Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11/05.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/15/2022
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:IRC / CORREÇÕES DE NATUREZA ARITMÉTICA
CESSAÇÃO DE PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DAS DECLARAÇÕES DOS CONTRIBUINTES
REGRAS DO ÓNUS DA PROVA
CDT RENDIMENTOS PAGOS A NÃO RESIDENTES
PROVA DE RESIDÊNCIA
Sumário:I - A presunção de veracidade das declarações dos contribuintes e bem assim a da sua contabilidade, impõe à AT a demonstração da falta de correspondência entre o teor dessas declarações e o seu conteúdo, sem o que terão as mesmas que considerar-se verdadeiras.
II - À data dos factos (1999) para que a Convenção fosse ativada bastava, tão só, que os sujeitos passivos fossem residentes num dos Estados contratantes, e não como foi defendido pela Fazenda Publica que houvesse necessidade de certificar a residência e menos ainda que a mesma fosse atestado por um formulário específico.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

H... – S...., S.A., melhor identificada nos autos, veio deduzir Impugnação Judicial, contra o ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa que inferiu, junto do Serviço de Finanças da Amadora, contra as liquidações adicionais de IRC n.ºs …..018 e …..703, do exercício de 1999, na importância de € 493.859,69.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença de 30 de junho de 2014, julgou parcialmente procedente a impugnação e, em consequência anulou o ato tributário impugnado na parte correspondente às correções (i) e (ii), estas apenas quanto à entidade não residente “S…” e (iv), mantendo as demais, condenou ainda a Fazenda Pública no pedido consubstanciado no pagamento de encargos incorridos com a prestação de garantia indevida na proporção do vencimento nos respetivos autos de impugnação.

Inconformadas, ambas as partes vieram recorrer da decisão, no porção do segmento que respetivamente lhes foi desfavorável.

A FAZENDA PÚBLICA, apresentou alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:

«A) Decorre dos autos que, no cumprimento da OI n° 59623 de 26-03-2001, foi iniciada uma ação de inspeção de âmbito alargado, externa prolongada e polivalente que incidiu sobre os exercícios de 1999, e que da mencionada ação de fiscalização, materializada no competente Relatório de Inspeção Tributária, apurou-se relativamente à ora Impugnante indícios inequívocos (§ 16° do presente articulado que aqui se dá por integralmente reproduzido) que deveriam permitir concluir, que, a ATA logrou evidenciar a existência de bastos e fundados indícios reveladores não só da falta de credibilidade da contabilidade ou da escrita (alínea a), do nº 2, do art. 75° da LGT) mas também da violação do principio da colaboração, por via do incumprimento dos deveres que lhe couberem para o esclarecimento da sua situação tributária (alinea b). do n° 2, do art. 75° da LGT)

B) Evidências que, em momento algum foram contraditadas pela Impugnante

C) Se o raciocínio lógico dedutivo que o douto tribunal faz, neste segmento, parte, precisamente, da suposta presunção da boa fé declarativa do contribuinte, parece-nos evidente e de elementar justiça que perante o quadro de deficiências contabilistias detetadas em sede inspectiva e materializadas no RIT, correto seria, que, levasse ao probatório a factualidade elencada no § 16.º deste articulado julgando “a contrario sensu” cessada a presunção de veracidade das operações constantes da escrita, para as quais não havia sequer suporte - evidenciados que foram pelos serviços de inspeção os Indícios que determinam a cessação da presumida boa lé das declarações ou da contabilidade

D) Cabia, pois, ao Impugnante, perante a inexistência da faturação pela cedência dos seus funcionários à HASPAC, fazer prova de que as quantias correspondentes aos reembolsos de remunerações e encargos sociais dos trabalhadores cedidos se efetivaram

E) Como bem refere o RI, deve salientar-se que, atendendo à natureza residual e ampla do conceito de prestação de serviços, previsto no art. 4º, n° 1, do CIVA, a operação de cedência de pessoal qualifica-se, no âmbito deste imposto, como uma operação tributável, e englobam-se naquela operação todas as situações em que, materialmente existe uma colocação de pessoal à disposição, ou seja, independentemente de terem sido celebrados contratos de cedência de pessoal, ou não.

F) Mostra-se assim, decisivo saber: 1 - No exercício de 2009, que montantes resultaram da colocação de pessoal à disposição - determinada que está como uma operação tributada. Sucede, porém, que esses montantes não foram faturados pela Impugnante

G) E, saber se, a partir da análise à 12ª fatura emitida pela HASPAC (fatura n° A 12 de 15-12-1999, no montante de 72.105.127$00) a que se faz referência na alínea E) do probatório é possível concluir que aquele acerto, genérico diga-se, que não revela a natureza do mesmo, consubstancia um efetivo reembolso pelas despesas com ordenados ou vencimentos, quotizações para a Segurança Social e quaisquer outras importâncias obrigatoriamente suportadas, ou, um qualquer acerto face a contraprestação pelo próprio serviço clinico prestado pela HASPAC

H) As faturas referentes à retribuição (prevista na cláusula 5ª do contrato), emitidas pela HASPAC à Impugnante não fazem referência ao acerto do pessoal - mas tão só às prestações pelo próprio serviço de patologia clínica no mês a que as faturas dizem respeito.

I) Gorada que está a presunção de boa fé das declarações da Impugnante que obteve ademais rendimento não faturado à HASPAC pela colocação à disposição dos seus trabalhadores no Laboratório de Patologia Clinica, afigura-se-nos inadmissível que a prova, neste enquadramento, possa ser realizada com base em testemunhos de colaboradores da própria Impugnante, cuja credibilidade ou isenção, naturalmente, está posta em crise face ao vinculo contratual que mantêm com ela - e que, no fundo, não constituem mais do que uma extensão das próprias declarações da Impugnante cuja presunção de boa fé se gorou

J) Nunca a ATA aceitou que o acerto a que a 12ª fatura emitida pela HASPAC faz referência (alínea E) do probatório) se fosse devido pelos encargos com a remuneração do pessoal colocado à disposição pela Impugnante

L) O acerto em causa referente ao próprio serviço clínico foi faturado pela HASPAC e analisados os documentos, verifica-se que da mencionada faturação mensal emitida pela HASPAC. S.A. à ora impugnante, apenas consta o valor da retribuição devida pelos serviços de patologia clínica prestados.

