Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:96/10.7BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:05/27/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IRC
VALOR DE VENDA
ESCRITURA PÚBLICA
VALOR PROBATÓRIO
OMISSÃO DE PROVEITOS
Sumário:I- As escrituras públicas sendo documentos autênticos (art.º 371.º do CC) fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas perceções da entidade documentadora. Porém, tal força probatória não se estende à veracidade ou verosimilhança das declarações dos outorgantes-intervenientes.
II-Com efeito, o documentador garante, pela fé pública de que está revestido, que os factos, que documenta, se passaram, porém não garante, nem pode garantir, que tais factos correspondem à verdade.
III-Assim, não obstante, constar na escritura pública de compra e venda que o valor de alienação correspondeu a um determinado montante, resultando provado, quer pela prova documental exibida, quer pela prova testemunhal produzida e bem assim pelo reconhecimento dos próprios adquirentes que o valor declarado não corresponde ao valor real, tendo, inclusive, ocorrido regularização dos impostos em falta, então, ter-se-á de concluir pela omissão de proveitos e consequente manutenção do ato tributário.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

S....., LDA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) respeitante ao exercício de 2002, no montante de €32.955,93.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

A) Da factualidade compilada, resulta que a recorrente alienou em 2002, um prédio pelo preço de € 99.759,58,

B) A recorrida não reunindo provas em como o que os contraentes declararam ao Notário não era verdadeiro.

C) O subscrito em acto notarial, não pode ser abalado por uma mera prova testemunhal, desemparelhada de outros meios auxiliares para formar a convicção do decisor.

D) A vontade da recorrente em vender por€ 99.759,58 correspondeu à sua vontade real, e nada nos autos prova o contrário.

E) A prova testemunhal, recolhida na senda das declarações do vendedor e de testemunha de defesa, não foi valorada à luz dos critérios legais que devem nortear o julgador.

F) A testemunha R....., funcionário bancário, afirmou que adquiriu uma vivenda em tosco "erguida mas não construída".

G) Há uma manifesta insuficiência da factualidade provada na decisão recorrida.

H) A testemunha R....., sendo-lhe exibida a fotografia de uma moradia constante dos autos, em que se denotava uma casa com forma ao nível do betão, mas sem paredes, reconheceu-se como sendo a moradia n° 3, afirmando que essa fotografia é de 2002.

I) Referiu ainda em audiência, que realizou escritura em 2002, mas que a casa não.

J) Reiterou, que os compradores lhe solicitaram que findasse as obras, o que fez já depois de 2003 declarando que recebeu uma parte do dinheiro em 2002 e o remanescente em 2003.

 L) A testemunha J..... acrescentou que as moradias inacabadas eram vendidas como terreno mais benfeitorias, demonstrando ter conhecimento do tempo que demora a concluir uma moradia e foi peremptório a afirmar que, se a licença é de 2001, então só em 2003 ou 2004 estaria pronta a habitar.

M) Não se provou em audiência de julgamento que a transmissão tivesse ocorrido pelo valor de € 184.555,22 em 2002.

N) Da prova testemunhal resulta claro que o facto tributário se desdobrou por 2 momentos, a compra de prédio em tosco (2002) e a empreitada (2003).

O) O Tribunal “a quo” deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar (omissão de pronúncia), conduta omissiva que integra o âmbito da nulidade prevista na alínea d) do n° 1 do art° 668° do CPC, por omissão de pronúncia, que, deve dar-se a mesma por verificada, pois a recorrente deveria ter-se pronunciado acerca da questão da anulação do acto tributário de liquidação a coberto do artigo 100° do CPPT.

P) Existiu uma incorrecta avaliação da prova produzida, pelo que cabe ao Tribunal “ad quem”, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal “a quo" mas, também, avaliar e valorar de acordo com o princípio da livre convicção toda a prova produzida nos autos.

Q) No caso vertente há erro na apreciação da prova e erro julgamento. Os quesitos E) J) “Fundamentação “de facto” não deviam ter sido dado como provados, porque as 3°s e 4ºs testemunhas fizeram prova ao que justificaram e alegaram que a moradia em 2002 se encontrava em tosco e sem obras concluídas.

R) A Mma Juiz ao considerar as testemunhas da Fazenda Pública eram credíveis, então deveria ponderar em razão de ciência, isenção e objetividade a versão dos factos, representada pelas testemunhas de defesa.

S) Pelo exposto, deve neste segmento ser julgado procedente o recurso interposto e, nos termos do disposto no artigo 712.°, n°s 4 e 5 do Código de Processo Civil, ser anuladas as respostas aos quesitos E e J, sendo ordenada a repetição do julgamento quanto à matéria dos referidos quesitos, bem como daqueles cuja repetição resultar a necessidade de apreciar.

T) A recorrente, no que tange ao valor de € 184.555,22, refuta que o mesmo valor possa ser associado à venda do imóvel e considerado proveito no ano de 2002.

U) A divergência encontrada pela AT, reconduz-se a uma mera prestação de serviços, constituindo os proveitos, o resultado da prática desses serviços.

V) A recorrente teve em conta o disposto nos artigos 18° e 20° do CIRC e o ‘princípio da especialização dos exercícios”.

