Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:207/99.1BTLRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2020
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
IVA
ISENÇÃO
SEGUROS
Sumário:I – A Impugnante não alegou dificuldade em compreender os motivos por que a AT procedeu às correcções em sede de IVA, deles revelando, aliás, perfeito conhecimento; alegou, sim, que os mesmos não legitimam aquela decisão.

II - No que respeita ao débito de seguros, quando se tratar de seguro feito em nome da empresa de aluguer de viaturas debitado ao locatário, considerando-se o seguro uma operação isenta de imposto ao abrigo do nº 29 do art. 9º do CIVA, desde que se mantenha a natureza e o valor da operação debitada, beneficia tal débito igualmente da isenção do imposto.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

M.........., SA, melhor identificada nos autos, deduziu IMPUGNAÇÃO judicial contra as liquidações adicionais de IVA de 1993, no montante global de PTE 2 223 823$00, com fundamento em errónea qualificação e quantificação da matéria colectável.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 12 de Fevereiro de 2019, julgou procedente a impugnação.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos identificados que julga procedente a impugnação deduzida pela impugnante M.......... S.A. dos actos de liquidação adicionais de IVA referentes ao ano de 1993, no montante global de € 11.092,38.
B. Resulta das alíneas A) e C) dos factos assentes constantes da douta sentença que, dedicando-se a Impugnante ao aluguer de longa duração de viaturas automóveis, periodicamente factura valores de seguro ao cliente sem que proceda a liquidação de IVA sobre o montante facturado, mais constando da alínea E) dos factos assentes que das facturas emitidas pela Impugnante pelo aluguer de viaturas consta a menção de que a parcela referente ao valor do seguro, sendo cobrada ao cliente, se encontra isenta de IVA.
C. Por outro lado, de acordo com os contratos de aluguer de viaturas celebrados pela impugnante com os seus clientes, emerge a obrigação de o cliente contratar por sua conta um seguro automóvel contra todos os riscos durante a vigência do contrato, tendo como beneficiária a Impugnante, com possibilidade de esta assegurar a celebração de tal contrato de seguro, quando o cliente se demita de cumprir com a sua obrigação ou quando as condições particulares assim o previrem (alínea D) dos factos assentes).
D. E mencionando a Impugnante nas facturas emitidas a não liquidação de IVA, com base em suposta isenção, impunha-se verificar da efectiva fundamentação legal, tendo em conta os factos recolhidos em sede de procedimento inspectivo.
E. No exercício da sua actividade a impugnante é interveniente numa série contínua de operações que, de acordo com o disposto nos artigos 1.º (incidência objectiva) e 2.º (incidência subjectiva) do CIVA, estão sujeitas e não isentas de imposto, pelo que, em cada uma dessas operações deverá a impugnante proceder à liquidação do competente imposto com declaração nos modelos próprios e subsequente entrega nos cofres dos Estado, conforme disposto nos artigos 18.º e 19.º e ss., 27.º e 41.º do CIVA, mas não procedeu à liquidação do imposto a impugnante nas operações em causa, com base em suposta isenção, de que não fez prova, vindo alegar estarmos perante montantes facturados por conta e em nome de clientes, o que nos leva a quadro normativo diverso da isenção, e previsto na invocada alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA que prevê antes uma exclusão de tributação, e não uma isenção.
F. Mas, se as quantias foram pagas em nome e por conta dos clientes, como alega a Impugnante – facto não provado e não constante dos factos assentes – deveriam as mesmas mostrar-se inscritas contabilisticamente em contas de terceiros apropriadas, o que não aconteceu, contrariamente ao entendimento da douta sentença, e vejamos que essa imposição não resulta de uma qualquer arbitrariedade imposta em sede de procedimento inspectivo, pois que decorre expressamente da letra da lei, da norma contida na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA.
G. Daí que, confrontados com a alegação da impugnante, os serviços de inspecção a tenham afastado por não ter a impugnante inscrito contabilisticamente os montantes facturados supostamente em nome e por conta de outrem em contas de terceiro apropriadas.
H. E, não obstante afirmar a douta sentença, enquanto fundamento para o julgamento procedente dos autos que “Mais além, defende a Impugnante que lançou as quantias pagas pelos clientes na conta 27, quando as debitou e creditou na conta 26 pelos avisos/recibos enviados pelas Seguradoras., e que “Anote-se que quer a conta 26 quer a conta 27 são contas da Classe 2 – Terceiros [cf. Plano Oficial de Contabilidade (POC) aprovado DL nº 410/89, de 21 de Outubro].”, certo é que não consta do probatório qualquer facto referente à inscrição dos valores nas contas 27 e 26, reconduzindo-se a facto meramente alegado, e certo é também que tal facto não influi na apreciação feita pelos serviços de inspecção, porquanto o fundamento da correcção se deveu a não terem sido inscritos os montantes em contas de terceiros apropriadas
