compra e venda foi de €8.005.000,00.

2.2.2 - Valor de aquisição

Valor de aquisição corresponde ao valor pelo qual o bem foi adquirido ou construído, conforme parágrafos 16 a 28 da NCRF 7, o que no caso em concreto e de acordo com a informação constante da aplicação informática da Autoridade Tributária e Aduaneira, nomeadamente o património, o sujeito passivo procedeu à aquisição do terreno e inscreveu o imóvel na matriz em 11-01-1989 como prédio novo (Anexo XIII).

Da consulta às declarações de informação contabilística e fiscal apresentadas pelo sujeito passivo e disponíveis no sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira (desde o ano de 2003), bem como à consulta de prédios por sujeito passivo/ano, constatou-se que o sujeito passivo apenas tem registado em seu nome o imóvel alienado, e que o valor pelo qual se encontrava registado na contabilidade sofreu ao longo de vários anos alterações conforme se demonstra no quadro seguinte (Anexo XIV):

Da análise ao balancete, verificou-se que a conta 43 se encontra subdividida da seguinte forma:

De forma a esclarecer a origem do valor inscrito em 2009 na conta 43212, foi contactado o TOC Sr. J…, que nos informou, via maiI, que aquele valor respeita a despesas com alterações efetuadas no imóvel alienado, para preparar a divisão do edifico em 3 frações.

Em resumo, o valor de aquisição a considerar é de €998.171,14, o qual para efeitos de aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda será decomposto da seguinte forma:

(Conforme resulta de fls. 8 a 10 do RIT)

M) Os SIT procederam ao apuramento da Mais-Valia e Resultado Fiscal nos termos seguintes:

MVF = [VR – (VAxCoef.)] a)

MVF = [€8.005.000,00 – (€228.948,24 X 2,30 + €142.728,37 X €626.494,53 X 1,00)]

MVF = [€8.005.000,00 - €1.301.512,98]

MVF = €6.703.487,02

a) MVF – mais-valia fiscal; VR – valor realização; VA – valor aquisição

Assim, propõe-se a correção meramente aritmética no montante de €6.703.487,02, pelo que o prejuízo fiscal apresentado pelo sujeito passivo no montante de €296.999,48 é alterado para o lucro tributável de €6.406.487,54, conforme se demonstra:

(…)»

(Conforme resulta de fls. 10 e 11 do RIT)

N) Em matéria de fundamentação do direito de audição, resulta do RIT:

«A — Fundamentos expostos pelo sujeito passivo:

Vem o sujeito passivo requerer que “... correção das deficiências do relatório ora apontados... “, com base em fundamentos de que se realçam os seguintes:

> “...A I... não procedeu à venda do imóvel ao Fundo. O negócio que esteve subjacente à escritura, que faz parte do relatório de inspeção, foi uma dação em pagamento por dívidas da I... ao BES...“

> “... Sendo certo que o vício mais saliente resulta da deficiente instrução do processo, quer quanto às datas de aquisição dos bens, quer quanto aos valores dedutíveis...

> “... Quanto às datas de aquisição dos bens anexa-se quadro elaborado, em sede de consulta prévia, pela P…, quadro esse que integra um extenso relatório.

“... Com efeito, nem as datas estão corretas, nem os valores são os constantes do relatório de inspeção, nem os coeficientes de correção monetária são os aplicáveis, nem o valor de custo fiscal do imóvel está correto... “.

B — Análise dos fundamentos apresentados

Tendo em conta os factos descritos pelo sujeito passivo e referido anteriormente (parte A), passamos a esclarecer o seguinte:

B.1 - Refere o sujeito passivo, que não procedeu à venda do imóvel, mas que o negócio subjacente foi a dação em pagamento por dívidas ao BES.

Face a esta afirmação/informação relembramos que em termos contabilísticos o tratamento de uma dação ou de uma transmissão onerosa de um bem do Ativo Fixo Tangível é igual, conforme se pode verificar nos § 66 a 68 da NCRF 6, que passamos a transcrever para melhor entendimento:

§ 66 — A quantia de um item do ativo fixo tangível deve ser desconhecida:

a) No momento da alienação;

b) Quando não se espere futuros benefícios económicos do seu uso ou alienação.

