Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2386/12.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:01/16/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE ATO DE REDUÇÃO DO VALOR DA PENSÃO, COMPETÊNCIA MATERIAL DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
Sumário:I. O ato que fixa o quantitativo da pensão é um ato administrativo, à luz do artigo 148.º do CPA e do artigo 51.º do CPTA, ou seja, uma decisão que no exercício dos poderes jurídico-administrativos visam produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.

II. Apesar de estar em causa um ato administrativo de conteúdo estritamente vinculado, quer no tocante às regras legais do Estatuto da Aposentação, quer as decorrentes da aplicação das Leis do Orçamento de Estado, que estabelecem limites e condicionantes ao quantitativo da pensão, não deixa de estar em causa a prática de um ato administrativo, praticado por um órgão de uma entidade administrativa, como consiste a Caixa Geral de Aposentações, e não um ato emanado do exercício da função político-administrativa.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

A......., devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 12/04/2017, que no âmbito da ação administrativa especial instaurada contra a Caixa Geral de Aposentações, IP, julgou procedente a exceção de incompetência em razão da matéria, por não existir ato administrativo impugnável, mas sim ato político-legislativo, excluído da jurisdição administrativa, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, a) do ETAF, absolvendo o Demandado da instância.


*

Formula o aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

“1ª - O Autor instaurou a presente ação impugnando várias reduções do valor da sua pensão, efetuadas pela Ré Caixa Geral de Aposentações, nos anos de 2011 e 2012, invocando, em relação à maioria dessas reduções, a sua ilegalidade com fundamento na inconstitucionalidade das normas das Leis do Orçamento do Estado para esses anos que estabeleceram medidas excecionais de restrição temporária do valor das retribuições do sector público e das pensões.

2ª - É certo que a jurisprudência do Tribunal Constitucional veio prejudicar algumas das considerações e pretensões do Autor, relativas à inconstitucionalidade das normas com base nas quais a Ré efetuou a maioria das referidas reduções da sua pensão.

3ª - Porém, em relação a uma dessas reduções, o Autor invocou a ilegalidade da atuação da Ré por inexistência de qualquer fundamento legal que permitisse tal redução, isto é, a inexistência de qualquer norma, conforme ou desconforme à CRP, que a admitisse.

Trata-se da redução efetuada pela Ré em Outubro de 2011, no valor mensal de e 5.075,27, com efeitos desde 1 de Agosto do mesmo ano.

4ª - Esta redução encontra-se impugnada nos artigos 36º a 41o da petição inicial, com fundamento em ilegalidade, sendo certo que se mantém o interesse da presente ação em relação a essa concreta redução da pensão.

5ª -Todas as demais reduções do valor da pensão do Autor, baseadas em normas excecionais inseridas nas Leis do OE, foram, entretanto, eliminadas por novas medidas legislativas, como se sabe.

6ª - Todavia, esta redução de € 5 .075,27 foi mantida, porquanto não teve por base qualquer das normas a que a douta sentença recorrida se refere.

7ª - No n° 31) dos factos assentes, a douta sentença recorrida afirma o seguinte:

Em 12/ 07/2 012, a Ré respondeu ao A, pelo Ofícío nº………., de fls. 72, doc.16, da PI, cujo teor se dá aqui por íntegra/mente reproduzido, informando-o, em suma, que a atualização da sua pensão decorrera do mecanismo legal de atualização das pensões do pessoal da CGD e que as reduções ocorreram por via do cumprimento das disposições legais, de natureza excecional e imperativa, da Lei n° 55-A/ 2010, de 31/12 {LOE para 2011] e da Lei nº 64-8/2 011, de 30/12 [LOE para 2012].

8ª - Aparentemente, porém, o Tribunal não se apercebeu de que a atualização da pensão aí referida consistiu numa redução do seu valor em € 5.075,27.

9ª - Certo é que não se pronunciou mais sobre esta redução ou, então, considerou que essa foi uma das medidas determinadas pelas citadas Lei nº 55-A/2010, de 31/12 [LOE para 2011] e Lei n° 64- 8/2011, de 30/12 [LOE para 2012].

10ª - Ora, em função dos termos em que tal matéria se encontra equacionada na P.I., o Tribunal não podia considerar que esta redução da pensão foi determinada, como as demais, pelas normas das Leis do OE, nem podia deixar de apreciar esta matéria e decidir sobre a legalidade ou ilegalidade da referida redução, mesmo à luz do entendimento que conduziu à declaração de incompetência do tribunal.

11ª - Não o tendo feito, como não fez, a sentença é nula nos termos dos nºs 1 e 3 do artigo 95º do CPTA e da alínea d) do nº 1 do art. 615º do Código de Processo Civil.

12ª - Em todo o caso, acontece que a referida redução da pensão do Autor é manifestamente ilegal. Com efeito,

13ª - Na sua contestação (artigos 25º a 60º), a Ré esclarece, em síntese, que a referida redução do valor da pensão do Autor, no montante mensal de € 5.075,27, com efeitos desde 1 de agosto de 2011, se deve a uma alteração na forma de governo da Caixa Geral de Depósitos, determinada pelo acionista, em função da qual a Ré entendeu que o cargo exercido pelo Autor, de Vogal do Conselho de Administração, passou a corresponder ao de Vogal do novo órgão Comissão Executiva.

14ª - E que, por via da indexação do valor da pensão do Autor ao das remunerações do pessoal no ativo, o valor dessa pensão teve de ser recalculado com base nessas novas remunerações, muito inferiores.

15ª - Mas não existe qualquer norma – seja de base legal, regulamentar ou convencional - que imponha ou admita a redução da pensão do Autor com base em alegadas alterações da forma de governo da CGD.

16ª - A pensão de aposentação do Autor está sujeita a um regime de atualização que consta do n° 3 da Ordem de Serviço nº 6/91, para o qual remete o n° 6 da Ordem de Serviço n° 7/95, juntas com a petição inicial. Ora,

17ª - Como se pode ver, esse regime prevê apenas a atualização das pensões "sempre que se verificarem aumentos na tabela de retribuições do pessoal da Caixa na efectividade de serviço", determinando que, nesses casos, se proceda ao recalculo das pensões e à sua atualização quando o seu valor seja inferior ao resultante desse recalculo.

18ª - Em parte alguma se estabelece que, em caso de eventual redução das correspondentes remunerações do pessoal em efetividade de funções se proceda à redução do valor das pensões.

