Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04387/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/11/2011
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:REVISÃO. GARANTIAS.
Sumário:1. O pedido de revisão dos actos tributários, previsto no art. 78.º n.º 1 LGT, quando exercitado, pelo sujeito passivo/contribuinte, dentro do prazo de reclamação administrativa (por norma, 15 dias a contar da notificação do acto), consubstancia uma verdadeira reclamação, por referência ao seu conceito doutrinal positivado no art. 158.º n.º 1 e 2 al. a) Código do Procedimento Administrativo/CPA, uma vez que, adicionalmente, se trata de apelo dirigido ao próprio autor do acto e por este decidido.
2. Porque somente o pedido de revisão formulado no indicado espectro temporal é susceptível de ser valorado como “reclamação”, em sentido técnico-jurídico, com respeito pelo disposto no art. 52.º n.º 1 LGT, se pode suspender, na dependência de garantia bastante, a cobrança da prestação tributária, no âmbito do processo de execução fiscal.
3. Esta forma de entender apresenta-se como a que melhor se coaduna com a necessidade de delimitar, circunscrever, os casos em que o versado pedido de revisão pode ser equiparado a uma reclamação (administrativa), bem como, aquela que mais se compatibiliza com a proibição da suspensão da execução fiscal fora dos casos inscritos na lei, afirmada, como postulado geral, no art. 85.º n.º 3 CPPT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I
A...– AUTOMÓVEIS E EQUIPAMENTOS, L.DA, contribuinte n.º ...e com os demais sinais dos autos, apresentou, nos termos do art. 276.º CPPT, reclamação de decisão do órgão da execução fiscal.
Não se conformando com sentença que a julgou improcedente, produzida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, interpôs recurso jurisdicional, acompanhado de alegações, concluídas nos termos seguintes: «
19. A reclamante apresenta pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRC do exercício de 2002.
20. Requer ao órgão da execução a suspensão dos autos de execução até que o pleito que se discute por via do pedido de revisão oficiosa, se mostre decidido, considerando que os créditos do Estado se encontram devidamente garantidos.
21. O Chefe do Serviço de Finanças de Mafra indefere o pedido, porque entende, que o pedido de revisão oficiosa só constitui causa de suspensão, se apresentado no prazo da revisão administrativa.
22. A executada apresenta reclamação dessa decisão, requerendo a procedência do pedido, por consubstanciar o pedido de revisão uma verdadeira reclamação graciosa em sentido lato, invocando para tal, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 2.ª secção, processo n.° 0999/07 de 20 de Fevereiro de 2008.
23. Fundamenta também o prejuízo irreparável que pode ser provocado, avaliado através de um juízo de prognose, de poder o órgão da execução fiscal accionar a garantia prestada, que, no caso, dado o seu elevado valor, serve igualmente de garantia a outros créditos cio Estado, noutras execuções, da reclamante.
24. A douta sentença do Tribunal a quo, não faz qualquer apreciação sobre a jurisprudência do STA e restringe a decisão à letra da lei vertida no n.° 1 do artigo 169.° do CPPT.
25. O pedido de revisão configura uma verdadeira reclamação, em sentido lato, não podendo por isso deixar de se entender que também o pedido de revisão do acto tributário suspende a execução, nos termos do que dispõem os artigos 78.° n.° 1 da LGT, 52.° n.° 1 da LGT e artigo 169.° n.° 1 do CPPT.
26. Entende a recorrente que não andou bem a douta sentença, na medida em que não faz qualquer apreciação ou referência, sobre a jurisprudência do STA.
27. E ainda, porque cinge a douta decisão apenas ao elemento literal da norma
28. Por tudo o que se invoca, mais, pelo douto entendimento dos Exmos. Venerandos Conselheiros do STA, proferido no Acórdão 999/07, de 20 de Fevereiro de 2008, deve a douta decisão do Tribunal ad quem proceder à revogação da decisão do Tribunal a quo.
29. Decidindo pela suspensão dos autos de execução até que o pleito se mostre definitivo, ainda para mais, por se apresentarem os créditos do Estado devidamente garantidos pela constituição de hipoteca legal sobre imóvel propriedade da executada.

Termos em requer a V. Ex.ª sejam as presentes alegações recebidas, por em tempo, concedendo a douta decisão do Tribunal ad quem, provimento ao recurso, revogando a douta sentença do Tribunal a quo, determinando a suspensão dos autos de execução até que o pleito que se discute por via do pedido de revisão oficiosa se tome definitivo, justamente por configurar este pedido uma autêntica reclamação em sentido lato, não resultando qualquer prejuízo para os créditos do Estado, por se apresentarem os mesmos garantidos, o que de resto tão pouco foi posto em causa. »
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Não há registo da apresentação de contra-alegações.
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A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer, no sentido do não provimento do recurso.
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Dispensados, em função da natureza urgente do processo – cfr. art. 707.º n.º 2 CPC, os vistos legais, compete conhecer.
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II
Consta, da sentença recorrida: «
Dos autos, resultam provados os seguintes factos:
A. Em 15 de Outubro de 2005, foi instaurado no Serviço de Finanças de Mafra, contra a ora Reclamante, execução fiscal, para cobrança da quantia de € 120407,24, referente a dívida de IRC do ano de 2002 - fls. 1 e 2 do processo de execução fiscal;
B. Em 26 de Março de 2010, requereu o ora Reclamante, no Serviço de Finanças de Mafra, a revisão oficiosa da liquidação de IRC do ano de 2002 - fls. 163;
C. Em 26 de Março de 2010, tinha, já, caducado o prazo de reclamação graciosa da liquidação da qual resultou a dívida exequenda - facto não controvertido;
D. O pagamento da dívida exequenda encontra-se garantido - facto não controvertido.
E. Em 19 de Maio de 2010, requereu a ora Reclamante, ao Órgão de execução fiscal, além do mais, a suspensão da execução “nos termos do que dispõe o nº 1 do artigo 169º do CPPT”, com fundamento no pedido de revisão oficiosa referido em B e no facto de o pagamento da dívida se encontrar garantido - fls. 160;
F. Na sequência do requerimento referida em E, foi, em 15 de Junho de 2010, proferido o acto ora reclamado, pelo qual foi decidido indeferir o pedido de suspensão da execução com fundamento em, nos termos da lei, e da jurisprudência, o pedido de revisão oficiosa, com prestação de garantia, só determinar a suspensão da execução fiscal quando formulado no prazo da reclamação administrativa - fls. 176. »
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Verificando-se que a alínea C. da factualidade julgada provada, em 1.ª instância, encerra um mero juízo conclusivo, a coberto do possibilitado pelo art. 712.º n.º 1 al. a) CPC, decide-se alterar o conteúdo da mesma, passando a ter a seguinte redacção:
C. O termo do prazo para pagamento voluntário da liquidação de IRC do ano de 2002 (dívida exequenda), efectuada à Reclamante, ocorreu em Agosto de 2005 – cfr. fls. 22.
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A única questão que se discute nos autos passa por saber se o pedido de revisão (1) do acto tributário de liquidação, por iniciativa do contribuinte, efectuado após o decurso do prazo de reclamação administrativa, mostrando-se prestada garantia idónea, permite ou não suspender execução fiscal, em curso para cobrança da dívida liquidada. O tribunal recorrido veiculou o entendimento, que diz ser da doutrina e jurisprudência mais expressivas, de não poder o pedido de revisão oficiosa, “formulado depois de caducado o prazo de reclamação graciosa”, justificar a suspensão de pendente processo executivo, enquanto a Recorrente/Rte defende ser errado este julgamento porque, decisivamente, não considera o, em sentido contrário, entendido, sobre a matéria, no douto Ac. STA de 20.2.2008, rec. 0999/07.
Expostas, em síntese, as teses confrontantes, respeitosamente, perfilhamos a avançada pela sentença aprecianda.
Tal como, já, houve oportunidade de se decidir neste TCAS (2), buscando apoio decisivo no, sobre a matéria, doutrinado pelo Exmo. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, o pedido de revisão dos actos tributários, previsto no art. 78.º n.º 1 LGT, quando exercitado, pelo sujeito passivo/contribuinte, dentro do prazo de reclamação administrativa (3), consubstancia uma verdadeira reclamação, por referência ao seu conceito doutrinal positivado no art. 158.º n.º 1 e 2 al. a) Código do Procedimento Administrativo/CPA, uma vez que, adicionalmente, se trata de apelo dirigido ao próprio autor do acto e por este decidido. Assim, porque somente o pedido de revisão formulado no indicado espectro temporal é susceptível de ser valorado como “reclamação”, em sentido técnico-jurídico, com respeito pelo disposto no art. 52.º n.º 1 LGT, se pode suspender, na dependência de garantia bastante, a cobrança da prestação tributária, no âmbito do processo de execução fiscal.
Esta forma de entender apresenta-se-nos como a que melhor se coaduna com a necessidade de delimitar, circunscrever, os casos em que o versado pedido de revisão pode ser equiparado a uma reclamação (administrativa), bem como, aquela que mais se compatibiliza com a proibição da suspensão da execução fiscal fora dos casos inscritos na lei, afirmada, como postulado geral, no art. 85.º n.º 3 CPPT. Temos, para nós, que esta explícita preocupação do legislador em assegurar a celeridade possível, respeitando os direitos elementares dos sujeitos passivos, na cobrança coerciva de receita tributária, induz orientação, no sentido de se interpretar e aplicar de forma tendencialmente restritiva os preceitos legais relevantes no tratamento do tema em apreço.
Não se podendo contornar a existência do supra identificado aresto do STA, perfilhante de antagónica pronúncia, constatamos que esta se sustenta com a linear proposição: “…, sendo a revisão uma verdadeira reclamação, não pode deixar de se entender que também o pedido de revisão do acto tributário suspende a execução - vide artºs 78º, 1, da LGT 52º, 1, da LGT e art.º 169º, 1, do CPPT.”; ou seja, se bem lobrigamos o alcance deste apoio, a revisão corresponde sempre, em qualquer momento e/ou circunstâncias, a uma reclamação. Com todo o respeito, parece-nos que, desde logo, em função do regime estabelecido no CPA, acima referenciado, esta generalização resulta impossível e, por isso, enquanto elemento interpretativo, ilegal.
Veiculadas as razões, fácil é concluir que não podemos satisfazer a pretensão da Rte de ver suspensa a execução fiscal, pendente contra si, não obstante estar garantido o pagamento integral da dívida exequenda, dado o pedido de revisão oficiosa, do acto de liquidação que lhe subjaz, onde se ancora, ter sido formalizado muito para além do prazo de reclamação administrativa (bem como, do de reclamação graciosa).
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III
Ante o exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se negar provimento a este recurso jurisdicional.
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Custas a cargo da recorrente/reclamante.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 11 de Janeiro de 2011

ANÍBAL FERRAZ
LUCAS MARTINS
MAGDA GERALDES



1- Prevista no art. 78.º LGT.
2- Ac. TCAS de 17.6.2008, rec. 02418/08, disponível em www.dgsi.pt.
3- Por norma, 15 dias a contar da notificação do acto – cfr. art. 162.º al. b) CPA.