M) Significa que relativamente aos encargos com a remuneração do pessoal cedido nunca houve a mencionada compensação entre as duas sociedades, nunca tendo sido apresentada prova do montante dos serviços de patologia clinica que a HASSG refere não lhe terem sido debitados pela HASPAC, inviabilizando a exigida correção negativa reflexa, perante a ausência de factos que lhe permitam atuar.

N) Estão, pelo exposto, em causa, vários erros de julgamento, ainda que alguns decorram, por consequência, da existência de outros,
- o primeiro, de não ter sido levado ao probatório factos, não contraditados, note-se bem, pela Impugnante, observados dos autos, e que levariam a outra solução que não a dada pelo douto tribunal;
- o segundo, por consequência, com base nessa factualidade em não julgar cessada a presunção da boa-fé declarativa da impugnante, nos termos do art 75º nº 2, alineas a) e b), da LGT
- o terceiro, que resulta da incorreta análise da prova documental
- o quarto, que decorre, por consequência do segundo, ao valorar de forma inadmissível os testemunhos dos colaboradores, verificados que estão os pressupostos do art 75°, n° 2, alíneas a) e b). da LGT
- Finalmente, o quinto erro, que resulta também do segundo, ao exigir que a ATA cumpra com os princípios previstos no art. 55º da LGT, admitindo a existência de custos reflexos por via dos proveitos resultantes da mencionada colocação de trabalhadores à disposição. Facto que esta nunca aceitou, pois que nunca se demonstrou que o acerto se devesse a encargos com o pessoal cedido - inviabilizando assim a correção negativa reflexa.

Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência anulada a decisão recorrida, neste segmento, substituindo-a por outra que nos termos das conclusões que antecedem V. Ex.ªs melhor suprirão, mantenha a sobredita correcção, mantendo-se, é certo, o parcial provimento da Impugnação Judicial, retificando-se o decaimento das custas processuais.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença na parte em que se recorre, como é de Direito e Justiça.»


»«

O H... – S...., S.A., concluiu as suas alegações de recurso, nos seguintes termos:

«A. O recurso em apreço tem como thema decidendum apenas a correção relativa à falta de retenção na fonte sobre pagamentos efetuados a entidades não residentes, no montante de € 19.362.00, que não foi anulada pelo Tribunal a quo.

B. A Inspeção Tributária havia considerado que a dispensa de retenção na fonte, por pagamentos efetuados a entidades fiscalmente residentes em Países com os quais Portugal celebrou uma CDT (Reino Unido e Espanha), não poderia ser aplicável porque a Recorrente não havia acionado essas CDT através de formulário próprio.

C. Note-se que a Inspeção Tributária expressamente concordou, aquando da inspeção, que as entidades beneficiárias dos pagamentos eram fiscalmente residentes no Reino Unido e Espanha.

D. Constando este facto da alínea L) do probatório e ainda na p. 14 da sentença recorrida.

E. O Tribunal a quo entendeu - e bem, seguindo de perto a jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo - que a falta de apresentação de formulários certificados de residência fiscal no estrangeiro ou a sua apresentação tardia não faziam precludir a aplicação do mecanismo da dispensa de retenção na fonte.

F. Sublinhado inclusivamente que, à data dos factos (1999), nem sequer existiam os referidos formulários.

G. Paradoxalmente, o Tribunal a quo decidiu que "No que respeita aos beneficiários: C..... , D..... . C…., P..... ., P….., P…. e S…. BV não foi produzida prova da residência destes beneficiários, sendo que não podia de deixar de ser feita, já que é ela que vai permitir a verificação ou inverificação do pressuposto substantivo" (cfr. ponto IV) (ii), p. 14 da sentença recorrida).

H. Por este motivo - e apenas por este motivo - o Tribunal a quo concluiu pela improcedência da impugnação no que respeita à correção relativa à falta de retenção na fonte sobre pagamentos efetuados a várias entidades não residentes, no montante de € 19.362.00.

I. Conforme decorre do exposto, o Tribunal a quo considerou a impugnação improcedente nesta parte por não ter sido feita prova de um facto não controvertido.

J. Note-se que a residência fiscal das entidades beneficiárias não é - nem nunca foi - um facto controvertido.

K. A residência fiscal dos beneficiários era facto assente porque a ora Recorrente havia demonstrado aos Serviços de Inspeção Tributária, no decurso da ação inspetiva, que as entidades recetoras dos rendimentos são residentes em países com os quais Portugal celebrou CDT (Reino Unido c Espanha), facto que foi aceite pelos Serviços e devidamente incluído no Relatório de Inspeção, conforme alínea L) da sentença.

L. Assim, a discórdia nos autos era uma e apenas uma: saber se a Recorrente tinha o dever ou não de acionar as CDT aplicáveis através da apresentação de formulário para o efeito.

M. Foi este o único fundamento da correção efetuada, conforme resulta do Relatório de Inspeção.

N. É jurisprudência superior unânime que "A validade de um acto de liquidação deve aferir-se exclusivamente em relação às razões que a AT externou como seu fundamento, não podendo considerar-se os fundamentos que só ulteriormente à prática do acto foram invocados como seu motivo" (cfr. Acórdão do TCAN proferido em 01.06.2006, no processo 423/04 e ainda os Acórdãos do TCAS proferido em 30.06.2009, no processo n.1' 2475/08 e do STA proferido em 19.10.2011, no processo n." 0607/11).

O. Assim sendo, deve ser revogada a decisão recorrida, na parte em que considera a impugnação improcedente por não ter sido apresentada prova de um facto que nunca foi controvertido, não existindo, por isso, qualquer ónus de prova quanto ao mesmo.

P. E não se diga contra o exposto que, mesmo tendo os Serviços de Inspeção aceite o facto em causa, deveria ainda assim a Impugnante (ora Recorrente) produzir a respetiva prova em juízo.

Q. Esta argumentação não procede por absurda, já que tornaria improcedente qualquer impugnação, colocando sobre as impugnantes o ónus de provar todo e qualquer facto, quer os mesmos tenham sido aeeites ou não tenham sequer sido referidos pela Inspeção Tributária.

