Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04680/11
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/29/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRC.
MÉTODOS INDIRECTOS.
CASO JULGADO.
FUNDAMENTAÇÃO.
Sumário:1.Também nos métodos indirectos, cabe à AT, enquanto fundamentação formal do acto de liquidação, a invocação do preenchimento dos concretos pressupostos legais de que depende o seu direito à liquidação, com elementos claros, suficientes e congruentes, para que possa desconsiderar os elementos declarados pelo sujeito passivo na respectiva declaração de rendimentos, por forma a suportarem o mesmo;

2. Tendo em anterior sentença que julgou procedente a impugnação julgado por falta de audição prévia, que a falta de pressupostos para a AT lançar mão de métodos indirectos e bem assim a quantificação operada se encontrava fora do objecto da impugnação, por falta do competente pedido de revisão da matéria tributável, e não tendo a contribuinte reagido nesse fundamento em que decaiu, nas suas contra-alegações, sobre estas matérias formou-se caso julgado, que posterior decisão tem de acatar.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. Construções ………….. & ………, Lda, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1º A recorrente impugnou a liquidação de IRC e juros compensatórios no valor global de 14.958,81€ do ano de 2000.
2º Oo procedimento administrativo está inquinado de falta de fundamentação e erro nos pressupostos do recurso aos métodos indirectos.
3° A credibilidade da contabilidade não foi posta em causa pelos SIT, valendo o princípio da verdade da declaração.
4° A tributação pelos MI á a última ratio legis fiscis.
5° A empresa com menos de 3 anos de exercício não pode ser tributada pelos métodos indirectos,
6º O julgador faz uma colagem ao relatório fundamenta a sua decisão uma reclamação intempestiva equivale á falta de reclamação
7º Há altura destes factos para atacar os pressupostos da decisão da utilização dos métodos indirectos não era necessário a reclamação prévia
8º Depois a senhora juiz comete omissão de pronúncia quando não conhece que a empresa só com 3 anos de actividade não poderia ser tributada pelos métodos indirectos.
9° Para a utilização dos MI á preciso estabelecer uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta da impugnante.
10º Há falta de fundamentação quando os SIT não referem e explicam a razão da decisão da utilização dos métodos indirectos e não outro meio de determinação do lucro tributável.
11° A determinação de juros não esta fundamentada nem de direito nem de facto na nota de liquidação.
12° Foram violados os artigos 668 do CPC, artigos 75°, 77º, 89º e 90º da LGT

