Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13041/16
Secção:CA
Data do Acordão:04/07/2016
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DO JUÍZO SOBRE A CAUSA PRINCIPAL -REGULAMENTO
Sumário:I - A decisão de indeferimento do pedido de antecipação do juízo sobre a causa principal não é passível de recurso.
II - No procedimento regulamentar a aprovação consubstancia o culminar do procedimento na fase constitutiva, assumindo-se como requisito de perfeição do regulamento, isto é, sem aprovação inexiste norma jurídica, mas antes um mero projecto de regulamento.
III - Sendo pedida a suspensão da eficácia de uma proposta de plano de pormenor - já que a mesma ainda não foi aprovada -, ou seja, inexistindo ainda o referido plano de pormenor enquanto norma regulamentar, carece de objecto o processo cautelar.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:J. e M. intentaram no TAF de Almada o presente processo contra o Município de Almada e o Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, no qual, por despacho de 23 de Dezembro de 2015, foi indeferido o pedido de inversão do contencioso - e considerado inaplicável o disposto no art. 121º, do CPTA - e, por sentença dessa mesma data, foi julgada verificada a excepção de falta de objecto da providência e, em consequência, absolvidas as entidades requeridas da instância.

Inconformados, os requerentes interpuseram recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:


“Texto e/ou quadro no original”.


II - FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença recorrida foram dados como indiciariamente assentes os seguintes factos:
“a) Em 30/03/1992, os requerentes outorgaram escritura de justificação no 3.º Cartório Notarial de Almada, onde consta, designadamente, o seguinte:
“Disseram os primeiros outorgantes:
Que são donos, com exclusão de outrem, de um prédio urbano constituído por uma moradia para habitação, composta de cave e rés do chão, com a área coberta de setenta metros quadrados e logradouro com a área de duzentos e quarenta metros quadrados, designado por lote …, sito na Fonte da Telha, freguesia da Costa da Caparica, concelho de Almada, prédio que confronta do Norte, Nascente e Poente com J. e do Sul com via pública, inscrito na respectiva matriz, em nome do justificante marido, sob o artigo … (e anteriormente sob o artigo … da freguesia da Caparica), com o valor patrimonial de duzentos e noventa e dois mil cento e oitenta e três escudos, prédio que não se encontra descrito nem na Segunda Conservatória do Registo Predial de Almada, a cuja área pertence actualmente, nem na Primeira Conservatória do Registo Predial de Almada a cuja área pertenceu anteriormente.
(…)
Que justificam o invocado direito de propriedade sobre o referido prédio afirmando que tal direito foi por eles adquirido por usucapião (…).”
[documento de fls. 83 a 90 dos autos].
b) Em reunião realizada no dia 27/06/2012, a Câmara Municipal de Almada deliberou determinar a elaboração do Plano de Pormenor da Fonte da Telha e abrir um período de participação preventiva de 60 dias a partir da data da publicação do respectivo aviso no Diário da República e da divulgação na comunicação social e na Internet da Câmara Municipal [cfr. Edital n.º672/2012, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º142, de 24/07/2012].
c) Pelo Edital n.º672/2012, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º142, de 24/07/2012, foi tornada pública a deliberação referida em b) e os “Termos de referência para a elaboração do Plano de Pormenor da Fonte da Telha”.
d) Em reunião realizada no dia 01/07/2015, a Câmara Municipal de Almada deliberou proceder à abertura de um período de discussão pública da Proposta do Plano de Pormenor da Fonte da Telha [cfr. Aviso n.º 7620/2015, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º132, de 09/07/2015].
e) Em 09/07/2015, foi publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º132, o Aviso n.º7620/2015, que tornou pública a abertura de um período de discussão pública da Proposta do Plano de Pormenor da Fonte da Telha, com o seguinte teor:
“Texto e/ou quadro no original”.

f) O presente processo cautelar deu entrada no Tribunal no dia 12/10/2015 [informação disponível no SITAF]”.
*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se:

- o despacho que considerou inaplicável o disposto no art. 121º, do CPTA, enferma de erro;

- a sentença recorrida:

- é nula;

- errou ao ter absolvido os recorridos da instância;

- os recorridos devem ser condenados como litigantes de má fé (cfr. alegações de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas).