19ª - Pelo exposto, é totalmente infundada e ilegal a redução da pensão do Autor em € 5.075,27, com efeitos desde 2011.08.01, pelo que deve ser anulada.

20ª - O Tribunal a quo concluiu que, nesta ação, o Autor pretendia impugnar atos legislativos, e não atos administrativos, isto é, o que o Autor ataca são as normas legais que lhe foram aplicadas - invocando a inconstitucionalidade dessas normas -, e não os atos de aplicação dessas normas.

21ª - E, com base nesta conclusão, declarou-se materialmente incompetente.

22ª - Mas, salvo o devido respeito, o que o Autor impugnou, nesta ação, com fundamento em nulidade e ilegalidade, oram os atos praticados pela Ré, consistentes em reduções da sua pensão, nuns casos mediante invocação de inconstitucionalidade das normas legais em que se basearam algumas dessas reduções, noutros porque não existem quaisquer normas - conformes ou desconformes à CRP - que os admitam, como é o caso da referida redução de € 5.075,27, com efeitos desde 2011.08.01.

23ª - Em qualquer dos casos, o Tribunal a quo é competente. Com efeito:

24ª - Se o Tribunal considera que as normas legais aplicadas pela Ré não são inconstitucionais, como concluiu o Tribunal Constitucional, e a nulidade ou ilegalidade dos atos invocadas pelo Autor dependia da inconstitucionalidade das ditas normas, como acontece em relação a algumas da reduções da pensão do Autor, então deveria declarar esses atos válidos, por não se verificar qualquer das invalidades invocadas pelo Autor.

25ª Na verdade, declarar os Tribunais Administrativos incompetentes porque a procedência ou improcedência da pretensão do Autor depende apenas do julgamento da constitucionalidade das norma legais aplicadas pela autoridade administrativa - a Ré -, equivale a negar o direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no art. 20º da CRP; a proibição dos tribunais, de todos os tribunais, de aplicarem normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados, nos termos do artigo 204º da mesma CRP; bem como o regime de fiscalização concreta da constitucionalidade das leis, que é feita por via de recurso para o tribunal constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, ou que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (art. 280º)

26ª - No caso sub judice, declarar os tribunais administrativos incompetentes, com o fundamento invocado pelo Tribunal a quo, equivale a declarar competente para o julgamento da causa o Tribunal Constitucional, quando é certo que o particular não tem o direito de acesso ao Tribunal Constitucional a não ser por via de recurso, nos termos do citado art. 280º da CRP e da Lei do Tribunal Constitucional.

27ª - Pelo que, salvo o devido respeito, sempre estaria errada a decisão contida na sentença recorrida na parte em que declara o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra incompetente pelas razões aí invocadas.

28ª - Acontece que, mesmo à luz do entendimento expendido na douta sentença recorrida sobre esta questão da competência, a decisão sempre seria errada em relação à citada redução do valor da pensão do Autor, de € 5.075,27, com efeitos desde 2011.08.01, na medida em que, quanto a esta redução, o Autor não invoca a inconstitucionalidade de qualquer norma, mas antes a inexistência de qualquer norma ou fundamento que justifique essa redução.

29ª - Assim, deve ser alterada a douta decisão recorrida, declarando­ se a jurisdição administrativa competente para julgar esta ação.

30ª - Contrariamente ao que se concluiu na douta sentença recorrida, a presente ação foi instaurada tempestivamente. Com efeito:

31ª - A redução do valor da pensão do Autor, no montante mensal de € 5.075,27, com efeitos desde 2011.08.01, ocorreu em outubro de 2011.

32ª - O Autor jamais foi notificado do ato pelo qual foi decidida essa redução, nem quanto ao autor desse ato, nem quanto à data da sua prolação, nem quanto aos seus fundamentos.

33ª - Sendo certo que no ano de 2011 ocorreram várias reduções da pensão do Autor sem que este tenha sido notificado de quaisquer atos subjacentes a essas reduções, o Autor só tomou conhecimento do ato que determinou a dita redução de € 5.075,27, bem como da razão subjacente a essa redução, através do ofício da Ré de 12 de julho de 2012, em resposta à sua carta de 27 de junho de 2012.

34ª - A ação deu entrada em juízo em 1de outubro de 2012.

35ª - Nos termos do artigo 59º do mesmo CPTA, o prazo para a impugnação pelos destinatários a quem o acto administrativo deva ser notificado só corre a partir da data da notificação, ainda que o acto tenha sido objecto de publicação obrigatória.

36ª - Por outro lado, tal como se refere na p.i., a pensão de aposentação dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações é atribuída e paga pela Caixa Geral de Aposentações (arts. 64º, nº 1, e 97°, nº 1, do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 498/72, de 9/12), sendo que a resolução final pela qual é atribuída só pode ser revogada ou reformada por ilegalidade, ou retificada por erro de escrita ou de cálculo, nos termos gerais de direito (art. 102º desse Estatuto).

37ª - Acresce que, contrariamente ao que parece resultar das conclusões da douta sentença recorrida, os atos de processamento e pagamento da pensão com a referida redução de € 5.075,27, sem que o Autor tenha sido notificado das razões subjacentes a essa redução não se consolidaram na ordem jurídica.

38ª - Na verdade, impor ta ter presente que, de acordo com a jurisprudência consolidada no STA, os atos de processa mento de abonos constituem verdadeiros atos administrativos suscetíveis de consolidação na ordem jurídica como «casos decididos » se não forem objeto de atempada impugnação, se e na medida em que contenham um definição voluntária e inovatória, por parte da Administração, da situação jurídica do funcionário abonado, relativamente ao processamento em determinado sentido e com determinado conteúdo (cfr. entre outros, Acórdão do Pleno do STA de 05-062008, proc. n. 0 01212106).

39ª - Ora, no caso dos autos, tal definição jurídica apenas ocorreu com a resposta ao requerimento a presentado pelo Autor em 2012.06.24, pelo que não era exigível ao Autor que reagisse contra os concretos atos de processamento da sua pensão.

40ª - Assim, salvo o devido respeito, a ação é tempestiva.”.

Pede a anulação da sentença recorrida, que seja declarada a competência dos Tribunais Administrativos para o conhecimento e julgamento da pretensão do autor, que seja declarada nula ou anulada a decisão pela qual a pensão do Autor foi reduzida e condenada a Ré no reposicionamento da pensão do Autor e ao pagamento das diferenças devidas.