X) No artigo 18° n° 3 alínea b), refere-se taxativamente que "os proveitos relativos a prestações de serviços consideram-se em geral realizados, e os correspondentes custos suportados, na data em que o serviço é terminado''.

Y) Consideram obtidos em 2003, ou seja, no ano em que as obras se consideraram concluídas.

Z) A venda ocorreu em 2002, pelo valor € 99.759,58, mas as obras acordadas terminaram apenas em 2003.

Nestes termos, atentos os fundamentos expendidos, nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve o recurso interposto ser julgado procedente, pelas razões expendidas e em consequência mantida a douta sentença do Tribunal “a quo” na ordem jurídica, com todas as legais consequências daí advindas.”


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A Recorrida devidamente notificada optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão da causa, considera-se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) A Impugnante exerce a atividade de construção de edifícios, residenciais e não residenciais, com o CAE 041200 - cfr. fls. 52 do PAT.

B) Em meados de 2001 a Impugnante e R..... e mulher, E....., acordaram na compra e venda de uma moradia em .....Charneca da Cotovia - prova testemunhal produzida pelos adquirentes do imóvel.

C) Quando o negócio foi encetado o imóvel encontrava-se inacabado - prova testemunhal produzida pelos adquirentes do imóvel.

D) O preço acordado entre a Impugnante e os compradores do imóvel foi de 37.000.000$00 (€ 184.555,22) — prova testemunhal produzida pelos adquirentes do imóvel.

E) O preço que antecede era referente ao imóvel acabado, pronto a habitar, com licença de habitação — prova testemunhal produzida pelos adquirentes do imóvel.

F) Antes da celebração da escritura os compradores fizeram dois pagamentos: o primeiro de 1.000.000$00 e outro de 14.000.000$00, este último em julho de 2001 — prova testemunhal produzida pelos adquirentes do imóvel e factos constantes de documentos não impugnados do PA.

G) Em 30.11.2001, no âmbito do processo n° ....., foi imitida “Licença para Habitação ou Ocupação” (Alvará de Licença n° .....), em nome da Impugnante, com seguinte teor:

«...,Presidente da Câmara Municipal do concelho supra: faz saber que a referida Câmara Municipal resolveu, em sua reunião de 30 de novembro de 2001, conceder licença a S....., Lda. residente em Almada para Habitação duma moradia em .....— Charneca da Cotovia (...).

A construção foi autorizada pela licença n° 386 de 22 de maio de 2001, (Proc. 110/00). (...)» - cfr. 93 do PAT.

H) Em 27.12.2001 R..... pagou, através do conhecimento n° ....., Imposto Municipal de SISA no valor de € 3.252,66 «...com referência à compra que, pelo preço de 20.000.000$00, vai fazer a S....., Lda., (...), do prédio urbano destinado a habitação, sito ..... - Charneca da Cotovia (...)» — cfr. doc. 2 junto com a PI.

I) Em 11.01.2002, por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, celebrada entre a ora Impugnante, como primeira outorgante, e R..... e mulher, E....., como segundos outorgantes, a primeira vendeu aos segundos, pelo preço declarado de € 99.759,58, o prédio urbano sito na ....., freguesia do Castelo, concelho de Sesimbra, omisso na matriz respetiva, mas pedida a sua inscrição em 25.09.2001, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o número ....., tendo sida exibida no ato da escritura Alvará de Licença de Utilização n° ....., referente ao prédio objeto de transmissão - cff. 87 a 92 do PAT.

J) Na data da celebração da escritura pública de compra e venda o prédio urbano identificado na alínea que antecede tinha a construção completa - prova testemunhal produzida pelos adquirentes do imóvel.

K) Em 14.11.2005 R..... compareceu no Serviço de Finanças de Sesimbra declarando que «pretende pagar a SISA que a menos foi liquidada conhecimento n° .....de 27 de dezembro de 2001... em virtude de ter declarado o preço de € 99.759,56, quando devia declarar o valor de € 184.555,22» — cfr. doc. 3 junto com a PI.

L)  Em 15.11.2005 foi paga a SISA adicional no valor de € 19.321,16 - cfr. doc. 3 junto com a PI.

M) Através da ordem de serviço n° ....., os adquirentes do imóvel identificado na alínea que antecede foram objeto de uma ação inspetiva na sequência da qual foi elaborado, em 21.11.2005, o Relatório de Análise Interna, de que se retira, designadamente, o seguinte:

«(...) 3. Na sequência de ação de inspeção de análise interna levada a efeito à empresa vendedora, constatou-se pela análise do valor da escritura de compra e venda do imóvel (€ 99.759,58), o empréstimo constante do mesmo documento era superior àquele valor (€ 149.639,37), destinando-se € 99.759,58 à aquisição do imóvel (moradia) e o remanescente a obras de beneficiação no mencionado prédio; (...) 6. Em resumo, salientam-se os seguintes factos:

a) Com a data de 29/05/2001, a sociedade vendedora emitiu um orçamento de obras a efetuar numa moradia sita em lote n° 3 na ....., (...), no valor de € 69.831,71;

b) Em 17/07/2001, o comprador emite um cheque no valor do orçamento anterior à ordem da sociedade S....., Lda.;

c) Em 27/12/2001, o comprador apresenta-se no Serviço de Finanças de Sesimbra a fim de efetuar o pagamento da SISA pela compra do prédio urbano destinado à habitação, sito em ....., com a área coberta de 91,40m2 e logradouro com a área de 298,60 m2, efetuando o pagamento de € 3.252,66, sobre o valor declarado da escritura de € 99.759,58;

d) Pela análise da escritura constata-se que a licença de utilização ou de habitação foi emitida em 22/05/2001, pela Câmara Municipal de Sesimbra, encontrando-se assim a habitação/moradia em condições de habitabilidade nesta data;

e) Certamente que na data do orçamento, em 29/05/2001, as obras indispensáveis à construção da moradia já se encontravam concluídas;

f) A sociedade vendedora dedica-se à compra de terrenos, à sua construção e posterior venda dos imóveis construídos e não à prestações de serviços como aliás se comprova pela análise do cadastro fiscal;

g) Relativamente à parte do empréstimo bancário, que de acordo com a escritura, se destina a obras, o sujeito passivo não apresentou quaisquer tipos de justificativos. Apresentou sim um cheque e um orçamento com datas anteriores à escritura (17/07/2001 e 29/05/2001, respetivamente), ambos no valor de € 69.831,71;

h) Face aos elementos disponibilizados, na fase do projeto de conclusões, concluiu-se que a aquisição foi efetuada com a moradia pronta e que o valor do cheque no valor de € 69.831,71 relativo ao orçamento e o valor de € 49.879,72, com origem em empréstimo bancário, serviram de complemento à aquisição do imóvel, não sendo declarado para efeitos de SISA;

i) Assim, face aos elementos obtidos para elaboração do projeto de conclusões, foi possível aferir que o valor da transação foi composto pela soma de € 69.831,71, pagos como entrada em 17/07/2001, e o valor do empréstimo de € 149.639,37, cuja escritura foi celebrada em 11/01/2002, totalizando o valor de €219.471,08.

Foi este o valor que foi proposto, no projeto de conclusões para efeitos de liquidação adicional de SISA e Imposto de Selo.

7. Atendendo que o valor de transmissão é superior ao valor declarado, propôs-se que a matéria coletável para efeitos de liquidação de SISA fosse de € 219.471,08. (...)

12. Direito de Audição

b)Fundamentos apresentados

(...) 5. Na sequência do direito de audição, conforme afirmou no 9º do direito de audição, no dia 14/11/2005, o contribuinte efetuou contacto telefónico com os serviços, que sendo confrontado com os factos, declarou o valor efetivo da transacção tinha sido de € 184.555,22, disponibilizando-se assim a apresentar todos os elementos justificativos necessários para comprovar o valor real da aquisição da moradia;

6. Mais se prontificou a regularizar o imposto em falta junto do serviço de finanças competente;

7. Na sequência dos esforços envidados pelo contribuinte no sentido de reunir os elementos de justificação do valor da transacção do imóvel, foram recebidos dois extratos bancários, relativos a julho de 2001 e janeiro de 2002 (anexo n° 7...).

Da análise dos extratos bancários em conjunto com a informação prestada foi possível aferir que:

a) Conforme 3º do direito de audição em 17/07/2001 foi creditado na conta do Sr. R..... o valor de 74.819,68 €, do qual foi emitido em nome da empresa “S.....”, o valor de 69.831,71€;

b) O referido cheque foi emitido em nome da empresa para o arranque das obras, identificado como crédito sinal pela entidade bancária (BCP);

c) Na data da celebração da escritura são efetuadas as seguintes operações na conta bancária do contribuinte:

a. É creditado na conta do contribuinte o valor de um empréstimo de 149.639,37 €, onde se inclui o valor declarado da aquisição do imóvel;

b. É ainda creditado o valor de 19.951,926 referente a um mútuo com hipoteca, ao qual o contribuinte se refere no 6º do direito de audição;

c. Segundo o contribuinte, na mesma data, é emitido um cheque visado em nome da “S.....”, no valor de 109.735,546;

d. Na mesma data (11/01/2002) é debitada na conta do contribuinte a importância de 74.889,256, referente ao adiantamento disponibilizado em julho de 2001 pelo banco, o qual é liquidado nesta data;

e. De acordo com o “print” bancário (fl.3/13 do anexo n° 6) o valor de 74.819,686 (do qual foi emitido o cheque no valor de 69.831,716, em nome da “S.....) encontra-se liquidado ao banco em 11/01/2002.

b) Apreciação dos factos

Da análise aos factos invocados no direito de audição, cumpre-me informar o seguinte:

1. O facto da data emissão da licença de utilização indicada na escritura de compra e venda não ser de 22/05/2001, por lapso indicada no documento, conforme anexo n° 1, mas 30/11/2001, é irrelevante para efeitos da proposta de correção.

