Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3673/22.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/27/2023
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:ASILO
RETOMA A CARGO
ITÁLIA
Sumário:I – Tendo as autoridades italianas aceitado o pedido de retoma a cargo do recorrente, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 18º do Regulamento nº 604/2013 do Conselho de 26 de Junho, é a este Estado que compete a instrução do procedimento.
II – Só não seria assim se, tal como resulta do § 2º do nº 2 do artigo 3º do Regulamento nº 604/2013, existissem motivos válidos para crer que haveria falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes no Estado-Membro, inicialmente designado responsável, que implicassem o risco de tratamento desumano ou degradante na acepção do artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
III – Porém, se o recorrente não alegou nem demonstrou a existência de falhas sistémicas naquele país, nem existindo qualquer fundamento ou motivo sério a determinar que o Estado Português excepcionasse o que resulta das citadas normas gerais imperativas, nomeadamente a constatação da existência de “sérios indícios de falhas sistémicas no procedimento de asilo”, o SEF não estava obrigado a obter informação sobre o país de origem, por forma a confirmar as declarações prestadas pelo requerente de asilo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
1. S. J., com os sinais dos autos, intentou no TAC de Lisboa uma acção administrativa urgente contra o Ministério da Administração Interna, tendo em vista a impugnação da decisão proferida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (“SEF”), nos termos da qual foi considerado inadmissível o pedido de protecção internacional por si apresentado, pedindo, a final, a anulação da decisão proferida e a condenação do SEF à reconstituição do procedimento, instruindo-o com informação actualizada sobre as condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional em Itália, de molde a aferir se o seu caso tem enquadramento no artigo 3º, nº 2 do Regulamento nº 604/2013.
2. O TAC de Lisboa, por sentença datada de 17-1-2023, julgou a acção improcedente e absolveu o réu do pedido.
3. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação para este TCA Sul, no qual formulou as seguintes conclusões:
1 – O recorrente arguiu a existência de falhas sistémicas nas condições de acolhimento dos migrantes em Itália, mormente na apreciação dos respectivos pedidos e prestação de serviços de saúde.
2 – Face a tal alegação, secundada por notícias que incidiam a sua verossimilidade, deveria ter o SEF, antes de proferir a decisão impugnanda, ter procedido às diligências probatórias aptas e suficientes para se poder concluir por informação actualizada sobre as condições de acolhimento dos requerentes em Itália, de modo, a aferir, em concreto, se o caso do autor tem enquadramento no previsto no artigo 3º, nº 2, 2º parágrafo do Regulamento (EU) 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho.
3 – Dado que o SEF, ao proferir a decisão impugnada, assim não o fez, caberia ao Tribunal a quo ter julgado procedente a acção e anulado a decisão do Senhor Director Nacional do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras que considerou o pedido de protecção internacional inadmissível e ordenou a transferência do requerente para Itália, enquanto Estado-Membro responsável pela análise do pedido, por violação do disposto no artigo 163º, nº 1, ex vi artigo 58º do CPA.
4 – Assim, revogando a douta sentença recorrida, se fará Justiça!”.
4. O réu não apresentou contra-alegação.
5. Remetidos os autos a este TCA Sul, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 146º do CPTA, mas o Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal não emitiu parecer.
6. Sem vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR
7. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1, 2 e 3, todos do CPCivil, “ex vi” artigo 140º do CPTA, não sendo lícito a este TCA Sul conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
8. E, tendo em conta as conclusões formuladas pelo recorrente, impõe-se apreciar no presente recurso se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao ter julgado a acção improcedente, devendo antes ter imposto ao SEF que procedesse às diligências probatórias aptas e suficientes para se poder concluir por informação actualizada sobre as condições de acolhimento dos requerentes em Itália, de modo, a aferir, em concreto, se o caso do recorrente tem enquadramento no previsto no artigo 3º, nº 2, 2º parágrafo do Regulamento (EU) 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, violando deste modo o disposto no artigo 163º, nº 1, “ex vi” artigo 58º do CPA.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
9. A sentença recorrida considerou assente – sem qualquer reparo – a seguinte factualidade:
i. Em 24-7-2015, o autor foi identificado pelas autoridades competentes em Itália, aí tendo sido recolhidas as suas impressões digitais – cfr. cópia do “EURODAC – Fingerprint Form” com a referência IT1PE……B junta a fls. 3 do processo administrativo, documento que se dá por integralmente reproduzido;
ii. Em 27-2-2018, o autor foi novamente identificado pelas autoridades competentes em Itália, aí tendo sido recolhidas as suas impressões digitais – cfr. cópia do “EURODAC – Fingerprint Form” com a referência IT1PE….7 junta a fls. 4 do processo administrativo, documento que se dá por integralmente reproduzido;
iii. Em 19-8-2022, o autor apresentou um pedido de protecção internacional junto do réu – cfr. declaração comprovativa de apresentação do pedido de protecção internacional junta a fls. 37 do processo administrativo, documento que se dá por integralmente reproduzido;
