Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1096/04.1BTSNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/07/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRC; CORRECÇÕES; FUNDAMENTAÇÃO FORMAL E MATERIAL; ÓNUS DE PROVA.
Sumário:1. Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal (art.º 75/1 LGT).
2. Cessa a presunção de veracidade e inverte-se o ónus da prova quando a AT prove (art.º 74/1 LGT) a existência de deficiências na declaração ou contabilidade que comprometam fundadamente a sua presumida fiabilidade e credibilidade.
3. Os pressupostos legitimadores da actuação correctiva da AT não se bastam com meras suspeições, devendo assentar em factualidade de que se possa extrair um juízo fundado de que a declaração, contabilidade ou escrita não reflectem a realidade tributária do sujeito passivo.
4. Se do procedimento constam elementos de prova conflituantes (que a AT não tratou de esclarecer) que não permitem ao julgador formar um juízo fundado de falta de credibilidade dos dados declarativos ou da contabilidade do sujeito passivo inspeccionado, o acto de liquidação originado em correcções à declaração e/ou contabilidade deve ser anulado, nos termos do art.º 100.º, n.º 1, do Cód. de Procedimento e de Processo Tributário.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO


A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “U. – U., CRL.”., e anulou a liquidação adicional de IRC, relativa ao ano de 1999 e respectivos juros compensatórios.

A Recorrente conclui as doutas alegações assim:
«
A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por U. – U. CRL, melhor identificada nos autos, contra a liquidação adicional de IRC de 1999, no montante total de € 84.929,85, anulando, consequentemente, a referida liquidação adicional e respetiva liquidação de juros compensatórios e condenando a Fazenda Pública no pagamento juros indemnizatórios, sobre a quantia de € 72.404,82, contados desde a data do respetivo pagamento até à data da emissão da nota de crédito, às taxas legais aplicáveis.

B) Em causa nos autos está a liquidação adicional de IRC de 1999, no montante total de € 84.929,85, emitida na sequência de uma ação inspetiva externa levada a cabo na sequência do processo de inquérito n.º 1/2000.9 TELSB do DCIAP/Lisboa.

C) Na referida ação inspetiva externa e, em sede de IRC, foram apresentadas correções à matéria colectável no total de € 193.595,78, respeitantes a rappeis, os quais são considerados pela Administração Fiscal como contabilizados em duplicado (€ 167.004,99) ou indevidamente justificados (sem suporte documental) por constarem de nota de lançamento interna (€ 26.590,79).

D) A ora Recorrida em sede de petição inicial alegou falta de fundamentação das correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária e que os elementos apresentados em sede de audição prévia (documentos contabilísticos e ficheiro informático), no âmbito do procedimento de inspeção, justificavam a alegada duplicação dos registos contabilísticos de rapeis, tendo o Tribunal a quo entendido que efetivamente “para além de falta de fundamentação formal, as correções em apreço padecem, igualmente, de falta de fundamentação substancial na medida em que não vêm demonstrados os pressupostos de facto que sustentam a alteração dos elementos e valores declarados pelo sujeito passivo e que determinaram a liquidação adicional de IRC”.

E) Discordamos da posição da sentença ora em crise, estando as correções levadas a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária e constantes do Relatório de Inspeção Tributária devidamente fundamentadas, de facto e de direito, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 268º da CRP, nos artigos 152.º e 153º do CPA e no artigo 77º da LGT, conforme iremos demonstrar.

F) O princípio constitucional da fundamentação formal dos atos administrativos (art. 268º nº 3 CRP) foi densificado nos arts. 152º e 153º Código do Procedimento Administrativo e, concretamente no que respeita ao ato administrativo tributário, no art. 77º nºs 1 e 2 LGT.

G) Por imposição do nº 3 do artigo 268º da CRP, dos artigos 152.º e 153º do CPA e artigo 77º da LGT, os atos tributários estão sujeitos ao dever de fundamentação.

H) Assim, não olvidamos que o ato tributário de liquidação resultante da ação inspetiva é um ato impositivo de deveres e encargos para o particular e como tal está sujeito a fundamentação.

I) “A fundamentação consiste em deduzir expressamente a resolução tomada das premissas em que assenta, ou em exprimir os motivos porque se resolve certa maneira, e não de outra maneira” (MARCELLO CAETANO in Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, 1977, página 123).

J) No que concerne aos requisitos da fundamentação, denote-se que, para ser legal, “a fundamentação tem preencher diversos requisitos, devendo ser: expressa, no sentido de não ser admissível uma fundamentação que apenas se infira de outros aspectos do acto ou procedimento administrativo; sucinta, o que proíbe fundamentações desmesuradamente extensas, quer por atentarem contra os princípios da desburocratização e da eficiência, quer por poderem perturbar a apreensão, pelos particulares, dos motivos que presidiram à emissão do acto; clara, o que proíbe as fundamentações obscuras; congruente, o que proíbe fundamentações contraditórias, quer em sim mesmas, quer em relação à decisão contida no acto; suficiente, no sentido de os motivos aduzidos deverem chegar para que o particular compreenda as razões da prática do acto; acessível, no sentido de que designadamente nos casos de fundamentação por homologação, o acesso dos particulares à fundamentação não poder ser impedido ou dificultado em virtude da separação física entre o documento que contém a decisão e aquele que contém a fundamentação” (Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO MATOS in Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2007, página 149).

K) “É sabido que, perante a enorme variedade de tipos de poderes e de tipos de actos, não há um critério uniforme que permita reconhecer uma fundamentação suficiente. Repetidamente se diz que a suficiência de fundamentação é um conceito relativo, variável conforme a matéria, o tipo de acto e sobretudo as particularidades concretas de cada decisão. Todavia, para que possa cumprir as principais que a lei lhe comete, não pode deixar de ter capacidade para esclarecer concretamente as razões determinantes do acto, o que só acontece se for clara, congruente e suficiente (nº 2 do art. 125º do CPA)” (vide Ac. do STA de 15/02/2012, proferido no âmbito do processo 872/11, acessível através da internet através do site www.dgsi.pt).

L) “E, como é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual” – vide Ac. do STA de 12/03/2014, proferido no âmbito do processo
n.º 01674/13, disponível em www.dgsi.pt.

M) No que concerne à fundamentação de facto, no Relatório de Inspeção Tributária está de forma suficientemente fundamentada o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão e esclarece a ora Recorrido da motivação da decisão tomada pela Inspeção Tributária.