Passando à apreciação do alegado erro do despacho que considerou inaplicável o disposto no art. 121º, do CPTA

Previamente à prolação da sentença que apreciou o pedido cautelar (e que considerou verificada a excepção de falta de objecto da providência), o tribunal recorrido, por despacho de 23 de Dezembro de 2015, indeferiu o pedido formulado pelos recorrentes de inversão do contencioso e, nesse mesmo despacho, considerou-se inaplicável o disposto no art. 121º, do CPTA, normativo que prevê a antecipação do juízo sobre a causa principal.

Alegam os recorrentes a violação do disposto nesse art. 121º.

Antes do conhecimento desta violação, cumpre apreciar a recorribilidade de tal despacho de 23.12.2015, no segmento em que considerou inaplicável o disposto no art. 121º, do CPTA [pois os recorrentes nunca atacam o entendimento, plasmado nesse mesmo despacho, de que o art. 369º, do CPC de 2013 (o qual prevê a inversão do contencioso), não é aplicável aos processo cautelares intentados nos tribunais administrativos].

Ora, a este propósito escreveu-se no Ac. do TCA Sul de 26.2.2015, proc. n.º 11478/15, o seguinte:
O artigo 121º do CPTA prevê a possibilidade de o tribunal, ouvidas as partes pelo prazo de 10 dias, antecipar a da decisão da causa principal, preenchidos que sejam os seguintes requisitos (cfr. n.º 1):
- Ocorrer “manifesta urgência na resolução definitiva do caso” com o que “não se compadece … a adopção de uma simples providência cautelar”;
- “Tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito”.
Acerca da recorribilidade desta decisão, prescreve o n.º 2 deste preceito que “a decisão de antecipar o juízo sobre a causa principal é passível de impugnação nos termos gerais”.
Resulta, pois, de forma inequívoca deste preceito que apenas o despacho no sentido de antecipar a decisão da causa principal é susceptível de recurso.
Ao invés, o despacho que indefira o pedido feito por uma das partes nesse sentido não é passível de recurso.
O n.º 2 do artigo 121º do CPTA é absolutamente claro quando se refere apenas à “decisão de antecipar o juízo sobre a causa principal”. E havendo que presumir que o legislador se expressou correctamente, usando os termos adequados, impõe-se concluir que se houvesse intenção de abranger também a decisão de indeferimento do pedido de antecipação do juízo sobre a causa principal, a mesma não deixaria de ser explicitada. Não o tendo feito, não pode o interprete fazê-lo, tanto mais que não encontra na letra da lei o mínimo de correspondência.
Concluímos, em face do exposto, pela inadmissibilidade do recurso do despacho do TAC de Lisboa na parte em que indeferiu o pedido de antecipação da decisão da causa principal” (sublinhados e sombreados nossos) – também neste sentido, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª Edição, 2010, págs. 820-821 [“(…) a eventual pronúncia expressa do tribunal no sentido de não proceder à convolação não é passível de recurso”].

Do exposto resulta que a decisão de indeferimento do pedido de antecipação do juízo sobre a causa principal não é passível de recurso.

Nestes termos, cumpre proferir decisão de não admissão do requerimento de interposição do recurso, no segmento em que é impugnado o despacho que considerou inaplicável o disposto no art. 121º, do CPTA.

Por último, cumpre esclarecer que os recorrentes não têm razão quando defendem que no mesmo articulado pode ser cumulado o pedido cautelar e a pretensão a formular na acção principal - cfr. art. 114º n.º 1, corpo, do CPTA (“requerimento próprio”).



Passando à análise da questão respeitante à nulidade da sentença recorrida

Alegam os recorrentes, ao abrigo do art. 615º n.º 1, al. d), do CPC de 2013, que a sentença recorrida enferma de omissão de pronúncia quanto a factos que, em seu entender, são essenciais, pois dos mesmos decorre o direito de propriedade que invocaram. Argumentam ainda que apresentaram petição inicial e processo cautelar e que a sentença recorrida não se pronunciou sobre a petição inicial.

Apreciando.

Dispõe o art. 615º n.º 1, do CPC de 2013, que:
“É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.

A nulidade prevista na 1ª parte da al. d) do n.º 1 deste art. 615º relaciona-se directamente com estatuído no art. 608º n.º 2, do CPC de 2013, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; (…)”.