R. Ou seja, os impugnantes teriam de provar em juízo que tinham a contabilidade devidamente organizada (apenas de tal constar já do relatório de inspeção), provar que foram regularmente constituídas (apesar de tal não ser colocado em causa em Inspeção, etc. quase ad infinitum).

46º Da mesma forma que o Tribunal a quo não podia julgar a impugnação totalmente improcedente porque a Impugnante não provou a sua regular constituição como sociedade de direito português (facto assente), não poderia julgar esta parte da impugnação improcedente por falta de prova quanto à qualidade de residente das beneficiárias em Países com os quais Portugal celebrou uma CDT, quando a própria inspeção tributária reconheceu este facto (facto assente).

47º A procedência do presente recurso demonstra-se silogisticamente:

iii) A AT refere expressamente que as entidades beneficiárias dos rendimentos tinham residência fiscal em país com o qual Portugal celebrou CDT, negando a aplicação destas CDT apenas por falta dos certificados;

iv) O Tribunal a quo considerou que não impendia sobre a ora Recorrente qualquer obrigação de apresentação de certificados,

iii) logo, deve a impugnação proceder, não podendo o Tribunal negar procedência por falta de prova da residência daquelas entidades.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, por provado, devendo, em consequência, ser anulada a decisão recorrida, na parte em que manteve a correção relativa à falia de retenção na fonte sobre pagamentos a não residentes, no valor de €19.362,00, com as consequências legais, nomeadamente a anulação daquela correção, no montante de € 19.362,00 e respetivos juros.»


»«

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, veio, nos termos do artigo 289.º n. º1 do CPPT, oferecer o seu parecer no sentido da improcedência dos recursos, devendo, em seu entender, manter-se o julgado por a decisão sob recurso não padecer de quaisquer vícios, nomeadamente os que lhe vêm imputados.

»«

Com dispensa de vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

2 - OBJETO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente a partir das respetivas alegações que definem, o objeto dos recursos e consequentemente o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artigos 639.º, do CPC e 282.º, do CPPT).

Na situação sub judice as questões que constitui objeto do recurso consistem em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito quanto à materialidade dada por provada, competindo, para o efeito, analisar a exigência dos respetivos requisitos formais, relativamente a cada um dos recursos nos seguintes termos:

ü No que respeita ao recursa da Fazenda Publica, cumpre saber se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, ao concluir pela presunção de veracidade da contabilidade da impugnante quanto à cedência dos seus funcionários à HASPAC.,

ü Quanto ao recurso da impugnante compete apreciar se o Tribunal, decidiu acertadamente a questão ao evidenciar a falta de meios probatórios para se concluir que as entidades beneficiarias dos rendimentos eram sediadas no estrangeiro, e nessa medida, se há lugar à manutenção das correções levadas a cabo pela AT.


»«

3 - FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou os seguintes factos como provados:

«Da prova documental e testemunhal produzida nos pressentes autos, resulta apurada com interesse para a decisão da causa a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) A Impugnante foi constituída para gerir o Hospital do Professor Doutor F..... .

B) O contrato de gestão para o Hospital do Professor Doutor F..... foi celebrado em 10 de Outubro de 1995 entre a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e a Impugnante, de cujo clausulado se extrai designadamente o seguinte:


“ CLÁUSULA 4ª

( ENTIDADE GESTORA)


1. A SEGUNDA CONTRAENTE obriga-se a ter, ao longo de todo o período em que gerir o Hospital como objecto social exclusivo o do presente contrato.(…)

CLÁUSULA 5ª

(OBJECTO)


1.(…)

2. a gestão integral da referida unidade hospitalar deve garantir a prestação continuada de cuidados de saúde globais, correspondentes ao exercício, em urgência, internamento e ambulatório, das valências constantes no Anexo V, incluindo o respectivo apoio das especialidades de meios auxiliares de diagnósticos e terapêuticos, assim como os necessários serviços de apoio geral. “ ( Doc. n.º 1 junto á p.i.)

C) Em Março de 1997, a Impugnante celebrou com a HASPAC um contrato de prestação de serviços de patologia clínica do HIFF, nos termos do qual se obrigou: “a ceder o pessoal que consigo tenha relações de trabalho através de contrato individual de trabalho para o exercício de funções no laboratório, com submissão às regras de direito privado que regula, as relações de trabalho, desde que o trabalhador a isso dê anuência.” ( Doc. n.º 7 junto á p.i.)

D) Por adenda de 30 de Abril de 1997, a Cláusula 11ª do contrato a que alude a al.C) do probatório passou a ter a seguinte redacção: “Ao valor da retribuição estabelecida na cláusula 5.ª serão descontados todos os encargos suportados pela 1.ª Contratante com a remuneração do seu pessoal que exerça funções no Laboratório de Patologia Clínica, desde que aqueles não sejam objecto de facturação específica a terceiros correspondente a prestação de serviços clínicos” (Doc. n.º 7 junto à p.i.

E) A HASPAC emitiu 12 facturas à Impugnante pela prestação do serviço de patologia clínica, tendo descontado na última factura (factura n.º A12 de 15.12.99) o valor de 72.105.127$00 referente aos montantes devidos pela cedência de funcionários. (Doc. fls.1064/1075 e depoimento das Testemunhas A..... e J..... )

F) O montante 72.105.127$00, a que alude a al.E) do probatório corresponde ao reembolso de despesas com ordenados ou vencimentos, quotizações para a segurança social e quaisquer outras importâncias obrigatoriamente suportadas. (cfr. cópia de recibos dos ordenados dos trabalhadores cedidos em 1999, Doc. fls 1132 a1141).

G) A S...... , S.A é uma sociedade residente em Espanha da América, no ano de 1999, conforme certificado de residência oficial emitido pelas competentes autoridades fiscais. (Docs. n.º 9 junto à p.i.)

H) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º ….23, de 26.03.2001, foi a Impugnante objecto de uma acção inspectiva de âmbito alargado ao exercício de 1999. (Doc. n.º 2 junto á p.i.)

I) Em 31.07.2003, foi a Impugnante notificada, pelo oficio n.º ….88, da proposta de correcções de natureza meramente aritmética no âmbito do IVA, do IRC e das retenções na fonte de IRC e do IRS, todas relativas ao exercício de 1999. (Doc. n.º 2 junto á p.i.)