Termos em que se requer a V. Exa., recebido o presente deve a decido ser considerada nula por vício de pronuncia, ou se assim não se entender substituída por outra que conheça dos vícios de falta de fundamentação para o acto tributário e por consequência este ser anulado.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, já que se mostra transitado em julgado a questão dos métodos indirectos e também não ocorrer a apontada omissão de pronúncia, inexistindo qualquer que não tenha sido objecto de pronúncia pelo Tribunal “a quo”.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a conhecer: Se a sentença recorrida padece do vício formal de omissão de pronúncia conducente à declaração da sua nulidade; E não padecendo, se a utilização de métodos indirectos e respectiva quantificação da matéria tributável pela AT, se encontra devidamente fundamentada na sua vertente formal; E se em sede de recurso é de conhecer de questão nova não articulada na petição inicial e nem conhecida na sentença recorrida, que também não seja de conhecimento oficioso.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) A impugnante foi alvo de uma acção de Inspecção tributária que incidiu sobre IRC e IVA do exercício de 2000, no âmbito da qual foi elaborado o relatório de fls. 31 a 39, que se dá por integralmente reproduzido onde, entre o mais, consta o seguinte:
“(...)
II.2. Motivo, âmbito e incidência temporal
Motivo: Código PNAIT 22135- Pessoas colectivas com denúncias
(...)
II.3. Outras situações
II.3.1 Enquadramento Fiscal
A sociedade, constituída por marido e mulher, deu início de actividade em Fevereiro de 1998 e na declaração de início de actividade a que se refere o artigo 30º do CIVA e 110° do CIRC foi referido, entre outras Informações, o seguinte:
. Actividade Principal- Construção de edifícios e compra e venda de propriedades - CAE 45211;
. No exercício da sua actividade efectua transmissões de bens e ou prestação de serviços que conferem o direito à dedução e transmissões de bens e ou prestação de serviços isentas que não conferem o direito à dedução;
. Vai efectuar a dedução do imposto suportado segundo a afectação real (artigo 23°, nº2 do CIVA) de todos os bens e serviços utilizados
Em função destas informações ficou enquadrado:
IVA - Regime Normal Trimestral
IRC - Regime Geral
III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções mormente aritméticas à matéria tributável
III.1 - IVA
Actividade efectivamente exercida e a dedução do Imposto
No exercício de 2000 realizou as seguintes operações activas:
. Prestação de serviços com materiais incluídos - actividade sujeita á taxa normal e que nos termos do disposto no artigo 20° do CIVA confere direito à dedução;
. Prestação de serviços sem materiais incluídos - actividade sujeita á taxa normal e que nos termos do disposto no artigo 20° do CIVA confere direito à dedução;
. Venda de um terreno - actividade isenta nos termos do artigo 9°, nº31 do CIVA e que nos termos do disposto no artigo 20° do CIVA não confere direito à dedução;
O sujeito passivo deduziu todo o IVA suportado (excepção feita para as limitações decorrentes do artigo 21° do CIVA).
Os custos directos são identificáveis pelo que a afectação real para efeitos de dedução do IVA foi correctamente aplicada em 2000. Em 2001 a empresa começou a construir para venda em terreno próprio tendo deduzido também o imposto suportado nesta actividade.
Para a dedução do IVA suportado nos custos comuns a empresa utiliza a percentagem a que se refere o artigo 23°, nº1 do CIVA calculada de acordo como disposto no nº4 do mesmo artigo.
Durante a visita o sujeito passivo enviou declarações de substituição para regularização do IVA deduzido indevidamente em 2000 e 2001 conforme a seguir se indica:
Período Imposto apurado a Observações
favor do Estado
$ €
2000.12T 87621$ 437.05 IVA dos custos comuns - actividade isenta
2000.09T 333948$ 1655.73 IVA dos custos directos - actividade isenta