I. Isto é, contas de terceiros apropriadas das quais decorresse de forma clara, precisa e congruente a discriminação e individualização precisa dos montantes facturados relativamente aos seguros não sujeitos a IVA, com referência a cada um dos contratos de aluguer, conceito ao alcance e percepção ao cidadão médio, colocado nas circunstâncias da Impugnante, operador experiente que desenvolve a sua actividade dentro de um quadro legal e normativo- contabilístico que não deverá desconhecer e que lhe deverá ser próximo.
J. Ora, essa identificação não é passível de ser feita quando a Impugnante regista as quantias supostamente não sujeitas a IVA numa conta geral de Outros Devedores e Credores – conta 27, colocando a par e sem diferenciação operações sujeitas a IVA e operações (ou parcelas de operações) não sujeitas a IVA, não estando preenchida, contrariamente ao defendido pelo Tribunal a quo, a condição essencial enunciada na referida norma e da qual depende a exclusão de tributação; mais não permitindo tal ausência de identificação clara das parcelas não sujeitas a IVA o estabelecimento de relação directa entre os montantes pagos à seguradora pela impugnante e os montantes facturados aos clientes não sujeitos a IVA.
K. Pelo que, se mostra a correcção em sede de IVA levada a cabo no procedimento inspectivo em análise devidamente fundamentada, e ao alcance da Impugnante [que apesar de mencionar nas facturas uma isenção, que não fundamenta, vem alegar depois tratar-se de quantias pagas em nome de outrem], que tão bem a compreendeu que contra ela se debateu nos presentes autos, alegando, como afirma a douta sentença, estarem as quantias inscritas em contas de terceiros [em perfeita confusão, porque a par, com operações tributáveis].
L. E, assim, fundamentada a correcção, à Impugnante se impunha que produzisse a prova tendente a demonstrar a verificação dos requisitos necessários à consideração das operações como excluídas de tributação em sede de IVA, nos termos da norma referida, ou de demonstrar a isenção conforme por si invocada nas facturas, o que não aconteceu.
M. Por outro lado, mais refere o Relatório, para além de não ser aplicável o disposto na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA, não ser, ainda e também, aplicável o disposto no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA, numa tentativa de enquadramento das operações em situação de isenção, por não agir a Impugnante como intermediária de seguro, arredando-se, assim, a possibilidade de isenção da operação, por não enquadrável na norma referida.
N. Pelo que, do não preenchimento dos requisitos necessários à exclusão de tributação ou à isenção resultou a correcção em sede de IVA no montante de 2.223.823$00 (€11.092,38), conforme discriminado no anexo IV do Relatório de Inspecção Tributária, correspondendo as operações tributáveis em sede de procedimento inspectivo à parcela da operação de aluguer de viaturas automóveis referente aos seguros periodicamente facturados aos clientes sobre os quais a impugnante não liquidou IVA, estando dessa forma perfeitamente identificadas as operações tributáveis em causa nos autos, contrariamente ao defendido na douta sentença, sendo de notar que coloca em causa a impugnante a tributação dos montantes e não as operações consideradas em termos de identificação ou quantificação.
O. Assim, cabendo à Fazenda Pública o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação, considera-se o mesmo preenchido nos termos expostos, bem como devidamente fundamentada correcção em sede de IVA, pelo que, a douta sentença ao julgar procedente a presente impugnação fê-lo incorrendo em erro de julgamento de facto, atenta a errónea apreciação dos factos pertinentes para a decisão, determinante de erro de julgamento de direito com violação do disposto na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença ser revogada, com o julgamento improcedente da impugnação, com as legais consequências.
Sendo que V. Exas. decidindo farão a Costumada Justiça.»
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A recorrida, M.........., SA, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal foi notificado e emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, devendo a sentença sob recurso ser revogada e ser substituída por outra que julgue a impugnação improcedente.
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Foram notificadas as partes, nos termos e para os efeitos do artigo 665º, nº 3, do CPC, - regra da substituição ao tribunal recorrido - não tendo as mesmas emitido qualquer pronúncia.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) A Impugnante dedica-se ao aluguer de longa duração de viaturas automóveis (cf. artigo 6º da pi);