J) Em 18.08.2003, a Impugnante exerceu o seu direito de audição prévia. (Doc. n.º 3 junto á p.i.)

L) Em 10.10.2003, foi a Impugnante notificada do Relatório de Conclusões resultantes da acção de inspecção tributária do qual consta nomeadamente o seguinte:

«PAGAMENTOS A NÃO RESIDENTES - RETENÇÃO NA FONTE DE IRC

Através da análise das contas 622.365 … e outras, verificou-se existirem pagamentos a não residentes em países com os quais Portugal celebrou Convenções Sobre a Dupla Tributação (CDT), que não foram objecto de retenção na fonte de IRC.

Desde a entrada em vigor do Decreto Lei 25/98 de 10/02, foi alargada a tributação na fonte aos pagamentos/remunerações derivados de serviços realizados ou utilizados em Portugal, de não residentes sem estabelecimento estável, quando o devedor seja entidade residente em território português, caso da HASSG, conforme o previsto no Art° 75° do CIRC.

Estes pagamentos não são objecto de retenção na fonte de IRS/IRC à taxa de 15%, desde que tenha sido prévia e adequadamente accionada a COT, para pessoas colectivas e singulares, através da apresentação do competente certificado de residência fiscal emitido e autenticado pelas autoridades fiscais dos Estados em que residem, para efeitos de aplicação da CDT, o que não foi feito.

Assim, a retenção deve ser efectuada à taxa de 15%, prevista na alínea e) do n." 2 do Artº 800 do CIRC (antiga alínea f) do Art° 69° do CrRC).

Neste caso, apesar dos pagamentos terem sido efectuados a entidades com sede em países onde existe Convenção com Portugal (Reino Unido e Espanha), a mesma não se aplica, por não ter sido accionada a respectiva Convenção, antes do respectivo pagamento, pela apresentação do competente certificado de residência fiscal, válido para o ano da emissão, emitido e autenticado pelas autoridades fiscais dos Estados de residência dos beneficiários dos rendimentos, devendo o duplicado acompanhado da relação modelo 130, a que se refere a Portaria n.º 7/99 de 7 de Janeiro, ser remetido à Direcção Geral dos Impostos, pelo devedor dos rendimentos, a HASSG.

Os pagamentos acima descritos e os montantes que deveriam ter sido retidos e não foram ascendem a 32.634,47 Euros (6.542.623$00) e encontram-se no ponto 3.1.2.3.3. deste relatório.

(…)

ACCIONISTAS

"-- Verificam-se registos de processamentos de facturas de apoio e aconselhamento à gestào da HASSG contabilizadas nas contas de custos (622.36 .. ) e cuja contrapartida se encontra em contas de terceiros/Fornecedores, respeitante aos accionistas, conforme anexo 28 folhas I a 24. As importâncias facturadas em 1999 ascendem a 1.877.500,22 Euros (376.405.000$00). Os registos contabilisticos estão suportados por facturas emitidas, e foram disponibilizados contratos, e adendas aos contratos, de suporte a esta facturação. Estes movimentos tem a seguinte distribuição:


“(texto integral no original; imagem)”

Questionado verbalmente sobre esta questão o administrador para a área financeira informou-nos que o apoio e aconselhamento à gestão implica um conjunto de áreas envolvidas na gestão da HASSG, como pessoas a trabalhar no HFF mas com vínculo laboral à J….. SAÚDE. GRUPO M..., como a existência duma central de contactos ao nível do GRUPO, para obter vantagens ao nível de preços nas aquisições, etc., como, por outro lado, definir estratégias com o objectivo de rentabilizar sinergias das empresas do GRUPO na exploração do HFF, como e o caso das empresas de segurança, limpeza, restauração, seguros, etc.

A situação relatada tem cabimento no tipo de acordos de prestações de serviços intragrupo, mas quando se disponibiliza ou realiza para membros de um mesmo grupo um conjunto de actividades, designadamente de natureza administrativa, técnica, financeira, a observância do princípio de plena concorrência exige que a actividade prestada constitua um serviço com valor económico idêntico ao que o destinatário estaria disposto a pagar em relação a uma entidade independente.

No caso vertente e relativo a 1999, foram disponibilizados os contratos entre as entidades envolvidas, mas os sujeitos passivos devem dispor de informação e documentação que comprove que os serviços contratados foram efectivamente realizados .

(…)

HASPAC, P..., SA ( HASPAC)

A HASP AC, é uma sociedade anónima, tem sede no HFF, sito no I..., Amadora.

A sociedade tem por objecto exclusivo a prestação de serviços de patologia clínica, através da gestão integral do laboratório de patologia clinica do Hospital F..... (HFF), podendo ainda exercer actividades conexas ou complementares da referida gestão.

A sociedade durará enquanto durar o contrato de prestação de serviços estabelecida entre esta e a HASSG.

O capital social da sociedade é de 99.759,58 Euros (20.000.000$00), integralmente realizado em dinheiro e subscrito do seguinte modo:

- H...... , SA, com 69.831,70 Euros (14.000.000$00) que representa 70% do capital.

- G... - PATOLOGISTAS C...., LDA., com 9.975,96 Euros (2.000.000$00) e 10% do capital.

- F....- GESTÃO DE LABORATÓRIOS DE A.... LDA., com 9.975,96 Euros (2.000.000$00) e 10% de participação.

- Por, Dr. J… - -4.987,98 Euros (1.000.000$00) e 5% do capital.

- Por, Dr. M…. - -L987,98 Euros (1.000.000$00) e 5% do capital.

Factos:

Em Março de 1997, foi elaborado e assinado um contrato de prestação de serviços de patologia clínica do HFF, entre a HASSG e a HASPAC, sendo os representantes das sociedades contratantes os administradores do HASPC

Na cláusula 113 (Pessoal com relação jurídica de emprego com a HASSG) " A 1 a Contratante HASSG obriga-se a ceder o pessoal que consigo tenha relações de trabalho através de contrato individual de trabalho para o exercício de funções no laboratório, com submissão às regras de direito privado que regulam as relações de trabalho, desde que o trabalhador a isso dê anuência"

O contrato apresenta uma adenda com data posterior, à cláusula 113, que passa a ter a seguinte redacção:

"Ao valor da retribuição estabelecida na cláusula 5ª cláusula descontados todos os encargos suportados pela r contratante, a HASSG, com a remuneração do seu pessoal que exerça funções no laboratório de patologia clínica do HFF desde que aqueles não sejam objecto de facturação específica a terceiros correspondente a prestação de serviços clínicos"

Esta adenda visa colmatar a situação de omissão de facturação verificada em relação ao pessoal da HASSG a trabalhar na HASP AC.