N) Dito isto, e observando o Relatório de Inspeção, constata-se que a correção em causa se encontra devidamente fundamentada, tendo sido justificada a correção em sede de IRC dos custos relativos aos "rapeis" atribuídos pela "U." aos seus associados, no montante total de 38.812.468$00 (€ 193.595,78), face ao facto de os rapeis de 1999 a distribuir pela "U.", serem contabilizados como custo neste mesmo ano, embora a distribuição dos mesmos apenas ocorra no ano seguinte, havendo uma diferença de 60.507.376$00 (€ 301.809,52) entre o custo declarado no balancete analítico, de 5.490.507.376$00 (€ 27.386.535,33) e o valor apurado no quadro apresentado referente à totalidade dos rapeis distribuídos aos seus associados no montante total de 5.430.000.000$00 (€ 27.084.725,81).

O) Conforme foi apurado pela Inspeção Tributária e consta do Relatório de Inspeção Tributária, essa diferença “justifica-se” por três motivos:
- acertos efetuados no ano 2000, de rapeis referentes ao ano de 1999, para os quais existem emissão de notas de crédito aos associados;
- nota de lançamento, no montante de 5.330.974$00 (€ 26.590,78), datada de 31/12/99, sem outro suporte documental, a qual se refere a possíveis regularizações efetuadas, verba esta que não foi (justificadamente) aceite como custo, por não estar devidamente justificada;
- notas de débito emitidas durante o ano de 1999, pelas associadas "P. D. – D., S.A", "F. N. – H., S.A" e "G. – G.., S.A", no montante total de 33.481.494$00 (€ 167.004,99), referente a rapeis que lhes foram atribuídos pela "U.", tendo a Inspeção Tributária entendido e enunciado no Relatório de Inspeção Tributária que uma vez que o valor total de rapeis distribuídos pela "U.", engloba estas associadas, não existe motivo válido para a emissão das notas de débito, tendo, por conseguinte, considerado a referida verba registada em duplicado.

P) Nesse sentido, corrigiu em sede de IRC os custos relativos aos "rapeis" atribuídos pela "U." aos seus associados, no montante total de 38.812.468$00 (€ 193.595,78), exatamente a soma da nota de lançamento, no montante de 5.330.974$00 (€ 26.590,78), datada de 31/12/99, supra referida e das notas de débito emitidas durante o ano de 1999, pelas associadas "P. D. – D., S.A", "F. N. – H., S.A" e "G. – G.., S.A", no montante total de 33.481.494$00 (€ 167.004,99), supra melhor explicitadas.
Q) Ou seja, de forma expressa, clara, sucinta, congruente, suficiente e acessível, a AT deu a conhecer à ora Recorrida que iria proferir o ato de liquidação, nos exatos termos em que o fez, atendendo a que constatou irregularidades conducentes a correções, que fundamentou devidamente.

R) Com efeito e conforme supra mencionamos, o STA vem entendendo que as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de ato e as circunstâncias concretas em que o ato foi proferido, pelo que, constituindo o dever de fundamentação garantia dos administrados, o dever de fundamentação é alcançado quando se possa afirmar que o administrado, colocado na posição de destinatário normal, possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese.

S) Em nosso entendimento e salvo melhor opinião, o teor das notificações supra mencionadas, permitiram à ora Recorrida, colocada na posição de destinatário normal (bónus pater familiae) perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela AT e as razões de facto que o motivaram a concluir da forma como o fizeram.

T) Aliás, atento o teor da p.i., dúvidas não poderão restar de que a ora Recorrida apreendeu os fundamentos de facto que subjazem à decisão de liquidação adicional, pois que, através do presente meio processual conseguiram perfeitamente concluir os factos em causa. Senão vejamos os artigos 1.º a 10.º e 19.º a 27.º da p.i.

U) No que respeita à fundamentação de direito, tem sido entendimento do STA que, na fundamentação de direito dos atos administrativos, não se exige a referência expressa aos preceitos legais, bastando a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado - cfr., p. ex., os acs. de 28.02.02, rec. 48071, de 28.10.99, rec. 44051 (respectivo Apêndice ao Diário da República, pág. 6103), de 8.6.98, rec. 42212 (Apêndice, pág. 4263) de 7.5.98, rec. 32694 (Apêndice, pág. 3223) e do pleno de 27.11.96, rec. 30218 (Apêndice, pág. 828).

V) Mais do que isto, tem sido dito que em sede de fundamentação de direito, dada a funcionalidade do instituto da fundamentação dos atos administrativos, ou seja, o fim meramente instrumental que o mesmo prossegue, se aceita um conteúdo mínimo traduzido na adução de fundamentos que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, possibilitem a referência da decisão a um quadro legal perfeitamente determinado - cfr. Ac. pleno de 25.5.93, rec. 27387 (Apêndice, pág. 309) e acs. em subsecção, de 27.2.97, rec. 36197 (Apêndice, pág. 1515) e supra citados acs. De 7.5.98, rec. 32694 e de 28.10.99, rec. 44051).

W) A este respeito, trazemos aqui à colação o Aresto do STA, cujo entendimento subscrevemos na íntegra, e cujo excerto transcrevemos de seguida: “a jurisprudência deste Tribunal tem decidido que para que a mesma se considere suficiente não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou a um quadro legal bem determinado, devendo considerar-se o acto fundamentado de direito quando ele se insira num quadro jurídico. Como se dá nota no acórdão do Pleno desta Secção de 25/03/93, no proc. nº 27387, o dever de fundamentação fica assegurado sempre que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão se situe num determinado e inequívoco quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, concluindo-se, assim, que haverá fundamentação de direito sempre que, face ao texto do acto, forem perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram” (vide Ac. do STA de 12/03/2014, proferido no âmbito do processo n.º 01674/13, disponível em www.dgsi.pt)

X) Em idêntico sentido, trazemos à colação o Aresto do STA de 11/09/2008, proferido no âmbito do processo n.º 0112/07, cujo entendimento subscrevemos: “II - Um acto administrativo está suficientemente fundamentado desde que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe optar conscientemente entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação”.

Y) No caso concreto, perante os factos supra descritos, dever-se-á concluir que é perfeitamente apreensível o quadro jurídico que foi considerado pela AT e que o mesmo era perfeitamente cognoscível pela ora Recorrida, na posição de destinatária normal.

Z) Aliás, do teor da petição inicial resulta que a ora Recorrida não só bem conhece os factos que estiveram na origem da decisão da AT, como bem conhece o quadro jurídico que está em causa.

AA) Pelo exposto, entendemos que o ato tributário de liquidação se considera fundamentado de facto, como também de direito, pois que é inequívoco qual foi o quadro jurídico tido em conta pelo autor do ato para a sua prática, sendo que tal quadro jurídico era perfeitamente cognoscível pela ora Recorrida, enquanto destinatária normal.