B) O exercício de 1993 da Impugnante foi alvo de ação de inspeção tributária externa, que concluiu pela necessidade de correções em sede de IVA e apurado imposto por liquidar no montante global de PTE 2 223 823$00 (cf. fls. 112 do PA);

C) Do relatório elaborado em 1998.09.24, pela Divisão I da Equipa … da Inspeção Tributária Ocidental da Direção Distrital de Finanças de Lisboa, constante de fls. 112 a 116 do PA e que aqui se dá como integralmente reproduzido, transcreve-se:

a. (…);

b. 6.IVA

c. (…);

d. 6.8 – Em 1993 foram cobrados (mas não liquidados e englobados nas declarações periódicas nos prazos legais) pela Contribuinte os seguintes valores (não acumuláveis relativamente ao imposto não liquidado e não entregue nos cofres do Estado) de IVA, conforme se discrimina no anexo II.

e. (…);

f. 6.9 – A contribuinte tem viaturas que aluga em ALD seguras em seu nome, sendo ela própria a beneficiária do seguro;

g. 6.10 – Periodicamente fatura um determinado valor de seguro ao cliente não liquidando IVA sobre o montante faturado, conforme se pode constatar nas faturas que se juntam a título meramente exemplificativo (…);

h. 6.11 – A exclusão de tributação só se verifica se as quantias pagas em nome e por conta do adquirente dos bens ou destinatários dos serviços forem registadas pelo Contribuinte em contas de terceiros apropriadas, tal como é descrito na alínea c) do nº 6 do artigo 16º CIVA;

i. 6.12 – Como esta condição não se verifica e não existe uma correspondência direta relativamente ao prémio pago à seguradora, o valor faturado ao cliente não é enquadrável na disposição acima referida nem no nº 29 do artigo 9º em virtude [de] não agir como intermediária de seguro;

j. 6.13 – Deste modo, o IVA em falta é de PTE 2 223 823$00 conforme se discrimina no anexo IV;

D) Do anexo I ao relatório identificado na alínea anterior, constante de fls. 69 a 72 do PA, transcreve-se:

a. Contrato de aluguer nº 42

b. (…)

c. Cláusula Quarta (Seguro)

i. O Cliente está obrigado a contratar por sua conta um seguro automóvel contra todos os riscos durante a vigência do presente contrato, tendo como beneficiária a M..... (ou a proprietária do veículo se aquela, nos termos da cláusula 1ª, não tiver tal qualidade);

ii. Poderá a M....., no caso do cliente o não fazer ou quando tal constar das Condições Particulares, assegurar a celebração de tal seguro;

d. (…);

e. Condições particulares do contrato de aluguer nº 42

f. (…);

g. 9 – Seguros

i. A cargo da M..... com débito mensal ao cliente;

h. (…);

E) Do anexo III ao mesmo relatório de inspeção, que faz fls. 117 a 119 do PA, transcreve-se:

a. (…);

b. Fatura nº …5 – 1993.02.19 (…);

i. (…);

ii. Designação

iii. Valor relativo ao mês de Fevereiro de acordo com as condições Particulares (nº 6) do contrato de Aluguer da seguinte viatura:

iv. (…);

v. Valor do Seguro (isento de IVA): PTE 16 388,00;

vi. (…);

c. (…);

d. Fatura nº …3 – 1993.05.05 (…);

i. (…);

ii. Designação

iii. Valor relativo ao contrato de aluguer nº 23 (…);

iv. Valor do Seguro (isento de IVA): PTE 5 837,00;

e. (…);

f. (…);

g. Fatura nº …4 – 1993.12.17 (…);

i. (…);

ii. Designação

iii. Valor relativo ao contrato de aluguer nº 44 (…);

iv. Valor do Seguro (isento de IVA): PTE 15 880,00;

h. (…);

F) Em 1998.09.25, o Diretor de Finanças em Substituição exarou despacho no relatório identificado na alínea C), constante de fls. 112 do PA, que aqui se dá como integralmente reproduzido, e do qual se transcreve:

a. Concordo;

b. Proceder de conformidade;

c. (…);