2001.12T 153433$ 765.32 IVA dos custos directos e custos comuns - activ isenta
III.2 - IRC
Na declaração periódica de rendimentos e na declaração anual de informação contabilística e fiscal a que se referem os artigos 112º e 113° do CIRC foram declarados, entre outros, os seguintes valores:
Rubricas 1999 2000
Vendas de produtos 16273505$ 11555550$
Prestação de serviços 7 600 000$
Total 16273 505$ 19 155550$
Variação de produção 9 678865$ (3 580 713$)
Outros ganhos extraordinários 104 249$ 586682$
Total dos proveitos 26 056 619$ 16 161 519$
CMVMPC 16421494$ 6064607$
F. Serviços externos 2 131 560$ 1 935427$
Despesas com pessoal 4 737412$ 5841 612$
Reintegrações e amortizações 1 162 465$ 1 234 529$
Outros custos 318723$ 665265$
Total dos custos 24771654$ 15741440$
Imposto sobre o rendimento 257045$ 97370$
Resultado líquido 1 027920$ 322709$
Resultado fiscal 1 285 226$ 424 079$
Matéria colectável com redução
De taxa 1 285 226$ 424 079$
Taxa a) 20% 20%
Imposto 257046$ 84816$
Total das deduções 150000$ 162735$
IRC liquidado 107046$
a) Taxa a que se refere o artigo 45º da lei 87-B/98, de 31 de Dezembro.
Não estão reunidas as condições a que se refere o artigo 45° da lei 87-8/98, 31 de Dezembro, nomeadamente a condição referida na alínea c) do nº3, isto é não houve um crescimento da matéria colectável, em relação ao exercício anterior, de pelo menos 5%, pelo que a taxa a aplicar é de 32% de acordo com o disposto no artigo 80°, nº1 do CIRC. Assim, a colecta é de 676,89 (135 705$) e não € 423.06 (84 816$) sendo a diferença de € 253,83 (50 889$).
IV. Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos
IV.1 - Vendas
Em 2000 foram utilizadas três contas para o registo do volume de negócios, conforme mostra o quadro seguinte:
Contas Facturas Valor registado Cliente
712231 - Vendas de 6 e 7 2000000$ Vítor ………..,Lda
P. Acabados –17% 10 a 18 e 21 5555550$ Manuel …………
712241 Vendas 4000000$ Venda de um terreno
Isentas
72131 - prestação de 19 e 20 7600000$ Fernando ……………………….
serviços a 17% (sócio gerente)
Total 19155550$
Na facturação não é cumprido o disposto no artigo 35° do CIVA, isto é:
. Na conta 712231 - Vendas de produtos Acabados foram registados os serviços prestados que incluem materiais. As facturas não discriminam materiais e mão-de-obra sendo indicado um único valor com o seguinte descritivo "Construção de uma moradia”.
. Na conta 72131 - prestação de Serviços foram registadas as facturas que se referem apenas a mão-de-obra mas também não discriminam o nº de horas. É indicado um único valor com o descritivo "Construção de moradia no lote 47, urbanização de ………..... Acabamento, serviço de estuque e pintura”
IV . 2 – Recebimentos e pagamentos/meios financeiros
Na contabilidade está evidenciada apenas uma conta de depósitos à ordem e outra de empréstimos:
. 12.8 - CCAM Pombal - Balcão …………………, conta nº……………..;
. 231108 - CCAM Pombal - Balcão de Albergaria dos Doze, conta caucionada ­51001818765(948316);
Verificaram-se várias anomalias no movimento das contas bancárias e de caixa conforme a seguir se exemplifica:
Os cheques emitidos entram em caixa sendo os pagamentos feitos através desta conta. Feita a conciliação bancária, verificou-se o seguinte:
12.8 CCAM
Saldo em 1/01/2000 7 013 698$
Movimentos a débito 18 884 392$
Movimentos a crédito 25891300$
Saldo em 31/12/2000 6790$
25 891 300
Nestes movimentos verificaram-se as seguintes anomalias:
12.8 CCAM
Docum. Débito Crédito Valor Observações
…………… 128 231108 4000000$ Transferência efectuada da
conta 40015311838 CCAM Pombal –
dos Doze de Fernando ……………. (sócio gerente)
………..……….. 880000$ Documento interno com
……………….. 128 111 1500000$ suporte de extracto
…………………. 1170000$ enviado pelo banco
…………………………….. 2000000$
……………….. 1318438$ Documento interno
……………….. 111 128 1733186$
………………….. 2318218$
……………………….. 628756$
No extracto enviado pelo Banco registaram-se os seguintes movimentos
CCAM
Saldo em 1/01/2000 1 611 386$
Movimentos a débito 21 054 392$
Movimentos a crédito 22 659 168$