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Notificada a CGA, veio a mesma contra-alegar o recurso, assim tendo concluído:

“A. Como fundamenta a Sentença recorrida, “Os processamentos que devam ser efetuados pela R, com as reduções em questão, são mera aplicação direta de uma norma legal, no caso, o artigo 19 e os demais preceitos alegados da Lei 55-A/2010, de 31/12, [mantido pelos artigos 20, da Lei 64-B/2011, de 30/12, pelos 27 da Lei 66-B/2012, de 31/12, e depois pelo artigo 33 da Lei 83-C/2013, de 31/12].” (cfr. pág. 17 da Sentença recorrida)

B. Está em causa a aplicação, pela CGA, das normas que lhe foram ditadas pelos art.ºs 68.º, n.º 2 e 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011 - LOE/2011), e no n.º 15 do art.º 20.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012 - LOE/2012).

C. Através do oficio n.º 969/2012, de 2012-07-12, aliás também junto aos autos pelo próprio Autor/ora Recorrente como Doc. 16 e cujo teor, em 31) dos Factos Assentes, "...se dá por integralmente reproduzido ..." a CGA transmitiu ao Recorrente as razões cm que assentaram as reduções operadas à sua pensão.

D. Por força do n.º 2 do art.º 68.º da LOE para 2011, aos pensionistas cujas pensões sejam automaticamente atualizadas por indexação à correspondente remuneração do pessoal no ativo (caso dos aposentados da CGD) aplicam-se as regras estabelecidas na mesma Lei para os trabalhadores cm efetividade de funções, isto é, aplicam-se-lhes as reduções previstas no art.º 19.º da LOE para 201 1, cujo n.º 1 1 prescrevia que "O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas. especiais ou excepcionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e contratos de trabalho, mio podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos."

E. Em face do quadro legal aplicável, não podiam ser afastadas as regras alusivas quer ao regime de indexação das pensões de reforma do pessoal da CGD, consagradas, por força do artigo 39.º, n.º 6, da Lei Orgânica da CGD, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 48953, de 5 de abril de 1969 (na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 21 1/89,de 30 de junho), na Ordem de Serviço n.º 7/95, quer das disposições legais, de natureza excecional e imperativa, impostas pelos artigos 19.º e 162.º da LOE para 2011 e pelo art.º 20.º da LOE para 2012.

F. Não assistindo razão ao Recorrente quando defende que as atualizações das pensões do pessoal da CGD operam apenas no sentido ascendente, uma vez que o conceito de «indexação» não pode ser tido por relevante apenas nos casos em que se verifique o aumento das remunerações do pessoal do ativo.

G. Limitando-se a CGA a dar cumprimento ao quadro legal aplicável, não se compreende com que fundamento possam ser afastadas, para o caso concreto do Recorrente, as disposições, de natureza excecional e imperativa, impostas pelos art.ºs 68.º, n.º 2 e 19.º da LOE/2011 e no n.º 15 do art.º 20.º da LOE/2012.

H. Sobre as quais já se pronunciou o Tribunal Constitucional nos Acórdãos proferidos a propósito quer da LOE para 2011 (Acórdão n.º 396/11) quer da LOE para 2012 (Acórdão n.º 353/12).”.

Pede que o recurso seja julgado improcedente e seja confirmada a sentença recorrida.


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Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não foi emitido parecer.

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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

Segundo as conclusões do recurso, as questões suscitadas, resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Nulidade decisória, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, d) do CPC;

2. Erro de julgamento quanto à decisão de incompetência material quanto ao ato de redução da pensão efetuada em outubro de 2011, com efeitos a 01 de agosto, para o valor de € 5.075,27, por ilegalidade, não se baseando nas normas da Lei do Orçamento de Estado para 2011 e para 2012, por violação do artigo 20.º da CRP e por ser a ação tempestiva.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

1) O Autor [A], A……., reside na Avª da República, …..Lote….., …. D, Parede, Cascais –acordo e docs juntos.

2) O Autor integrou o Conselho de Administração da CGD entre 23/04/1996 e 06/04/2004 - cfr Nota Biográfica emitida pela Direção de Pessoal da CGD em 2004-04-06, - doc do PA anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3) Em 07/04/2004, foi celebrado entre o A e a CGD um Acordo de Suspensão da prestação de trabalho – acordo e docs juntos.

4) Em 09/03/2005, a Direção de Pessoal da CGD remeteu à CGA o expediente necessário à instrução do processo de aposentação do Autor – acordo e docs juntos.

5) Desse expediente fazia parte a supra referida Nota Biográfica emitida pela Direção pela Direção de Pessoal da CGD, acima referida, em que consta, como última remuneração ilíquida auferida pelo interessado, a de €17.457,93 – acordo e docs juntos.

6) Em 15/03/2005, por despacho proferido pela Administração da CGA, foi fixada ao Autor uma pensão no valor mensal de € 14.149,65 – acordo e docs juntos.

7) Ficou consignado naquele documento, acabado de referir, em sede de «Observações» que: «A presente pensão foi calculada aplicando-se a fórmula prevista no nº 5 da Ordem de Serviço nº 7/95, de 28 de Abril».

8) Em 21/04/2005, por despacho proferido pela Administração da CGA, a pensão do A foi rectificada, para alteração das remunerações assessórias, ficando então fixada no valor mensal de € 14.540,48 –acordo e docs juntos.

9) Em 20/04/2011, pelo despacho nº 5……, do Sr Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, foi autorizada, nos termos e ao abrigo da alínea t) do nº 9 do artigo 19, da LOE para 2011 e do nº 1 da Resolução do Conselho de Ministros nº 1/2011, de 04/01, a adaptação das reduções remuneratórias previstas naquela LOE aos trabalhadores no ativo nas empresas do Grupo CGD -doc 18 junto aos autos pelo A, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

10) Em 22/07/2011, pela deliberação do acionista único em Assembleia Geral da CGD, foi decidido reduzir as remunerações dos membros do Conselho de Administração da Empresa.

11) No dia 14/10/2010 o Conselho do Ministros aprovou a Proposta de Lei sobre o Orçamento do Estado para 2011.

12) Em 15 e 16/10/2010, a Proposta de Lei acabada de referir deu entrada na Assembleia da República [AR], uma parte no final do dia 15 de Outubro, e outra parte no dia seguinte.

13) Em 15/10/2010, a referida Proposta de Lei, que adquiriu o nº 42/XI, foi publicada no Diário da Assembleia da República, II Série‐A.

14) O Capítulo III da «Proposta de Lei n° 42/XI (2ª) – Orçamento do Estado para 2011» contém no artigo 17, inserido num capítulo com «Disposições relativas a trabalhadores do sector público», que regula a redução remuneratória dos trabalhadores abrangidos.

