Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:359/06.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:OPOSIÇÃO
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
GERÊNCIA DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I. A responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos.
II. Estando em causa dívida proveniente de IRC do ano de 1995, o regime da responsabilidade subsidiária dos gerentes relativamente a essas dívidas é o do artigo 13.º do CPT, no âmbito do qual não basta a mera gerência nominal ou de direito para responsabilizar o gerente, exigindo-se também a gerência efectiva ou de facto.
III. É à Fazenda Pública, como titular do direito de reversão da execução contra o responsável subsidiário, que cumpre fazer prova da gerência como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a oposição deduzida por L........................, na qualidade de responsável subsidiário, contra a execução fiscal n.º ........................, para cobrança coerciva de dívidas da sociedade devedora originária «G....................., S. A.», referentes a IRC do ano de 1995, no montante de € 24.511,77.

A recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I - Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo nos presentes autos em 25-06-2018, a qual julgou procedente a Oposição à Execução Fiscal n.º ........................, deduzida por L....................., com o NIF ..............., revertido no citado processo de execução fiscal, o qual havia sido originariamente instaurado contra a sociedade “G....................., S.A.”, NIF ..............., para a cobrança coerciva de dívidas relativas a IRC do ano de 1995, já devidamente identificadas nos autos, no valor de € 24.511,77 (vinte e quatro mil, quinhentos e onze euros e setenta e sete cêntimos) e acrescido.
II - No fundo, considerou o Douto Tribunal a quo que, apesar de resultar provado que o Oponente praticou diversos actos vinculativos e representativos da vontade da sociedade devedora originária, a administração desta era orientada pelo administrador L.............., o que cria uma realidade insusceptível de evidenciar o exercício da administração de facto por parte daquele.
III - Efectivamente, não descuida esta Fazenda Pública, tal como muito doutamente postulou o Tribunal a quo, que o ónus da prova da gerência de facto, cabe à Administração Fiscal, pois que, ao abrigo de qualquer um dos regimes estabelecidos no n.º 1 do artigo 24.º da LGT “é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da administração, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução” (cfr., entre vários outros, o Acórdão TCA SUL de 31/ 10/ 2013, Processo n.º 06732/ 13).
IV - E o facto de não existir não existe qualquer disposição legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da administração de facto, designadamente que ela se presume a partir da administração de direito, não significa que não seja possível ao Tribunal, em face das regras da experiência, entender que existe uma forte probabilidade de esse exercício efectivo (de facto) da administração por parte do Oponente possa ter acontecido.
V - Tal como se postulou no acórdão de 10 de Dezembro de 2008 da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo com o n.º 861/ 08, diga-se que “eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumida no processo e provas produzidas ou não pelo revertido e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte («certeza jurídica») de esse exercício da gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ele tenha acontecido”.
VI - Sendo que, “Não explicitando a lei no que consiste a gerência, vem a doutrina e a Jurisprudência referindo que, como tal, se deve considerar aquela em que os gerentes praticam actos de disposição ou de administração, de acordo com o objecto social da sociedade, em nome representação desta, vinculando-a perante terceiros, atentos os contornos normativos que dela é feita nos artºs 252º, 259°. 260º e 261º do Cód. Sociedade. Com. - (cfr., entre outros, os Acs. do STA de 4-2-81, in AD 236º; de 3-10-85, in AD 237° e Acs. T.T. 2ª Instância de 12-11-91, (n CTF 365°, pág. 259 e de 24-6-84, in CTF 376º, pág. 257)”, vide o acórdão do TCA Sul, de 20-06-2000, proc. n.º 3468/ 00.
VII - Nesta conformidade, como muito bem consagrou o Douto Tribunal a quo, resulta provado nos presentes autos que o Oponente, em 27 de Novembro de 1997, e conjuntamente com P............. outorgou escritura de aumento de capital e alteração de pacto da sociedade devedora originária, cfr. fls. 80 e segs. do PEF e alínea D da factualidade assente na Sentença.
VIII - Portanto, o facto de o Oponente ter assinado documento em nome e por conta da sociedade devedora originária e exteriorizando a vontade desta, é o suficiente para que se considere que praticou actos efectivos de administração desta sociedade.