§67 — O ganho ou perda decorrente do desreconhecimento de um item do ativo fixo tangível deve ser incluído nos resultados quando o item for desreconhecido ... Os ganhos não devem ser classificados como réditos.

§68 — A alienação de um item do ativo fixo tangível pode ocorrer numa variedade de formas (p. ex., por venda, por celebração de uma locação financeira ou doação)...”

Assim, quer se trate de uma dação ou de uma venda o sujeito passivo deveria ter evidenciado na sua contabilidade o ganho apurado, facto que não sucedeu, face aos elementos verificados no decurso da ação.

Relembramos que a escritura que foi celebrada é uma escritura de compra e venda que, da sua leitura nada consta que se trata de uma dação em pagamento.

No entanto, conforme foi referido no ponto 11.3.3.2 do presente relatório, que para pagamento do preço mencionado na escritura foram emitidos pelo FUNGEPI, à ordem da I... os seguintes chegues:

> Cheque n. ° … do Banco Espírito Santo, emitido em 06-082010 no montante de €4.723.000,00 (da consulta aos elementos da contabilidade verificou-se que o cheque foi depositado na conta da sociedade no banco BES, tendo sido, posteriormente efetuada uma transferência para conta empréstimo do valor em divida, ou seja, €4.650.000,00);

> Cheque n.° … do Banco Espírito Santo, emitido em 06-082010 no montante de €3.282.000,00 (da consulta aos elementos não se encontra evidenciado na contabilidade).

B.2 - Refere o sujeito passivo que “...nem as datas estão corretas, nem os valores são os constantes do relatório de inspeção, nem os coeficientes de correção monetária são os aplicáveis, nem o valor de custo fiscal do imóvel está correto...

Quanto a esta afirmação, o sujeito passivo juntou ao exercício do direito de audição um e-mail da P… e um quadro com o cál...o da mais valia fiscal evidenciando o custo do imóvel subdividido em várias datas e valores (sem qualquer documento de apoio/suporte).

É referido pelo sujeito passivo na sua exposição que as datas mencionadas neste relatório e que serviram para a determinação dos coeficientes de desvalorização da moeda e para a consequente determinação da mais valia fiscal não estão corretas, no entanto, tais datas foram obtidas através da informação constante das aplicações informáticas da Autoridade Tributária e Aduaneira, se não vejamos:

• O imóvel foi inscrito na matriz em 1989, através de declaração modelo 129 entregue pelo sujeito passivo em 11-01-1989, como prédio novo, conforme referido no ponto 2.2.2 do capítulo 111.2.2 do relatório. No quadro 7 — Datas de arrendamento ou ocupação e quadro 10 — Outros elementos - Data da conclusão das obras, da referida declaração consta a data de 01/09/1988;

• Foi possível, através da consulta das declarações anuais de informação contabilística e fiscal de anos anteriores (Anexo XVII), entregues pelo sujeito passivo que o valor de custo do imóvel sofreu alterações, tendo estas sido consideradas no cál...o da mais valia fiscal. Nos anos em que se verificaram os referidos aumentos, e que se pode constatar pela análise da evolução da conta de imobilizações corpóreas (designação anterior para ativos fixos tangíveis), a qual consta do quadro mencionado no ponto 2.2.2 do capítulo III.2.2 do relatório e que a seguir se transcreve:




A inspeção tributária ao longo do procedimento inspetivo tentou, pelos contactos com a TOC, obter mais informação, no entanto a mesma referiu que apenas tinha os elementos que lhe foram entregues pelo sujeito passivo, os quais se referem ao exercício de 2010, nada constando relativamente ao imóvel e ao negócio que foi celebrado naquele ano.

Ainda, na tentativa de obter elementos/informação, foi notificado o gerente do sujeito passivo, Sr. J…, através do ofício n.° 008884, para a morada fa...tada pela atual Técnica de Contas, na qual se solicitava a apresentação, no dia 26 de fevereiro de 2015, nesta Direção de Finanças de Lisboa, dos elementos da contabilidade referentes ao ano de 2010. Em resposta à notificação, o advogado Dr. Luis Borges Rodrigues, informou que o seu cliente não poderia comparecer nesta Direção porque se encontrava no Brasil. No entanto, não foi proposta outra data para a apresentação dos elementos.