A propósito desta nulidade, ensina Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª Edição, 2003, pág. 50, que, «À omissão de pronúncia alude a 1ª parte da alínea d) do n.° 1 do art. 668.°(1) e traduz-se na circunstância de o juiz se não pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ante o estatuído na 1.ª parte do n.° 2 do art. 660.°(2).

Trata-se da nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda.

Como nos diz Alberto dos Reis, não enferma da nulidade de omissão de pronúncia o acórdão que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por as reputar desnecessárias para a resolução do litígio. “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”».

A omissão de pronúncia só existe, portanto, quando o tribunal deixe, em absoluto, de apreciar e decidir a(s) questão(ões) que lhe é(são) colocada(s) pelas partes, isto é, o(s) problema(s) concreto(s) que haja sido chamado a resolver, e não quando deixe de apreciar razões, argumentos, raciocínios, considerações, teses ou doutrinas invocados pelas partes em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão da(s) questão(ões) colocada(s).

A presente nulidade assenta na alegação de que a sentença recorrida não se pronunciou quanto a factos essenciais, dos quais decorre o direito de propriedade que os recorrentes invocam, bem como na circunstância de os recorrentes terem apresentado petição inicial e processo cautelar e a sentença recorrida não se ter pronunciado sobre a petição inicial.

Vejamos.

Os recorrentes solicitaram no presente processo a suspensão da eficácia do plano de pormenor da Fonte da Telha. Além disso, também peticionaram a inversão do contencioso e, em consequência, a prolação de decisão condenatória dos recorridos no valor de € 600 000, caso o referido plano de pormenor persista sem estarem garantidos os direitos de propriedade e habitação dos recorrentes.

Por despacho de 23 de Dezembro de 2015 foi indeferido o pedido de inversão do contencioso, bem como foi considerado inaplicável o disposto no art. 121º, do CPTA, e, por sentença proferida nessa mesma data, foi julgada verificada a excepção de falta de objecto da providência – suscitada pelo Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia - e, em consequência, absolvidas as recorridas da instância.

Ora, face ao indeferimento – por despacho que antecedeu a prolação da sentença recorrida - do pedido de inversão do contencioso e à consideração de que o disposto no art. 121º, do CPTA, é inaplicável, ficou necessariamente prejudicado o conhecimento do pedido condenatório (e, portanto, do invocado direito de propriedade e dos factos em que o mesmo assenta). Além disso, face à decisão contida na sentença recorrida de absolvição (por falta de objecto da providência) dos recorridos da instância, ficou prejudicado o conhecimento dos requisitos previsto no art. 120º, ex vi art. 130º n.º 4, ambos do CPTA.

Dito por outras palavras, improcede a invocada nulidade, pois a sentença recorrida conheceu da questão relevante (falta de objecto da providência, invocada por um dos recorridos), face ao teor do despacho que a antecedeu (que indeferiu o pedido de inversão do contencioso e considerou inaplicável o disposto no art. 121º, do CPTA).

Acresce que, um eventual erro da sentença recorrida na apreciação da referida questão (falta de objecto da providência), configura erro de julgamento e não nulidade da decisão recorrida.

Nestes termos, não se verifica a nulidade da sentença recorrida nos termos da 1ª parte da al. d) do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013.

Pelo exposto, tem de improceder a arguição de nulidade da sentença recorrida.


Passando à apreciação do alegado erro da sentença recorrida ao ter absolvido os recorridos da instância

Como acima explicitado, os requerentes, ora recorrentes, intentaram o presente processo cautelar contra o Município de Almada e o Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia e no mesmo peticionaram a suspensão da eficácia do plano de pormenor da Fonte da Telha.

A sentença recorrida julgou verificada a excepção de falta de objecto da providência e, em consequência, absolveu as recorridas da instância.

Os recorrentes defendem que a decisão ora sindicada errou ao considerar verificada tal excepção.

Vejamos.


A decisão recorrida assentou na seguinte fundamentação:

À data em que deu entrada o presente processo cautelar, encontrava-se em vigor o CPTA na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º214-G/2015, de 2 de Outubro, pelo que, atento o disposto no artigo 15.º, n.º2, deste diploma legal, é esta a redacção do Código aplicável ao presente processo.

Nos presentes autos, os requerentes pedem que seja ordenada a suspensão do Plano de Pormenor da Fonte da Telha.