BB) Não poderemos deixar de afirmar o seguinte, uma situação será a falta de fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária [uma vez que segundo nos parece é sobretudo relativamente ao RIT que a ora Recorrida arroga esse vício], outra situação diferente será o facto de a Recorrido não considerar corretas as conclusões a que chegou a Inspeção Tributária, conclusões perfeitamente lógicas, bem fundamentadas e documentalmente comprovadas, mas às quais se opõe a ora Recorrido, por considerar que em direito de audição apresentou provas suficientes para contraditar as conclusões da Inspeção Tributária.

CC) Este facto em nada tem a ver com o dever de fundamentação.

DD) A inspeção Tributária fundamenta devidamente as suas conclusões e a ora Recorrido compreende-as plenamente, como já se comprovou.

EE) Acontece apenas que não concorda com elas mas tal facto nada tem a ver com a violação do dever de fundamentação que alega e que o Tribunal a quo deu como verificado, mas somente com as próprias correções efetuadas pela Inspeção Tributária.

FF) O princípio do aproveitamento do ato administrativo que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, tem sido analisado no âmbito do regime de invalidade do ato administrativo e da relevância das formalidades e do procedimento na formação e manifestação da vontade administrativa.

GG) A jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que “o tribunal pode negar relevância anulatória ao vício” se ficar convencido que “a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa porque não afetou as ponderações” compreendidas na discricionariedade ao mesmo tempo que, sendo o ato vinculado, o seu conteúdo seria sempre o que foi mesmo que os vícios não existissem - Cfr. Ac. do STA, de 07.02.2002, processo n.º 46611 e CJA, n.º101, Set./Out. 2013, pág.65.

HH) Podemos afirmar, por isso, que o aproveitamento do ato administrativo “consiste na desculpabilização dos vícios de que o ato padece pela Administração ou pelos tribunais” Cfr. Autoridade e Liberdade Na Teoria do ato Administrativo, Luiz S. Cabral de Moncada, Coimbra Editora, pág.446., persistindo o ato impugnado não obstante o vício que o inquina, gerando efeitos jurídicos válidos.

II) Diz-nos este princípio que não se justifica a anulação de um ato, mesmo que enferme de um vício de violação de lei ou de forma, quando a existência desse vício não se veio a traduzir numa lesão em concreto para o interessado cuja proteção a norma visa, designadamente, no caso de um vício procedimental, quando a sua ocorrência não teve qualquer reflexo no procedimento administrativo.

JJ) Isto significa, assim, que, nos casos em que se apure em concreto, com segurança, atentas as específicas circunstâncias do caso, que não ocorreu uma lesão dos direitos procedimentais dos interessados, por a sua intervenção no procedimento não poder ter virtualidade, à face da lei, para influenciar o sentido da decisão, não se justificará a anulação do ato.

KK) Conforme se adverte no Acórdão do STA de 20.06.2012, proferido no processo 1013/11 “o tribunal pode não anular um ato inválido por vício de forma quando for seguro que a decisão administrativa não pode ser outra, ou seja, quando em execução do efeito repristinatório da sentença não existir alternativa juridicamente válida que não seja a de renovar o ato inválido, embora sem o vício que determinou a anulação”.

LL) In casu, notório se torna que a ora Recorrido apreendeu efetivamente o que estava em causa, e concretamente os fundamentos de facto e de direito constantes sobretudo do Relatório de Inspeção Tributária que posteriormente deu origem ao ato de liquidação impugnado, tendo quer no exercício do direito de audição prévia em sede de procedimento inspetivo, quer na presente impugnação judicial exposto e manifestado total conhecimento relativamente ao litígio em causa nos autos.

MM) Reitere-se, a discordância da ora Recorrida relativamente às conclusões tecidas pela Inspeção Tributária não se pode confundir com a falta de fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária e, portanto, o desconhecimento pela ora Recorrida dos fundamentos de facto e de direito da decisão final.

NN) E, acrescente-se ainda que embora a ora Recorrida alegue que em sede de direito de audição apresentou prova documental que coloca em causa as correções da Inspeção Tributária e, justifica os valores constantes da contabilidade, no Relatório de Inspeção Tributária é referido que os ficheiros informáticos a que a Inspeção Tributária teve acesso “também não demonstra(m) se estas notas de débito foram ou não incluídas, no apuramento total dos rapeis, uma vez que estes se baseavam em valores totais anuais, atribuídos aos seus associados, os quais foram complementados apenas por um mapa respeitante à totalidade dos mesmos”.

OO) E, acrescenta ainda a Inspeção Tributária que relativamente à verba de 5.330.974$00 (€ 26.590,78), sem suporte legal, registada na contabilidade apenas por uma nota de lançamento interna, a ora Recorrida “vem justificar a mesma com notas de crédito emitidas no ano 2000 (finais de Março e Maio), na sua maioria de anulações de prestações de serviços do ano de 1999”, não refletindo, no entanto, os documentos que anexou ao direito de audição, todos os registos efetuados, quer na contabilização do proveito quer na própria anulação do mesmo.

PP) Embora tal tenha sido alegado pela ora Recorrida, não se pronunciou o Tribunal sobre a alegação, ou antes, a considerou como uma concretização da falta de fundamentação, o que não nos parece que seja.

QQ) Mais uma vez, a Inspeção Tributária pronunciou-se sobre o exercício do direito de audição pela ora Recorrida, justificando os motivos da sua discordância do alegado e, desta forma, respeitou totalmente o dever que se lhe impõe, de fundamentação.

RR) Pelo que, estamos na presença, novamente, de uma discordância relativamente à fundamentação apresentada pelos Serviços de Inspeção Tributária e não, de uma violação do dever de fundamentação.

SS) Pelo exposto, verifica-se um erro de julgamento, decorrente da circunstância de, com base na factualidade dada por provada, se ter concluído que foi violado o dever de fundamentação do ato tributário, violando o artigo 77.º da LGT.

TT) Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue improcedente a impugnação judicial.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO
A COSTUMADA JUSTIÇA.».