E relevante sim que na data da celebração da escritura (11/01/2002), a moradia já se encontrava concluída, visto que a licença de utilização já tinha sido emitida, logo não existe fundamento de um empréstimo para as obras de beneficiação com a natureza das indicadas no referido orçamento, conforme é invocado no 3º;

2. Basicamente no direito de audição, o contribuinte vem reclamar a proposta de correção invocando que o valor de 69,831,71€ se refere a obras de conclusão da moradia, no entanto, tais factos são destituídos de fundamento, atendendo ao exposto no projeto de conclusões;

3. Conforme foi referido anteriormente, através de contacto telefónico, o contribuinte declarou que o valor efetivo da transação foi de €184.555,22, comprometendo-se a regularizar o imposto em falta nos cofres do Estado;

4. Em aditamento ao direito de audição foi recebido nos serviços em 18/11/2005 informação do contribuinte, salientando-se assim os documentos emitidos em nome da sociedade vendedora:

a) Junta cópia frente e verso de cheque n° 5636297499 emitido em 21/06/2001 sobre o BCP, à ordem da “S..... ” no valor de € 4.987,98 (fl. 2 do anexo n° 8);

b)             Em 17/07/2001, emite o cheque no valor de € 69.831,71, para arranque das obras;

c) Em 11/01/2002, dia da celebração da escritura de compra e venda do imóvel foi emitido o cheque visado no valor de €109.735,54;

d) Foram solicitados os extratos bancários entre o período em que foi emitido o primeiro cheque de pagamento à sociedade vendedora até à data da escritura de compra e venda;

e) Analisados os referidos extratos desse período, verificaram-se os movimentos no que concerne às operações de financiamento do comprador e os cheques emitidos à sociedade vendedora (anexo n° 7, fls. 3 a 6 de 7 do anexo n° 8 e anexo n° 9-13 fls);

f) Não se detetaram movimentos para além daqueles indicados pelo contribuinte relacionados com aquisição da habitação;

g) Face aos novos factos expostos, não foram detetados motivos para inviabilizar a pretensão do sujeito passivo, no que concerne à consideração da transação pelo valor de €184.555,22;

(...)

d)Regularização voluntária

12. O contribuinte efetuou o pagamento do imposto de SISA e selo, correspondentes ao valor da transação (...) em 14/11/2005 e 20/11/2005, respetivamente.

(...)» — cfr. cópia do Relatório de Inspeção a fls. 76 a 86 do PAT, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos.

N) A Impugnante foi objeto de ação inspetiva interna ao exercício de 2002, a coberto da 0s ....., no âmbito da qual foi corrigida a matéria coletável de IRC no valor de € 84.795,64, com os seguintes fundamentos constantes do Relatório de Inspeção elaborado em 17.11.2006:

«(...) III - Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas

Na sequência da informação prestada, Direção de Finanças de Setúbal, constatou-se que a empresa vendeu uma moradia, sita na ....., urbanização em Charneca da Cotovia, Concelho de Sesimbra, pelo preço de € 184.555,22, enquanto o preço declarado foi de € 99.759,58.


Proveitos Declarados                                             Proveitos Corrigidos                  Proveitos Omitidos

99.759,58                                                                             184.555,22                                           84.795,64


O comprador regularizou a sua situação fiscal, tendo pago SISA e Imposto de Selo correspondente ao valor da transação de € 184.555,22 (Anexo 7).(...)» — cfr. cópia do Relatório de Inspeção a fls. 31 e 32 (íte. e vs) do PAT de Reclamação Graciosa, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos.

O) Na sequência da inspeção ao exercício de 2002 foi emitida a liquidação adicional de IRC n° ....., no montante total de € 32.955,93 (imposto e juros compensatórios) - cfr. fls. 22 a 27 do PAT de Reclamação Graciosa.

P) Em 22.05.2007 a ora Impugnante, não se conformado com a liquidação identificada em B), apresentou reclamação graciosa, alegando, em síntese, que o imóvel foi vendido inacabado pelo valor constante da escritura de compra e venda e que, posteriormente, no âmbito de um contrato de empreitada, e com vista à obtenção da licença de habitação, os adquirentes contrataram a Impugnante para terminar a obra, não existindo, por isso, proveito tributável em IRC a partir da escritura - cfr. fls. 2 a 4 do PAT de Reclamação Graciosa.

Q) Por despacho de 06.10.2008 foi indeferida a reclamação que antecede - cfr. fls. 45 a 51 do PAT de Reclamação Graciosa.

R) Em 21.11.2008 a Impugnante apresentou recurso hierárquico, em síntese, com os mesmos fundamentos constantes da Reclamação Graciosa - cfr. fls. 57 a 61 do PAT de Reclamação Graciosa.

S) Por despacho de 22.07.2009 o recurso hierárquico foi indeferido - cfr. fls. 75 a 79 do PAT de Reclamação Graciosa.

T) Em 02.11.2009 a Impugnante foi notificada do despacho que antecede - cfr. fls. 80 e 81 do PAT de Reclamação Graciosa.

U) A presente ação de impugnação judicial deu entrada neste TAF em 25.01.2010 — cfr. fls. 1 dos autos.


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O Tribunal a quo considerou como factualidade não provada :

“Não se mostram provados outros factos com relevância para a decisão da causa.”