Os planos de pormenor são planos municipais de ordenamento do território e têm natureza regulamentar, pelo que a suspensão do Plano de Pormenor da Fonte da Telha, peticionada pelos requerentes, consubstancia um pedido de suspensão da eficácia de normas regulamentares, sendo que a suspensão da eficácia de normas é uma das providências cautelares especificadas que se encontra prevista no CPTA.

Nos termos do artigo 130.º do CPTA, “1. O interessado na declaração da ilegalidade de norma emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo cujos efeitos se produzam imediatamente, sem dependência de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação, pode requerer a suspensão da eficácia dessa norma, com efeitos circunscritos ao seu caso. 2. Pode pedir a suspensão, com alcance geral, dos efeitos de qualquer norma quem tenha deduzido ou se proponha deduzir pedido de declaração de ilegalidade dessa norma com força obrigatória geral. 3. Se o requerente não for o Ministério Público, o deferimento do pedido referido no número anterior depende da demonstração de que a aplicação da norma em causa foi recusada por qualquer tribunal, em três casos concretos, com fundamento na sua ilegalidade. 4. Aos casos previstos no presente artigo aplica-se, com as adaptações que forem necessárias, o disposto no capítulo I e nos dois artigos precedentes”.

A providência cautelar de suspensão da eficácia de normas visa assegurar a utilidade da sentença a proferir em acção administrativa especial de impugnação de normas, prevista no artigo 72.º do CPTA e cujos pressupostos constam do artigo 73.º do mesmo Código.

Atento o disposto no artigo 72.º, n.º1, do CPTA, “A impugnação de normas no contencioso administrativo tem por objecto a declaração da ilegalidade de normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo, por vícios próprios ou derivados da invalidade de actos praticados no âmbito do respectivo procedimento de aprovação”.

Quanto aos pressupostos da acção administrativa especial de impugnação de normas, o artigo 73.º, n.ºs 2 e 3, do CPTA estabelece o seguinte: “1. A declaração de ilegalidade com força obrigatória geral pode ser pedida por quem seja prejudicado pela aplicação da norma ou possa previsivelmente vir a sê-lo em momento próximo, desde que a aplicação da norma tenha sido recusada por qualquer tribunal, em três casos concretos, com fundamento na sua ilegalidade. 2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, quando os efeitos de uma norma se produzam imediatamente, sem dependência de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação, o lesado ou qualquer das entidades referidas no n.º2 do artigo 9.º pode obter a desaplicação da norma pedindo a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto”.

O objecto da acção administrativa especial de impugnação de normas e, consequentemente, o objecto da providência cautelar de suspensão de normas é a norma emanada ao abrigo de disposições de direito administrativo, tal como o acto administrativo constitui o objecto das acções de impugnação de actos administrativos.

Ora, apenas as normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo que se encontrem em vigor podem ser objecto da providência cautelar de suspensão da eficácia de normas prevista no artigo 130.º do CPTA, sendo certo que apenas estamos perante normas regulamentares quando, terminado o procedimento regulamentar legalmente previsto, as mesmas tenham sido aprovadas pelo órgão com competência para o efeito.

Até à aprovação pelo órgão com competência regulamentar, não existe um regulamento, mas apenas um projecto/proposta de regulamento.

Da factualidade provada resulta que o período de discussão pública da Proposta do Plano de Pormenor da Fonte da Telha decorreu desde o dia 09/07/2015 até ao dia 12/11/2015 [alínea e) dos factos provados], o que significa que quando o presente processo cautelar deu entrada, e tal como reconhecem os requerentes no requerimento inicial, a Proposta do Plano de Pormenor da Fonte da Telha encontrava-se na fase da discussão pública.

Atento o disposto no artigo 77.º, n.º8, do Decreto-lei n.º380/99, de 22 de Setembro [doravante, RJIGT], aplicável ao procedimento de elaboração do Plano de Pormenor da Fonte da Telha por força do disposto no artigo 197.º do Decreto-lei n.º80/2015, de 14 de Maio, findo o período da discussão pública, a câmara municipal pondera e divulga, designadamente através da comunicação social e da respectiva página da Internet, os respectivos resultados e elabora a versão final da proposta para aprovação.

Nos termos do artigo 79.º, n.º1, do RJIGT, “os planos municipais de ordenamento do território são aprovados pela assembleia municipal, mediante proposta apresentada pela câmara municipal”.