iv. Em 7-9-2022, o autor prestou declarações junto do SEF, cujo auto se reproduz parcialmente infra:
“(…)

Original nos autos


– cfr. auto de declarações junto a fls. 41-50 do processo administrativo, documento que se dá por integralmente reproduzido;
v. A final do auto de declarações a que se alude no ponto anterior, consta um quadro com a designação de “Relatório”, segundo o qual:

(…)

Original nos autos
cfr. cópia do auto de declarações junta a fls. 41-50 do processo administrativo;
vi. Notificado para o efeito, o autor optou por não exercer o seu direito de audiência prévia – facto confessado; cfr. artigo 3º da p.i.;
vii. Em 15-9-2022, o SEF remeteu um pedido de retoma a cargo do autor às autoridades italianas, ao abrigo do 18º, nº 1, alínea d), do Regulamento (EU) nº 604/2013 – cfr. cópia do processo de determinação da responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional junta a fls. 66-71 do processo administrativo, documentos que se dão por integralmente reproduzidos;
viii. As autoridades italianas não responderam ao pedido a que se alude no ponto anterior – cfr. cópia da mensagem electrónica junta a fls. 72-73 do processo administrativo, documento que se dá por integralmente reproduzido;
ix. Em 3-10-2022, foi elaborada a informação nº 2370/GAR/2022, cujo teor se reproduz parcialmente infra:
(…)



cfr. cópia da informação junta a fls. 73-79 do processo administrativo, documento que se dá por integralmente reproduzido;
x. Em 3-10-2022, foi proferido despacho pelo Senhor Director Nacional do SEF, sancionando o teor da informação a que se alude no ponto anterior, considerando o pedido de protecção internacional apresentado pelo autor como inadmissível, ao abrigo dos artigos 19º-A, nº 1, alínea a), e 37º, nº 2, ambos da Lei nº 27/2008, de 30/6, e determinando a sua transferência para Itália – cfr. cópia da decisão junta a fls. 80 do processo administrativo, documento que se dá por integralmente reproduzido;
xi. Em 23-11-2022, o autor foi notificado da decisão referida no ponto anterior – cfr. termo de notificação junto a fls. 82 do processo administrativo, documento que se dá por integralmente reproduzido.

B – DE DIREITO
10. Compulsado o teor da sentença recorrida, esta, depois de considerar que, tal como vem sendo entendido pela jurisprudência do TJUE, na esteira do disposto no artigo 3º, nº 2 do Regulamento, “no caso de um Estado-Membro ter aceitado a tomada a cargo de um requerente de asilo, (…) este só pode pôr em causa a escolha desse critério se invocar a existência de deficiências sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo nesse Estado-Membro que constituam razões sérias e verosímeis de que o referido requerente corre um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na acepção do artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia” (remetendo para, entre outros, o acórdão Abdullahi, prolatado em 10-12-2013, no âmbito do processo C-394/12), concluiu que no caso dos autos, não era possível concluir pela existência de uma qualquer situação dessa índole, fundamentando-o nos seguintes termos:
(…) assim, nem disso o autor dá conta em sede procedimental, aí afirmando mesmo que foi sujeito a “3 entrevistas de asilo” em Itália, tendo tido direito a “alojamento num centro para refugiados, alimentação, davam-me 75€ por mês e tinha acesso a cuidado de saúde, cheguei a ir ao hospital em Itália. Antes de vir para Portugal fiz exames médicos”, e que podia trabalhar enquanto teve documentos italianos válidos, chegando mesmo a ter aulas de italiano, daí tendo unicamente saído pelo facto de o seu pedido de protecção internacional ter sido indeferido (cf. facto 4. firmado supra); nem, bem assim, foram carreados ao processo quaisquer indícios de onde fosse possível extrair “a existência de deficiências sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo nesse Estado-Membro”, nada de concreto vindo invocado, a esse respeito, pelo A., nos presentes autos de acção administrativa urgente.
Efectivamente, o A. estriba, neste particular, o âmago da sua argumentação no facto de se ter visto privado de cuidados médicos em Itália e de aí se ter visto impedido de trabalhar: contudo, e tal como exsuda das próprias declarações colhidas à parte em sede procedimental, tais circunstâncias apenas se viriam a verificar no momento em que o seu pedido de protecção internacional naquele país já havia sido definitivamente indeferido, com formação de caso decidido, não podendo já, por isso, falar-se em “condições de acolhimento dos requerentes de asilo”, uma vez que, por essa ocasião, o A. já não era um requerente de asilo em sentido próprio, mas apenas e tão-somente um migrante, com a diferença de estatuto jurídico que essa qualificação necessariamente importa.
Não se verificando, assim, a existência de “deficiências sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo nesse Estado-Membro que constituam razões sérias e verosímeis de que o referido requerente corre um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na acepção do artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”, em Itália, não é possível concluir pela atribuição da responsabilidade para apreciar o pedido de protecção internacional apresentado pelo autor a Portugal.
Neste conspecto, poder-se-ia ainda equacionar que a decisão proferida pelo réu padeceria de um vício de deficit instrutório, na medida em que, como sindica o autor, aquele não teria verificado as condições existentes em Itália em momento anterior à prolação da decisão ora impugnada.