IX - E, apesar de não estarmos perante um conjunto ordenado de actos sucessivos de administração, a verdade é que, mesmo assim, tal documento é totalmente inequívoco quanto ao exercício da administração de facto do Oponente, tanto mais que, contrariamente ao que postulou a Sentença recorrida, “o legislador limita-se, na instituição da obrigação de responsabilidade, a relevar apenas o cargo de gerente, sem entrar em linha de conta se este abarca a totalidade da capacidade jurídica da sociedade ou apenas certa parcela, estando quanto a esse aspecto arredada qualquer restrição da obrigação de responsabilidade».” (cfr. Acórdão do TCA Sul de 11/ 03/ 2003, processo 7384/ 02)”.
X - Sucede ainda que, e com particular relevância para o que nos ocupa, tal como consta da Certidão do Registo Comercial, a forma de obrigar da sociedade devedora originária é com a assinatura de dois administradores.
XI - Assim, tendo em conta esta forma de obrigar a sociedade, ou seja, tendo em consideração que a sua assinatura obrigava a mesma, será legítimo presumir (presunção judicial baseada nas regras da experiência – artigo 35.º do CC), o exercício efectivo e continuado dos poderes de administração e representação de que era titular face à mesma sociedade, cfr. o Acórdão do TCA Sul de 06/10/ 2009, processo 03336/ 09.
XII - Desde logo também em virtude de, como resultou provado em sede de audiência de inquirição de testemunhas, cfr. depoimento da testemunha P............., constante do respectivo suporte digital da gravação da audiência de inquirição de testemunhas, de 14:59m até 15:08m, o principal administrador, L............., se ausentar frequentemente para fora do país, em virtude do exercício das respectivas funções.
XIII - Ou seja, nunca podendo o giro comercial da sociedade devedora ficar exclusivamente dependente de L............., sempre seria necessário que os restantes administradores, entre os quais se inclui o ora Oponente, praticassem todos os actos relativos à prossecução da actividade comercial daquela sociedade durante o período em que aquele estivesse ausente.
XIV - Mais resultando provado, através do depoimento da testemunha A............., constante do respectivo suporte digital da gravação da audiência de inquirição de testemunhas (2.ª volume), de 01:25m até 01:42m, de 05:58m até 06:26m e de 09:28m até 10:29m, que o Oponente possuía responsabilidades na área do recrutamento de pessoal para o exercício de funções no departamento comercial da sociedade devedora originária.
XV - O que significa que era ao Oponente que competia a representação da sociedade devedora originária perante potenciais colaboradores para a área comercial, sendo-lhe conferido um relevante papel decisório sobre os destinos a seguir por tal sociedade quanto a tal departamento.
XVI - E portanto, resulta provado nos autos que o Oponente não se afigurava apenas como mero técnico responsável pelo departamento comercial, contrariamente ao que resulta da matéria de facto dada constante da alínea R) da fundamentação de facto da Sentença, pelo contrário, o mesmo tomava decisões e assinava documentos indispensáveis ao giro comercial da sociedade devedora originária, independentemente da vontade que pudesse estar acometida aos restantes membros do conselho de administração.
XVII - Desta forma, e contrariamente ao que foi postulado pelo Doutro Tribunal a quo, perante tal matéria factual, a qual possuía a dignidade de ser julgada provada, devemos considerar que o Oponente actuou como um verdadeiro administrador de facto, sendo responsável para que a sociedade “G....................., S.A.”, NIF ............... não cumprisse com o dever fundamental de pagamento dos tributos.
XVIII - Com o devido e muito respeito, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.

TERMOS EM QUE, E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA ORA RECORRIDA, COM AS DEMAIS E DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS,
ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»

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O recorrido apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«A) O presente recurso vem interposto pela Fazenda Pública contra a decisão judicial proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no âmbito do processo de oposição à execução que correu termos nesse Tribunal, sob o n..º 359/06.6BESNT, a qual julgou procedente a oposição deduzida pelo ora Recorrido contra o despacho de reversão proferido no processo de execução fiscal n.º ........................, para cobrança coerciva de uma dívida de IRC do ano de 1995 de que era devedora originária a sociedade "G....................., S.A.";
B) O Recorrente começa por impugnar a matéria de facto dada como assente nos pontos R), S) e V) do segmento probatório da sentença recorrida, pugnando ainda pela relevação de 3 factos adicionais, acima identificados;
C) No entanto, do vasto conjunto de factos produzidos nos autos, aqui se incluindo os que resultam dos depoimentos testemunhais prestados, a Fazenda Pública decidiu apenas apoiar-se numa mera afirmação manifestamente insuficiente e descontextualizada - da testemunha A............. e no facto de o então Oponente, ora Recorrido, ter outorgado uma escritura de aumento de capital e alteração de pacto social relativa à devedora originária;
D) No mais, baseia-se em conclusões retiradas dos inúmeros arestas que cita, não em factos concretos, dados como assentes, não estabelecendo sequer uma conexão entre essas decisões e a prova produzida nos presentes autos;