Não obstante o gerente do sujeito passivo ter tido conhecimento que se encontrava a decorrer uma ação de inspeção, nunca fomos por ele contactados.

Por outro lado, não se verificou até à presente data a atualização das moradas que consta do cadastro, quer do sujeito passivo, quer do gerente, já que os ofícios remetidos para a morada do sujeito passivo foram devolvidos pelos serviços dos CTT com indicação de ‘mudou-se” e a morada do gerente ter sido fa...tada pela TOC e não constar do cadastro.

Refira-se que o relatório teve por base as declarações apresentadas pelo sujeito passivo, conforme referido no ponto 2.2.2 do capítulo III.2.

Tanto assim foi e continua a ser, pois nem no exercício do direito de audição foram apresentados, por parte do sujeito passivo, os elementos justificativos quer de valores, quer de datas (escritura e documentos justificativos dos custos de construção que pudessem comprovar as datas referidas pelo sujeito passivo no quadro que anexou), elementos esses que só o sujeito passivo poderia apresentar.

C — Conclusão

No exercício do direito de audição não foram apresentados pelo sujeito passivo elementos/documentos (nomeadamente escritura, documentos referentes aos custos de construção) à inspeção tributária que permitissem alterar os valores e/ou datas que serviram para a determinação da mais valia fiscal.

No entanto, foi referido no 3° parágrafo do ponto B.2 do capítulo IX que a data da conclusão das obras e da ocupação do imóvel ocorreu em 01-09-1 988, pelo que será esta a data a considerar em substituição da data da entrega da declaração modelo 129.

Assim, vamos proceder à retificação do coeficiente de atualização da moeda e consequentemente à retificação da mais valia fiscal, conforme se segue:

Apuramento da Mais-Valia e Resultado Fiscal

MVF =[VR - (VAxCoef.)] (MVF — mais-valia fiscal; VR — valor realização; VA — valor aquisição)

MVF = [€8.005.000,00— (€228.948,24X2,55 + €142.728,37 X 1,04 + €626.494,53 X 1,00)] MVF = [€8.005.000,00 — €1.358.750,04]

MVF = €6.646.249,96

Assim, a mais valia cal...ada de €6.703.487,02 vai ser alterada para €6.646.249,96, pelo que o prejuízo fiscal apresentado pelo sujeito passivo no montante de €296.999,48 vai ser alterado para o lucro tributável de €6.349.250,48, conforme se demonstra:




Vão ser inseridos os elementos do Documento de Correção (IRC), levantado o competente auto de notícia por indícios de crime fiscal pela prática das infrações referidas no capítulo VII e notificado o sujeito passivo na pessoa do advogado Dr. Luís Borges Rodrigues, dos atos resultantes da ação de inspeção, nos termos do artigo 77. ° da LGT e artigo 62. ° do RCPITA.»

(Conforme resulta de fls. 13 a 17 do RIT)

O) Sobre o RIT recaíram os pareceres e o despacho de concordância de fls. 1 e 2 do RIT que aqui se dão por reproduzidos.

P) Em 11/02/2016, a AT emitiu a liquidação de IRC com o n.° 20168310032285 no valor de € 2.061.119,97, referente ao exercício fiscal de 2010.

(Conforme resulta de fls. 16 do PAT).

Q) O prazo para pagamento voluntário terminou em 11/01/2016.

R) A petição inicial da presente impugnação foi apresentada sob registo postal de 11/07/2016.

(Conforme resulta do registo constante do envelope junto com a PI).

S) A Impugnante foi constituída por escritura pública de 08/05/1968.

(Conforme resulta do documento n.° 1, junto com P.I.).

T) Em 31 de janeiro de 1969 a Impugnante requisitou, nos Serviços Municipalizados de água e Saneamento do Concelho de Cascais, o contador de água a que se refere o documento 5 junto com a PI.

U) Por escritura pública de 19/06/1968 a Impugnante adquiriu o lote de terreno onde está implantado o imóvel objeto da liquidação.

(Conforme resulta do documento n.° 2 junto com a P.I.).

V) Em 06/11/1969, a Impugnante apresentou o pedido de registo de aquisição a favor do prédio a que se refere a alínea anterior. 