Por outro lado, verificamos haver facturação da HASSG às empresas G... e F ..., pela cedência do pessoal àquelas sociedades que foi por nós examinada.

Respeitante à cedência do pessoal da HASSG à HASP Ae, no exercício de 1999 não se verificou a respectiva facturação, embora os serviços de pessoal (RH) da HASSG tenham elaborado todos os cálculos para o efeito, conforme anexo-31

Esta situação irá originar uma correcção em proveitos e cujo valor ascende a 359.658,86 Euros (72.105.127$00), conforme seguinte mapa resumo:




Estas prestações de serviços (cedência de pessoal) ficam sujeitas a IV A nos termos do n° 1 do Artº 4° do CIVA.

Assim o cálculo do IV A é o seguinte:

359.658,86 Euros x 17% = 61.142,00 Euros (72.105.127$00 x 17% = 12.257.872$00)

Deve salientar-se que, atendendo à natureza residual e consequentemente ampla do conceito de prestação de serviços consignado no n.º1 do Art° 4° do CIVA, a operação de cedência de pessoal se qualifica no âmbito deste imposto como uma operação tributável, sendo consideradas como contraprestações onerosas de tais prestações de serviços as quantias correspondentes ao reembolso de remunerações e encargos sociais dos trabalhadores cedidos.

Denote-se que se englobam na situação supra referida todas as situações em que materialmente existe uma colocação de pessoal à disposição, independentemente do facto de terem ou não sido celebrados contratos de cedência de pessoal.

Ora, no caso verificado, a natureza jurídica do cedente, qualificável como uma pessoa colectiva de direito privado, e estando-se em presença de uma cedência de pessoal, constata-se a existência de uma operação sujeita a imposto.

O imposto resultante destes factos ascende a 61.142,00 Euros (12.257.872$00) e encontra-se até à data em falta a sua entrega ao Estado.

Por outro lado, questionados os responsáveis que nos acompanharam nesta acção inspectiva, face às questões e dúvidas por nós levantadas e face à irreversibilidade dos valores não facturados referentes a 1999, fomos informados, verbalmente, que a situação ia ser analisada de imediato e caso se verificasse a razão para a facturação na cedência do pessoal à HASP AC, logo se tomariam as decisões necessárias para o efeito.

No entanto, entendemos existir omissão de proveitos, visto que apenas existe facturação referente ao valor contratado na cláusula 53 (Retribuição), no valor de 2.554.328,90 Euros (512.096.966$00), preço global anual e acrescido das actualizações previstas, em 1999 na importância de 2.735.864,80 Euros (548.491.646$00).

As facturas referentes a esta retribuição emitidas pela HASP AC à HASSG no valor referido não fazem referência ao acerto do pessoal, mas sim e somente às prestações de serviços de patologia clínica no mês a que as facturas dizem respeito. anexo-31.

Por outro lado, a adenda prevê que sejam descontados todos os encargos suportados pela HASSG, o que não implica a inexistência da emissão de facturação desses encargos.

Pois entende-se o termo descontado como uma mera forma financeira de acerto de contas que não explica nem justifica uma ausência/omissão de facturação, que para todos os efeitos é devida e exigida nos termos da legislação tributária - Art°s 35° e 28° todos do CIVA.

Neste contexto consideramos existir a omissão de proveitos pela inexistência de facturação do pessoal da HASSG à HASPAC, e essa omissão será considerada nas correcções em proveitos no ponto 3.1.2.3 do relatório

Consideramos em consequência do exposto, que a cedência do pessoal verificada é uma prestação de serviços nós termos do n.º 1 do Art° 4° do CIVA e sujeita a imposto à taxa de 17%, e até à data não foi liquidado nem entregue nos cofres do Estado o IV A referente a essas prestações de serviços.»

3.1.2.2.5.2 - Combustíveis - Conta 622.12.01000 - Gasolina. Anexo-I8 fls. I a 3.

Os encargos contabilizados na conta 622.12. 01000 - Gasolina, respeitam à aquisição de senhas gasolina (cheques auto), conforme mapa-5 que se anexa, e se comprova pela cópia do documento que se junta.

Os documentos de suporte são documentos de Caixa e Bancos que titulam a aquisição de senhas de gasolina, com a indicação da importância. Estes não são documentos válidos de suporte ao registo de custos referentes a aquisição de combustíveis, mas sim as respectivas facturas recibos das gasolineiras, que também aparecem registadas nessa conta, pelo que não é aceite como custo o montante de 34.983,24 Euros (7.013.510$00), nos termos da alínea h) do n.º 1 do Art° 41° do CIRC, considerando-se aquelas despesas como confidenciais ou não documentadas.

A aquisição desses títulos não é mais que uma substituição de meios monetários dado que para além de poderem ser utilizados nas gasolineiras, representam, ao mesmo tempo, valores transmissíveis ao portador que podem ser movimentados em quaisquer circunstâncias.

De acordo com esses pressupostos, os documentos que serviram de comprovativo à aquisição dos cheques auto, não são aceites como suporte justificativo de pretensos custos, atendendo ao disposto na alínea a) do n.º 3 do Art° 980 e n.º 3 do Art° 180, ambos do CIRC, uma vez que esses não se materializam no momento da aquisição dos referidos títulos mas sim quando é adquirido o combustível, devendo ser solicitado ao gasolineiro o respectivo recibo que servirá, então, como comprovante para efeitos tributários.

Salientamos que cumulativamente com os pressupostos formulados nos parágrafos anteriores, a aceitação como custo para efeitos tributários dos valores correspondentes aos cheques auto, está dependente da identificação dos seus beneficiários e do facto de terem prestado contas relativamente a esses adiantamentos até ao termo do respectivo exercício económico, (relevar na conta 26 do POC os valores atribuídos) de acordo com o que determina a actual alínea d) do n.º 3 do Art° 2° do CIRS .