A Recorrida apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
A. Vêm as presentes contra-alegações de recurso apresentadas na sequência do recurso interposto pela Recorrente da douta sentença pelo Tribunal a quo que julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada, pela Recorrida, contra a liquidação adicional de IRC emitida pela AT, no montante total de € 84.929,85, relativa ao ano de imposto de 1999;

B. A decisão do Tribunal a quo foi proferida no contexto da impugnação apresentada pela ora Recorrida do ato de liquidação adicional de IRC emitido pela AT na sequência de uma acção inspetiva externa, levada a cabo no âmbito do processo de inquérito n.º 1/2000.9TELSB do DCIAP/Lisboa, no qual foram apresentadas correções à matéria coletável respeitantes a rapéis, os quais são considerados pela Administração Fiscal como contabilizados em duplicado ou indevidamente justificados por constarem de nota de lançamento interna;

C. O recurso interposto pela Recorrente deverá ser julgado totalmente improcedente, por manifesta falta de fundamento legal, o que nesta sede se demonstra de forma clara e indubitável, só assim se respeitando a LEI e fazendo JUSTIÇA

D. In casu, decidiu o douto Tribunal a quo (e bem!) no exercício do seu poder jurisdicional pela
procedência do pedido formulado pela Recorrida, por entender que é manifesto que, no caso em
apreço, não só a AT não demonstrou os pressupostos da sua atuação, por não ter demonstrado que as despesas em causa não consubstanciam custos fiscalmente dedutíveis, como também (e por conseguinte) não fundamentou formalmente (de facto e de direito) nem materialmente as correções à matéria coletável que efetuou;

E. Com efeito, encontra-se verificado um vício de falta de fundamentação formal (de facto e de
direito), uma vez que a AT (i) se limitou a desconsiderar elementos probatórios aportados pela Recorrida, sem qualquer justificação para esse efeito; (ii) não demonstrou quais os concretos documentos analisados, dos quais foi possível concluir pela necessidade de efetuar correções; e (iii) não permitiu à Recorrida conhecer o iter cognoscitivo-valorativo da correção promovida, não tendo feito nenhuma alusão ao enquadramento jurídico das correções em causa;

F. É também patente um erro sobre os pressupostos de facto e de direito, decorrente (i) da desconsideração pela AT dos custos efetivamente suportados pela Recorrida por alegada (mas não demonstrada) duplicação de custos; (ii) do incumprimento do ónus da prova da AT dos factos constitutivos do seu direito a tributar e da consequente não ilisão da presunção de verdade da declaração de rendimentos e dos dados e apuramentos inscritos na contabilidade da Recorrida. Até porque, em face das dúvidas que parecem ser suscitadas pela AT quer no procedimento inspetivo quer nos autos de impugnação judicial, a dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário sempre determinaria a anulação das correções em causa e consequentemente da liquidação de IRC em crise;

G. Adicionalmente, estamos ainda perante um vício de falta de fundamentação substancial, decorrente do facto de a AT não demonstrar os pressupostos de facto que sustentam a alteração dos elementos e valores declarados pelo sujeito passivo e que determinaram a liquidação adicional de IRC;

H. É, pois, neste contexto que o Tribunal a quo conclui (e bem) pela anulação da liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1999 e respetiva liquidação e juros compensatórios e pela consequente condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios sobre a quantia de EUR 72.404,82, contados desde a data do respetivo pagamento até à data da emissão da nota de
crédito às taxas legais aplicáveis;

I. É desta decisão estruturada, clara e bem fundamentada do Tribunal a quo que a Recorrente discorda, assentando o seu discurso essencialmente no facto de, alegadamente, a AT ter “[dado] a conhecer à ora Recorrida que iria proferir o ato de liquidação, nos exatos termos em que o fez,
atendendo a que constatou irregularidades conducentes a correções, que fundamentou devidamente” e ainda no facto de ser “perfeitamente apreensível [in casu] o quadro jurídico que foi considerado pela AT” (cf. pontos Q) e AA) das conclusões, páginas 29 e 31 do Recurso, respetivamente);

J. Sucede que, tratando-se a decisão a quo de uma decisão sólida e bem fundamentada, conforme já mencionado supra, acaba a AT a recorrer a argumentos que, quando detalhados e sopesados quer individualmente quer em conjunto, para além de insuficientes para os efeitos que deles pretende extrair, são manifestamente improcedentes e jamais conduziriam à revogação da douta decisão do Tribunal a quo;

K. É alegadamente com recurso a dois fundamentos que a Recorrente constrói as suas alegações
de recurso na medida em que a mesma alega (ainda que sem demonstrar) que o Tribunal a quo
não fez “uma acertada valoração e interpretação da matéria fáctica, nem tão pouco uma acertada
valoração e interpretação e aplicação da Lei do Direito, prejudicando a parte vencida”, sendo que o alegado desacerto na valoração e interpretação da matéria fáctica nem sequer consta das conclusões do Recurso que delimitam o objeto do mesmo.

L. É com base nos referidos dois fundamentos que a Recorrente imputa, no Recurso apresentado, um alegado erro de julgamento à Sentença Recorrida e pugna pela sua anulação.

M. No entanto, a Sentença Recorrida não merece, em opinião da Recorrida, qualquer censura.

N. Assim, tal como ficou demonstrado nas presentes contra-alegações de recurso, o Recurso que
vem interposto da Sentença Recorrida deverá ser:
a) Rejeitado na medida em que a Recorrente não cumpriu o seu ónus de alegação de facto; e, sem conceder,
b) Julgado totalmente improcedente na medida em que, por um lado, a Recorrente não
cumpriu o seu ónus de alegação quanto à matéria de direito e, por outro lado, a Sentença Recorrida não padece de qualquer erro de julgamento ou na aplicação e interpretação do direito e não merece qualquer censura, não devendo este douto Tribunal aceder na pretensão da Recorrente de anular a Sentença Recorrida.

O. Conforme demonstrado nas presentes contra-alegações de recurso, carecem de tal forma de
fundamento os argumentos invocados pela Recorrente no seu Recurso e é de tal forma evidente
o incumprimento, pela Recorrente, do seu ónus de alegação de facto e de direito, que bem podia
a ora Recorrida dispensar as presentes contra-alegações de resposta, pois está certa de que outra
não poderá ser a conclusão do douto Tribunal ad quem.
P. Com efeito, e tal como já demonstrado, da factualidade provada resulta inequivocamente que:
a. As correções levadas a cabo pela AT baseiam-se em meras suposições, presunções ou
eventualidades sem um mínimo de correspondência com a realidade;
b. Em nenhum momento a AT esclareceu cabalmente a razão pela qual desconsiderava
como custos fiscais os custos relativos a rapeis e quais os motivos pelos quais considerava que tais custos estavam duplicados;
c. Em face do cumprimento escrupuloso, pela Recorrida, do seu dever de colaboração com a AT no apuramento da verdade material, a atitude de desconfiança quanto aos elementos apresentados no procedimento inspetivo não tem qualquer cabimento ou justificação;
d. A pretender efetuar correções na matéria coletável e, em concreto, nos custos efetivamente suportados e declarados pela Recorrida, a AT deveria ter fundamentado não só a razão pela qual pretendia corrigir tais custos como a concreta quantificação da base tributável, o que manifestamente não sucedeu; e
e. Como bem decidiu o Tribunal a quo, esta fundamentação era essencial nos termos da
Lei.