Considerando que só após a respectiva aprovação, as normas que constituem o Plano de Pormenor da Fonte da Telha passam a existir juridicamente, consubstanciando, até tal aprovação, um mero projecto ou proposta, conclui-se que a providência cautelar de suspensão de eficácia de normas carece de objecto.

Com efeito, não tendo sido, ainda, aprovado o Plano de Pormenor da Fonte da Telha, apenas existindo uma Proposta de Plano que foi submetida a discussão pública, aquele não existe no ordenamento jurídico enquanto tal, pelo que inexistem normas regulamentares susceptíveis de terem a sua eficácia suspensa por força do decretamento da providência cautelar requerida.

Refira-se que a norma do artigo 130.º do CPTA apenas admite a suspensão de eficácia de normas, e já não de projectos ou propostas de regulamentos, o que encontra o seu fundamento na circunstância de tais projectos ou propostas serem insusceptíveis de produzir efeitos jurídicos e, nessa medida, de lesarem a esfera jurídica dos particulares.

Pelo exposto, considerando que, presentemente, apenas existe uma Proposta de Plano de Pormenor da Fonte da Telha, não existindo, por ainda não ter sido aprovado, o referido Plano, concluímos que a providência cautelar requerida carece de objecto, o que obsta ao conhecimento do mérito do pedido cautelar e determina a absolvição das entidades requeridas da instância” (sublinhados e sombreados nossos).

A sentença recorrida concluiu, portanto, que, existindo apenas uma proposta de plano de pormenor da Fonte da Telha - já que a mesma ainda não foi aprovada -, não existe ainda o referido plano de pormenor enquanto norma regulamentar, carecendo, portanto, o processo cautelar de objecto.

Os recorrentes não concordam com tal entendimento, mas não indicam qualquer argumento que de forma consistente ponha em causa tal raciocínio.

Ora, os argumentos aduzidos na sentença recorrida são claros e acertados.

Com efeito, no procedimento regulamentar a aprovação consubstancia o culminar do procedimento na fase constitutiva, assumindo-se como requisito de perfeição do regulamento, isto é, sem aprovação inexiste norma jurídica – neste sentido, Afonso Rodrigues Queiró, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, 1976, pág. 474 (o qual, embora não se referindo explicitamente à aprovação, indicia a existência de um momento formal da perfeição do regulamento, corporizado, no caso de regulamentos emanados de órgãos individuais, numa decisão e, tratando-se de órgãos colectivos, numa deliberação), e Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Actividade administrativa, Tomo III, 2ª edição, 2009, pág. 261 (“O modo normal de conclusão do procedimento regulamentar é a aprovação do regulamento mediante decisão ou deliberação do órgão com competência regulamentar; por vezes o exercício da competência regulamentar é consequente, ou depende mesmo juridicamente, da prévia apresentação de uma proposta por outro órgão (por exemplo, nos casos previstos nos arts. 17.º, 2 e 52.º, 2, 3 e 4 LAL, as competências regulamentares das Assembleias de Freguesia e Municipais só podem ser exercidas mediante propostas, respectivamente, da Junta de Freguesia e da Câmara Municipal). Pode suceder, no entanto, que a conclusão do procedimento se dê sem a aprovação do regulamento (por exemplo, se a petição dos interessados for arquivada ou se a administração se convencer, na sequência da consulta pública, de que não se justifica o exercício da competência regulamentar)”).

A esse propósito dispõe o art. 81º n.º 1, do DL 380/99, de 22/9, que “A elaboração dos planos municipais de ordenamento do território(3) considera-se concluída com a aprovação da respectiva proposta pela assembleia municipal” (sublinhado nosso).

E como explicita Ana Raquel Gonçalves Moniz, Estudos sobre os Regulamentos Administrativos, 2013, págs. 168 e 169, “A concepção da aprovação como requisito de perfeição do regulamento deixa já entrever uma ideia fundamental: antes da aprovação não existe um regulamento administrativo, mas antes um projecto de regulamento. Trata-se, aliás, de uma ideia inerente quer a outras formas de acção administrativa, quer a outras normas jurídicas (não administrativas). Assim acontece, com nitidez, quanto ao acto administrativo, relativamente ao qual se acentua que um acto administrativo não existe como tal (mas apenas como projecto de acto) “enquanto não se perfizer a fase constitutiva do procedimento” (Vieira de ANDRADE, «Validade», in: Dicionário Jurídico da Administração Pública, s.n., Coimbra, 1996, p. 582). De modo menos claro, embora igualmente visível, a aprovação de actos legislativos representa o momento constitutivo do respectivo iter procedimental, antes do qual não se encontra conformado o acto principal” (sublinhados e sombreados nossos).

Assim, improcedem na sua totalidade as 1ª a 6ª conclusões, das alegações de recurso, pelo que bem andou a sentença recorrida ao julgar verificada a excepção de falta de objecto do processo cautelar, a qual deverá ser confirmada (neste sentido, recente Ac. deste TCA Sul de 24.2.2016, proc. n.º 12858/16 - proferido em processo cautelar onde (também) era peticionada a suspensão da eficácia do plano de pormenor da Fonte da Telha -, no qual se negou provimento ao recurso interposto da sentença do TAF de Almada que julgou procedente a excepção de falta de objecto impugnável, absolvendo as entidades requeridas da instância).


Passando à análise da pretensão de condenação dos recorridos como litigantes de má fé

Os recorrentes pretendem a condenação dos recorridos como litigantes de má fé, invocando que o Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia actuou de má fé ao invocar que não é parte legítima e o Município de Almada ao alegar que a construção dos requerentes é precária.

Ora, não tendo o tribunal recorrido apreciado a excepção de ilegitimidade passiva invocada pelo recorrido Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia – face à procedência da excepção de falta de objecto do processo cautelar (e sendo certo que este recorrido só poderia ser considerado como litigante de má fé se, desde logo, esta excepção de ilegitimidade passiva fosse apreciada e considerada improcedente) -, nem tendo conhecido a questão da propriedade do prédio em questão – face ao indeferimento do pedido de inversão do contencioso e à circunstância de ter sido considerado inaplicável o disposto no art. 121º, do CPTA (e sendo certo que o Município de Almada só poderia ser considerado como litigante de má fé se fossem apreciados os factos em que os recorrentes fundam o reconhecimento do seu direito de propriedade) -, não pode a presente questão de litigância de má fé ser considerada (neste sentido, Ac. do TCA Sul de 8.11.2012, proc. n.º 05243/09).



*
Uma vez que os recorrentes ficaram vencidos, deverão suportar as custas relativas ao presente recurso jurisdicional, em partes iguais (cfr. arts. 527º n.ºs 1 e 2 e 528º n.º 1, ambos do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA).

Face ao estatuído no art. 6º n.º 7, do RCP (dado que o valor da presente causa ascende a € 600 000 e é aplicável a tabela I-B, anexa ao RCP – cfr. os respectivos arts. 6º n.º 2 e 7º n.º 2; na 1ª instância esta questão não se coloca, pois é aplicável a tabela II-A, anexa ao RCP – cfr. o respectivo art. 7º n.º 1 -, ou seja, o montante da taxa de justiça é fixo, ascendendo a 8 UC), os recorrentes deverão ser dispensados do pagamento do remanescente da taxa de justiça, pois o recurso jurisdicional não apresenta especial complexidade e a conduta das partes limitou-se à discussão das questões jurídicas em causa, pelo que seria desproporcionado o montante da taxa de justiça que seria devido caso não houvesse lugar a tal dispensa.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:

I – a) Não admitir, por irrecorribilidade da decisão impugnada, o requerimento de interposição de recurso no segmento em que é impugnado o despacho que considerou inaplicável o disposto no art. 121º, do CPTA.

b) Não conhecer do pedido de condenação dos recorridos como litigantes de má fé.

c) No remanescente negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

II – Condenar os recorrentes nas custas relativas ao presente recurso jurisdicional, em partes iguais, dispensando-se os mesmos do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
III – Registe e notifique.

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Lisboa, 7 de Abril de 2016

_________________________________________
(Catarina Jarmela - relatora)

_________________________________________
(Conceição Silvestre)

_________________________________________
(Cristina dos Santos)

(1)Que corresponde à 1ª parte da al. d) do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013

(2)Que corresponde à 1ª parte do n.º 2 do art. 608º, do CPC de 2013.

(3)Os planos municipais de ordenamento do território compreendem os planos directores municipais, os planos de urbanização e os planos de pormenor – cfr. art. 2º n.º 4, al. b), do DL 380/99, de 22/9.