Relativamente a esta questão foi inquirido verbalmente o Técnico de Contas responsável da empresa que admitiu ter a empresa adoptado uma prática incorrecta uma vez que não procedeu à identificação dos beneficiários dos cheques auto nem exigiu os comprovativos dos revendedores dos combustíveis.

Uma vez que não foram identificados os beneficiários dos cheques auto nem os respectivos valores de aquisição foram trocados pelos recibos das gasolineiras e nem foi possível a certificação de que esse combustível foi utilizado em viaturas da empresa ou em seu serviço, não é aceite para efeitos da determinação da Matéria Colectável e serão tributados autonomamente porque configuram despesas confidenciais, o montante de 34.983,24 Euros (7.013.510$00), relativo à aquisição de cheques auto, de acordo com o preceituado na alínea h) do n.º 1 do Art° 41º do CIRC, com observância para a alínea a) do n.º 3 do Art° 980 e n.º 3 do Art° 180, ambos do mesmo normativo legal (CIRC).» ( Doc. n.º4 junto à p.i.)

M) Na sequência das correcções efectuadas a ATA emitiu as liquidações adicionais de IRC n.ºs ……9018 …..703, referentes ao exercício de 1999¸no montante de € 612.534,14 e € 42.305,96. (Doc. n.º 5 junto á p.i.)

M) Em 24.03.2004, a Impugnante apresentou reclamação graciosa tendo por objecto as liquidações adicionais de IRC n.ºs …..018 ….703, referentes ao exercício de 1999. ( Doc. n.º 6 junto à p.i.)

O) A Impugnante prestou garantia bancária no âmbito do processo de execução fiscal n.º …….681.0, no montante de € 919.736,00. (cfr. artigo 113º da p.i. e doc. fls. 1080 dos autos)

P) Em 04.01.2005, deu entrada em juízo a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos)

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos e depoimentos das testemunhas reportados em cada uma das alíneas do probatório.

As testemunhas inquiridas pese embora com ligações profissionais à Impugnante responderam com isenção e conhecimento directos dos factos sobre os quais foram inquiridas.

FACTOS NÃO PROVADOS

«Inexistem outros factos sobre que o Tribunal deva pronunciar-se já que as demais asserções da douta petição integram antes conclusões de facto ou direito.”

Nos termos estatuídos no artigo 662.º do CPC adita-se ao probatório os seguintes factos:

Q) O n.º 1 da Clausula 5ª do contrato a que alude a clausula 11.ª da adenda de 30/11/1997 a que referida na alínea D) deste probatório tem o seguinte teor: “ A SEGUNDA CONTRAENTE obriga-se a cumprir o presente contrato mediante retribuição pelo preço global de €sc.: 512.096.966$00 (quinhentos e dize milhões, noventa e seis mil novecentos e sessenta e seis escudos). cfr. fls. 1024 dos autos

R) O acerto enunciado nos pontos E) e F) deste probatório encontra-se evidenciado nas faturas indicadas nas respetivas alíneas e enunciado no mapa que a seguir se transcreve:
Act. Esperada
Pessoal
Manutenção
Gestão
Consumíveis
O. Despesas
Remuneração
anual
Contrato
1.390.040
174.045.49521.882.295.
10.941.147.
338.106.295.
15.317.606
560.292.839
Realizado
1.529.357
174.045.49521.882.295.
10.941.147.
337.063.063.
15.317.606.
609.249.606.
Facturação já emitida
Jan-99
39.385.701
Fev-99
39.385.701
Mar-99
39.385.701
Abr-99
39.385.701
Mai-99
39.385.701
Jun-99
39.385.701
Jul-99
39.385.701
Ago-99
39.385.701
Set-99
39.385.701
Out-99
39.385.701
Nov-99
50.082.852
452.939.862
VV Valor a deduzir na remuneração
PP Pessoal
72.105.127
V Valor a faturar em Dezembro de 1999
RR Remuneração anual 609.249.606
VV Valor já facturado
-452.939.862
Pessoal cedido
-72105.127
84.204.617
Tudo conforme consta de fls. 1142 dos autos

De Direito

Como vimos, o TAF de Sintra julgou parcialmente procedente a impugnação e, em consequência determinou a anulação do ato tributário impugnado apenas na parte correspondente às correções referidas no texto decisório em (i), (ii), e (iv), mantendo as demais.

As correções referidas em (i), referem-se a omissão de custos compensados sem faturação corresponde à cedência de pessoal por parte da Impugnante à HASPAC; as referidas em (ii) são reportam-se a pagamentos a entidades não residentes com os quais Portugal celebrou convenções para evitar dupla tributação, tendo neste caso o texto decisório determinado a anulação apenas no segmento concernente à entidade não residente “S…….” e, (iv)custos – trabalhos especializados

A sentença condenou ainda a Fazenda Pública no pedido de pagamento de encargos incorridos com a prestação de garantia indevida na proporção do vencimento.

Inconformadas, ambas as partes recorreram do decidido, a Fazenda Publica por discordar do veredito dado às correções a que se reporta o ponto (i) e a impugnante quanto às conclusões a que chegou a Mma. Juíza a quo quanto correções enunciadas no ponto (ii) termos em que cumpre analisar o decidido neste fragmento mantendo-se no demais o julgado que, por conseguinte, se mostra definitivamente decidido.

Dito isto, atentemos, em primeiro lugar, ao recurso interposto pela Fazenda Pública e bem assim da questão de saber se a sentença padece de erro de julgamento de facto ao considerar que se verifica provado que as quantias correspondentes aos reembolsos de remunerações e encargos sociais dos trabalhadores cedidos à HASPAC, ocorreram de facto.

Contrariamente ao decidido, a recorrente aponta no sentido de que essa prova não foi feita e insurge-se contra o julgamento de facto e contra a prova produzida imputando à sentença “vários erros de julgamento, ainda que”, refere, “alguns decorram, por consequência, da existência de outros”() sem, contudo, lograr identificar uns e/ou outros.

Porém, volvendo ao salvatério parece-nos, da leitura dos argumentos expendidos, poder concluir que o descontentamento da Fazendo Publica se prende com a circunstância de o Tribunal não ter considerado cessada a presunção de veracidade da contabilidade da impugnante.

Diz-se na conclusão C) das alegações de recurso “(…) parece-nos evidente e de elementar justiça que perante o quadro de deficiências contabilistas detetadas em sede inspectiva e materializadas no RIT, correto seria, que, levasse ao probatório a factualidade elencada no § 16-º deste articulado julgando 'a contrario sensu' cessada a presunção de veracidade das operações constantes da escrita, para as quais não havia sequer suporte - evidenciados que foram pelos serviços de inspeção os Indícios que determinam a cessação da presumida boa lé das declarações ou da contabilidade”.

Ora, como é bom de ver, a questão enferma de erro na sua própria definição, na medida em que se a recorrente pretende (ou pretendia) fazer cessar aquela presunção, deveria, outrossim, em sede própria recorrer a meio alternativo de tributação, situação que, face aos “indícios inequívocos” que alude ter apurado(2), se encontrava automaticamente legitimada a fazer. E não fez.

Na verdade, a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes e bem assim a da sua contabilidade, impõe à AT a demonstração da falta de correspondência entre o teor dessas declarações e o seu conteúdo(2), sem o que terão as mesmas que considerar-se verdadeiras.

Do mesmo modo “[S]se as declarações ou a contabilidade e escrita apresentarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo, deixam de valer aquelas presunções.
Por isso, a prova dos factos que são objecto da contabilidade fica sujeita às regras do ónus da prova estabelecidas no art . 74.° “ – cfr. Diogo Leite Campos Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa(4).

Sendo que emana do n.º 1 daquele normativo legal que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

Dito isto, forçoso se torna concluir que de nada serve à AT vir, nesta sede, arguir falta de credibilidade da contabilidade da impugnante com a afirmação de que “logrou evidenciar a existência de bastos e fundados indícios reveladores não só da falta de credibilidade da contabilidade ou da escrita (…) mas também da violação do principio da colaboração(5), quando agindo em sede prévia, no âmbito da ação de inspeção, se limitou a proceder a correções de natureza aritmética pelos valores que, segundo o seu critério, teriam sido omitidos.

Dito de outro modo, atenta as regras do ónus da prova que supra deixamos enunciadas, nestes casos, cabe em primeira linha, à AT pôr em causa de forma sustentada a presunção de veracidade das declarações apresentadas pelos contribuintes, o que fez, apenas, pontualmente, através de correções técnicas/aritméticas.

Afastada a presunção, passa a competir ao sujeito passivo, naquelas situações em concreto, o ónus da prova de que o declarado corresponde à realidade.

Regressando ao caso dos autos, damo-nos conta de que a aqui recorrente, em sede de impugnação, veio fazer essa prova e disso dá conta o texto decisório na excerto que passamos a citar:

“(…)
No caso, em presença a ATA não questionou a idoneidade do contrato de prestação de serviços levado á al.B) do probatório, assim como, não questionou que por força da alteração da Cláusula 11ª nele corporizada «Ao valor da retribuição estabelecida na cláusula 5.ª serão descontados todos os encargos suportados pela 1.ª Contratante com a remuneração do seu pessoal que exerça funções no Laboratório de Patologia Clínica, desde que aqueles não sejam objecto de facturação específica a terceiros correspondente a prestação de serviços clínicos» (negrito nosso)
Perante o acordado, que como vimos não mereceu contestação pela ATA, assim como, não foi considerado que os serviços prestados se integram na última parte da Clausula referida no parágrafo, que pela sua redacção constitui uma excpção à primeira parte da norma convencionada é altura de chamar á colação a matéria assente, em especial as alíneas E) e F), e delas resulta, precisamente, o alegado pela Impugnante, ou seja, que entre a Impugnante e a HASPAC foi efectuado um acerto de contas prevista na cláusula 11ª do Contrato, de modo a descontar ao valor da retribuição a obter pela HASPAC pela prestação dos serviços de patologia clinica, o valor da contraprestação por esta devida á Impugnante pela cedência de pessoal.
Por outra banda, se a ATA considerou que a compensação deu origem a uma omissão de proveitos, pela inexistência de facturação pela Impugnante, dos encargos suportados com a remuneração do pessoal cedido á HASPAC, naturalmente, que não poderia ter deixado de considerara a omissão dos custos reflexa, pela inexistência de facturação pela HASPAC. Pois que, não pode alhear-se dos resultados práticos da sua actuação, embora lhe sejam impostos pelo princípio da legalidade, violem o princípio da justiça consagrado no artigo 266º, n.º1 da Lei Fundamental Portuguesa.” – fim de citação

Em suma, como, aliás, refere a FP em sede do presente recurso, cabia, ao impugnante, perante a inexistência da faturação pela cedência dos seus funcionários à HASPAC, fazer prova de que as quantias correspondentes aos reembolsos de remunerações e encargos sociais dos trabalhadores cedidos se efetivaram(6), prova que, efetivamente, foi feita, conforme a sentença disso dá noticia nos pontos E), F) do probatório.

Sendo certo que do ponto Q) por nós aditado ficamos a conhecer o valor acordado como sendo o valor da retribuição ao que “serão descontados todos os encargos suportados pela 1.ª Contratante com a remuneração do seu pessoal que exerça funções no Laboratório de Patologia Clínica, desde que aqueles não sejam objecto de facturação específica a terceiros correspondente a prestação de serviços clínicos” conforme decorre da adenda de 30/04/1997, a Cláusula 11ª do contrato a que alude a alínea C) do probatório e se encontra evidenciado no ponto R) por nós, também aditado, os quais se mostram descritos na fatura A12.

Aqui chegados, forçoso se mostra concluir que as conclusões que acabamos de apreciar se encontram condenadas ao insucesso.

Quanto aos restantes erros de julgamento enunciados em N) das conclusões recursivas falecem em bloco dada a manifesta falta de cumprimento do ónus probatório imposto pelo artigo 640.º n.º 1 do CPC, desde logo, por falta de análise critica da prova e da indicação daquela que, em seu entender impunham decisão diferente da adotada pela decisão recorrida.