(Conforme resulta dos documentos n.°s 8 e 9 juntos com a P.I.).

W) Em 11/08/1973, José Harry de Almeida Araújo e Danielle (...) celebraram casamento civil.

(Conforme resulta do documento n.° 3 junto com a P.I.).

X) Dá-se por reproduzido o teor dos documentos 6 e 7 juntos com a PI, sendo certo que a fotografia do leão de estimação foi tirada num parque perto de Arraiolos.

Y) Dão-se por reproduzidos o teor dos documentos n.°s 10 e 11 juntos com a P.I.”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Inexistem factos invocados, com relevo para a decisão, que devam considerar-se como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam e no depoimento da testemunha inquirida, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”

II.D. Do erro na decisão proferida sobre a matéria de facto

Ao longo das suas alegações, a Recorrente vai fazendo menção a alegados erros na decisão, do ponto de vista factual, aludindo a depoimento de testemunha e referindo, globalmente, que a prova documental vai no sentido de que a construção já existia em 1972.

Não obstante, a mesma não impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos exigidos pelo art.º 640.º do CPC.

Com efeito, considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (1).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados (2).

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, não foi indicado que factos a Recorrente considera incorretamente julgados (seja propondo supressão, aditamento ou correção) e não são indicados, nos termos exigidos, os meios de prova que impunham decisão diferente (com as parti...aridades referidas, no caso da prova testemunhal).

Ou seja, não foi impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos legalmente exigidos, pelo que se rejeita o recurso nesta parte.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento quanto ao valor da aquisição

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo errou o seu julgamento, no tocante ao valor e data de aquisição, dado que o terreno para construção no qual foi erigida a moradia alienada foi adquirido em 1968.

Vejamos.

Nos termos do art.º 46.º do Código do IRC (CIRC), na redação à época:

“1 - Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afetação permanente a fins alheios à atividade exercida, respeitantes a:

a) Ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis, ativos biológicos que não sejam consumíveis e propriedades de investimento, ainda que qualquer destes ativos tenha sido reclassificado como ativo não corrente detido para venda.

(…) 2 - As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas no artigo 35º, bem como das depreciações ou amortizações aceites fiscalmente, sem prejuízo da parte final do nº 5 do artigo 30º.

3 - Considera -se valor de realização:

(…)

f) Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação”.

Por seu turno, nos termos do art.º 47.º do CIRC:

“1 - O valor de aquisição corrigido nos termos do nº 2 do artigo anterior é atualizado mediante aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda para o efeito publicados em portaria do Ministro das Finanças, sempre que, à data da realização, tenham decorrido pelo menos dois anos desde a data da aquisição, sendo o valor dessa atualização deduzido para efeitos da determinação do lucro tributável.

2 - A correção monetária a que se refere o número anterior não é aplicável aos instrumentos financeiros, salvo quanto às partes de capital.

3 - Quando, nos termos do regime especial previsto nos artigos 76º a 78º, haja lugar à valorização das participações sociais recebidas pelo mesmo valor pelo qual as antigas se encontravam registadas, considera -se, para efeitos do disposto no nº 1, data de aquisição das primeiras a que corresponder à das últimas”.

Como decorre desta disciplina, verifica-se que o legislador não consagrou expressamente no CIRC um conceito de valor de aquisição, sendo, a este propósito, pertinente chamar à colação o conceito previsto para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) [cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.01.2016 (Processo: 0296/13)].

Assim, nos termos do então art.º 46.º, n.º 3, do Código do IRS:

“3 - O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele”.

In casu, a liquidação controvertida decorre de ação inspetiva, no âmbito da qual os serviços da administração tributária (AT) consideraram, de um lado, a escritura de compra e venda realizada, em 2010, entre a Impugnante (na qualidade de vendedora) e a F... — Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA (na qualidade de gestora do adquirente do imóvel) e, de outro, a ausência declarativa da Impugnante, designadamente ao nível do IRC. Verificou-se ademais, em momento ulterior, depois de ter sido apresentada a declaração Modelo 22 de IRC do exercício de 2010, que a venda do imóvel não foi contabilizada, estando tal imóvel ainda mencionado contabilisticamente nos ativos tangíveis.