Saldo em 31/12/2000 66100$
Também se verificam movimentos no banco que não estão revelados contabilísticamente, ou seja:
CCAM
Data Entradas Saídas Observações
04/04/2000 1170000$ Depósito
Utilização de empréstimo – conta 51001818765
08/08/2000 1000000$
3052300$ Valor de vários cheques não registados na contabilidade
29/02/2000 1000000$ Transferência para a conta 40061531838 (Conta
particular do sócio gerente)
Também na conta 231108 - Empréstimos CCAM- Conta caucionada foi feito um movimento a débito de 6 500 000$00 através de documento interno nº12051023 por crédito da conta 11-Caixa.
Além dos movimentos já referidos verificaram-se ainda outros movimentos através de documentos internos na conta 11- caixa, conforme a seguir se Indica:
111 – Caixa
Docum. Débito Crédito Valor Observações
…………… 111 211100003 2457000$ Fernando …………….. factura 19 a)
……………. 111 21110003 6435000$ Fernando ………………. factura 20 a)
…………….. 111 443893$ Não se trata de um documento Interno mas sim de
um recibo do Fornecedor Telhas, U.M., SA no qual é
Identificado o cheque 969002 CGD
a) Salienta-se o facto deste cliente ser sócio gerente
A conta caixa foi creditada por 443890$, por débito da conta 2111001 - Telhas U.M - J. Humbelino ……………., SA (documento 100099013) sendo o documento de suporte um recibo do Fornecedor no qual é identificado o cheque nº……….2 da CGD. O responsável pela contabilidade disse tratar-se de um cheque do cliente Manuel …………….. Junto do Fornecedor obteve-se o depósito do referido cheque assim como a factura e o correspondente recibo. Junto do cliente Manuel ……………. obteve-se a cópia do cheque emitido à ordem de J. …………., SA.
Na conta corrente do cliente Manuel …………. existe um saldo devedor de 500000$ em 31/12/2000, correspondente à factura n.º 21. Este saldo foi anulado em 31/12/2001 conforme a seguir se indica
Documento Conta debitada Conta creditada Valor
………………. 1208 21110002 500 000$
O recibo tem a mesma data da factura (13/12/2000) e o cheque nº…………. emitido pelo cliente foi depositado em 16/10/2000, documento n.º 100009014. Com o seguinte movimento:
Documento Conta debitada Conta creditada Valor
100009014 1208 111 500000$
IV.3 - Pelos motivos referidos não é possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis á determinação da matéria colectável/base tributável para efeitos de tributação em IRC e IVA (artigos 51º e 52° do CIRC e 84° do CIVA conjugados com os artigos 87º a 90º da Lei Geral Tributária).
V. Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
Tendo em conta os indícios, referidos no ponto IV, de que a contabilidade não reflecte a situação patrimonial da sociedade nem os resultados efectivamente obtidos, vamos proceder ao apuramento do volume de negócios e do lucro tributável por métodos indirectos tendo por base o seguinte critério:
. Utilização do rácio da Margem Bruta I-3° quartil do CAE 45211 - Construção de Edifícios (unidade orgânica) que é de 77,27%.
A utilização do quartil é justificado pelo facto da empresa ter uma estrutura reduzida, com implicação nos respectivos custos, e dos custos financeiros serem de montante reduzido.
Assim:
Volume de negócios Presumido = CMVMPC/(1-0,7727)
= 6 604 607$/0,2273
=26 681 069$ (€ 133 083,61) IVA em falta= (V.N. presumido - V.N. Declarado) x Taxa
= 26681069$ -19155550$) x 0,17 =
= 1279 338$ (€ 6381.31)
O imposto em falta é distribuído por períodos em partes iguais
Lucro Tributável proposto = Lucro tributável declarado + Correcções ao V. negócios
= 424079$ + 7525519$
= 8804857$ (€ 43918.44)
(...)».
B) Em 05/12/2002, a Impugnante foi notificada do relatório de Inspecção Tributária e dos despachos que sobre ele recaíram, bem como da fixação da matéria tributável, por métodos Indirectos, para o ano de 2000, em sede de IRC e de IVA, respectivamente, nos montantes de 43.918,44 € 6.381,31€ - fls. 54 a 55.
C) Em 12-3-2003, foi emitida a liquidação de IRC referente ao ano de 2000, de fls. 7, que se dá por integralmente reproduzida.