Sucede, porém, que, tal como vem sendo consistentemente entendido pelo SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, “apenas em casos devidamente justificados, ou seja, naqueles casos em existam motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes e que tais falhas implicam o risco de tratamento desumano ou degradante, nomeadamente por envolver tortura, é que se impõe ao Estado em causa diligenciar pela obtenção de informação actualizada acerca da existência de risco de o requerente ser sujeito a esse tipo de tratamentos” (neste sentido, vide, inter alia, o aresto prolatado em 16.01.2020, no âmbito do processo nº 02240/18.7BELSB).
É que, como ali expende o órgão de cúpula da jurisdição administrativa e fiscal:
“3. Na verdade, das «declarações» prestadas pelo requerente [ponto H do provado], apenas se colhe que ele veio de Itália para Portugal porque não se sentia em segurança dado haver muitos problemas no campo onde estava e porque era muito difícil ir ao hospital. Ou seja, ele invoca essencialmente razões de segurança, e de difícil assistência hospitalar, fazendo-o, diga-se, de forma muito genérica, dado que «não concretiza» qualquer episódio que possa ilustrar a sua queixa.
Ora, resulta dos «considerandos 4 e 5» do Regulamento (EU) 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.06.2013, que se pretendeu implementar um método claro e operacional para determinar o Estado-membro responsável pela análise dos pedidos de asilo, e que esse método se deverá basear em critérios objectivos e equitativos, de modo a permitir uma determinação rápida do Estado-membro responsável e a não comprometer o objectivo de celeridade no tratamento dos pedidos de protecção internacional.
Daí resultar que apenas em casos devidamente justificados, ou seja, naqueles casos em existam motivos válidos para crer que «há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes» e que tais falhas impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, nomeadamente por envolver tortura, é que se impõe ao Estado em causa diligenciar pela obtenção de informação actualizada acerca da existência de risco de o requerente ser sujeito a esse tipo de tratamentos. Nestes casos, de ponta, não há quaisquer razões de celeridade e eficiência que possam suplantar a protecção devida ao requerente de asilo.
O que obviamente não ocorre neste caso, no qual as queixas do requerente, relativas à sua permanência em campo de «refugiados», em Itália, e desde logo por falta da sua necessária densificação, não são de molde a induzir qualquer «suspeita séria» - motivos válidos – de vir a sofrer – por parte do Estado Italiano – tratamento «desumano ou degradante», nos termos expostos.
E isto bastaria, a nosso ver, para impor o julgamento de total improcedência da acção, uma vez que não devendo o SEF ser condenado no sentido em que o foi, a sua decisão administrativa está em sintonia com as normas legais em que se louvou.
4. Por seu turno, as notícias pesquisadas oficiosamente pelo tribunal também não são, atento todo o circunstancialismo em que surgem, de forma a impor essa condenação.
Não poderemos escamotear o facto delas se referirem a um Estado-membro da «União Europeia», tal como o Estado Português, responsável desde logo pelo cumprimento da respectiva Carta dos Direitos Fundamentais, bem como noticiarem ocorrências relativas a uma situação inusitada: a do fluxo anormal de imigração ilegal de cidadãos de países africanos para a Europa, via Itália.
Esta «imigração ilegal», que ocorre por muitos e variados motivos, visando todos eles a melhoria das condições de vida do imigrante, não se pode confundir simplesmente com a situação do refugiado. Este, que em sentido amplo não deixa de ser imigrante, busca refúgio em país estrangeiro por recear, com razão, ser perseguido no seu país de origem em consequência de actividade exercida em favor da democracia, da liberdade social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, ou em virtude da sua raça, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social [ver artigo 2º, alínea ac), da Lei nº 27/2018, de 30.06, redacção dada pela Lei nº 26/2014, de 05.05].
Foi esta avalancha de imigração ilegal, constituída por um universo de imigrantes onde se integrarão potenciais refugiados mas não só, que provocou um deficit nas condições do seu acolhimento por parte de Itália, e terá provocado uma reacção política hostil na mira de suscitar a participação solidária dos demais Estados-membros na resolução do problema.
Assim, os epifenómenos traduzidos nas notícias oficiosamente respigadas pelo tribunal, reflectem toda essa inusitada situação vivida, nomeadamente, em Itália, mas não são aptos a implicar o risco de tratamento desumano ou degradante, mormente tortura, dos requerentes de protecção internacional por parte do Estado Italiano.
Temos, por conseguinte, que as notícias levadas ao acervo factual provado, a título de factos notórios, não deixando de traduzir uma «situação anómala», não são, por si só, e atentos os contornos da situação, susceptíveis de configurar motivos válidos para crer que se preenche - no caso concreto - a hipótese legal prevista no 2º parágrafo do nº 2 do artigo 3º do Regulamento (EU) 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.06.2013. Isto é, elas não constituem razões sérias e verosímeis de que o requerente corra o risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, mormente tortura, por parte das autoridades italianas.
Não se impunha, assim, no presente caso, que o SEF procedesse à averiguação oficiosa que lhe foi imposta pelo acórdão recorrido.” (sublinhado nosso) – orientação que aqui se subscreve integralmente.
Ora, à semelhança do que ali se postula, também no caso dos autos não se alvitra, como se viu já anteriormente, um qualquer indício que impusesse ao réu, à luz dos considerandos acabados de tecer, a averiguação oficiosa da eventual ocorrência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional em Itália antes de ditar a transferência do autor para esse país, não se verificando, assim, qualquer vício de deficit instrutório que possa ser assacado à decisão impugnada”.