Neste seguimento, a AT veio a cal...ar as mais-valias, considerando o seguinte:

a) Valor de alienação: 8.005.000,00 Eur.;

b) Valor de aquisição em 1988: 228.948,24 Eur.;

c) Data da aquisição (após retificação, no âmbito da análise do direito de audição): 01.09.1988, atentando na data constante da declaração modelo 129;

d) Valor de aquisição para efeitos de cál...o das mais-valias: 998.171,14 Eur.;

e) Valor de aquisição, com aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda (após retificação, no âmbito da análise do direito de audição): 1.358.750,04 Eur.;

f) Mais-valia fiscal obtida (após retificação, no âmbito da análise do direito de audição): 6.646.249,96 Eur.

Resultou provado que o terreno onde está implantada a moradia alienada em 2010 foi adquirido em 1968.

Resultou igualmente provado que a Impugnante apresentou, em 1989, uma declaração modelo 129, relativa ao prédio alienado, por força de o mesmo ser um prédio novo, indicando como data de conclusão das obras 01.09.1988.

Feito este enquadramento factual, cumpre a este respeito (justamente a propósito de situação de construção pelo sujeito passivo de prédio num terreno para construção anteriormente adquirido) chamar à colação o já citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.01.2016 (Processo: 0296/13). Ali se refere:

“Para efeitos de tributação em sede de IRC, o resultado tributável obtido com a alienação onerosa de imóveis – dado pela diferença entre o valor de transmissão e o respectivo valor de aquisição – será qualificado como mais-valia ou menos-valia, admitindo que o imóvel integra o imobilizado corpóreo da entidade alienante (…), podendo neste caso o respectivo valor de aquisição líquido de eventuais amortizações praticadas até à data da alienação ser actualizado pela aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda.

(…) [A] lei fornece-nos o conceito de mais e menos-valias e o modo como se cal...am – diferença entre o valor de aquisição e valor de realização –, bem como prevê a actualização do valor de aquisição através da aplicação de coeficientes de actualização.

Dá-nos também o conceito de valor de realização no n.º 3 do art. 43.º do CIRC (…)

Já no que respeita ao valor de aquisição, apesar de prever a sua actualização no já citado n.º 1 do art. 44.º, a lei não nos fornece directamente o critério para a sua determinação, limitando-se a afirmar no n.º 2 do art. 43.º, que, no cál...o das mais e menos-valias, o valor de aquisição deve ser «deduzido das reintegrações ou amortizações praticadas», ou seja, que ao valor de aquisição devem subtrair-se, nos termos previstos na lei, os custos de desgaste dos activos de vida útil longa. À data, era o Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro, que estabelecia o regime das reintegrações e amortizações para efeitos do IRC.

Em face da ausência no CIRC de norma que nos forneça o conceito de valor de aquisição, afigura-se-nos como razoável o entendimento da AT, ao apelar para o regime paralelo para efeitos de IRS – tanto mais que ambos os impostos, o IRC e o IRS, incidem sobre rendimentos obtidos (Cfr. o art. 1.º do CIRC e o art. 1.º do CIRS.) –, designadamente para o art. 46.º do CIRS (…).

(…) Nesse art. 46.º estabelece-se, no n.º 3, qual o valor de aquisição no caso de imóveis construídos pelo próprio sujeito passivo: o do «valor patrimonial inscrito na matriz» ou o do «valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele».

E, como bem salienta a Recorrente, bem se compreende que seja assim, porque após a conclusão da edificação, o terreno para construção – que constitui uma qualificação jurídica para uma realidade prevista na alínea c) do n.º 1 e descrita no n.º 3, ambos do art. 6.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) – deixa de existir enquanto tal.

Na verdade, após a conclusão das obras de construção, a realidade que a ordem jurídica denomina terreno para construção deixa de existir enquanto tal, para dar lugar a uma nova realidade, também incluída da categoria de prédios urbanos (cfr. art. 6.º do CIMI). Essa nova realidade – prédio edificado – constitui uma unidade, compreendida pelo terreno e pela edificação nele construída. Tanto assim é, que no art. 39.º do CIMI se estabelecem regras próprias para avaliação dos “prédios edificados”, dizendo-se desde logo no seu n.º 1 que «[o] valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor»; por sua vez, no n.º 2 do mesmo artigo, estabelece-se que «[o] valor médio de construção é determinado tendo em conta, nomeadamente, os encargos directos e indirectos suportados na construção do edifício, tais como os relativos a materiais, mão-de-obra, equipamentos, administração, energia, comunicações e outros consumíveis».