Factos não provados:
Com interesse para a decisão não se provaram outros factos.
*
A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedente.


A que, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do Código de Processo Civil (CPC), se acrescentam ao probatório mais duas alíneas em ordem a dele constar as vicissitudes processuais ocorridas nos autos e com relevo para a apreciação do presente recurso:
D) A presente impugnação judicial fora já objecto de anterior sentença proferida em 16-9-2009 (fls 137 a 147), em que a julgou procedente pelo fundamento de falta de notificação para o exercício de do direito de audição prévia, mais tendo conhecido e decidido que o acto objecto dos autos é inimpugnável com fundamento em erro nos pressupostos da aplicação de métodos indirectos e em errónea quantificação da matéria colectável determinada com recurso àqueles métodos;
E) De tal sentença foi interposto recurso pela Fazenda Pública, onde a ora recorrente não veio a contra-alegar, o qual veio a ser julgado pelo STA (acórdão de fls 203 a 212 dos autos), em que revogou a sentença recorrida pelo vício de falta de audição prévia e ordenou a baixa dos autos à 1.ª instância para que aí se conheça dos demais vícios suscitados pela impugnante.


4. Na matéria da sua conclusão 8ª das alegações do recurso, vem a ora recorrente assacar à sentença recorrida o vício formal de omissão de pronúncia, a existir, conducente à declaração da sua nulidade, cujo pedido, consequente e certeiro, não deixou, a final, de formular – se requer a V. Exa., recebido o presente deve a decido ser considerada nula por vício de pronuncia - porque o mesmo a ocorrer gerar, na realidade, a nulidade desta, nos termos do disposto nos art.ºs 668.º n.º1 alínea d), 660.º n.º2 e 713.º n.º2 do Código de Processo Civil (CPC), 143.º e 144.º do Código de Processo Tributário (CPT), e hoje dos art.ºs 124.º e 125.º do CPT, importa por isso conhecer, em primeiro lugar, desta invocada nulidade.

Aquela invocada nulidade só pode ocorrer, nos termos daquelas normas citadas em primeiro lugar, quando o Juiz deixe de pronunciar-se em absoluto de questão que deva conhecer, que por isso tenha sido submetida à sua apreciação e da qual não conheça, nem o seu conhecimento tenha sido considerado prejudicado pela solução dada a outra(s), como constitui jurisprudência abundante (1).

Como sabiamente invocava o Professor Alberto dos Reis - Código de Processo Civil Anotado, volume V, (Reimpressão), pág. 142 e segs - «Esta nulidade está em correspondência directa com o 1.º período da 2.ª alínea do art.º 660.º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras....
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».

Consubstancia, no caso, a recorrente, tal omissão de pronúncia, por o M. Juiz do Tribunal "a quo", nesta sentença ora recorrida não ter conhecido ... Depois a senhora juiz comete omissão de pronúncia quando não conhece que a empresa só com 3 anos de actividade não poderia ser tributada pelos métodos indirectos..., sendo assim esta a concreta “questão” que aponta como tendo sido omitido o seu conhecimento na mesma sentença recorrida e que por si tenha sido articulada na respectiva petição inicial de impugnação judicial, sendo certo, na verdade, que o juiz deve conhecer na sentença, ...das questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não de todos os argumentos ou raciocínios expendidos pelo recorrente para sustentar a sua posição, nos termos do disposto no art.º 660.º n.º2 do CPC, tendo contudo, no caso, adiante-se desde já, o M. Juiz do Tribunal ”a quo” não incorrido neste vício formal dos limites do conhecimento do objecto da reclamação, já que, como bem explicita no seu despacho de sustentação de fls 257 dos autos, proferido ao abrigo do disposto no art.º 668.º, n.º4 do CPC, por tal matéria de erro nos pressupostos da aplicação dos métodos indirectos, onde a ora recorrente entendeu que tal factualidade se subsumia – cfr. matéria dos artigos 26.º e 27.º da sua petição inicial de impugnação – foi conhecida na anterior sentença proferida e onde tal questão foi conhecida no sentido da sua inimpugnabilidade por falta de pedido de revisão, em tempo formulado, sendo que a mesma não apresentou contra-alegações no recurso interposto pela Fazenda Pública, relativamente a este fundamento em que havia ficado vencida, nos termos do disposto no art.º 684.º-A do CPC – cfr. matéria das alíneas D) e E), ora acrescidas ao probatório - pelo que sobre tal matéria se formou caso julgado material, por força do disposto no n.º4 do art.º 684.º do CPC, como de resto o acórdão do STA, constante de fls 203 a 212, expressamente veio a reconhecer, como dele se pode colher ...decidiu que o acto objecto dos autos era inimpugnável com fundamento em erro nos pressupostos da aplicação de métodos indirectos e em errónea quantificação da matéria colectável determinada com recurso àqueles métodos..., pelo que, na sentença recorrida, não pode ter sido cometido tal vício formal.