Desde já se adianta que o assim decidido é para manter.
11. A mais recente jurisprudência deste TCA Sul, no que respeita à apreciação dos pedidos de asilo ou de protecção subsidiária e, em especial, quando estão em causa decisões de retoma a cargo, nomeadamente para Itália, vai no sentido de negar que impenda sobre o SEF o dever de instrução procedimental, por forma a aquilatar da existência de falhas sistémicas que impossibilitem a transferência para Itália, porquanto se entende que não existe o risco dos requerentes de asilo virem a sofrer tratamento degradante e desumano nos termos do artigo 3º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
12. Cita-se, a título de exemplo, e por todos, o recente acórdão deste TCA Sul, de 23-2-2023, proferido no âmbito do processo nº 378/21.2BELSB, onde tal problemática foi abordada nos seguintes termos:
(…)
O recorrente ataca ainda a sentença recorrida por entender que a mesma padece de erros de julgamento, especificamente, no tocante à apreciação realizada quanto à suficiência da instrução procedimental levada a cabo pelo recorrido, bem como no tocante à assunção de inexistência de falhas sistémicas que impossibilitem a transferência do recorrente para Itália, pois não subsiste risco de vir a sofrer tratamento degradante e desumano nos termos dos artigos 3º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (em diante, CEDH) e 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da união Europeia (apenas CDFUE doravante).
Mas não tem razão.
Realmente, não assiste razão ao recorrente, dado que a sentença recorrida apreciou e julgou com acerto as questões agora em apreço.
A problemática atinente ao imputado défice instrutório por banda do recorrido foi bem resolvida pela sentença agora posta em causa. E tal conclusão deriva de duas circunstâncias.
A primeira, porque, como muito bem notou a sentença, o recorrente, durante a sua entrevista, absolutamente nada invocou ou relatou relativamente aos cerca de cinco anos que viveu em Itália, especialmente quanto às condições de vida que vivenciou nesse país. Aliás, quando questionado sobre os motivos pelos quais viajou de Itália para Portugal, o recorrente limitou-se a dizer que o tinha feito «porque desde o início queria vir para Portugal. Sempre gostei de Portugal». O que inculca legitimamente a convicção de que o abandono de Itália não se deveu – ou pelo menos não terá sido a principal razão – às condições de vida que lhe foram propiciadas nesse país.
Ademais, é de salientar que, em Itália, foi atribuída ao recorrente uma autorização de residência por razões humanitárias. E não é despiciendo notar que essa autorização foi-lhe concedida quando já era maior de idade – o recorrente tinha 19 anos na data em que tal autorização iniciou a sua validade – e que lhe permitia trabalhar, pois, como decorre do processo administrativo junto aos autos, tal permissão encontra-se expressa no verso do documento a que se refere o ponto G) do probatório reunido.
Sendo assim, a própria situação pessoal do recorrente não era indicativa da necessidade de ulteriores indagações sobre o que poderá suceder ao recorrente em Itália após a sua transferência para este país, mormente, sobre o risco de poder vir a sofrer tratamento desumano ou degradante, na acepção acolhida nos artigos 3º da CEDH e 4º da CDFUE.
A segunda circunstância indicativa do acerto do julgado pelo Tribunal recorrido respeita à actual situação das condições de acolhimento do sistema de asilo italiano, incluindo as que se referem aos retornados no âmbito do sistema Dublin.
Entende o recorrente, quanto às condições do sistema de asilo italiano, que ocorre uma situação de sobrelotação do sistema de asilo em Itália, causadora de uma deficiência/insuficiência sistémica do mesmo sistema de asilo, e que materializa um risco sério de ser submetido a um tratamento desumano e degradante no caso de retornar a Itália, situação esta – como já se disse – valorizável para efeitos do artigo 3º, nº 2, 2º parágrafo, do Regulamento Dublin (Regulamento nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013), bem como do artigo 3º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Ora, desde já se adianta que, não se identifica a ocorrência de falhas sistémicas no sistema de asilo italiano e, atenta a específica situação do recorrente conforme dimana dos autos, muito menos a subsistência de situação de especial vulnerabilidade que possa apontar para a hipótese do recorrente correr sério risco de sofrer tratamento desumano ou degradante.
Expliquemos melhor.
Debruçando-nos sobre as particularidades do caso posto e compulsada a factualidade que foi conduzida ao probatório da sentença recorrida – e que não foi impugnada em sede recursiva –, verifica-se que, em 10/12/2020, o recorrido solicitou a Itália a retomada a cargo do recorrente, sucedendo que este país, por não ter respondido expressamente no prazo prescrito no artigo 25º, nº 1 do Regulamento nº 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013 (doravante, apenas Regulamento Dublin) aceitou tacitamente o pedido de retomada a cargo do recorrente.