Assim, quando se vende um prédio edificado, vende-se uma realidade jurídica única, constituída pelo terreno e pela construção nele erigida (uma coisa imóvel, classificada pela lei civil como prédio urbano, tudo nos termos do disposto nos arts. 202.º a 204.º do Código Civil), relativamente à qual existem regras de avaliação próprias para efeitos fiscais.

Daí que no citado n.º 3 do art. 46.º do CIRS se estipule que, no caso de imóveis construídos pelo próprio sujeito passivo, o valor de aquisição a considerar para efeito de apuramento das mais ou menos-valias seja o valor patrimonial inscrito na matriz ou o valor resultante da soma do valor do terreno com os custos de construção. Mas, note-se bem, num ou noutro caso o valor a considerar é um único (…), reportado ao prédio como uma realidade única e ao momento relevante para efeitos de inscrição na matriz (Cfr. art. 50.º, n.º 2, alínea a), do CIRS.) e, nunca por nunca, vários valores, referentes a cada uma das parcelas (o solo ou terreno em que se encontra implantado o edifício, por um lado, e o próprio edifício, por outro) que o integram. Isto sem prejuízo de se poder ainda relevar o valor das obras ulteriormente realizadas no edifício.

Assim, sempre salvo o devido respeito, no apuramento do valor de aquisição de cada um dos imóveis em causa não pode separar-se o valor do terreno do valor do edifício, como se estivesse a alienar-se dois bens imóveis distintos e não um só, para fazer recair sobre cada um dos valores um coeficiente de desvalorização monetária distinto.

Há, isso sim, que considerar um único valor de aquisição respeitante ao imóvel, como um todo que é, e aplicar-lhe um único coeficiente de desvalorização da moeda.

E nem se diga que assim não se consegue uma integral actualização dos valores despendidos. Na verdade, o valor de aquisição a considerar reflecte os custos do terreno e os custos da construção.

(…) Significa isto que bem andou a AT ao considerar um único valor – o valor resultante da soma do valor do terreno com os custos de construção –, reportado ao momento da inscrição do prédio na matriz, que é o da conclusão das obras, e ao aplicar-lhe um único coeficiente de desvalorização monetária” (sublinhados nossos).

Aderindo a este entendimento, decorre que não assiste razão à Recorrente.

Com efeito, a mesma pretende que se tratem separadamente realidades que, para os efeitos em causa, devem ser tratadas de forma unitária, tanto mais que, com a conclusão das obras de construção, o terreno para construção deixa de existir enquanto tal.

Logo, ao contrário do defendido pela Recorrente, não é de cindir o prédio alienado nas suas componentes, mas sim considerá-lo como uma unicidade, por referência ao momento do fim da construção, ou seja, 1988, tal como a própria Impugnante declarou perante os serviços da AT na declaração modelo 129 – dado nada resultar dos autos que permita concluir por diferente data de conclusão das obras.

O prédio alienado trata-se de prédio construído pela Impugnante, pelo que é essa a realidade a considerar para efeitos de aquisição.

Logo, não foi o terreno para construção o objeto do negócio entre a Impugnante e a F... — Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA, mas sim o prédio urbano decorrente da construção ali erigida – como tal, não se pode, ao contrário do que defende a Recorrida, considerar como data de aquisição do prédio alienado a data de aquisição do terreno onde a moradia veio a ser construída.

A Recorrente invoca, no fundo, que a aquisição só pode ser feita através de escritura pública e que a declaração modelo 129 não tem o mesmo valor da escritura pública.

No entanto, o que resulta dos autos é que a Recorrente não distingue entre o terreno adquirido por escritura pública e a moradia que no mesmo construiu e que veio a ser alienada em 2010. Se estamos a falar de uma moradia construída pela Impugnante, naturalmente que não há aquisição da mesma titulada por escritura pública.