G) Em 1998.10.20, foi emitida a liquidação adicional de IVA nº .....33, no montante de € 30,42 e prazo de cobrança voluntária até 1998.12.31 (cf. fls. 133 – Doc. nº .....34/08-10-1999/00:00:00 – fls. 142 do suporte físico do processo);

H) Em 1998.10.20, foi emitida a liquidação adicional de IVA nº .....38, no montante de € 595,64 e prazo de cobrança voluntária até 1998.12.31 (cf. fls. 133 – Doc. nº .....34/08-10-1999/00:00:00 – fls. 142 do suporte físico do processo);

I) Em 1998.10.20, foi emitida a liquidação adicional de IVA nº .....57, no montante de € 10 466.32 e prazo de cobrança voluntária até 1998.12.31 (cf. fls. 142 do suporte físico do processo);

J) Em 1999.03.31, na Direção de Finanças de Lisboa, deu entrada reclamação graciosa da Impugnante contra as liquidações adicionais nº .....33, .....38 e .....57constante de fls. 2 a 7 do PA-RG, e que aqui se dá como integralmente reproduzida;

K) Em 2004.04.08, os presentes autos deram entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa onde correram termos sob o nº 00302/04 (cf. capa do suporte físico do processo);

b) Factos não provados

Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam o circunstancialismo que, em face do alegado nos autos, se mostra provado com relevância, necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.

IV – Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo.»


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Dá-se como provado a seguinte factualidade, ao abrigo do artigo 662.º do CPC, com relevo para a decisão do recurso:
L) Nos diversos veículos relativamente aos quais a impugnante celebrou contratos de A.L.D., os montantes debitados pelas Companhias de Seguros foram aqueles que foram debitados aos clientes, conforme documentos nºs 1 a 20 juntos com a p.i.
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II.2. De Direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou procedente a impugnação e anulou o acto impugnado, com as legais consequências: reconstituição da situação tributária da contribuinte.
Na referida sentença conclui-se «que o ato em causa não permite à Contribuinte um conhecimento concreto da motivação deste, e logo, pela carência da fundamentação do ato tributário impugnado.
Tem, pois, que ser dada razão ao Impugnante, sem necessidade de mais averiguar os demais vícios invocados e diriam respeito à errónea qualificação e quantificação da matéria coletável.»

Inconformada, veio a Fazenda Pública recorrer da sentença invocando [conclusões de recurso K. e L.] que, se mostra a correcção em sede de IVA levada a cabo no procedimento inspectivo em análise devidamente fundamentada, e ao alcance da Impugnante [que apesar de mencionar nas facturas uma isenção, que não fundamenta, vem alegar depois tratar-se de quantias pagas em nome de outrem], que tão bem a compreendeu que contra ela se debateu nos presentes autos, alegando, como afirma a douta sentença, estarem as quantias inscritas em contas de terceiros [em perfeita confusão, porque a par, com operações tributáveis]. E, assim, fundamentada a correcção, à Impugnante se impunha que produzisse a prova tendente a demonstrar a verificação dos requisitos necessários à consideração das operações como excluídas de tributação em sede de IVA, nos termos da norma referida, ou de demonstrar a isenção conforme por si invocada nas facturas, o que não aconteceu.

Vejamos.
A sentença recorrida na procedência da impugnação concluiu «pela carência da fundamentação do acto tributário impugnado», pelo que deu razão à impugnante sem necessidade de averiguar os demais vícios invocados que diziam respeito à errónea qualificação e quantificação da matéria colectável.
Escreveu-se na sentença recorrida que «a impugnante defende que não existe fundamento na posição adotada pelo Fazenda Pública (cf.artigo 10º da pi).»
E com base nessa afirmação o Tribunal a quo desenvolveu o seu percurso lógico-dedutivo que conduziu à conclusão da «carência da fundamentação do acto tributário impugnado».
Entendemos que a sentença recorrida, que assim decidiu, padece de erro de julgamento.
Senão, vejamos.
Compulsada a petição inicial, verificamos que a Impugnante invocou como fundamento do pedido de anulação da liquidação «nítida violação de lei», cfr. art. 23º da p.i.
No entanto, no art. 10º da p.i. escreveu que «não existe qualquer fundamento na posição adoptada pela Administração Fiscal» mas nos artigos seguintes explica as razões da sua alegação e se bem interpretamos a petição inicial, a Impugnante, não invoca expressamente a verificação do vício de falta de fundamentação do acto tributário impugnado, revelando ter alcançado os motivos invocados pela AT para as correcções efectuadas em sede de IVA.