15) No dia 20/10/2010 teve lugar uma reunião do plenário da Assembleia da República.

16) Nesse dia 20/10/2010, a Mesa da Assembleia da República informou os Senhores Deputados da entrada e admissão da «Proposta de Lei nº 42/XI (2ª) – Orçamento do Estado para 2011» e da sua baixa à 5ª e demais às comissões (cfr Diário da Assembleia da República, I Série, nº 16, de 21 de Outubro de 2010).

17) Nesse dia 20/10/2010, a Proposta de Lei acabada de referir, mediante promoção do Governo, foi submetida a apreciação pública, no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 5, Separata, «normas constantes da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2011 com incidência nos trabalhadores com relação jurídica desemprego regulada pelo Código do Trabalho».

18) O prazo para a apreciação pública fixado, cfr Boletim do Trabalho e Emprego, nº 5, Separata, foi de 20 dias «a contar da data da sua publicação».

19) Em 27/10/2010, a Assembleia da República submeteu a apreciação pública, através de publicação no Diário da Assembleia da República, Separata, desse dia, o Capítulo III da «Proposta de Lei nº 42/XI (2ª) – Orçamento do Estado para 2011», ou seja, as «Disposições relativas a trabalhadores do sector público» constantes dos artigos 17 a 43.

20) O prazo para a pronúncia das associações sindicais representativas dos trabalhadores da referida Proposta de Lei foi fixado de 27/10/2010 a 15/11/2010, terminando nesse dia.

21) Em 03/11/2010, a Assembleia da República discutiu e votou, na generalidade, a Proposta de Lei nº 42/XI, acima mencionada.

22) Em 24, 25 e 26/11/2010 a Comissão de Orçamento e Finanças da AR discutiu na especialidade, a “Proposta de Lei nº 42/XI (2ª) – Orçamento do Estado para 2011” – designadamente, o seu Capítulo III das «disposições relativas a trabalhadores do sector público».

23) Em 26/11/2010, depois da discussão e aprovação na especialidade, a Proposta de Lei nº 42/XI foi aprovada em votação final global.

24) O texto aprovado da Proposta de Lei nº 42/XI deu origem ao Decreto da Assembleia da República nº 69/XI.

25) Em 17/12/2010, o Decreto da AR nº 69/XI foi enviado para promulgação do Presidente da República.

26) Em 31/12/2010, foi publicada na 1ª série do Diário da República a Lei nº 55‐A/2010, de 31/12, que aprovou o Orçamento do Estado para 2011 [LOE/2011], e que teve origem na referida iniciativa legislativa.

27) O artigo 19, da Lei 55-A/2010, de 31/10, [correspondente ao artigo 17 da Proposta de Lei], tem o seguinte teor [texto do Diário da República [DR], 1ª série, Nº 253, de 31/12/2010]:

«1- A 1 de Janeiro de 2011 são reduzidas as remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o nº 9, de valor superior a € 1500, quer estejam em exercício de funções naquela data, quer iniciem tal exercício, a qualquer título, depois dela, nos seguintes termos:

a) 3,5 % sobre o valor total das remunerações superiores a € 1500 e inferiores a € 2000;

b) 3,5 % sobre o valor de € 2000 acrescido de 16 % sobre o valor da remuneração total que exceda os € 2000, perfazendo uma taxa global que varia entre 3,5 % e 10 %, no caso das remunerações iguais ou superiores a € 2000 até € 4165;

c)10 % sobre o valor total das remunerações superiores a € 4165.

2 - Excepto se a remuneração total ilíquida agregada mensal percebida pelo trabalhador for inferior ou igual a €4165, caso em que se aplica o disposto no número anterior, são reduzidas em 10 % as di versas remunerações, gratificações ou outras prestações pecuniárias nos seguintes casos:

a) Pessoas sem relação jurídica de emprego com qualquer das entidades referidas no nº 9, nestas a exercer funções a qualquer outro título, excluindo-se as aquisições de serviços previstas no artigo 22º;

b) Pessoas referidas no nº 9 a exercer funções em mais de uma das entidades mencionadas naquele número.

3 - As pessoas referidas no número anterior prestam, em cada mês e relativamente ao mês anterior, a s informações necessárias para que os órgãos e serviços processadores das remunerações, gratificações ou outras prestações pecuniárias possam apurar a taxa de redução aplicável.

4 - Para efeitos do disposto no presente artigo:

a) Consideram-se remunerações totais ilíquidas mensais as que resultam do valor agregado de todas as prestações pecuniárias, designadamente, remuneração base, subsídios, suplementos remuneratórios, incluindo emolumentos, gratificações, subvenções, senhas de presença, abonos, despesas de representação e trabalho suplementar, extraordinário ou em dias de descanso e feriados;

b) Não são considerados os montantes abonados a título de subsídio de refeição, ajuda de custo, subsídio de transporte ou o reembolso de despesas efectuado nos termos da lei e os montantes pecuniários que tenham natureza de prestação social;

c) Na determinação da taxa de redução, os subsídios de férias e de Natal são considerados mensalidades autónomas;

d) Os descontos devidos são calculados sobre o valor pecuniário reduzido por aplicação do disposto nos nºs 1 e 2.

5 - Nos casos em que da aplicação do disposto no presente artigo resulte uma remuneração total ilíquida inferior a € 1500, aplica-se apenas a redução necessária a assegurar a percepção daquele valor.

6 - Nos casos em que apenas parte da remuneração a que se referem os nºs 1 e 2 é sujeita a desconto para a CGA, I.P, ou para a segurança social, esse desconto incide sobre o valor que resultaria da aplicação da taxa de redução prevista no nº 1 às prestações pecuniárias objecto daquele desconto.

7 - Quando os suplementos remuneratórios ou outras prestações pecuniárias forem fixados em percentagem da remuneração base, a redução prevista nos nºs 1 e 2 incide sobre o valor dos mesmos, calculado por referência ao valor da remuneração base antes da aplicação da redução.

8 - A redução remuneratória prevista no presente artigo tem por base a remuneração total ilíquida apurada após a aplicação das reduções previstas nos artigos 11º e 12º da Lei nº 12A/2010, de 30 de Junho, e na Lei nº 47/2010, de 7 de Setembro, para os universos neles referidos.