Com efeito, como temos vindo a assumir “[O]o erro de erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado.”(7)

Da leitura das conclusões recursivas, torna-se óbvio que, nesta parte, ou seja para além da questão da omissão de custos, já apreciada, a recorrente não põe em causa a matéria de facto apurada no texto decisório, o que diz é que se verificam, vários erros de julgamento, ainda que alguns decorram, por consequência, da existência de outros, sem contudo, proceder, em concreto, a qualquer critica ou ataque à valoração efetuada ou lograr adiantar outra que, ao invés daquela, pudesse conduzir a uma decisão diferente daquela o que chegou o tribunal de 1.º Instância.

Termos em que, sem mais improcede in totum as conclusões recursivas apresentadas pela Fazenda Publica.

Vejamos agora o que nos apraz dizer quanto ao recurso apresentado pela Impugnante tendo presente que está em causa a falta de retenção na fonte sobre pagamentos efetuados a entidades não residentes, não anulada pelo TAF de Sintra (alínea ii).

Considerou a sentença recorrida na parte em que para aqui importa, que face à matéria assente a Impugnante comprovou a residência no estrangeiro do beneficiário do rendimento, S...... S.A., não obstante o tenha feito em momento posterior, os efeitos plenos desse benefício são reportáveis ao momento em que se verificaram os pagamentos ao não residente, e nesta parte deferiu o pedido.

Quanto aos rendimentos pagos aos beneficiários: C..... , D…– M…. C…, P…., P…., P… e S…. BV, a sentença considerou que não foi produzida prova da residência e, por entender que a mesma não podia deixar de ser feita, determinou a manutenção da correção.

Refutando a impetrante, nesta sede vem dizer que a residência fiscal das entidades beneficiárias não é, nem nunca foi, um facto controvertido e que relativamente aos beneficiários constituiu facto assente demonstrado e aceite pelos Serviços de Inspeção Tributária, no decurso da ação inspetiva, que os mesmos são residentes no estrangeiro, facto que, aliás vem admitido no RIT conforme consta da L) dos factos dados por provados.

Vejamos então, regressando ao RIT.

Diz-se ali que: “[N]neste caso, apesar dos pagamentos terem sido efectuados a entidades com sede em países onde existe Convenção com Portugal (Reino Unido e Espanha), a mesma não se aplica, por não ter sido accionada a respectiva Convenção, antes do respectivo pagamento, pela apresentação do competente certificado de residência fiscal, válido para o ano da emissão, emitido e autenticado pelas autoridades fiscais dos Estados de residência dos beneficiários dos rendimentos, devendo o duplicado acompanhado da relação modelo 130, a que se refere a Portaria n.º 7/99 de 7 de Janeiro, ser remetido à Direcção Geral dos Impostos, pelo devedor dos rendimentos, a HASSG.” – cfr. Ponto L) do probatório.o negrito e sublinhado são nossos

Ora, daqui resulta claramente, que as correções em análise não ocorreram por dúvidas quanto ao local de residência dos beneficiários dos rendimentos, mas tão somente por falta da apresentação do competente certificado de residência fiscal, válidos para o ano da emissão, emitido e autenticado pelas autoridades fiscais dos Estados de residência dos beneficiários dos rendimentos, como diz a IT, o que faz desde logo com que careça de relevância a contemporaneidade da prova e bem assim a exigência que subjaz ao decisório, já que, como afirma a impetrante, o local de residência nunca esteve em litigio.

Sendo certo que à data dos factos para que a Convenção fosse ativada bastava, tão só, que os sujeitos passivos fossem residentes num dos Estados contratantes, e não como foi defendido pela Fazenda Publica que houvesse necessidade de certificar a residência e menos ainda que fosse atestado por um formulário específico.

Note-se que, como se diz no acórdão proferido neste TCAS em 05/11/2021 no processo n.º 52/09.8BESNT não nos encontramos perante uma questão atinente à qualidade de não residente e inerente meio e idoneidade probatória, trata-se outrossim de saber que o sujeito passivo foi (à data dos factos) residente num dos estados contratantes.

Com efeito, diz-se ali: “(…) conforme consignado no artigo 8.º, nº 2, da CRP as normas constantes de Convenções Internacionais vigoram na ordem jurídica logo que publicadas, daí decorrendo que os Tratados são fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários-princípio da eficácia direta e imediata. Mais importando relevar que, por força do princípio da relatividade dos tratados, as pessoas só se prevalecem da convenção se forem residentes num dos Estados contratantes.”(8)

Dito isto e por considerar que o cerne da questão não se circunscreve à falta de prova de residência dos beneficiários dos rendimentos, uma vez que, repete-se, esta nunca foi posta em causa pela AT, entendemos que deve estender-se os fundamentos do texto decisório à totalidade dos rendimentos corrigidos por resultar inequívoca a aplicação direta e imediata da Convenção celebrada entre Portugal e Espanha e entre Portugal e o Reino Unido.

Termos em que, decidindo, este tribunal julga procedente o pedido da impugnante e determina, nesta parte

4 - DECISÃO

Em face do exposto, acordam, os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em:

a) Negar provimento ao recurso jurisdicional apresentado pela Fazenda Publica e manter, nessa parte a decisão recorrida:

b) Conceder provimento ao recurso da Impugnante e julgar totalmente procedente a impugnação no que se reporta ao pedido de anulação das correções referentes a pagamentos efetuados a entidades não residentes.

Custas, nesta sede, pela Fazenda Publica

Registe e Notifique.

Lisboa, 15 de setembro de 2022


­­­­­­Hélia Gameiro Silva – Relatora
­
Ana Cristina Carvalho- 1.ª Adjunta

Isabel Fernandes - 2.ª Adjunta

(Com assinatura digital)


(1)Concl. N)
(2)Concl. A)
(3)Enunciado no n.º 1 do artigo 75.º da LGT
(4)In Lei Geral Tributária Comentada e Anotada e 3.ª Edição Setembro de 2003 da Vislis Editores, em anotação ao artigo 75.º pag. 365
(5)Concl. A
(6)Concl. D))
(7)Vide ac. deste Tribunal proferido em 08/05/2019 do processo n.º 838/17.0BELRS.
(8)Vide, Alberto Xavier-Direito Tributário Internacional: Almedina, 2ª edição atualizada, pp. 118 e 123.