Assim, a Impugnante revela ter compreendido que as operações que deram origem à liquidação, decorrem do facto da impugnante, cuja actividade é o aluguer de longa duração de viaturas, ter celebrado contratos de Seguro relativamente às viaturas que aluga e em que aparece como beneficiária e que a impugnante factura um determinado valor ao cliente não liquidando o IVA sobre o montante facturado. Refere, ainda, que a exclusão à tributação só se verifica se as quantias pagas em nome por conta do adquirente dos bens ou destinatários dos serviços forem registadas pelo contribuinte em contas de terceiros apropriadas, tal como é descrito na alínea c) do nº 6 do art. 16º do CIVA. E que esta condição não se verifica no caso em apreço não existindo, igualmente, uma correspondência directa entre o valor facturado ao cliente e o prémio pago à Seguradora, pelo que o valor facturado ao cliente não é enquadrável no art. 16º, nº 6, alínea c) do Código do IVA nem do art. 9º, nº 29 do mesmo diploma legal (conforme artigos 6º a 9º da p.i.).

Por outro lado, na indicação das razões de direito, a Impugnante não invocou nenhuma norma respeitante ao dever de fundamentação, designadamente o art. 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, o art. 124.º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91 de 15 de Novembro, em vigor à data, ou o art. 77.º, n.º 1, da LGT.

A norma legal que a Impugnante indicou na petição inicial como tendo sido violada, depois de referir que «pode concluir-se que existindo uma correspondência absoluta entre o prémio pago pela Impugnante à Seguradora e o valor facturado ao cliente e estando, ainda, tais operações registadas em conta de terceiros apropriadas, está a ora Impugnante nas condições previstas no nº 29 do art. 9º do CIVA pelo que esse débito beneficia de isenção de imposto. São assim, anuláveis as liquidações adicionais efectuadas à Impugnante por nítida violação da lei.» (cfr. arts. 22º e 23º da p.i.), foi o art. 9º, nº 29 do CIVA – norma que prevê as isenções nos casos de operações de seguro e resseguro, bem como as prestações de serviço conexas efectuadas pelos corretores e intermediários de seguro -, relativamente ao qual afirmou que o débito se encontra nas condições previstas na referida norma pelo que beneficia de isenção de imposto.

«Em suma, a alegação aduzida pela sociedade Impugnante na petição inicial permite concluir, por um lado, que ela compreendeu os motivos ou fundamentos por que a AT procedeu às correcções e, por outro, que a Impugnante discorda desses fundamentos, porque, a seu ver, incorrem em violação de lei.

Ou seja, na leitura que fazemos da petição inicial, a Impugnante não questionou a dimensão formal da fundamentação, mas antes a sua dimensão material ou substancial, pois, como este Supremo Tribunal tem vindo a salientar numerosas vezes (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- de 7 de Outubro de 2015, proferido no processo n.º 406/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/56c3a90d7f2ae6b080257ee70050254e;
- de 14 de Março de 2018, proferido no processo n.º 512/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b023601187fbbbb980258255004cd684;
- de 9 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 572/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3907daa7722dd4448025828a0038a19a.), uma coisa é saber se a AT deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem distinta e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, 2003, pág. 231.).

Na verdade, as características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico)»(1)

Na esteira do Acórdão supra citado, no presente caso, a Impugnante não alegou dificuldade em compreender os motivos por que a AT procedeu às correcções em sede de IVA, deles revelando, aliás, perfeito conhecimento; alegou, sim, que os mesmos não legitimam aquela decisão.

Ao assim não o ter entendido, o Tribunal a quo errou no seu julgamento, pelo que, em consequência, entendemos ser de conceder provimento ao recurso, e revogar a sentença recorrida.


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Revogada a sentença importa, agora, nos termos previstos no artigo 665º, nº 2, do CPC, apreciar as questões suscitadas na petição inicial, e que foram consideradas prejudicadas pela solução dada ao litígio, uma vez que nada obsta à apreciação daquelas.

Nos presentes autos, a impugnante vem impugnar liquidação adicional de IVA de 1993 feita nos termos do art. 82º do CIVA, "em resultado de operações sem liquidação de imposto".