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No concernente à motivação da matéria de facto ficou consignado o seguinte:

“A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos e do PAT em apenso, da posição assumida pelas partes nos articulados e da prova oral produzida em audiência, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, mostrando-se essenciais para a descoberta da verdade os depoimentos das testemunhas R..... e mulher, E....., adquirentes do imóvel, que, embora algumas imprecisões pontuais nos seus depoimentos, acabaram por concretizar de forma convincente e esclarecedora os contornos essenciais do negócio celebrado com a Impugnante.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2002, no montante de €32.955,93.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre apreciar:
Ø Se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia;
Ø Se a Recorrente impugnou a matéria de facto, mormente, no atinente à prova testemunhal produzida cumprindo os requisitos contemplados no artigo 640.º do CPC.
Ø Se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, indagando, para o efeito, se o valor de transmissão do imóvel em contenda ascendeu, efetivamente, a €184.555,22, como ajuizou o Tribunal a quo, ou se a alienação do mesmo se cifrou em €99.759,98, como defende a Recorrente.

Comecemos, então, pela arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”[1].

Neste concreto particular, defende a Recorrente que o Tribunal a quo, deixou de pronunciar-se sobre a questão da anulação do ato tributário de liquidação a coberto do artigo 100.° do CPPT.

Vejamos, então.

Compulsado o teor da p.i., verifica-se, efetivamente, que no seu artigo 30.º é alegada a fundada dúvida e convocado o teor do artigo 100.º do CPPT, e a verdade é que da análise da decisão recorrida não resulta a apreciação do princípio do in dubio contra fiscum à luz da prova produzida, sendo que representa uma questão autónoma e que não se encontrava prejudicada pela solução dada a outras.

É certo que o Tribunal a quo, no seu despacho de sustentação refere que a mesma não se verifica porquanto “Se encontrar fixada a matéria prova e não provada com relevância para a decisão da causa, bem como por se encontrarem expostos os fundamentos que levaram à decisão, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito”, contudo a aludida fundamentação não é de molde a justificar a arguida nulidade, -quando muito poderia relevar, sendo caso disso e se arguida, para efeitos de afastamento da nulidade por falta de fundamentação-  mas não pode arredar a nulidade por omissão de pronúncia.

É certo, outrossim, que ficamos convictos que não aludiu ao artigo 100.º do CPPT, porquanto entendeu que no caso a prova produzida nos autos se mostrou inequívoca, e não deixou qualquer dúvida, mas a verdade é que teria de o ter dito, de forma expressa, por forma a afastar a aludida omissão de pronúncia.

Face ao exposto, sendo inequívoco que, no caso vertente, a sentença não tomou conhecimento da questão atinente à violação do princípio ínsito no artigo 100.º do CPPT, e bem assim que o conhecimento de tal questão não se encontrava prejudicado pelo conhecimento de outras, procede a arguida nulidade por omissão de pronúncia, impondo-se, por isso, dela conhecer, em substituição, ao abrigo do disposto no artigo 665.º, nº1 do CPC, uma vez que os autos reúnem todos os elementos para o efeito.

De relevar, neste particular, que estando a aludida questão concatenada com o erro de julgamento no atinente à prova produzida nos autos, relega-se o seu conhecimento para fase ulterior.

Prosseguindo, ora, com o erro de julgamento de facto.

A Recorrente alega que não foram, adequadamente, valorados os depoimentos das testemunhas, mormente, de R....., R..... e J....., os quais permitiam fazer prova que a transmissão não ocorreu pelo valor de €184.555,22, e que o facto tributário se desdobrou por dois momentos distintos, concretamente, compra de prédio em tosco (2002) e a empreitada (2003).

Logo, propugna que há erro na apreciação da prova, mormente, da factualidade elencada em E) e J), cuja supressão requer face aos aludidos depoimentos, e bem assim a repetição do julgamento, nesse concreto particular.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida[2].

Sendo que quanto à prova testemunhal tem de existir uma indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, porquanto além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.

In casu, conforme se extrai do teor das alegações recursivas e suas conclusões, a Recorrente não cumpriu o ónus a que estava adstrito.

De facto, a mesma sindica erro de julgamento da prova testemunhal, porém não cumpriu as referidas formalidades legais, pois ainda que convoque o depoimento das aludidas testemunhas, não indica, com a devida particularização no competente registo áudio, as passagens concretas desse mesmo depoimento, limitando-se a fazer um resumo do que, no seu entender, as testemunhas disseram.

Note-se, ademais, que no atinente, à credibilidade dos depoimentos é aludido na motivação da matéria de facto, que “foram essenciais para a descoberta da verdade os depoimentos das testemunhas R..... e mulher, E.....”, porquanto os mesmos eram os adquirentes do imóvel em contenda, relevando, neste concreto, particular, que “acabaram por concretizar de forma convincente e esclarecedora os contornos essenciais do negócio celebrado com a Impugnante.”

Relevando, igualmente, a decisão recorrida quanto “[a]o depoimento do seu sócio gerente em sede de audiência de julgamento, não merece acolhimento em face da demais prova produzida nos autos.”