Q. Tais factos consubstanciam, por si só, evidência e fundamentação suficiente para sustentar a
conclusão (que é de Direito) pela existência de vício de falta de fundamentação formal e substancial, dado que a AT não cumpriu o ónus da prova dos factos constitutivos do seu alegado
direito a tributar nem tão-pouco logrou ilidir a presunção de verdade das declarações dos contribuintes que consta do artigo 75.º da LGT;

R. Resulta, pois, evidente que bem andou a Sentença Recorrida ao concluir pela existência de vício de falta de fundamentação, cujo reconhecimento levou à anulação da Liquidação Contestada e ao reconhecimento do direito da Recorrida a juros indemnizatórios;

S. Neste sentido e sobre caso absolutamente idêntico ao que ora se discute nos presentes autos (ainda que por referência ao IRC do exercício de 1998) já teve oportunidade de se pronunciar o
TCA Sul no âmbito de recurso n.º 157/17.1BCLSB - que já transitou em julgado e que confirmou a sentença favorável proferida no âmbito do processo de impugnação judicial n.º 30/03 - 1J/2S, cuja cópia foi junta aos autos de impugnação judicial e foi novamente junta às presentes contra-alegações como Doc. 1 para facilidade de análise.

T. O referido Acórdão foi objeto de análise detalhada nas presentes contra-alegações de recurso e corrobora, sem margem para qualquer dúvida, a posição adotada pelo douto Tribunal a quo na
Sentença Recorrida e pela ora Recorrida nas presentes contra-alegações, devendo, por esse motivo, ser devidamente valorado por este douto Tribunal;

U. Termos em que o presente Recurso deverá ser rejeitado, por inepto, em resultado do incumprimento do ónus de alegação de facto, sendo certo que ainda que assim não fosse sempre se imporia o seu julgamento como totalmente improcedente, por incumprimento do ónus de alegação de direito e por manifesta falta de fundamento legal, o que ficou demonstrado nas presentes contra-alegações de forma clara e indubitável, mantendo-se a Sentença Recorrida pois não merece qualquer censura e só assim se respeitando a LEI e fazendo JUSTIÇA;

V. Ainda que o presente Tribunal ad quem considere cumprido o ónus de alegação quer quanto à matéria de facto quer quanto à matéria de direito e julgue procedente o recurso apresentado pela Recorrente - o que não se concede e apenas se admite por mero dever de patrocínio -, a Recorrida sempre terá de ser notificada da intenção deste douto Tribunal de julgar procedente o
recurso interposto pela AT para, nos termos e para os efeitos do artigo 665.º, n.ºs 2 e 3, do CPC
aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, produzir alegações complementares a respeito do vício da Liquidação Contestada alegado em primeira instância pela Recorrida e cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução dada ao litígio naquela sede.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá o presente Recurso ser rejeitado ou, ainda que assim não se entenda, deverá ser julgado totalmente improcedente, mantendo o presente Tribunal a Sentença Recorrida quer em matéria de facto, quer em matéria de direito.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo no sentido da improcedência do presente recurso.

Com dispensa dos vistos legais dado o objecto do recurso já ter sido anteriormente tratado neste Tribunal, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão central que importa resolver reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir pela falta de fundamentação formal e material das correcções na base da liquidação impugnada.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
Com interesse para a decisão da causa, considera-se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) A coberto da Ordem de Serviço n.º 66973, com origem em informação da 1a Direção de Finanças de Lisboa (Divisão de Processos Criminais Fiscais - Equipa 50), na qual foi dado conhecimento de irregularidades fiscais detetadas na “U. – U., CRL” (doravante designada apenas por “U.”), resultantes da peritagem desenvolvida no processo de inquérito n.º 1/2000.9 TELSB do DCIAP/Lisboa, foi a ora impugnante sujeita a uma ação de inspeção externa ao exercício de 1999 – cf. fls. 415 do processo administrativo tributário apenso (PAT) e os os anexos 1 a 259 do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), a fls. 75 e sgts. do PAT.

B) Em 20.11.2002 foi elaborado o RIT contendo as conclusões da ação de inspeção referida em A), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual resulta, além do mais, o seguinte:
“[…]
2.3 – Situações verificadas
[…]
Da análise documental e da conjugação com os factos relatados na acusação, foram detectadas situações irregulares, quer em sede de IRC, como de IVA.
2.3.1 - Análise de Compras
Conforme já foi referido anteriormente, as compras de existências de mercadorias efectuadas pela “U.”, são processadas da seguinte forma:
 por celebração de um contrato válido por um ano (normalmente a representantes de marcas), onde os preços de aquisição dos produtos são previamente negociados, recebendo a “U.’ uma comissão (designada por rapel) pelas aquisições feitas pelos seus associados directamente a estes fornecedores;
 produtos adquiridos directamente pela “U.” a fornecedores que se apresentam nas instalações (ou por contacto telefónico), tendo por objectivo um baixo preço de custo, sendo estes produtos posteriormente facturados aos seus associados.
Na celebração de contratos de aquisições de produtos existem casos em que os produtos são directamente facturados à “U.”, sendo esta que posteriormente os factura aos seus associados.
Em qualquer das modalidades de compras utilizadas pela “U.”, verificamos a existência de irregularidades, conforme se refere nos subpontos seguintes.
2.3.1.1 - Fornecedores Com Contrato
Nesta modalidade, o adquirente directo dos produtos (na sua maioria) são os associados, obtendo a “U.” com estas transacções uma comissão, designada por “rapel”, a qual distribuí posteriormente parte destas comissões recebidas aos seus associados, em função do volume de compras que cada um efectuou a estes fornecedores.
Estas comissões são atribuídas, normalmente por trimestre e no ano em que se verificam as aquisições, enquanto que a “U.”, faz a distribuição das mesmas, no ano seguinte aos seus associados e de forma faseada, apesar de lançar os proveitos obtidos e os custos suportados com comissões, no ano em que os mesmos se verificam.
Neste ano de 1999, as comissões distribuídas pela “U.”, aos seus associados, correspondem a comissões que recebeu no ano de 1998, tendo sido necessário verificar os documentos referentes à atribuição das mesmas, no ano de 1998, uma vez que o IVA deduzido nestas distribuições é efectuado no ano de 1999.
A forma de atribuição destas comissões é efectuada ou através de facturas emitidas pela U. ou por notas de crédito emitidas pelos fornecedores com contrato estabelecido.
[…]
Refere-se ainda que, para saber os valores dos rapeis distribuídos pela “U.” aos seus associados, foi necessário solicitar ao Director Financeiro desta cooperativa (Dr. F. R.), que nos apresentasse os valores de cálculo dessas atribuições, uma vez que a contabilidade não reflecte de forma clara estas atribuições, tendo-nos sido fornecido disquetes com os valores desses rapeis relativos aos exercícios de 1998 e 1999, correspondentes aos valores mais significativos, que comportam apenas a parte correspondente das aquisições directas dos associados aos fornecedores, tendo sido complementado o solicitado, com a apresentação de um quadro resumo que abarca as duas modalidades de atribuição de rapeis, referidas anteriormente.
Os rapeis de 1999 a distribuir pela “U.”, foram contabilizados como custo neste mesmo ano, no entanto a distribuição dos mesmos é feita no ano seguinte. Acontece que, o custo declarado no balancete analítico, foi no montante de 5.490.507.376$00 (€ 27.386.535,33) e, o valor apurado no quadro apresentado referente à totalidade dos rapeis distribuídos aos seus associados no montante total de 5.430.000.000$00 (€ 27.084.725,81), sendo esta diferença de 60.507.376$00 (€ 301.809,52), a qual resulta das seguintes situações (anexos 267 a 269):
 referente a acertos efectuados no ano 2000, de rapeis referentes ao ano de 1999, para os quais existem emissão de notas de crédito aos associados;
 nota de lançamento, no montante de 5.330.974$00 (€ 26.590,78), datada de 31/12/99, sem outro suporte documental, a qual se refere a possíveis regularizações efectuadas, verba esta que não pode ser aceite como custo, uma vez que não se encontra devidamente justificada (anexo 270);
 notas de débito emitidas durante o ano de 1999, pelas associadas “P. D. – D., S.A”, “F. N. – H., S.A” e “G. – G.., S.A”, no montante total de 33.481.494$00 (€ 167.004,99), referente a rapeis que lhes foram atribuídos pela “U.”, não existindo razão de ser na emissão destas notas de débito, uma vez que o valor total de rapeis distribuídos pela “U.”, engloba estas associadas, pelo que se considera que a referida verba, foi registada em duplicado.
[…]
3. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES TÉCNICAS
De acordo com os factos descritos ao longo do subponto 2.3, deste relatório, foram efectuadas correcções, quer em sede de IRC, quer em sede de IVA, conforme se demostra nos subpontos seguintes.
3.1- Em Sede de IRC
Em sede de IRC, foram corrigidos custos relativos aos “rapeis” atribuídos pela “U.” aos seus associados (situação referida na parte final do subponto 2.3.1.1, deste relatório), no montante total de 38.812.468$00 (€ 193.595,78).
As correcções efectuadas originaram que o resultado declarado para efeitos fiscais, no montante de 46.451.797$00 (€ 231.700,58), fosse corrigido para o montante de 85.264.265$00 (€ 425.296,36), conforme se demonstra seguidamente:

Resultado Declarado 46.451.797$00 € 231.700,58
Correcção dos rapeis 38.812.468$00 € 193.595,78
Resultado Corrigido 85.264.265$00 € 425.296,36
[…]

7. DIREITO DE AUDIÇÃO

Foi exercido o direito de audição, dentro do prazo fixado por notificação (anexos 327 a 329), que apesar dos argumentos apresentados pela “U.”, não foi efectuada qualquer alteração aos valores corrigidos, uma vez que estes argumentos carecem de provas documentais, mais claras, no sentido de se avaliar a correcta contabilização dos valores que lhe foram corrigidos, conforme se refere nos subpontos seguintes.

7.1 - Em Sede de IRC
Em sede de IRC, foram efectuadas correcções no montante de 38.812.468$00 (€ 193.595,78), respeitante a rapeis atribuídos pela “U.” aos seus associados, os quais foram considerados como contabilizados em duplicado (€ 167.004,99) ou indevidamente justificados (€ 26.590,78), com base numa nota de lançamento interna (situações referidas na parte final do subponto 2.3.1.1, deste relatório).
No que respeita às correcções em sede de IRC, a “U.”, argumenta que os valores por nós considerados em duplicado (notas de débito emitidas pelo “P. D. – D., S.A”, “F. N. – H., S.A” e “G. – G.., S.A”), não se encontram incluídos no apuramento da totalidade dos rapeis e que os ficheiros informáticos a que tivemos acesso demonstram isso. No entanto, os ficheiros informáticos a que tivemos acesso também não demonstram se estas notas de débito foram ou não incluídas, no apuramento total dos rapeis, uma vez que estes se baseavam em valores totais anuais, atribuídos aos seus associados, os quais foram complementados apenas por um mapa respeitante à totalidade dos mesmos. Desta forma, nada de novo foi acrescentado, nos argumentos da “U.”, nomeadamente, documentação que permitisse verificar de forma clara a inexistência de duplicação de custos.
Ainda, em sede de IRC foi corrigida a verba de 5.330.974$00 (€ 26.590,78), sem suporte legal, registada na contabilidade apenas por uma nota de lançamento interna, que a “U.” vem justificar, com notas de crédito emitidas no ano 2000 (finais de Março e Maio), na sua maioria de anulações de prestações de serviços do ano de 1999, no entanto, os documentos que anexou ao direito de audição, não reflectem todos os registos efectuados, quer na contabilização do proveito quer na própria anulação do mesmo.
[…]” – cf. o RIT, a fls. 36 e sgts. do PAT apenso.

C) Dá-se aqui por reproduzido o teor do requerimento de audição prévia em sede do procedimento inspetivo a que se refere a alínea que antecede, bem como os respectivos documentos anexos (Diário do Razão com 13 lançamentos, 1 Extracto de Conta Corrente, Balancete Analítico composto de 27 págs. e 13 Notas de Débito), e onde refere, em síntese, e no que ao IRC respeita:
“[…]
Em sede de IRC foram apresentadas correcções à matéria colectável no total de € 193.595,78, respeitantes a rappeis, os quais são considerados pela Administração Fiscal como contabilizados em duplicado (€ 167.004,99) ou sem justificação (€ 26.590,79). Conforme se verifica pelos documentos contabilísticos que se juntam em Anexo I (diário do razão, extracto de conta corrente, balancete analítico e respectivas notas de débito de suporte), tal afirmação não corresponde à verdade, pois o total dessa conta inclui o montante indicado no ficheiro informático, a que a Administração Fiscal teve acesso, acrescido destes documentos, onde se inclui o valor corrigido para efeitos de montantes contabilizados em duplicado e não aceites (€ 167.004,99).
O ficheiro informático a que a Administração Fiscal teve acesso engloba a totalidade dos rappeis atribuídos aos associados, deduzidos dos montantes debitados directamente pelos cooperantes, como são os casos dos valores objecto de correcção. São casos meramente pontuais que fogem de certa forma à regra que está instituída e assim devem ser entendidos.
Também o restante valor (€26.590,79) relativo a uma nota de lançamento sem justificação é suportado pelos documentos que se juntam no Anexo II (…), os quais por lapso não estavam juntos à referida nota de lançamento e dizem respeito a estimativas de rappeis e anulações de prestações de serviços a terceiros a regularizar. Estes totalizam €26.692,75 valor que é até superior ao montante previsto na nota de lançamento, tendo existido posteriormente aquando da emissão das respectivas notas de crédito a correcção devida. Pelo exposto deve ser anulada, em sede de direito de audição tal correcção, ou seja, o valor de € 193.595,78.
[…]” – cf. fls. 124 e sgts. do suporte físico dos autos.
D) Ato Impugnado: Em 21.03.2003, em concretização das conclusões do RIT referido em E), foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2003 8310002368, para o exercício de 1999, no valor total de € 84.929,85 (imposto e juros compensatórios) – cf. fls. 122 dos autos.