Por outro lado, ao contrário do que defende a Recorrente, não resulta provado que a construção do prédio tenha ocorrido em momento anterior ao por si declarado. Com efeito, na declaração modelo 129 apresentada, a Impugnante declarou o término da construção em 1988, nada resultando dos autos em sentido distinto, como, aliás, refere o Tribunal a quo. Caberia à Recorrente ter demonstrado, de forma cabal e inequívoca, que o por si declarado em 1989 não correspondia à realidade. O que não sucedeu.

Refira-se, finalmente, que a AT se sustentou em elementos apresentados pela própria Impugnante, que nunca foram de forma cabal postos em causa, nem em sede administrativa, nem em sede judicial, não sendo exigível a realização de diligências adicionais às realizadas. Colocar em causa, em sede de exercício do direito de audição, de forma conclusiva, os cál...os efetuados, depois de a administração ter efetuado diversas diligências, em grande parte infrutíferas, quer junto da Impugnante, quer junto da sua técnica oficial de contas, não é fundamento bastante para realização de diligências adicionais por parte da AT, cabendo a montante ao administrado explanar a sua posição de forma minimamente sustentada, o que não foi o caso.

Atento, pois, este entendimento, carece de razão a Recorrente.

III.B. Do erro de julgamento, quanto aos valores relativos a trabalhos de ampliação e reparação

Considera, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro, na medida em que a construção foi alvo de trabalhos de ampliação e reparação ao longo dos anos, relacionados com créditos hipotecários que incidiam sobre o prédio.

Considerando a decisão proferida sobre a matéria de facto (dado a mesma não ter sido cabalmente impugnada, nos termos já explanados supra), na verdade nada resulta provado quanto aos alegados créditos hipotecários constituírem encargos inerentes ao prédio.

Compulsado o RIT, verifica-se que a AT atendeu a valores registados na contabilidade, relativos a alterações efetuadas no imóvel alienado. Nada dali resulta em termos de créditos hipotecários.

Sublinhe-se ainda que a existência de créditos foi alegada na petição inicial, para efeitos de sustentar a questão de que a venda efetuada foi, na verdade, uma dação em pagamento (questão que o Tribunal a quo julgou improcedente, não sendo objeto do presente recurso).

Ou seja, a Recorrente nunca alegou a existência de créditos hipotecários como encargos do prédio nem sequer alegou que tais créditos tenham tido qualquer relação com obras de ampliação ou reparação efetuadas – o que implica que nem sequer a decisão proferida sobre a matéria de facto permita sustentar esta que, na verdade, constitui questão nova, não passível de apreciação pelo Tribunal ad quem.

Com efeito, o processo civil português consagra o chamado princípio da preclusão, ao qual subjaz o ónus de alegação no momento oportuno dos factos essenciais (3), sem prejuízo, naturalmente, das questões que sejam de conhecimento oficioso ou supervenientes.

Por outro lado, consagrando o nosso ordenamento um modelo de recurso de reponderação (4), o Tribunal ad quem deve produzir novo julgamento sobre os factos alegados perante o Tribunal a quo. Este modelo de recurso não é um modelo puro, na medida em que, como já mencionado, podem ser apreciadas pelo Tribunal ad quem questões de conhecimento oficioso e pode ser admitida a junção de documentos, desde que supervenientes, cuja influência pode ditar alteração do julgamento de facto.

Neste seguimento, salvo as exceções a que já se fez menção, o Tribunal ad quem não se pode confrontar com questões novas, apenas devendo ser confrontado com questões que, em momento oportuno, foram discutidas pelas partes. “Quando respeitem à matéria de facto mais se impõe o escrupuloso respeito de tal regra, a fim de obviar a que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas”(5).

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, verifica-se que na presente instância foi efetivamente invocada a já referida questão nova, que, como já referimos, não foi oportunamente invocada.

Assim, sendo questão nova e não respeitando a questão que seja do conhecimento oficioso, a mesma não pode ser aqui apreciada, votando ao insucesso o alegado pela Recorrente a este propósito.

Como tal, carece de razão a Recorrente nesta parte.

Nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

In casu, atenta a complexidade da causa, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 10 de novembro de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)


(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.

(2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.

(3) Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª Ed., Lex, Lisboa, p. 454.

(4) Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pp. 395, 396 e 460, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2000, p. 106; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 119.

(5) António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., pp. 119 e 120.