E compulsada a solicitação de retoma enviada pelo recorrido, verifica-se que a mesma respalda-se no artigo 12º, nº 4 do Regulamento Dublin. O que quer significar que, após exame minucioso do caso posto, especialmente dos factos que derivam do processo administrativo apenso, com destaque para o teor das declarações prestadas pelo recorrente em sede de entrevista individual e para o teor do pedido de transferência formulado pelo recorrido a Itália, verifica-se que a situação em apreço é susceptível de subsunção no artigo 3º, nº 2, 2º parágrafo, do Regulamento Dublin, assim como no artigo 33º da Convenção de Genebra, bem como no artigo 3º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e nos artigos 4º e 19º, nº 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Efectivamente, a questão que se coloca neste domínio é a da possibilidade de o caso versado consubstanciar uma situação em que a devolução do recorrente não deve suceder por força do princípio do non refoulement, que deve, inclusivamente, ser aplicado aos casos das transferências realizadas ao abrigo da regulação Dublin, sempre que o caso concreto seja alusivo à possibilidade do transferido vir a sofrer o risco sério de ficar sujeito a tratamentos degradantes ou desumanos, na acepção dos artigos 3º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (doravante, CEDH) e 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (neste sentido, veja-se, em especial, as considerações insertas nos pontos 341 a 359 do Acórdão promanado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em 21/01/2011, no processo M.S.S. vs Bélgica e Grécia, Queixa nº 30696/09) (em diante, apenas CDFUE).
A indagação que cumpre levar a cabo quanto a esta questão resume-se a considerar a arguição – genérica –, por banda do recorrente, da existência de dificuldades e falhas no sistema de asilo italiano, por sobrelotação atenta a elevada pressão migratória, especialmente as condições de acolhimento que a Itália dispensa aos requerentes de asilo como sendo susceptíveis de subsunção nos artigos 3º da CEDH e 4º da CDFUE, no artigo 33º, nº 1 da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto de Refugiado e artigo 19º, nº 2 da CDFUE.
E, ressalte-se, que esta arguição não foi realizada em sede procedimental, mas já no domínio destes autos, sendo certo que o Tribunal a quo conheceu expressamente desta nova matéria, decidindo-a.
(…)
Ora, os relatos fornecidos pelos requerentes de asilo devem, em nossa opinião, ser valorizados em termos de avaliação do risco do requerente de vir a ser sujeito, eventualmente, a tratamento desumano ou degradante, por ausência de suporte material que lhe assegure as mínimas condições de sobrevivência, mormente, em termos de assistência médica, alojamento e alimentação. Recorde-se, a este propósito, a pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia, corporizada pelo Acórdão proferido em 19/03/2019, no processo nº C-163/17, na parte em que explicita o grau de gravidade relevante para efeitos de obstaculizar a uma transferência ao abrigo do Regulamento Dublin, e que afirma, entre o mais, o seguinte:
“92. Esse limiar de gravidade particularmente elevado é alcançado quando a indiferença das autoridades de um Estado-Membro tiver por consequência que uma pessoa completamente dependente do apoio público se encontre, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema, que não lhe permita fazer face às suas necessidades mais básicas, como, nomeadamente, alimentar-se, lavar-se e ter alojamento, e que atente contra a sua saúde física ou mental ou a coloque num estado de degradação incompatível com a dignidade humana (v., neste sentido, TEDH, 21 de Janeiro de 2011, M.S.S. c. Bélgica e Grécia, E:ECHR:2011:0121JUD003069609, §§ 252 a 263).
93. Como tal, o referido limiar não pode abranger situações que se caracterizem por uma grande precariedade ou uma forte degradação das condições de vida da pessoa em causa, quando estas não impliquem uma privação material extrema que coloque a pessoa numa situação de gravidade tal que possa ser equiparada a um trato desumano ou degradante.” (negro nosso)
Refira-se, ainda, que aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros compete, por um lado, indagar, mesmo oficiosamente, da observância e adequada aplicação do direito da União Europeia, em concretização do princípio da efectividade do direito europeu – e seus corolários, incluindo as inerentes consequências processuais – e, por outro lado, assegurar a concretização do preceituado no artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Realça-se, nesta mesmíssima direcção, a Jurisprudência editada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no que se refere à substanciação do direito a um recurso efectivo, inscrito no artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, preceito este que norteia a interpretação que aquele Tribunal tem conferido ao artigo 46º da Directiva 2013/32/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, e que é directamente aplicável ao Regulamento Dublin, conforme dimana dos considerandos 12 e 19 deste Regulamento e do considerando 54 daquela Directiva.
Com efeito, a Instância da União Europeia tem vindo a afirmar que os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros devem proceder a uma “análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito” do caso, aqui se incluindo a avaliação do risco dos transferidos ao abrigo do Regulamento Dublin virem a sofrer tratamento desumano ou degradante no Estado-Membro responsável (entre vários outros, Acórdãos proferidos em 19/03/2020, nos processos C-564/18, LH vs BMH, e C-406/18, PG vs BMH, e em 29/07/2019, no processo C-556/17, Torubarov).
Assinale-se, aliás, que esta Jurisprudência do Tribunal de Justiça no que se refere à intensidade e amplitude dos deveres dos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros em matéria de asilo constitui, simplesmente, uma apropriação da linha jurisprudencial anteriormente firmada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, citando-se, exemplificativamente, o Acórdão desta Instância de 28/11/2011, Sufi e Elmi vs Reino Unido, Queixas n.º 8319/07 e 11449/07 (especialmente, as considerações contidas nos pontos 212 a 219).
Salienta-se, finalmente, que esta perspectiva é acolhida por ANA RITA GIL (Regulamento de Dublin e o risco de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes no Estado-Membro responsável, anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16/01/2020, processo nº 02240/18.7BELSB, in Cadernos de Justiça Administrativa nº 139, pp. 24 a 49, e, em particular, p. 47), que afirma que, “ainda que assim não se entenda sempre se aplicaria o nível já firmado pelo TJUE, que reconheceu um dever de averiguação junto das entidades competentes do Estado-Membro destino sobre o tratamento a dar ao requerente de asilo após a transferência quando o mesmo invoque receio de sujeição a tratamentos desumanos ou degradantes no mesmo.” E, mais adiante, que “o dever de procura de informação será especialmente importante em caso em que são publicamente conhecidas as dificuldades com que o Estado-Membro responsável pela análise do pedido se confronta no que respeita ao sistema de asilo como um todo”, assim concluindo que “só após a recolha de toda a informação estarão as autoridades em condições de decidir se existem ou não indícios suficientes para considerar haver risco sério de sujeição do requerente a tratamentos desumanos ou degradantes no Estado-Membro responsável pela análise do pedido, e decidir informadamente sobre a possibilidade ou impossibilidade de transferência”.
Tendo em conta a obrigação dos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros de efectuar a análise exaustiva do caso, e sob uma perspectiva ex nunc, impera ressaltar que tal obrigação corporiza-se, em bom rigor, no escrutínio detalhado dos factos e do direito em discussão em cada caso posto, relevando, nesta matéria – e nomeadamente –, o manancial informativo de que os tribunais devem dispor, seja por ter sido fornecido pelas partes, seja por ter sido oficiosamente adquirido para o processo. Neste ensejo, entendemos destacar a metodologia estabelecida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, e sufragada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, no que tange ao escrutínio e minucioso exame dos aspectos e meandros legais que enfrentam os requerentes de asilo, bem como das condições materiais que os mesmos vivenciam, e das que provavelmente vivenciarão, para efeitos de determinação do risco de submissão a tratamento desumano ou degradante, seja nos casos de repulsão para o país de origem, seja no caso de transferência realizada ao abrigo do Sistema Dublin (Acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 21/01/2011, M.S.S. vs Bélgica e Reino Unido, Queixa nº 30696, e de 28/11/2011, Sufi e Elmi vs Reino Unido, Queixas nº 8319/07 e 11449/07; Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia de 21/12/2011, C-411/10, N.S. vs Secretary of State for the Home Department (em especial, considerandos 85 a 96), e de 19/93/2019, C-163/17, Jawo vs República da Alemanha (em especial, considerandos 90 e 98). Neste contexto, surgem, com primacial relevância, os relatórios e informações publicitados por agências internacionais, independentes ou institucionais, que devem obedecer a condições de objectividade, fiabilidade e profundidade para que possam ser credibilizados e, assim, valorizados como prova demonstrativa dos factos pertinentes.
Sendo assim, perante a eventual possibilidade de subsistir um risco sério e real do recorrente sofrer tratamento desumano e degradante na acepção do consagrado no artigo 3º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, impõe-se, em termos de exigência mínima, que o recorrido proceda a uma indagação aprofundada das razões pelas quais o requerente possa não querer ou poder regressar ao Estado-Membro em que apresentou o primeiro pedido de asilo, mormente através da solicitação de informações sobre o procedimento de asilo a que foi sujeito o requerente (cfr. artigo 34º, nºs 1, 2, 3 e 4 do Regulamento Dublin), bem como da solicitação de maiores detalhes sobre o seu percurso de vida enquanto esteve esse Estado e da assistência que lhe foi propiciada.
Munido das necessárias informações factuais, deve então o recorrido escrutinar a eventual violação dos mencionados artigos 3º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 4º e 19º, nº 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia no caso de vir a ser executada a transferência do requerente para esse Estado responsável.
É que, como já se explicou anteriormente, subsiste no Direito da União Europeia um princípio de non-refoulement, derivado do artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do artigo 3º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que constitui uma barreira de absoluta intransponibilidade, e da qual resulta a proibição de transferência de qualquer pessoa para outro Estado se essa transferência acarreta o risco de tortura, ou de tratamento humano ou degradante.
Desta feita,
Atentando na Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e do Tribunal de Justiça da União Europeia, bem como considerando os específicos contornos do caso posto, é nosso entendimento que, face à informação disponível nos autos e no processo administrativo, bem como em face da informação recolhida junto de fontes internacionais independentes e credíveis, não é possível afirmar que o recorrente corre o risco sério de vir a sofrer tratamento desumano ou degradante caso venha a ser transferido para a Itália.
(…)
Realmente, assinale-se que, as informações mais actualizadas respeitantes ao procedimento de asilo são indicativas de uma diminuição significativa no tempo de decisão dos pedidos de protecção internacional, sendo que também não apontam para falhas sistémicas nas condições de acolhimento, pois que, em geral, as condições de acolhimento do sistema de asilo italiano situam-se num patamar mais elevado do que aquele que é suposto pelo Tribunal de Justiça da União Europeia para efeitos de considerar a hipótese da existência de sério risco de o requerente de asilo vir a sofrer tratamento desumano ou degradante.
Seja como for, não se ignorando que o sistema de asilo italiano ainda se depara com dificuldades – como, aliás, sucede em praticamente todos os Estados-Membros –, tais dificuldades situam-se, ainda assim, afastadas do grau de gravidade estabelecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia para que se possa considerar que podem consubstanciar um risco sério de sujeitar a pessoa a tratamento desumano ou degradante.
É verdade que não se ignora que, num passado muito recente – concretamente, até ao ano de 2020, inclusive – o sistema de asilo italiano confrontou-se com sérias dificuldades e graves e constatadas insuficiências e deficiências, nomeadamente, nas condições de acolhimento dos requerentes de asilo, incluindo os retornados ao abrigo da regulação de Dublin. Tal status quo derivou de uma pressão migratória gigantesca, conjugada com um quadro legislativo restritivo do acesso ao sistema de asilo e com um enorme subfinanciamento de toda a rede de estruturas de acolhimento. Tal situação foi amplamente divulgada e propalada em estudos analíticos da matéria.
Sucede, todavia, que a situação actual é um pouco diversa da que constava das descrições e estudos que reflectiam a realidade vivida no sistema de asilo italiano até ao ano de 2020. Esta alteração decorre de vários factores, mormente, da alteração do quadro legislativo, e donde se destaca o Decreto-Lei nº 130/2020 e a Lei nº 173/2020. A reformulação da organização da rede de estruturas de acolhimento, bem como o reforço do financiamento do sistema de asilo propiciaram, também, uma melhoria nas condições materiais de acolhimento dos requerentes de asilo, aqui se incluindo os retornados ao abrigo da regulação Dublin que, definitivamente, passam a poder aceder à rede de estruturas de acolhimento (alojamento e alimentação), ainda que o seu pedido de asilo já tenha sido objecto de indeferimento, tendo, aliás, sido criada uma estrutura de recepção e encaminhamento desses retornados nos aeroportos de Milão e de Roma.
O que vem de afirmar-se tem esteio no documento intitulado Country Report: Italy, by ASGI, AIDA- Asylum Information Database, ECRE- European Council on Refugees and Exiles, publicado e disponível para consulta no sítio: https://asylumineurope.org/reports/country/italy/.
Efectivamente, este Relatório versa sobre o sistema de asilo italiano, tendo sido elaborado pela ASGI – Associazione per gli Studi Giuridici sull’Immigrazione e publicado pelo European Council on Refugees and Exiles – ECRE, com actualização até Junho de 2021 e contendo informação completa reportada a 31/12/2020. Assim, veja-se em especial o teor de páginas 15 a 19, 33, 34, 48 e 60 a 68 do citado Relatório, que contêm uma indicação das alterações relevantes do sistema de asilo italiano, descrevendo não só a transformação legislativa, como as dificuldades práticas e as condições realistas do mencionado sistema. É certo que, dessa descrição, emana igualmente um conjunto vasto de problemas e de insuficiências constatadas “no terreno”, isto é, na realidade ôntica, especialmente, no que concerne ao acesso a serviços de ocupação, mercado de trabalho, cursos de aprendizagem da língua italiana, assistência nas vulnerabilidades, saúde, educação e apoio judiciário.
Porém, os problemas identificados, quer pela sua significância, quer pela sua natureza, são já diversos dos que constavam de relatórios e informações anteriores, em que o alojamento e a alimentação assumiam o cariz de deficiência relevante em termos de condições de acolhimento.
É de salientar, ainda, que durante o ano de 2021 foi implementado um Plano Operacional, acordado em 17/12/2020 entre a República Italiana e a EASO – European Asylum Support Office e que, em suma, visou prover e instalar em Itália unidades de assistência operacional científica e técnica desde 01/01/2021 até 31/12/2021. De tal Plano constava um conjunto de Medidas, destacando-se as Medidas IT1.A e IT2 por incluírem assistência e actuação no que concerne à aplicação da regulação Dublin, bem como a Medida IT4 por versar sobre a monitorização do sistema de recepção, nomeadamente, do encaminhamento para a rede de acolhimento.
É certo que, pelo menos até meados do ano de 2021, a situação dos retornados de Dublin ainda se apresentava delicada e insatisfatória, especialmente no que concerne ao encaminhamento para as estruturas de alojamento da rede de acolhimento italiana, conforme relato e descrição contidas na actualização do relatório sobre as condições de acolhimento em Itália, mormente dos retornados de Dublin, elaborado pelo Conselho para os Refugiados Suíço em 10/06/2021. A descrição contida neste Relatório elaborado pelo Conselho para os Refugiados Suíço é confirmada pelo documento citado supra, intitulado Country Report: Italy, by ASGI, AIDA – Asylum Information Database, ECRE – European Council on Refugees and Exiles, publicado e disponível para consulta no sítio: https://asylumineurope.org/reports/country/italy/, especificamente, a páginas 68 a 70.