Alega a impugnante que existindo uma correspondência absoluta entre o prémio pago pela Impugnante à Seguradora e o valor facturado ao cliente e estando, ainda, tais operações registadas em conta de terceiros apropriadas, está a ora Impugnante nas condições previstas no nº 29 do art. 9º do CIVA pelo que esse débito beneficia de isenção de imposto.

Aqui chegados, importa pois apreciar e decidir se as quantias pagas foram registadas em contas de terceiros apropriadas e se existe uma correspondência directa entre os valores facturados aos clientes e os prémios pagos às Companhias de Seguros.

Conforme alínea C) do probatório, que transcreve parcialmente o RIT, a exclusão de tributação só se verifica se as quantias pagas em nome e por canta do adquirente dos bens ou destinatários dos serviços forem registadas pelo Contribuinte em contas de terceiros apropriadas, tal como é descrito na alínea c) do nº 6 do artigo 16º CIVA; Como esta condição não se verifica e não existe uma correspondência direta relativamente ao prémio pago à seguradora, o valor faturado ao cliente não é enquadrável na disposição acima referida nem no nº 29 do artigo 9º em virtude [de] não agir como intermediária de seguro.

Temos, assim, que a razão da controvérsia é o facto da Administração Fiscal considerar que o valor facturado do seguro não é "registado em contas de terceiros apropriadas, tal como é descrito na alínea c) do nº 6 do artigo 16º do CIVA."

Vejamos.

Nos termos da alínea c) do nº 6 do artigo 16º do CIVA, estão excluídas do valor tributário «as quantias pagas em nome e por conta do adquirente dos bens ou do destinatário dos serviços, registados pelo contribuinte em contas de terceiros apropriadas.»

Defende a impugnante que lançou as quantias pagas pelos clientes na conta 27, quando debitou ao cliente, e creditou na conta 26 pelos avisos/recibos enviados pelas Seguradoras.

Ora, quer a conta 26 quer a conta 27 são contas da classe 2 - Terceiros, cfr. Plano Oficial de Contabilidade (POC) aprovado pelo DL nº 410/89, de 21 de Outubro.

Por outro lado, invoca também a impugnante que as referidas quantias foram registadas nas contas de terceiro apropriadas uma vez que o art. 16º, nº 6, al.c) se refere às contas de balanço e que facto é que tais quantias foram registadas na classe 2 - terceiros (contas de balanço).

Por último, e tal como foi decidido no Despacho de 03/06/94, Proc. S154 93 006 do SAIVA:(2)

«No que respeita ao débito de seguros é entendimento destes Serviços que, quando se tratar de seguro feito em nome da empresa de aluguer de viaturas debitado ao locatário, considerando-se o seguro uma operação isenta de imposto ao abrigo do nº 29 do art. 9º do CIVA, desde que se mantenha a natureza e o valor da operação debitada, beneficia tal débito igualmente da isenção do imposto.

Nestes termos, se quando da facturação se fizer a discriminação segundo a natureza de cada um dos componentes da operação (aluguer, seguro), a tributação será feita à taxa respectiva de cada um deles, pelo que, relativamente ao seguro, se fará referencia à isenção prevista no nº 29 do art. 9º do CIVA.»

Ora, conforme alínea E) do probatório, que transcreve extractos do anexo III do RIT, verifica-se que se mantinha a natureza e o valor da operação debitada, sendo que na facturação se fazia a discriminação segundo a natureza de cada um dos componentes da operação (contrato, seguro), o que permitia que a tributação fosse feita à taxa respectiva de cada um deles, sendo que relativamente ao seguro se referia a sua isenção.

Assim sendo, temos de concluir com a impugnante que mantendo-se a natureza e o valor da operação debitada, beneficia tal débito igualmente da isenção do imposto, nos termos previstos no nº 29 do art. 9º do CIVA.

Nestes termos, terá a impugnação de proceder, ao que se procederá no dispositivo.


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IV- Decisão
Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, e conhecendo em substituição, julgar procedente a presente impugnação.

Sem Custas (processo anterior a 2004).
Registe e Notifique.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2020


[Lurdes Toscano]



[Maria Cardoso]



[Catarina Almeida e Sousa]





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(1)Acórdão do STA de 20/02/2019, Proc. 0775/02.2BTVIS, disponível em www.dgsi.pt
(2)Anotação 2.11 ao Nº 29 do Artigo 9º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado - Anotado e Comentado - F. Pinto Fernandes e Outro, 3ª edição, 1995.