E) A Impugnante foi notificada da liquidação identificada na alínea que antecede em
02.04.2003 – por acordo (cf. 13.º da p.i. e 57.º da contestação).

F) A 16.12.2002, a Impugnante procedeu ao pagamento da quantia de € 72.404,82, reportado à liquidação adicional referida na al. D), tendo sido anulada a importância de € 12.525,02 – cf. fls. 23 a 29 do PAT e fls. 327 a 329 dos autos (suporte físico).

G) A 05.08.2003 foi remetida, via postal, sob registo, ao Serviço de Finanças de Oeiras-3 a petição inicial que originou os presentes autos – cf. fls. 2 e 80 dos presentes autos.

*

Factos não provados:
Não resultam dos autos outros factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que importe dar por não provados.
*

A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos e do PAT em apenso, bem como da posição assumida pelas partes nos articulados, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como sobressai das conclusões do recurso, entende a recorrente que as correcções da AT na base da liquidação adicional de IRC/99 impugnada contêm a fundamentação (formal) legalmente exigida, pois permitem ao sujeito passivo destinatário apreender cabalmente as razões que as justificam.

As correcções em sede de IRC, aquelas que ao caso importa, foram no montante de Esc. 38.812.468$00 (193.595,78 euros), por alegada contabilização de custos em duplicado (167.004,99 euros) ou indevidamente justificados (26.590,78 euros) com base em nota de lançamento interna.

Sobre as correcções em causa, em sede de projecto de conclusões do relatório deixou-se consignado, destacadamente, o seguinte:
«Os rapeis de 1999 a distribuir pela “U.”, foram contabilizados como custo neste mesmo ano, no entanto a distribuição dos mesmos é feita no ano seguinte. Acontece que, o custo declarado no balancete analítico, foi no montante de 5.490.507.376$00 (€ 27.386.535,33) e, o valor apurado no quadro apresentado referente à totalidade dos rapeis distribuídos aos seus associados no montante total de 5.430.000.000$00 (€ 27.084.725,81), sendo esta diferença de 60.507.376$00 (€ 301.809,52), a qual resulta das seguintes situações (anexos 267 a 269):
- referente a acertos efectuados no ano 2000, de rapeis referentes ao ano de 1999, para os quais existem emissão de notas de crédito aos associados;
- nota de lançamento, no montante de 5.330.974$00 (€ 26.590,78), datada de 31/12/99, sem outro suporte documental, a qual se refere a possíveis regularizações efectuadas, verba esta que não pode ser aceite como custo, uma vez que não se encontra devidamente justificada (anexo 270);
- notas de débito emitidas durante o ano de 1999, pelas associadas “P. D. – D. A., S.A”, “F. N. – H., S.A” e “G. – G.., S.A”, no montante total de 33.481.494$00 (€ 167.004,99), referente a rapeis que lhes foram atribuídos pela “U.”, não existindo razão de ser na emissão destas notas de débito, uma vez que o valor total de rapeis distribuídos pela “U.”, engloba estas associadas, pelo que se considera que a referida verba, foi registada em duplicado.».

Em sede de relatório final e em resposta ao exercício do direito de audição deixou-se consignado naquele documento, entre o mais e, destacadamente, o seguinte:
«Em sede de IRC, foram efectuadas correcções no montante de 38.812.468$00 (€ 193.595,78), respeitante a rapeis atribuídos pela “U.” aos seus associados, os quais foram considerados como contabilizados em duplicado (€ 167.004,99) ou indevidamente justificados (€ 26.590,78), com base numa nota de lançamento interna (situações referidas na parte final do subponto 2.3.1.1, deste relatório).

No que respeita às correcções em sede de IRC, a “U.”, argumenta que os valores por nós considerados em duplicado (notas de débito emitidas pelo “P. D. – D., S.A”, “F. N. – H., S.A” e “G. – G. ., S.A”), não se encontram incluídos no apuramento da totalidade dos rapeis e que os ficheiros informáticos a que tivemos acesso demonstram isso. No entanto, os ficheiros informáticos a que tivemos acesso também não demonstram se estas notas de débito foram ou não incluídas, no apuramento total dos rapeis, uma vez que estes se baseavam em valores totais anuais, atribuídos aos seus associados, os quais foram complementados apenas por um mapa respeitante à totalidade dos mesmos. Desta forma, nada de novo foi acrescentado, nos argumentos da “U.”, nomeadamente, documentação que permitisse verificar de forma clara a inexistência de duplicação de custos.

Ainda, em sede de IRC foi corrigida a verba de 5.330.974$00 (€ 26.590,78), sem suporte legal, registada na contabilidade apenas por uma nota de lançamento interna, que a “U.” vem justificar, com notas de crédito emitidas no ano 2000 (finais de Março e Maio), na sua maioria de anulações de prestações de serviços do ano de 1999, no entanto, os documentos que anexou ao direito de audição, não reflectem todos os registos efectuados, quer na contabilização do proveito quer na própria anulação do mesmo.

Relativamente às correcções por alegada duplicação de custos, embora factualmente justificadas (na emissão de notas de crédito pelas associadas referente a rapeis que lhes foram atribuídos pela impugnante “U.”), não indica o projecto qual o preceito legal que suporta as correcções, nem se faz referência a qualquer quadro normativo de suporte ainda que sem indicação da norma concretamente aplicada.

E essa omissão na indicação do preceito legal que suporta juridicamente as correcções estende-se ao segmento do relatório final que cuida de tratar da resposta ao direito de participação exercido, embora também aqui se possa afirmar que não falta a justificação factual da correcção.

Já quanto às correcções assentes em nota de lançamento interna, também não alcançamos a invocação de qualquer preceito legal ou quadro normativo de referência.