Logo, se a Recorrente pretendia descredibilizar o depoimento das convocadas testemunhas, teria de concretizar porque motivo os aludidos depoimentos não eram credíveis, consubstanciando com os respetivos registos áudios, o motivo dessa falta de credibilidade, o que, como visto, não logrou fazer de acordo com os requisitos contemplados na lei.

Ainda, neste conspecto, importa salientar quanto às testemunhas que apelidou “de defesa”, que a sua concreta valorização dependia, exatamente, do cumprimento cabal desses pressupostos, como visto, incumpridos. Não sendo, como é bom de ver, suficiente para sindicar a sua valoração a alusão de que “a prova testemunhal, recolhida na senda das declarações do vendedor e de testemunha de defesa, não foi valorada à luz dos critérios que devem nortear o julgador.” e bem assim formulações genéricas no sentido de que “deveria ponderar em razão de ciência, isenção e objectividade a versão dos factos, representada pelas testemunhas de defesa”.

Ora, face ao supra expendido as alegações da Recorrente não cumprem, minimamente, os requisitos expendidos no citado normativo, o que, determina, per se, a rejeição da aludida impugnação da matéria de facto, mantendo-se a factualidade nos moldes fixados pelo Tribunal a quo.

Aqui chegados, estabilizada a matéria de facto relevante, importa apreciar o erro de julgamento de direito.

Atentamos, ora, no erro de julgamento de direito.

A Recorrente defende que atentando na factualidade provada, ter-se-á de concluir que a Recorrente alienou o bem imóvel em 2002, pelo preço de € 99.759,58, até porque, sublinha, não sendo reunidas provas em como o que os contraentes declararam ao Notário não era verdadeiro, não pode o mesmo ser abalado por uma mera prova testemunhal.

Aduz, assim, que não foi feita prova de que a transmissão tivesse ocorrido, em 2002, pelo valor de €184.555,22, dimanando, outrossim, que o facto tributário se desdobrou por dois momentos, a compra de prédio em tosco (2002) e a empreitada (2003).

Adensando, ainda, a sua esteira de entendimento relevando, para o efeito, que a divergência encontrada pela AT, se reconduz a uma mera prestação de serviços, donde ter-se-á de concluir que a venda ocorreu em 2002, pelo valor € 99.759,58, mas as obras acordadas terminaram apenas em 2003.

O Tribunal a quo esteou a procedência da seguinte forma:

Releva, desde logo, que o que “[r]esultou claramente provado, quer através dos documentos juntos e não impugnados, quer através do depoimento das testemunhas R..... e mulher, E....., adquirentes do imóvel vendido pela Impugnante, foi que estes acordaram com a Impugnante a compra de uma moradia, acabada e pronta a habitar, com a respetiva licença de habitação, pelo preço de €184.555,22.

Ou seja, como ambos afirmaram, e confirmaram, em sede de inquirição em audiência de julgamento, o que acordaram foi a compra da moradia pelo valor de 37 mil contos (37.000.000$00).

Na verdade, sendo certo que os adquirentes contraíram dois empréstimos bancários, um deles destinado a aquisição de imóvel e o outro a obras de melhoramento ou beneficiação no mesmo, declarando-se na escritura de compra e venda apenas o valor de venda correspondente a um deles, tal não significa que que não tenha sido o somatório de ambos a contribuir para a aquisição em causa.”

Mais sublinhando, neste particular, que “[d]a factualidade assente, resulta que a verdade formal não coincide com a substância dos factos, devendo estes prevalecer sobre aqueles.”

Concluindo, assim, que “[r]esultou evidente da prova produzida que a informação recolhida pela Administração Fiscal, no confronto das declarações prestadas pelos sujeitos passivos adquirentes do imóvel vendido pela Impugnante com os documentos recolhidos no âmbito da inspeção, que a conclusão que a mesma chegou é a que corresponde à materialidade subjacente ao negócio, que se concretizou pelo valor total de € 184.555,22 assim repartido: €4.987,98, através de cheque emitido em 21.06.2001; €69.831,71, através de cheque emitido em 17.07.2001, e o remanescente, através de cheque visado no valor de €109.735,54, emitido em 11.01.2002, data da celebração da escritura de compra e venda do imóvel - cfr. ais. D), F), L) e M).”

E, de facto, não se vislumbra qualquer erro de julgamento, tendo o Tribunal a quo valorado correta e adequadamente o quadro jurídico vigente com a devida transposição fática.

Senão vejamos.

In casu, como flui da fundamentação constante no Relatório de Inspeção Tributária resulta que a AT, na sequência de análise interna aos adquirentes do bem imóvel em contenda, e após esclarecimentos prestados pelos mesmos, e inerente reconhecimento de erro quanto ao valor aquisitivo declarado, e pagamento adicional de SISA e Selo, foi determinada abertura de ação inspetiva à, ora, Recorrente no âmbito da qual se concluiu que a mesma omitiu proveitos no valor de €84.795,64.

Com efeito, é relevado no respetivo Relatório Inspetivo que foram declarados proveitos no valor de €99.759,58 relativamente à venda da moradia sita na .....na Charneca da Cotovia, quando, em rigor, a mesma foi alienada por €184.555,22, donde existe um valor diferencial a considerar e a acrescer de €84.795,64.