Assim, o M. Juiz do Tribunal “a quo” não conheceu daquela questão e nem da mesma já havia que conhecer, nos termos supra, pelo que a mesma não padece do vício de omissão de pronúncia, conducente à declaração da sua nulidade, ainda que tal matéria não configure apenas uma mera argumentação mas sim uma verdadeira “questão” no sentido vertido nas normas dos art.ºs 668.º, n.º1, alínea d) e 660.º, n.º2 do CPC, tendo o juiz o dever de sobre ela se pronunciar (se não se tivesse pronunciado já, na anterior sentença), enquanto elemento integrador da petição inicial da impugnante sendo um dos que foi articulado como (também) conduzindo à procedência do pedido formulado de anulação do acto impugnado, levando à procedência da mesma impugnação judicial.

No caso, não tendo a M. Juiz do Tribunal “a quo” conhecido e decidido da invocada e verdadeira questão, mas não sendo tal pronúncia já devida outra vez, por força do citado caso julgado, desta forma não deixou de conhecer de “questão”, enquanto factualidade enformadora com aptidão para conduzir à procedência da presente impugnação judicial, pelo que não ocorreu a apontada omissão de pronúncia, assim não podendo deixar de improceder a matéria da conclusão do recurso atinente a este vício formal, sendo de não declarar nula a sentença recorrida.


Improcede assim, a matéria desta conclusão do recurso, sendo de não declarar nula a mesma sentença.


4.1. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou o M. Juiz do tribunal “a quo”, em síntese, que no caso o acto de liquidação de IRC se encontrava devidamente fundamentado, na sua vertente formal, enquanto acobertado na factualidade recolhida pela Inspecção Tributária, junto da sua contabilidade, e não infirmada por qualquer uma outra, dando-lhe a conhecer por que teve lugar aquela liquidação com aquele concreto montante e não qualquer uma outra e que na mesma também não ocorria o invocado vício de desvio de poder, enquanto actuação da AT que se motivara por um fim diverso daquele para que a lei lhe conferia o direito de liquidar o imposto.

Para a impugnante e ora recorrente de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é apenas contra esta falta de fundamentação formal do acto de liquidação que vem esgrimir argumentos tendentes a reapreciar a decisão recorrida em ordem a sobre ela formular um juízo de censura conducente à sua revogação ou alteração, já que os demais vícios ou erros assacados à mesma sentença, como seja a omissão de pronúncia, se não verificam ou deles não é de conhecer (como já se decidiu supra), que a falta de pressupostos para a AT lançar mão dos métodos indirectos no apuramento da matéria tributável foi questão que já transitou em julgado (como igualmente, acima, já se fundamentou) e a falta de fundamentação dos juros compensatórios (na nota de liquidação), constitui uma questão que não foi conhecida na sentença recorrida e nem foi articulada na matéria da sua petição inicial de impugnação judicial, sendo por isso uma questão nova, logo, fora do objecto do presente recurso, por também não ser de conhecimento por parte do tribunal.

Vejamos então.
Desde logo convém frisar, que o conceito de fundamentação exigível para cada tipo de acto depende da sua natureza, sendo de conteúdo variável em função do grau de complexidade do acto em causa, é instrumental e a sua suficiência deve ser aferida pelo comprometimento ou não da possibilidade de reacção contra o mesmo, e tem de ser contemporânea, ou seja, só vale a que no acto do seu nascimento teve lugar e que lhe subjaz e não outra, posteriormente aduzida, ainda que já então tivesse existência, mas que não foi invocada (2).

(3)Que os actos tributários devam ser fundamentados não discordam, quer a recorrente, quer o M. Juiz do Tribunal “a quo”, na sentença recorrida, ainda que no caso, quanto à fundamentação existente no acto de liquidação impugnado, a unanimidade já não existe, em que a sentença recorrida por um lado, defende tal fundamentação, ao passo que a recorrente, vem pugnar pela sua inexistência, ou pelo menos pela sua insuficiência.