9 - O disposto no presente artigo é aplicável aos titulares dos cargos e demais pessoal de seguida identificado:

a) O Presidente da República;

b) O Presidente da Assembleia da República;

c) O Primeiro-Ministro;

d) Os Deputados à Assembleia da República;

e) Os membros do Governo;

f) Os juízes do Tribunal Constitucional e juízes do Tribunal de Contas, o Procurador -Geral da República, bem como os magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e juízes da jurisdição administrativa e fiscal e dos julgados de paz;

g) Os Representantes da República para as regiões autónomas;

h) Os deputados às Assembleias Legislativas das regiões autónomas;

i) Os membros dos governos regionais;

j) Os governadores e vice -governadores civis;

l) Os eleitos locais;

m) Os titulares dos demais órgãos constitucionais não referidos nas alíneas anteriores, bem como os membros dos órgãos dirigentes de entidades administrativas independentes, nomeadamente as que funcionam junto da Assembleia da República;

n) Os membros e os trabalhadores dos gabinetes, dos órgãos de gestão e de gabinetes de apoio, dos titulares dos cargos e órgãos das alíneas anteriores, do Presidente e Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, do Presidente e Vice-Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, do Presidente e juízes do Tribunal Constitucional, do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, do Presidente do Tribunal de Contas, do Provedor de Justiça e do Procurador -Geralda República;

o) Os militares das Forças Armadas e da Guarda Nacional Republicana, incluindo os juízes militares e os militares que integram a assessoria militar ao Ministério Público, bem como outras forças militarizadas;

p) O pessoal dirigente dos serviços da Presidência da República e da Assembleia da República, e de outros serviços de apoio a órgãos constitucionais, dos demais serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado, bem como o pessoal em exercício de funções equiparadas para efeitos remuneratórios;

q) Os gestores públicos, ou equiparados, os membros dos órgãos executivos , deliberativos, consultivos , de fiscalização ou quaisquer outros órgãos estatutários dos institutos públicos de regime geral e especial, de pessoas colectivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo, das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o sector empresarial regional e municipal, das fundações públicas e de quaisquer outras entidades públicas;

r) Os trabalhadores que exercem funções públicas na Presidência da República, na Assembleia da República, em outros órgãos constitucionais, bem como os que exercem funções públicas, em qualquer modalidade de relação jurídica de emprego público, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 2º e nos nºs 1, 2 e 4 do artigo 3º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada pelas Leis nºs 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e 3-B/2010, de 28 de Abril, incluindo os trabalhadores em mobilidade especial e em licença extraordinária;

s) Os trabalhadores dos institutos públicos de regime especial e de pessoas colectivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo;

t) Os trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades pública s empresariais e das entidades que integram o sector empresarial regional e municipal, com as adaptações autorizadas e justificadas pela sua natureza empresarial;

u) Os trabalhadores e dirigentes das fundações públicas e dos estabelecimentos públicos não abrangidos pelas alíneas anteriores;

v) O pessoal nas situações de reserva, pré-aposentação e disponibilidade, fora de efectividade de serviço, que beneficie de prestações pecuniárias indexadas aos vencimentos do pessoal no activo.

10 - Aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações que, até 31 de Dezembro de 2010, reúnam as condições para a aposentação ou reforma voluntária e em relação aos quais, de acordo com o regime de aposentação que lhes é aplicável, o cálculo da pensão seja efectuado com base na remuneração do cargo à data da aposentação, não lhes é aplicável , para efeito de cálculo da pensão, a redução prevista no presente artigo, considerando-se, para esse efeito, a remuneração do cargo vigente em 31 de Dezembro de 2010, independentemente do momento em que se apresentem a requerer a aposentação.

11- O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excepcionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.» -Texto extraído do DR, 1ª série, Nº 253, de 31/12/2010. [todos os destaques dos textos legai entre “comas” e outros textos sem ressalva em contrário são sempre nossos].

28) O artigo 68-1-2, da Lei 55-A/2010, de 31/12, com a epígrafe «Congelamento do valor nominal das pensões» tem o seguinte teor:

«1- Não são objecto de actualização, no ano de 2011:

a) Os valores das pensões regulamentares de invalidez e de velhice do regime geral de segurança social, as pensões por incapacidade permanente para o trabalho, as pensões por morte e por doença profissional e demais pensões, subsídios e complementos, previstos na Portaria nº 1458/2009, de 31 de Dezembro, atribuídos anteriormente a 1 de Janeiro de 2010;

b) Os valores das pensões de aposentação, reforma, invalidez e de outras pensões, subsídios e complementos atribuídas pela CGA, I. P, previstos na Portaria nº 1458/2009, de 31 de Dezembro, atribuídos anteriormente a 1 de Janeiro de 2011.

2 - O disposto no número anterior não é aplicável às pensões, subsídios e complementos cujos valores sejam automaticamente actualizados por indexação à remuneração de trabalhadores no activo, os quais ficam sujeitos à redução remuneratória prevista na presente lei, com excepção das pensões actualizadas ao abrigo do nº 1 do artigo 12º do Decreto‐Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, que seguem o regime previsto no número anterior».

29) O artigo 162-1, da Lei 55-A/2010, de 31/12, com epígrafe «Contribuição extraordinária de solidariedade» tem o seguinte teor:

«1- As reformas, pensões, subvenções e outras prestações pecuniárias de idêntica natureza, pagas a um único titular, cujo valor mensal seja superior a € 5000 são sujeitas a uma contribuição extraordinária de 10%, que incide sobre o montante que excede aquele valor».

30) Em 27/06/2012, o A dirigiu à R, a reclamação constituída pelo requerimento de fls 67 a 71, doc 15 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, com fundamentos em parte idênticos aos da presente acção, contra as reduções do valor da sua pensão, solicitando, entre o mais, que lhe fossem notificados os actos administrativos pelos quais foram determinadas essas reduções, com a indicação dos seus autores, das datas em que foram praticados e do seu conteúdo, fundamentos de facto e de direito.

31) Em 12/07/2012, a Ré respondeu ao A, pelo Oficio nº 969/2012, de fls 72, doc 16, da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, informando-o, em suma, que a atualização da sua pensão decorrera do mecanismo legal de atualização das pensões do pessoal da CGD e que as reduções ocorreram por via do cumprimento das disposições legais, de natureza excecional e imperativa, da Lei 55-A/2010, de 31/12 [LOE para 2011] e da Lei 64-B/2011, de 30/12 [LOE para 2012].

32) A presente acção deu entrada em juízo em 01/10/2012 – fls 2 e 3.