Acresce, em particular, que, se se podem ter por factualmente justificadas estas correcções em sede de projecto de relatório (custo assente em nota de lançamento interna, sem outro documento de suporte), já na resposta da AT ao direito de audição exercido consignou-se no relatório final, recorda-se, isto:
«Ainda, em sede de IRC foi corrigida a verba de 5.330.974$00 (€ 26.590,78), sem suporte legal, registada na contabilidade apenas por uma nota de lançamento interna, que a “U.” vem justificar, com notas de crédito emitidas no ano 2000 (finais de Março e Maio), na sua maioria de anulações de prestações de serviços do ano de 1999, no entanto, os documentos que anexou ao direito de audição, não reflectem todos os registos efectuados, quer na contabilização do proveito quer na própria anulação do mesmo(sublinhados nossos).

Ou seja, não se apreende que registos os documentos juntos com o direito de participação reflectem, “quer na contabilização do proveito quer na própria anulação do mesmo”.

Pois bem, desenvolvendo a directiva constitucional do art.º 268/3 CRP, estabelece o art.º 77.º da Lei Geral Tributária, no segmento pertinente:
«1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
3 – (…)».

Ora, as correcções em causa não observam a exigência de fundamentação contida naqueles preceitos, nomeadamente, omitem as disposições legais aplicáveis e, no caso particular das correcções suportadas em nota de lançamento interna, fica por explicar afinal que registos se podem ter por devidamente suportados nos documentos juntos pela impugnante na audição prévia.

Tanto basta para que as correcções em causa inquinem a subsequente liquidação impugnada de vício de forma por falta de fundamentação, conducente à sua anulação.

No entanto, também não se conforma a recorrente com o julgado vício substantivo de erro nos pressupostos assacado à liquidação na parte assente nas correcções em análise. Vejamos o que se nos oferece dizer sobre o tema.

Claro que o erro nos pressupostos, a verificar-se, tem de ser aferido em face da fundamentação externada e não qualquer outra acrescentada, pois então não cumpriria o requisito da fundamentação contextual e contemporânea do acto.

De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 75.º da LGT, «Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal».

Cessa, porém, aquela presunção de veracidade e inverte-se o ónus da prova, nos termos do n.º 2 alínea a) do mesmo preceito, se “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

Importará, desde logo, verificar se a AT cumpriu o ónus de prova que lhe compete na demonstração dos pressupostos legitimadores da sua actuação correctiva – art.º 74/1 da LGT.

E esses pressupostos têm de assentar em factos sólidos, credíveis e consistentes, dos quais se possa extrair um juízo fundado de que a declaração e contabilidade ou escrita do sujeito passivo não reflecte a sua realidade tributária.

Não é, porém, isso, que se colhe dos autos. A AT, como dissemos, não aceitou custos suportados em nota de lançamento interna, referindo o seguinte: «nota de lançamento no montante de 5.330.974$00 (…), a qual se refere a possíveis regularizações efectuadas, verba esta que não pode ser aceite como custo, uma vez que não se encontra devidamente justificada…».

E no relatório final, já depois de exercido o direito de audição e anexados documentos ao procedimento, refere o seguinte: «…foi corrigida a verba de 5.330.974$00 (€ 26.590,78), sem suporte legal, registada na contabilidade apenas por uma nota de lançamento interna, que a “U.” vem justificar, com notas de crédito emitidas no ano 2000 (finais de Março e Maio), na sua maioria de anulações de prestações de serviços do ano de 1999, no entanto, os documentos que anexou ao direito de audição, não reflectem todos os registos efectuados, quer na contabilização do proveito quer na própria anulação do mesmo».

Ora, a AT está constitucionalmente vinculada ao princípio da proporcionalidade (art.º 266/2 da CRP) na sua dimensão substantiva (proporcionalidade na decisão), não podendo desconsiderar todos os custos suportados em nota de lançamento interna, quando vem a constatar que parte dos mesmos (que não revela quais, o mesmo é dizer não quantifica) estão suportados em outros documentos justificativos, como notas de crédito.

Na mesma linha, a AT concluiu não haver razões para as associadas emitirem notas de débito à impugnante “no montante de 33.481.494$00… referente a rapeis que lhes foram distribuídos pela U., não existindo razão de ser na emissão de notas de débito, uma vez que o valor total de rapeis distribuídos pela U. engloba estas associadas, pelo que se considera que a referida verba, foi registada em duplicado”.

Em resposta ao exercício do direito de audição, relata o seguinte: «No que respeita às correcções em sede de IRC, a “U.”, argumenta que os valores por nós considerados em duplicado (notas de débito emitidas pelo “P. D. – D., S.A”, “F. N. – H., S.A” e “G. – G.., S.A”), não se encontram incluídos no apuramento da totalidade dos rapeis e que os ficheiros informáticos a que tivemos acesso demonstram isso. No entanto, os ficheiros informáticos a que tivemos acesso também não demonstram se estas notas de débito foram ou não incluídas, no apuramento total dos rapeis, uma vez que estes se baseavam em valores totais anuais, atribuídos aos seus associados, os quais foram complementados apenas por um mapa respeitante à totalidade dos mesmos. Desta forma, nada de novo foi acrescentado, nos argumentos da “U.”, nomeadamente, documentação que permitisse verificar de forma clara a inexistência de duplicação de custos.».

Ora, a enunciada situação de dúvida sobre se os ficheiros informáticos relativos ao apuramento dos rapeis, a que a AT teve acesso, reflectiam ou não as notas de débito emitidas pelas associadas, bem como a situação anteriormente descrita de dúvida sobre que custos suportados em nota de lançamento interna estão também suportados em outros documentos justificativos, que a inspecção não tratou de esclarecer, não aproveita à AT, posto que à face do regime de repartição do ónus de prova estabelecido no art.º 74/1 da LGT ainda estamos do domínio dos pressupostos factuais que à AT cabe demonstrar para legitimar a sua actuação correctiva.
De facto, tendo a impugnante no exercício do direito de audição juntado documentos justificativos de custos e sustentado que as notas de débito das associadas não estavam reflectidas nos ficheiros informáticos de apuramento da totalidade dos rapeis (inexistindo duplicação de custos), gera-se fundada dúvida sobre a existência e quantificação dos factos tributários na origem do acto de liquidação impugnado.

De acordo com o art.º 100/1 do CPPT, «Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado», regra que tem de ser tida em conta na valoração da prova em procedimento tributário.

Perante o exposto, é lícito recorrer à regra do art.º 100.º, n.º 1 do CPPT, na medida em que a AT, não obstante relatar que a documentação junta com o exercício do direito de audição (notas de débito e de crédito) é susceptível de justificar os lançamentos contabilísticos que questionou, prescindiu de mais inquisitório (art.º 58.º da LGT) no sentido da segurança probatória e deixou permanecer a dúvida sobre a existência e quantificação dos factos imputados ao sujeito passivo.

Termos em que improcedem in totum as conclusões do recurso interposto pela Fazenda Pública.



5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Condena-se a Recorrente em custas.

Lisboa, 07 de Dezembro de 2021



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha