Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:348/10.6BEBJA
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/15/2018
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PRESCRIÇÃO
Sumário:i-Não basta o mero conhecimento da materialidade dos factos para se poder dar início ao prazo prescricional, antes se impondo o conhecimento da infracção, ou seja, dos factos e do circunstancialismo que os rodeia, susceptível de lhes conferir relevância jurídico-disciplinar, por forma a tornar possível um juízo fundado de que integram infracção disciplinar.

ii-Iniciando-se o prazo prescricional a 9.03.2010, o mesmo só terminaria a 19.04.2010, levando em consideração a regra de contagem prevista no art. 72.º do CPA (na redacção aplicável), por remissão do art. 2.º da Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro (o regime jurídico aplicável ao caso). Pelo que, tendo sido o despacho que determinou a instauração do procedimento disciplinar proferido em 15.04.2010, encontra-se observado o prazo de 30 dias fixado no art. 6.º, n.º 2, do citado diploma.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Andrea ……………………….. (Recorrente), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou improcedente a acção administrativa especial intentada pela ora recorrente contra a Administração Regional de Saúde do Alentejo, I.P. (Recorrido), na qual impugnou o despacho punitivo de 20.07.2010 que aplicou à A. a pena disciplinar de multa prevista pelo art. 9.º, n.º 1, al. b), 10.º, n.º 2 e 17.º do EDTEFP, graduado em EUR 274,62.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

A) A sentença sub judice, com toda a matéria considerada provada, ao não considerar prescrito em 15.04.2010, data em que foi mandado instaurar o procedimento disciplinar contra a Recorrente, o direito de instaurar tal procedimento, incorre a mesma em errónea aplicação dos dispositivos legais ao caso aplicáveis, como adiante se demonstrará;

B) Violou, assim, o disposto nos artigos 6.º, nº 2 e 29º, nº 1 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, em vigor à data dos factos;

C) Pelo que, em face do exposto e em conclusão última, deve o presente recurso jurisdicional ser acolhido e merecer provimento com a revogação da sentença recorrida que deve ser substituída por outra que declare a anulação, por ilegalidade, do despacho do PRESIDENTE DO CONSELHO DIRECTIVO DO, então, INSTITUTO DA DROGA E DA TOXICODEPENDÊNCIA, I. P. e condene a Administração Regional de Saúde do Alentejo, IP na sua condição de sucessora legal de todos os direitos e obrigações afectos ao IDT, IP. ao pagamento da quantia de 274,62€ correspondente à multa em que a A. foi condenada e, atempadamente, pagou.

O Recorrido não contra-alegou.



Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto não se pronunciou sobre o mérito do recurso.


Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.


I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida errou ao não ter concluído pela prescrição do procedimento disciplinar.


II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, a qual se reproduz ipsis verbis:

A) Em 2010-02-24, a A. apresentou requerimento ao Presidente do Conselho de Administração do IDT, IP, do qual ressalta:

« Texto no original»

(…)

«Texto no original»

: cfr. Doc. n.º 1 junto com a Petição Inicial – PI e cfr. PA;

B) Em 2010-03-15, por determinação do PCA do IDT, IP, o requerimento acima referenciado deu entrada na Delegação Regional do Alentejo, do IDT, IP: cfr. PA;

C) Em 2010-04-15, por despacho do Delegado Regional da DRA do IDT, IP, foi mandado instaurar processo disciplinar à A.: cfr. Doc. n.º 3 junto com a PI e cfr. PA;

D) Em 2010-05-31, após instrução, foi deduzida Acusação, nos seguintes termos:

« Texto no original»

E) Em 2010-06-24, a A. apresentou a sua Defesa, advogando a prescrição do procedimento disciplinar, bem como ter-se por não provada a culpa uma vez que não foi praticado qualquer ato censurável, pedindo assim o arquivamento do processo disciplinar, arrolou ainda testemunhas: cfr. PA;

F) Em 2010-07-16, foi elaborado o Relatório Final, de que ressalta:

« Texto no original»

: cfr. Doc. n.º 1 junto com a Petição Inicial – PI e cfr. PA;

G) Ato impugnado:

Em 2010-07-20, a Entidade Demandada concordou com o proposto no Relatório Final acima referido e determinou a atuação em conformidade, pelo que a A. foi condenada na pena disciplinar de multa, graduada em €274,62: cfr. Doc. N.º 1 junto com a PI e cfr. PA;

H) Em 2010-07-27, foi a A., notificada do ato em crise: cfr. Doc. N.º 1 junto com a PI e cfr. PA;

I) Em 2010-10-22, a A. intentou, neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, a presente ação: cfr. fls. 1 dos autos.

Não foram fixados factos não provados com interesse para a decisão.



II.2. De direito

A Recorrente invoca a prescrição do procedimento disciplinar como fundamento do recurso interposto (como já havia feito na p.i. da acção). Alega que é forçoso concluir que entre a tomada de conhecimento da alegada infracção da arguida pelo Conselho Directivo do IDT, que ocorreu em 25 de Fevereiro de 2010, e a data de instauração do processo disciplinar, em 15 de Abril de 2010, mediaram 34 dias úteis, ou seja, para além do prazo de 30 dias previsto no art. 6.º, n.º 2, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas.

Assim, na tese da Recorrente, por aplicação das disposições legais que invoca, o direito de instaurar o processo disciplinar já se encontrava prescrito na supra referida data de 15 de Abril de 2010, desde o dia 9 de Abril de 2010.

A sentença recorrida assentou a sua decisão, na seguinte fundamentação:

“…)

Não se conformando com o ato impugnado sustenta a A. que se verifica a prescrição do processo disciplinar, uma vez que a determinação de instauração ocorreu para além do prazo legal fixado.

Diversamente, defende a Entidade Demandada que a instauração do processo disciplinar cumpriu os prazos legais, porquanto, por um lado, os factos de que a A. foi acusada não se reportaram só ao requerimento de 2010-02-24 e, por outro lado, tal requerimento, só chegou ao conhecimento do DRA do IDT, IP em 2010-03-15, pelo que a decisão de 2010-04-15, de instauração do referido procedimento disciplinar se mostrou tempestiva.

Apreciando e decidindo:

Reduzida a questão aos seus termos mais simples importa ter presente que a instauração do processo disciplinar à A. foi determinada na sequência da apreciação do seu requerimento de 2010-02-24, pelo que, releva todo o circunstancialismo a tal inerente, ou seja, que o mesmo foi presente a quem, para decidir, tinha que ouvir as chefias intermédias, as quais só emitiram parecer depois de lhe ser dado a conhecer a pretensão contida no referido requerimento.

Deste modo, como decorre dos autos e o probatório elege, a razão está com a Entidade Demandada: cfr. alínea A) a I) supra.

Na verdade, só após a apreciação dos competentes serviços da Demandada, foram definidos os contornos fácticos-jurídicos das imputações susceptíveis de enquadrarem infrações disciplinares, nomeadamente quanto à incorreção de conduta adotada pela A. no que, em particular concerne, ao desrespeito dos deveres funcionais (v.g. de lealdade e de respeito) a que estava obrigada, revelado ainda na fraca colaboração decorrente da desmotivação e do elevado absentismo, pelo que só então podia a Entidade Demandada conhecer os factos e o seu concreto circunstancialismo, por forma a tornar possível um juízo fundado de que integrariam infração disciplinar, justificando assim a imediata instauração do competente processo disciplinar, o que, tempestivamente, sucedeu: cfr. alínea A) a I) supra.

Termos em que bem andou a Entidade Demandada ao determinar, como determinou, a abertura de um processo de disciplinar para apurar, nomeadamente, se a A. prosseguia primeiramente os seus interesses e objetivos próprios em detrimento do interesse público e do respeito dos demais princípios funcionais a que estava obrigada: cfr. alínea A) a I) supra.

(…)

Respeitadas assim as disposições legais aplicáveis, nomeadamente as referentes ao prazo prescricional do processo disciplinar e acima elencadas, não se mostra pois prescrito o direito de instaurar o processo disciplinar à A.: cfr. alínea A) a I) supra”.

Na decisão recorrida foi entendido, pois, não se ter verificado a prescrição do procedimento disciplinar porque o requerimento de 24.02.2010 só chegou ao conhecimento do DRA do IDT, IP em 15.03.2010, pelo que a decisão de 15.04.2010, de instauração do referido procedimento disciplinar se mostrou tempestiva. Ou seja, só após essa data é que passou a entidade com poderes disciplinares a deter os elementos que lhe permitiam instaurar o competente processo disciplinar.

Diga-se, desde já, que esta decisão deverá manter-se.

Dispõe o art. 6.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro (diploma entretanto revogado pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho), cujo normativo é o aplicável à situação em presença, o seguinte:


Artigo 6.º

Prescrição do procedimento disciplinar


1 - O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passado um ano sobre a data em que a infracção tenha sido cometida.

2 - Prescreve igualmente quando, conhecida a infracção por qualquer superior hierárquico, não seja instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 30 dias.

(…)

Neste artigo, ao que aqui releva, prevêem-se dois prazos prescricionais distintos, ambos relativos à prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar. Em regra, o direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve passado um ano sobre a data em que a infracção foi cometida (n.º 1), sendo que o n.º 2 estabelece um prazo de curta duração, determinando que essa mesma prescrição ocorre sempre que a falta for conhecida por qualquer superior hierárquico e não seja instaurado procedimento disciplinar nos 30 dias úteis seguintes (cfr. também o art. 72.º do CPA, na redacção aplicável).

Em causa, como resulta do recurso interposto, está o prazo mais curto de 30 dias.

É certo que todos os superiores hierárquicos têm o poder de instaurar procedimento disciplinar aos seus subalternos e é também certo que se conhecerem a infracção disciplinar e não exercerem o poder disciplinar nos 30 dias úteis seguintes, extingue-se o direito à instauração do mesmo procedimento (sem prejuízo do disposto no art. 40.º, n.º 3, que se reporta, em situação de faltas injustificadas, à participação ao dirigente máximo do órgão ou serviço). Mas o que importa determinar é a partir de que momento, em cada caso, começa a correr o prazo prescrional.

É que como se disse no acórdão deste TCAS de 3.05.2007, proc. nº 12009/03: “sendo desde logo possível afirmar-se que aquele comportamento, imputável ao recorrente, integrava falta disciplinar, e que o mesmo chegou ao conhecimento do dirigente máximo do serviço, não havia qualquer obstáculo a que, de imediato, se instaurasse processo disciplinar contra o infractor”.

No entanto, no caso presente, o dito requerimento de 24.02.2010, dirigido ao Presidente do Conselho Directivo do IDT, IP, foi recebido nos serviços centrais do IDT, IP, a 25.02.2010 e nessa mesma data despachado pelo Vogal do Conselho Directivo no sentido de ser remetido à Delegação Regional do Alentejo para recolher a pertinente informação. E desse requerimento o Delegado Regional do Alentejo e o Director do CRI do BAAL só vieram a ter conhecimento através do ofício nº 1223, de 4.03.2019, o qual foi recebido pela Delegação Regional do Alentejo no dia 8.03.2010 e despachado pelo Delegado Regional a 9.03.2010. É esta, pois, a data relevante para determinar o termo a quo do prazo de 30 dias.

Com efeito, apenas nessa data é percepcionada – o mesmo é dizer: conhecida - a falta disciplinar, isto após verificação da informação relativa ao comportamento faltoso, concretamente quanto ao modo e tempo em que tal comportamento se deu e sobre o seu desvalor de ilícito disciplinar (v. a este propósito o ac. deste TCAS de 10.10.2013, proc. nº 7290/11). Entende-se que há esse conhecimento quando a falta está efectiva e perfeitamente caracterizada quanto ao modo, tempo e lugar da sua prática e quanto à identidade do seu autor.

Como se disse no acórdão do STA de 3.11.2016, proc. n.º 548/16: “[n]ão basta o mero conhecimento da materialidade dos factos para se poder dar início ao prazo prescricional, antes se impondo o conhecimento da infração, ou seja, dos factos e do circunstancialismo que os rodeia, suscetível de lhes conferir relevância jurídico-disciplinar, por forma a tornar possível um juízo fundado de que integram infração disciplinar.

Assim, iniciando-se o prazo prescricional a 9.03.2010, o mesmo só terminaria a 19.04.2010, levando em consideração a regra de contagem prevista no art. 72.º do CPA (na redacção aplicável), por remissão do art. 2.º da Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro. Pelo que, tendo sido o despacho que determinou a instauração do procedimento disciplinar proferido em 15.04.2010, encontra-se observado o prazo de 30 dias fixado no n.º 2 do citado art. 6.º.

Razões que determinam a improcedência do recurso, com a manutenção da sentença recorrida.



III. Conclusões

Sumariando:

i- Não basta o mero conhecimento da materialidade dos factos para se poder dar início ao prazo prescricional, antes se impondo o conhecimento da infracção, ou seja, dos factos e do circunstancialismo que os rodeia, susceptível de lhes conferir relevância jurídico-disciplinar, por forma a tornar possível um juízo fundado de que integram infracção disciplinar.

ii- Iniciando-se o prazo prescricional a 9.03.2010, o mesmo só terminaria a 19.04.2010, levando em consideração a regra de contagem prevista no art. 72.º do CPA (na redacção aplicável), por remissão do art. 2.º da Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro (o regime jurídico aplicável ao caso). Pelo que, tendo sido o despacho que determinou a instauração do procedimento disciplinar proferido em 15.04.2010, encontra-se observado o prazo de 30 dias fixado no art. 6.º, n.º 2, do citado diploma.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste tribunal central administrativo sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 15 de Março de 2018



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Pedro Marchão Marques


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Maria Helena Canelas


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Cristina Santos