33) Os supra citados preceitos do DL 55-A/2010, foram mantido pelos artigos 20 da Lei 64- B/2011, de 30/12, [pelos 27 da Lei 66-B/2012, de 31/12 e pelo artigo 33 da Lei 83 -C/2013, de 31/12].

Factos não provados, com interesse para a presente decisão: não há.

Motivação: o tribunal fundou a sua convicção na análise crítica dos documentos referidos em cada ponto antecedente, cuja genuinidade não vem controvertida, nem nos deixa dúvida, no alegado e contra-alegado pelas partes e respetivos acordos, tudo conjugado com o disposto nos artigos 341, 342/ss e 362/ss, do CC e ainda 607-4, do CPC.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional, segundo a sua ordem lógica e prioritária de conhecimento.

1. Nulidade decisória, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, d) do CPC

Sustenta o Recorrente no presente recurso a nulidade da sentença recorrida, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, d) do CPC, por o Tribunal a quo não ter conhecido da causa de invalidade invocada.

Alega que instaurou a presente ação administrativa nela impugnando diversos atos de redução do valor da sua pensão, invocando quanto, à maioria, a sua ilegalidade por inconstitucionalidade das normas da lei do Orçamento de Estado.

Porém, em relação a uma dessas reduções sustenta que invocou a sua ilegalidade por inexistência de qualquer fundamento legal que permitisse a redução e a inexistência de qualquer norma que a admitisse, conforme constante nos artigos 36.º a 41.º da petição inicial.

Concretamente, trata-se da redução efetuada pela Caixa Geral de Aposentações (CGA) em outubro de 2011, no valor mensal de € 5.075,27, com efeitos a 01/08/2011 que o ora Recorrente entende que o Tribunal não se pronunciou.

Alega o Recorrente que nos termos em que a questão foi colocada, não podia o Tribunal considerar que esta redução da pensão foi determinada pelas demais normas das leis do Orçamento de Estado, não podendo deixar de apreciar esta matéria e decidir sobre a legalidade ou ilegalidade da referida redução.

Vejamos, tendo presente a configuração dada ao litígio, nos termos resultantes da petição inicial e os concretos termos decididos na sentença recorrida.

O Recorrente dirige a nulidade decisória contra a sentença recorrida, por omissão de pronúncia sobre a concreta redução do valor da pensão que foi efetuada em outubro de 2011, com efeitos reportados a 1 de agosto desse ano, ou seja, em relação ao ato impugnado que resulta identificado na alínea c) do artigo 99.º da petição inicial.

Quanto aos demais atos impugnados, identificados nas demais alíneas do citado artigo, o Autor, ora Recorrente, conforma-se com a concreta sentença que foi proferida, não a impugnando.

Por isso, o objeto do presente recurso incide apenas sobre a sentença recorrida na parte a que respeita à decisão incidente sobre a redução do valor da pensão ocorrido com efeitos reportados a 1 de agosto de 2011, por o Recorrente entender ser diferente o seu enquadramento.

Na parte restante, a sentença recorrida transitou em julgado, por falta de impugnação.

Analisando o teor da petição inicial é possível verificar que, o Autor identifica a questão em causa como sendo “A – Quanto à redução do valor mensal da pensão, de € 5.075,27, com efeitos desde 1 de Agosto de 2011”, constando essa alegação nos artigos 36.º a 53.º e, não como refere no presente recurso, nos artigos 36.º a 41.º da petição inicial.

Por isso, apenas no artigo 54.º da petição inicial se inicia a alegação referente a outra redução do valor da pensão, identificada pelo Autor como “B – Quanto à redução do valor mensal da pensão do Autor, a Título de Contribuição Especial de Solidariedade (…)”.

Donde, a alegação referente ao corte da pensão ora em análise ser mais vasta do que o ora Recorrente refere.

No que concerne ao teor do alegado nos citados artigos 36.º a 53.º da petição inicial pode constatar-se que o Autor neles se refere a ter sido notificado pelo ofício de 12/07/2016 dos fundamentos da redução do valor da pensão de € 5.075,27, com efeitos a 01 de agosto de 2011, a que se reporta o documento n.º 16 junto com a petição, levado ao julgamento de facto no ponto 31.

Nos citados artigos da petição inicial sustenta o Autor não compreender bem o que vem explicitado nesse documento da CGA, mas transcreve um excerto do mesmo, sob a invocação de que “Aparentemente, a parte do texto desse ofício que se refere à dita redução de € 5.075,27, é a seguinte: (…)”.

Depois contesta o Autor no artigo 41.º da petição inicial que essa redução possa ter por base a aplicação da Lei do Orçamento de Estado para 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro) e chega a afirmar no artigo 46.º da petição inicial que “Através do n.º 2 do art. 68.º da Lei n.º 55-A/2010, o legislador submeteu os aposentados cujas pensões sejam automaticamente actualizadas por indexação à correspondente remuneração do pessoal no activo às reduções decorrentes do artigo 19.º daquela Lei.”.

Em face do que antecede de imediato se toma posição por não assistir razão ao ora Recorrente, faltando totalmente os pressupostos em que sustenta o fundamento do recurso.

Ao contrário do por si alegado no recurso, a alegação da petição inicial a que se refere a redução da pensão em causa, operada com efeitos a 1 de agosto de 2011, não é apenas a que consta dos artigos 36.º a 41.º da petição inicial, mas a que consta dos artigos 36.º a 53.º desse articulado.

E o que consta da sua alegação na petição inicial, desde logo, no artigo 41.º por si referido, é a impugnação que o referido corte possa ter por fundamento a indexação da pensão às remunerações no ativo e a consequente aplicação das normas da Lei n.º 55-A/2010, designadamente, o disposto no artigo 68.º, n.º 2 dessa Lei do Orçamento de Estado.

Neste sentido, assenta a alegação recursiva da nulidade da sentença recorrida em pressupostos que de todo não se verificam, pois ao contrário do invocado, o Autor sustenta a impugnação da redução do valor da pensão ora em análise também nas normas da Lei do Orçamento de Estado, neste caso, para 2011, embora defendendo em relação às mesmas uma outra interpretação de direito.

Concretamente, o Autor impugna a redução do valor da pensão entendendo que não se pode aplicar qualquer Lei do Orçamento de Estado, por não terem aplicação à sua situação jurídica.

Por isso, não tem o ora Recorrente razão quando invoca no presente recurso que o fundamento da ilegalidade da redução da pensão a que se reporta a alínea c) do artigo 99.º da petição inicial não tem na sua base a aplicação de qualquer norma da Lei do Orçamento de Estado, por a mesma ter sido aplicada pela Recorrida e expressamente invocada no ofício notificado ao interessado, Autor na ação, e o mesmo se referir às Leis do Orçamento de Estado na sua alegação constante da petição inicial.

Donde, à semelhança de todos os demais casos de reduções do valor da pensão que foram impugnados em juízo, também neste caso está em causa a interpretação das normas da Lei do Orçamento de Estado.

Por outras palavras, à semelhança das demais reduções do valor da pensão, baseou o Autor a impugnação da redução da pensão com efeitos desde 1 de agosto de 2011 também na defesa da tese da não aplicação das normas das Leis do Orçamento de Estado, por lhes conferir diferente interpretação de direito.

Assim, em todos os casos de impugnação das reduções do valor da pensão do Autor, não deixa de estar em causa a aplicação das normas da Lei do Orçamento de Estado, sendo estas a fonte normativa da redução dos vencimentos, remunerações e demais abonos e também, direta e indiretamente, a causa da redução do valor das pensões.

Por isso, não tem sustento defender que a sentença omitiu o conhecimento de questão sobre o qual pendia o dever de conhecer, pois em face da concreta decisão proferida, de procedência da exceção de incompetência material dos tribunais administrativos, ficou prejudicado o conhecimento do mérito do pedido.

Sendo o tribunal incompetente em razão da matéria, não pode entrar no conhecimento do mérito do pedido.

Nestes termos, impõe-se negar provimento ao fundamento do recurso, por não incorrer a sentença recorrida em omissão de pronúncia.

2. Erro de julgamento à sentença recorrida no tocante à decisão de incompetência material quanto ao ato de redução da pensão efetuada em outubro de 2011, com efeitos a 01 de agosto, para o valor de € 5.075,27, por ilegalidade, por essa redução não se basear nas normas da Lei do Orçamento de Estado para 2011 e para 2012, por violação do artigo 20.º da CRP e por ser a ação tempestiva

No demais, o ora Recorrente dirige a censura contra a sentença recorrida ao julgar os tribunais administrativos absolutamente incompetentes para julgar o presente litígio em relação à citada redução do valor da pensão, contrariando que ela se possa basear na aplicação das normas da Lei do Orçamento de Estado e, por isso, não estar em causa ato praticado no exercício da função político-administrativa.

Segundo a alegação do Autor na petição inicial, reiterada no presente recurso, a referida redução do valor da pensão, com efeitos a 01 de agosto de 2011 deve-se a uma alteração na forma de governo da Caixa Geral de Depósitos (CGD), determinada pelo acionista, em função do qual a ora Recorrida, Caixa Geral de Aposentações passou a entender o cargo exercido pelo Autor, de Vogal do Conselho de Administração da CGD como correspondendo ao de Vogal do novo órgão da Comissão Executiva da CGD.

Por via da indexação do valor da pensão do Autor ao das remunerações do pessoal no ativo, o valor dessa pensão teve de ser recalculado com base nessas novas remunerações, muito inferiores.

Porém, sustenta o Autor, ora Recorrente, que não existe qualquer norma, legal, regulamentar ou convencional que determine essa redução da pensão do Autor.

Ora, cumpre antes de mais conhecer do erro de julgamento da sentença recorrida no tocante à competência em razão da matéria dos tribunais administrativos, pois a sentença recorrida ao julgar procedente a exceção de incompetência absoluta, não chegou a decidir do mérito da questão da legalidade da redução do valor da pensão ora em causa.

Não obstante não assistir razão ao ora Recorrente quanto à configuração da invocada nulidade decisória da sentença, por omissão de pronúncia, por o juiz não omitir questão que deva conhecer em face da concreta decisão proferida, além de não se verificarem os pressupostos em que assenta a alegação recursiva quanto aos fundamentos de ilegalidade invocados na petição inicial quanto à concreta redução da pensão em análise, não se pode acompanhar a sentença recorrida quanto ao enquadramento de direito do presente litígio, quanto o de não ter sido praticado um ato administrativo, nem estar em causa o exercício da função administrativa, mas antes o exercício da função político-legislativa.

Especificamente no que concerne à redução do valor da pensão com efeitos a 1 de agosto de 2011, que integra o objeto do presente recurso, o Autor, ora Recorrente, impugna uma decisão administrativa que define o valor da pensão, por aplicação de normas provenientes na Lei do Orçamento de Estado, como consta do ponto 31 do julgamento da matéria de facto, o que integra o conceito de ato administrativo impugnável, segundo o disposto nos artigos 148.º do CPA e do 51.º do CPTA.

Por conseguinte, afigura-se incorreto o enquadramento da sentença recorrida quando no seu ponto 2.3.1. passou a apreciar a questão da “natureza do acto impugnado: inexistência de acto administrativo”, assentando de que “O Autor, e toda a PI, parte do pressuposto de que nos encontramos perante um acto administrativo impugnável (…)”, entendendo que “não existe nenhum acto administrativo subjacente à operação material de processamento da remuneração”.

Ao contrário do decidido na sentença recorrida de que “Todos os vícios sobre os quais discorre na PI são vícios assacados a essa LOE/2011 e subsequentes…”, o Autor dirige a sua censura diretamente sobre a concreta decisão administrativa impugnada e não contra qualquer norma jurídica.

Trata-se de uma impugnação de um ato administrativo que foi notificado ao seu destinatário, tomada pela Caixa Geral de Aposentações, que reúne as características do artigo 148.º do CPA e do artigo 51.º do CPTA, ou seja, uma decisão que no exercício dos poderes jurídico-administrativos visam produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.

Apesar de estar em causa um ato administrativo de conteúdo estritamente vinculado, quer no tocante às regras legais do Estatuto da Aposentação, quer as decorrentes da aplicação das Leis do Orçamento de Estado, que estabelecem limites e condicionantes ao quantitativo da pensão, não deixa de estar em causa a prática de um ato administrativo, praticado por uma entidade administrativa, como a Caixa Geral de Aposentações.

A aplicação das Leis do Orçamento de Estado à situação jurídica do Autor consiste apenas um dos aspetos da normatividade aplicável, não interferindo com a caracterização e natureza da atuação do ente administrativo.

Por outras palavras, a circunstância de a situação jurídica merecer a aplicação das regras das Leis do Orçamento de Estado, não transmuta a natureza da decisão tomada como ato administrativo, não se tornando por causa da lei aplicável, num ato de natureza político-legislativa.

A circunstância de se aplicar à decisão tomada uma qualquer norma jurídica de uma Lei de Orçamento de Estado não acarreta inelutavelmente o exercício da função político-administrativa.

Por conseguinte não se pode manter a sentença recorrida na parte em que decidiu pela inexistência de ato administrativo e pela atuação imputável ao exercício da função político-legislativa e, consequentemente, pela incompetência dos tribunais administrativos para conhecer e julgar do litígio em presença na parte impugnada no presente recurso, a que se refere a alínea c), do artigo 99.º da petição inicial.

É manifesta a produção de efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta por banda da decisão da Caixa Geral de Aposentações, nos termos em que resultam do ponto 31 do julgamento da matéria de facto e do concreto teor do documento junto com a petição inicial, que constitui o seu respetivo meio de prova.

Além disso, é apreensível que o Autor não vem impugnar qualquer ato de processamento da pensão, o qual não é sequer identificado, mas sim a decisão da ora Recorrida que lhe foi notificada e que define o conteúdo do direito à pensão de aposentação, designadamente, no que concerne ao seu quantitativo.

Nos termos do citado ponto do julgamento de facto, é possível constatar a aplicação das normas das Leis do Orçamento de Estado à situação jurídica do Autor e que foram elas a determinar a redução realizada à sua pensão.

O Autor não formula qualquer pedido de impugnação de normas legais ou regulamentares, mas antes a impugnação de um ato administrativo.

Daí que se considere que no caso configurado em juízo, não se verificam os pressupostos de facto em que se baseia o Acórdão do Pleno do STA, de 22/09/2016, Proc. n.º 0729/14, razão pela qual não pode ser aplicável a sua doutrina.

Não sendo formulado qualquer pedido de impugnação de norma emanada no exercício da função político-legislativa da Assembleia da República e do Governo, não faz sentido falar em cumulação aparente de pedidos e de causas de pedir, no sentido de pretender o autor impugnar algo diverso de uma decisão administrativa.

Neste sentido, a jurisdição administrativa é competente em razão da matéria para conhecer do pedido deduzido pelo Autor na petição inicial, na parte a que se refere a alínea c) do artigo 99.º da petição inicial.

Além disso, o Autor não vem impugnar todos e cada um dos atos de processamento da pensão, mas antes a redução da pensão que foi efetuada com efeitos a 1 de agosto de 2011, por força da aplicação das normas da Lei do Orçamento de Estado para 2011.

Tendo a redução do valor da pensão do Autor impugnada no presente recurso por base a aplicação das normas da Lei do Orçamento de Estado para 2011 e não sendo impugnados cada um dos atos individuais de pagamento da pensão, não deixa de existir a prática do ato administrativo que define o quantitativo da pensão, enquanto decisão inovatória definidora da situação jurídica do interessado, ora Recorrente.

Sendo a atuação impugnada da CGA, de redução do valor da pensão com efeitos reportados a 1 de agosto, estritamente vinculada à aplicação das normas legais que decorrem das Leis do Orçamento de Estado, in casu, da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12 – como o Autor, ora Recorrente contesta no artigo 41.º da petição inicial, mas sem razão –, tal não permite fundar a subtração do exercício da função administrativa e a consequente prática de um ato administrativo produtor de efeitos externos de conteúdo lesivo por parte de uma entidade administrativa, como é a CGA.

No caso concreto a redução do valor da pensão do Autor com efeitos reportados a 1 de agosto, ora impugnada, decorre por efeito da indexação do valor da pensão ao valor das remunerações no ativo e, por isso, por força da aplicação conjugada das normas regulamentares específicas emanadas pela CGD, aplicáveis aos seus trabalhadores e pelas normas legais constantes das Leis do Orçamento de Estado para 2011 e 2012, no exercício da função administrativa da CGA.

A pensão do Autor está sujeita a um regime de atualização que consta do n.º 3 da Ordem de Serviço n.º 6/91 da CGD, para a qual remete o n.º 6 da Ordem de Serviço n.º 7/95 da CGD, nos termos das quais, resulta da citada Ordem de Serviço n.º 6/91 que “Consagra-se, desta forma, uma total identidade entre as remunerações que constituem a base de cálculo das contribuições para a previdência e das pensões, incluindo as respectivas actualizações.” (sublinhado nosso).

Tal regime, cuja aplicação à situação jurídica do Autor não constitui sequer questão controvertida entre as partes, determina a aplicação da norma do artigo 68.º, n.º 2 da Lei do Orçamento de Estado para 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31/12), tal como consta do teor do documento notificado ao Autor, dado como provado no ponto 31 dos factos assentes.

Pelo que, sendo o artigo 68.º, n.º 2 da Lei do Orçamento de Estado [LOE] de 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31/12) uma norma legislativa, emanada do exercício da função político-legislativa da Assembleia da República e Governo, a mesma não se confunde com a atuação posterior da CGA.

Neste sentido, falecem os pressupostos de direito em que a sentença se baseia para sustentar a incompetência material dos tribunais administrativos para conhecer da impugnação do ato de redução do valor da pensão em causa.

Pelo que, procede a censura contra a sentença recorrida, por provados os seus fundamentos.


*

Em suma, será de conceder provimento ao recurso, por provados nos seus fundamentos, em revogar a sentença recorrida, em julgar os tribunais administrativos materialmente competentes para conhecer do pedido formulado em juízo em relação à questão concretamente impugnada no presente recurso e em ordenar a baixa dos autos para o seu conhecimento, por quanto ao demais, por falta de impugnação, a sentença ter transitado em julgado.

*

Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O ato que fixa o quantitativo da pensão é um ato administrativo, à luz do artigo 148.º do CPA e do artigo 51.º do CPTA, ou seja, uma decisão que no exercício dos poderes jurídico-administrativos visam produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.

II. Apesar de estar em causa um ato administrativo de conteúdo estritamente vinculado, quer no tocante às regras legais do Estatuto da Aposentação, quer as decorrentes da aplicação das Leis do Orçamento de Estado, que estabelecem limites e condicionantes ao quantitativo da pensão, não deixa de estar em causa a prática de um ato administrativo, praticado por um órgão de uma entidade administrativa, como consiste a Caixa Geral de Aposentações, e não um ato emanado do exercício da função político-administrativa.


*

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, em revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgar os tribunais administrativos competentes em razão da matéria, ordenando a baixa dos autos para o seu normal prosseguimento quanto à parte impugnada no presente recurso, se nada mais obstar.

Custas pelo Recorrido.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)



(Pedro Marchão Marques)


(Alda Nunes)