A exigência legal da fundamentação tem em vista colocar o administrado em condições de conhecer e compreender o "iter" cognoscitivo, valorativo e volitivo do respectivo autor e, consequentemente, de se poder determinar pela aceitação ou pela impugnação do acto.

É sabido que a administração tem o dever de fundamentar os actos administrativos em geral, de modo claro, suficiente e congruente - cfr. os artigos 268.º n.º3 da Constituição, 1.º do Dec-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, 124.º e 125.º do Código de Procedimento Administrativo - bem como os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses dos contribuintes, especialmente daqueles que não pertençam ao tipo de actos "em série" ou "em massa", como hoje acontece, por força daquelas normas e das dos art.ºs 19.º alínea b), 21.º e 82.º do CPT, 77.º da LGT e 60.º do CPPT.

Esta obrigação não tem por objectivo único a "protecção por essa via dos direitos e interesses dos administrados mas inclui, em primeira linha, a garantia de um procedimento decisório correcto" - José Carlos Vieira de Andrade, O Dever da Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, pág. 43. Não se visa, pois, e apenas, que o particular fique ciente das razões por que a Administração decidiu de uma e não de outra maneira; quer-se, também, impor à Administração, por, esta via, uma necessária reflexão e ponderação explícitas das razões e argumentos em confronto, que a fundamentação do acto deve patentear, assim tornando transparente a actividade administrativa.
Daí que não baste dizer, em demonstração do cumprimento do dever de fundamentar, que o administrado reagiu contra o acto administrativo, revelando, com essa reacção, ter atingido o alcance e razões do acto. Por um lado, não é seguro que o administrado não tenha apenas "adivinhado" os fundamentos ocultos do acto administrativo, que dele mesmo, acto, devem transparecer. Por outro lado, o legislador quis que a administração não decidisse imponderadamente, obrigando-a a plasmar na fundamentação as razões da sua opção, de tal modo que a própria administração se aperceba, ao fundamentar, do bem ou mal fundado da sua escolha, a tempo de emendar a mão, se disso for caso, e que o acto se apresente transparente.
Isto para concluir que não é decisivo o argumento, aliás, frequente, de acordo com o qual só o facto de o acto ter sido contenciosamente recorrido, com a decorrente imputação de vícios, já demonstra que ele estava devidamente fundamentado.

A fundamentação consiste em deduzir a resolução tomada das premissas em que assenta, ou em exprimir os motivos por que se resolve de certa maneira e não de outra, in Marcello Caetano, "Manual de Direito Administrativo", Vol. I, pág. 477.

Numa fórmula abrangente será de considerar como fundamentação a exteriorização das razões de facto e de direito, que servem de suporte a uma decisão, esclarecedoras dos necessários e legais pressupostos e da motivação do agente.
Assim "o dever de fundamentação expressa apresenta-se como «um instituto» tendo como centro de referência uma declaração que reúne todas e quaisquer razões que o autor assuma como determinantes da decisão, sejam as que exprimam uma intenção de agir, demonstrando a ocorrência concreta dos pressupostos legais, sejam as que visam explicar o conteúdo escolhido a partir dessa adesão ao fim, manifestando a composição de interesses considerados para adoptar a medida adequada à satisfação do interesse público no caso", obra citada pág. 22.

Concretizando aquela noção de fundamentação diremos que a declaração em que se consubstancia há-de ser necessariamente justificante do acto que suporta, pela enunciação dos pressupostos possíveis e dos motivos coerentes e credíveis aptos à pertinência material do acto; isto é, as razões de facto e de direito invocadas hão-de traduzir-se num discurso que justifique, como possível e credível, o acto.

Nesta medida tal discurso há-de ser claro, congruente ou racional e suficiente por..."conter os elementos bastantes, capazes ou aptos a basear a decisão", ou por outras palavras, "os actos administrativos devem apresentar-se formalmente como disposições conclusivas lógicas de premissas correctamente desenvolvidas e permitir através da exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, façam a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente".

Esta, pois, a noção de fundamentação formal, imposta pelo nosso ordenamento jurídico, distinta da fundamentação substancial caracterizada pela exigência da existência dos pressupostos reais e dos motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo (cfr. obra citada 231)(4).

A este respeito e finalmente cabe, apenas, referir a possibilidade da fundamentação por remissão, situação em que "quaisquer invocações de factos ou de avaliações só pertencem à fundamentação se forem assumidos pelo decisor ou se este para elas remeter, por força da lei, esses fundamentos são, como as respectivas documentações, «integrados» no acto" (cfr. obra citada, 228).
...
No caso, tendo em conta que a AT desconsiderou o lucro tributável apurado pela ora recorrente na sua declaração de rendimentos para o exercício do ano de 2000, em sede de IRC, face aos factos apurados em sede de exame à escrita, por com base na mesma não conseguir apurar os reais custos e nem os reais proveitos, como da matéria da alínea A) do probatório se pode colher, que transcreve a pertinente matéria de tal relatório do exame à escrita a tal respeito, designadamente no ponto IV.1 desse relatório, no que às vendas e respectivos pagamentos dizem respeito, especialmente com transferências de montantes para a conta pessoal do sócio e gerente da ora recorrente e falta de diversos documentos de suporte de vária escrituração comercial, bem como o critério utilizado pela AT na quantificação que depois veio a efectuar – cfr. seu ponto V. – e respectivas operações consequentes, desta forma tendo sido adoptada uma fundamentação clara, suficiente e congruente que, não pode deixar de permitir ao contribuinte atingir o respectivo desiderato, como acima se fundamentou, permitindo-lhe apreender porque foram desconsiderados os dados e lançamentos apurados através da sua escrita e como foi alcançado tal montante de matéria tributável e respectiva liquidação, pelo que, quer a desconsideração da escrita e a adopção de métodos indirectos, quer a respectiva quantificação, repousam em factualidade que perfeitamente lhe dão a conhecer porque tiveram lugar tais actos e assim poder conformar-se pela sua aceitação ou pela sua impugnação, se com a mesma não concordasse, como veio a acontecer, não podendo por isso tal acto de liquidação padecer, nos seus pressupostos, desse invocado vício formal de falta da sua fundamentação, como igualmente bem se fez constar da fundamentação da mesma sentença ora recorrida.

Aliás, tendo a sentença recorrida adoptado uma fundamentação com alguma desenvoltura até, para estear que o acto de liquidação do IRC em causa não padecia do invocado vício formal de falta de fundamentação, e na matéria das suas conclusões das alegações do recurso, não tendo a ora recorrente procurado demonstrar o desacerto desses concretos fundamentos da mesma, com a indicação dos vícios ou erros que a afectavam – cfr. matéria da sua conclusão 2., onde nada se substancia - sempre não poderia o recurso assim minutado deixar de improceder (5), enquanto ao arrimo deste fundamento.

Quanto à falta de fundamentação dos juros compensatórios agora invocada pela recorrente na matéria das suas conclusões 11., foi questão que não foi oportunamente articulada na sua petição inicial de impugnação e nem foi conhecida na sentença recorrida, sendo por isso uma questão agora, fora do âmbito do objecto o presente recurso.

Improcede assim, toda a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 29 de Novembro 2011
Eugénio Sequeira
Aníbal Ferraz
Pereira Gameiro


(1) Cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 2.10.1996 (ambos), recursos n.ºs 20472 e 20491.
(2) Cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STA de 21-5-2008 e de 10-3-2011, recursos n.ºs 256/08-30 e 862/10, respectivamente.
(3) Seguiu-se aqui, de perto, a doutrina do acórdão deste TCAS proferido no recurso n.º 4272/10, igualmente da lavra do Relator do presente.
(4) Cfr. em sentido semelhante o acórdão do STA de 25.9.1996, recurso n.º 20 396.
(5) Cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STA de 4-11-2009 e de 16-12-2010, recursos n.ºs 16/08-30 e 783/10, respectivamente.