Sendo que atentando no probatório dos autos a conclusão que se impõe retirar é no sentido da validação da omissão de proveitos constatada pela AT, e corroborada pelo Tribunal a quo.

Senão vejamos.

Do acervo probatório dos autos, resulta que durante o ano de 2001, a ora Recorrente e R..... e mulher, E....., acordaram na compra e venda de uma moradia sita na ..... - Charneca da Cotovia, a qual se encontrava, nessa data, inacabada.

Mais dimana que o preço acordado ascendeu a €184.555,22, o qual concernia ao imóvel acabado, pronto a habitar, com licença de habitação a qual foi emitida em 30 de novembro de 2001, precedida de licença de construção, datada de 22 de maio de 2001.

Sendo certo que, em momento anterior à outorga da escritura pública, os compradores supra evidenciados fizeram dois pagamentos, concretamente o primeiro de 1.000.000$00 e outro de 14.000.000$00, este último em julho de 2001.

No concernente à própria outorga da escritura pública resulta provado que a mesma foi realizada em 11 de janeiro de 2002, e que nessa data o bem imóvel visado já tinha a construção completa, dela constando expressa menção que o valor de venda se cifrou em €99.759,58, e que os adquirentes se confessam devedores ao Banco, da importância de €149.639,37, destinando-se €99.759,58 à aquisição do referido prédio e o remanescente a obras de beneficiação.

Mais resultando provado que os adquirentes reconheceram, expressamente, que o valor aquisitivo, contrariamente ao declarado na escritura pública, ascendeu a €184.555,22, tendo, nessa conformidade, regularizado voluntariamente a SISA e Selo em faltas.

Ora, face ao supra expendido, no sentido apontado pelo Tribunal a quo, a realidade declarada não correspondeu à concretizada, ou seja, a venda foi, efetivamente, realizada pelo valor €184.555,22 e não pelo declarado de €99.759,58.

É certo que a Recorrente defende que constando o subscrito em ato notarial, não pode ser abalado por uma mera prova testemunhal, sem a ponderação de outros meios auxiliares para formar a convicção do decisor.

Porém, a aludida alegação não pode lograr provimento, desde logo, porque “as escrituras públicas como documentos autênticos que são (art.º 371.º do CC) fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas perceções da entidade documentadora. Tal força probatória não se estende, porém, à veracidade ou verosimilhança das declarações dos outorgantes-intervenientes[3].”

Como evidenciado no Aresto do STJ, prolatado no processo nº 28252/10, datado de 09 de julho de 2014, “No documento autêntico, o documentador garante, pela fé pública de que está revestido, que os factos, que documenta, se passaram; mas não garante, nem pode garantir, que tais factos correspondem à verdade.”

Como doutrinam Pires de Lima e Antunes Varela[4] “O valor probatório pleno do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou se contém no documento, mas somente aos factos que se referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo (ex.: procedi a este ou àquele exame), e quanto aos factos que são referidos no documento com base nas percepções da entidade documentadora. Se, no documento, o notário afirma que, perante ele, o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante o disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante, ou que esta não tenha sido viciada por erro, dolo ou coacção, ou que o ato não seja simulado.”

Ademais, como expendido pelo STA, no âmbito do processo nº 1757/02, datado de 19 de março de 2003, a simulação do preço é “[t]ão só, relativa. Na simulação absoluta só há o negócio simulado, ou seja, não há nenhum negócio real. Por isso, a nulidade do negócio é absoluta. Mas na simulação relativa ou há o negócio aparente (ainda que um ou vários dos seus elementos possam não ser reais), ou um negócio distinto, dissimulado, latente, oculto, por detrás do ostensivo, fictício. Por isso, a nulidade não é absoluta, valendo o negócio dissimulado, desde que estejam satisfeitos os requisitos da sua validade, se não enfermar de vício formal (vd. o artigo 241º do Código Civil).

Ora, a simulação relativa, limitada ao preço da compra e venda, não é bastante para tornar nulo o negócio, face ao disposto no referido artigo. Ou seja, ainda que o preço declarado não seja o real, não deixa de existir um negócio jurídico, a compra e venda que transparece da escritura pública - e esse foi o negócio aqui tomado como facto tributário.».

Mais relevando que: “[a] Administração Fiscal não tinha que obter uma declaração de nulidade da compra e venda titulada para a tributar, pois nunca questionou a existência e validade do negócio, apenas entendeu que um dos seus elementos, o preço, não era o que declarado fora na escritura pública.

De resto, mal se compreenderia que, consagrando a LGT a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes apresentadas à Administração Fiscal, e nem por isso lhe proibindo o recurso a métodos presuntivos (artigo 75º), atribuísse às declarações prestadas perante outro oficial público – o notário – valor superior, tal que a Administração ficasse manietada, dependente da obtenção de uma declaração judicial de nulidade. Não se vislumbra razão para conferir maior força à declaração feita perante um notário do que àquela que é produzida perante a Administração Fiscal.”

Acresce, outrossim, que não podemos perder de vista que os adquirentes do bem imóvel, reconheceram perentoriamente que o valor da transmissão ascendeu a €184.555,22, e que procedam ao pagamento das quantias em falta, concretamente, SISA e Selo. Noutra formulação, dir-se-á que nos encontramos perante uma confissão de um facto que lhes é totalmente desfavorável e que o Tribunal não pode, nem deve descurar e desvalorar enquanto tal.

Mais importa sublinhar, e contrariamente ao propugnado pela Recorrente, que a aludida realidade fática, foi, igualmente, atestada mediante prova documental, conforme resulta da alínea M) da factualidade assente, concretamente, os cheques emitidos e respetivas datas, confirmados pelos respetivos extratos de conta da Recorrente.

A adensar a omissão de proveitos, importa ter presente que não foram apresentados quaisquer comprovativos das obras realizadas, particularmente, faturas e recibos emitidos pela empresa que efetuou as obras de beneficiação, os quais-sublinhe-se- foram, expressamente, requeridos. Ademais, como já evidenciado anteriormente, a data da emissão da licença de habitação permite corroborar o valor de venda e a concreta omissão de proveitos.

Pelo que face ao supra expendido, nenhuma censura pode ser apontada ao Tribuna a quo quando concluiu que “resultou evidente da prova produzida que a informação recolhida pela Administração Fiscal, no confronto das declarações prestadas pelos sujeitos passivos adquirentes do imóvel vendido pela Impugnante com os documentos recolhidos no âmbito da inspeção, que a conclusão que a mesma chegou é a que corresponde à materialidade subjacente ao negócio, que se concretizou pelo valor total de € 184.555,22 assim repartido: € 4.987,98, através de cheque emitido em 21.06.2001; € 69.831,71, através de cheque emitido em 17.07.2001, e o remanescente, através de cheque visado no valor de €109.735,54, emitido em 11.01.2002, data da celebração da escritura de compra e venda do imóvel - cfr. ais. D), F), L) e M).”

Ainda, neste concreto particular, importa relevar que face à factualidade vertida nos autos e supra densificada, nada permite validar o raciocínio e a alegação da Recorrente de que a divergência encontrada pela AT, se reconduz a uma mera prestação de serviços e bem assim que as obras se consideraram concluídas.

Validando-se, por conseguinte, o expendido na decisão recorrida neste concreto particular, no sentido de que “não merece, pois, qualquer acolhimento, por não ter resultado de modo algum provado, nem sequer indiciado, que tenham existido entre a Impugnante e os adquirentes do imóvel em apreço, dois contratos concretizados em exercícios fiscais distintos - um de compra e venda em 2002 e outro de empreitada/obras em 2003.”

In fine, e quanto à concreta violação do artigo 100.º do CPPT, e que em caso de dúvida a mesma deve ser valorada contra a AT, cumpre relevar que, in casu, para além de não resultar qualquer dúvida na prova carreada aos autos, sempre se dirá que a mesma não poderia redundar em inércia probatória da parte.

Com efeito diz-nos o preceito legal 100.º do CPPT, sob a epígrafe de “Dúvidas sobre o facto tributário e utilização de métodos indiretos” é que : “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”. (destaque e sublinhado nosso).

Com efeito, a letra do citado preceito legal consagra um princípio estruturante e inovador no direito tributário que estipula, per se, que a fundada dúvida reverte a favor do contribuinte, em substituição do princípio “in dubio pro fiscum” que, na prática era considerado no regime anterior à Reforma Fiscal.

Neste sentido, importa ter presente os ensinamentos de Alberto Xavier que preconizam que a Administração Tributária só deve praticar o ato tributário-liquidação, quando : “formar convicção da existência e conteúdo do facto tributável” [5].

Resulta, assim, que em caso de subsistência de dúvida “acerca do objeto do processo deve a Administração Fiscal abster-se de praticar o ato tributário, dando assim cumprimento ao princípio in dubio contra fiscum[6].

No caso vertente, face a todo o exposto não se verifica qualquer dúvida relativamente ao facto tributário ou à sua quantificação, uma vez que da prova produzida em juízo e dos elementos carreados para os autos não resulta que tenha sido cometida qualquer ilegalidade pela AT.

Uma última nota para relevar que não se vislumbra qualquer violação do artigo 6.º do RCPIT, aliás arguição, desde logo, não devidamente substanciada e que, portanto, acarreta, per se, a sua necessária improcedência.

Assim, tudo visto e ponderado, conclui-se que nenhuma ilegalidade pode ser assacada à conduta da AT, estando legitimada a emissão do correspondente ato tributário impugnado. Destarte, a sentença que assim o decidiu deve ser confirmada, mantendo-se, por isso, na ordem jurídica.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 27 de maio de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

___________________
[1] Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
[3] In Aresto do STJ, prolatado no processo nº 05B1417, datado de 09.06.2005.
[4] In Código Civil Anotado, Volume I, 1987, 4ª edição, Coimbra Editora, pág, 327.
[5] Alberto Xavier-Conceito e natureza do acto tributário, página 150.
[6] vide ob. citada, páginas 158 e 169