Ainda assim, é de considerar que, excluindo situações de identificada vulnerabilidade, a rede de estruturas de acolhimento italiana é apta a receber os retornados de Dublin, incluindo os que viram o respectivo pedido de protecção internacional indeferido, proporcionando as condições básicas de sobrevivência, em termos de alojamento e alimentação. Efectivamente, a situação destes retornados tem enquadramento legal habilitante da sua inclusão na rede de estruturas de acolhimento, sendo que, em caso de dúvida quanto à decisão de encaminhamento para Itália enquanto Estado responsável, é sempre possível solicitar ao Estado Italiano uma garantia quanto ao recebimento e inclusão do retornado no sistema de acolhimento italiano. Reitere-se que, não se ignora, evidentemente, as deficiências do sistema de recepção italiano, mormente no tocante às condições materiais de acolhimento. No entanto, é nosso entendimento que tais deficiências, pelo menos actualmente, não correspondem a condições materiais susceptíveis de se qualificarem no parâmetro de gravidade imprescindível à formulação da convicção de que o recorrente será colocado numa situação em que corre sério e provável risco de vir a sofrer tratamento desumano ou degradante, na acepção dos artigos 3º da CEDH e 4º da CDFUE, e de acordo com a Jurisprudência fixada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia quanto ao limiar de gravidade exigido para que tal tratamento possa qualificar-se como desumano ou degradante.
Acrescente-se, a esta ordem de considerações, que os problemas com que a Itália se debate em termos de condições de acolhimento no seu sistema de asilo não são muito diversos dos problemas de outros países, como Portugal, Espanha, França, Bélgica, Países Baixos, Áustria, Dinamarca, Suécia, etc., que se deparam com consabidas dificuldades e insuficiências, nomeadamente, em termos de providenciar uma rede de alojamento suficiente e adequada. Em concomitância, também não se contraria o facto de que as condições de higiene nos alojamentos utilizados nos sistemas de acolhimento de diversos países, incluindo Itália, possam não ser as ideais, ou que, em determinados sistemas, o acesso aos cuidados de saúde possa ser difícil, e que a alimentação fornecida possa não ser adequada às necessidades de todos. Todavia, todas estas circunstâncias, por muito realistas que sejam, não alcançam o patamar de gravidade definido pelo TJUE para que se possa afirmar ocorrer deficiência sistémica no sistema de asilo de um Estado-membro, ou para que se deva equacionar, em concreto, o risco do requerente de asilo vir a sofrer tratamento desumano ou degradante.
Paralelamente, também cumpre esclarecer que a avaliação a realizar a este propósito assume um cariz prospectivo, querendo significar-se, com isto, que a situação vivenciado no passado não é determinante da solução a conferir ao caso no presente, visto que esta deve ter em conta o prognóstico provável, ou seja, deve avaliar os respectivos e prováveis efeitos futuros.
(…)
Seja como for, e independentemente do que o recorrente vem agora alegar na presente acção, a verdade é que é indesmentível que o Estado Italiano concedeu ao recorrente autorização de residência, por motivos humanitários, pelo prazo de dois anos, com expressa permissão para poder trabalhar, permitindo-lhe definir e iniciar um projecto de vida, e desenvolver a sua autonomia, por forma a dispensar a tutela assistencial do Estado. Evidentemente, não se rejeita que o Recorrente se possa ter deparado com dificuldades e obstáculos, graves até, que abalaram a sua capacidade e autonomia. No entanto, importa dizer que mesmo a atribuição do estatuto de protecção internacional não visa perpetuar a tutela assistencial do Estado que acolhe o refugiado, mas sim auxiliar o início de um novo plano de vida para que, a curto prazo, o beneficiário desse estatuto alcance a sua autonomia e independência. É, de resto, por este motivo, que o auxílio assistencial dos Estados que concedem o estatuto de protecção internacional destina-se a vigorar apenas por determinados prazos, sendo que, a partir daí, o refugiado poderá socorrer-se dos mecanismos assistenciais que são postos ao dispor do resto da população.
Em suma, ponderando todo o expendido, queda inviabilizada a procedência de toda a argumentação avançada pelo recorrente em esteio das invocadas ilegalidades do acto de transferência, seja por défice instrutório, seja por haver risco de o recorrente vir a ser sujeito a tratamento desumano e degradante. É que, como se explicitou, não só o recorrente não se enquadra em nenhuma condição de vulnerabilidade especial, como as informações e notícias mais actualizadas, provenientes de fontes internacionais credíveis, não apontam para a existência de falhas de natureza sistémica no sistema de asilo italiano, nem para a existência de circunstâncias e condições de acolhimento que possam inculcar a convicção de que o recorrente correrá um sério risco de vir a sofrer um tratamento desumano ou degradante no caso de ser transferido para Itália”.
13. Uma vez que as considerações tecidas no acórdão citado – que reflectem aquilo que constitui a jurisprudência mais actualizada deste TCA Sul nesta matéria – têm plena aplicação ao caso retratado nos presentes autos, é manifesto que o presente recurso não merece provimento.

IV. DECISÃO
14. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
15. Sem custas, por isenção.
Lisboa, 27 de Abril de 2023
(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)
(Dora Lucas Neto – 1ª adjunta)
(Pedro Figueiredo – 2º adjunto)