E) Não sabe se o ora Recorrido exerceu funções de gerência de facto da sociedade, apenas presume que sim, nomeadamente, porquanto a testemunha P............. terá indiciado que o Recorrido toma ria decisões na ausência do "dono da empresa";
F) É inegável que o Recorrido outorgou a aludida escritura de aumento de capital e alteração do pacto social de sociedade devedora originária, mas isso não significa que a decisão que esteve na génese da prática desse ato social tenha sido tomada pelo Recorrido - que a executou, é certo -, nem que o ato em si mesmo permita concluir que era o Recorrido que tomava decisões sobre outras matérias, nomeadamente, de índole financeira, tais como, o pagamento ou não pagamento de impostos;
G) O mesmo se aplica ao ato de contratação de trabalhadores para a empresa, pois estamos a referir-nos apenas e só à contratação de trabalho temporário e para a própria equipa que era gerida pelo ora Recorrido, o que não consubstancia um ato de administração efetiva, de gerência de facto, da sociedade;
H) De resto, a referida testemunha também teve a oportunidade de referir que não era o Recorrido que assinava os contratos de trabalho celebrados com os trabalhadores temporários que eram contratados à empresa para a qual a primeira trabalhava e considerou que era normal ser o Recorrido a definir o perfil dos candidatos com quem iria trabalhar, por se tratar do responsável pela área comercial;
I)Também a leitura das declarações prestadas pela testemunha P............. foram deturpadas pela Fazenda Pública, pois a mesma, para além de outras declarações, asseverou sobre o ora Recorrido o seguinte: " Que ele era não era a pessoa responsável pela empresa, não era (...) quem mandava era o L.............., ele era quem punha e dispunha, nós eramos empregados dele, ganhavamos os nossos salários e eramos empregados" ;
J) Tal testemunha viria mesmo, quanto à responsabilidade pela celebração de contratos na ausência do Sr. L.............., a afirmar o seguinte: "Contratos era tudo com ele. Nós podíamos fazer aquela gestão do dia-a-dia, que é normal (...) Agora, tudo que era contratos, compromissos, decisões, de futuro...decisões de fundo tinha que ser tudo com ele, ele é que era a pessoa responsável. Até para contratar pessoas, mesmo para a minha área ou do L…….., tinha que ter sempre o crivo dele";

K) Pelo que não podem restar quaisquer dúvidas de que, também por força do depoimento da testemunha em causa, e até particularmente por esse depoimento, ficou evidenciado nos autos que o Recorrido não tinha qualquer responsabilidade pela gestão da empresa, designadamente, no plano financeiro, bem como, que não exercia funções de gerente de facto;
L) Nada nos autos aponta no sentido de o Recorrido poder ser considerado o gerente de facto da empresa, a pessoa que decidia o seu rumo, que fazia escolhas, que tomava as opções nucleares de gestão diária da mesma. Pelo contrário, tudo aponta no sentido de que era o Sr. L.............. quem exercia, de facto, essas funções;
M) A Fazenda Pública faz-se valer apenas de "indícios", na medida em que as conclusões que retira encontram-se unicamente suportadas por interpretações mais do que extensivas de factos dados como provados, por uma análise que não cabe, de forma alguma, no espírito e na própria literalidade dos depoimentos e, também, por presunções que têm apenas por base decisões judiciais proferidas em outros processos, com factos e intervenientes distintos;
N) A Fazenda Pública apela à aplicação das regras da experiência e do senso­comum, para tentar justificar que o Recorrido praticou atos que permitem concluir pelo exercício da gerência de facto, mas essas regras estão apenas assentes em conclusões retiradas de decisões judiciais que não analisaram, em concreto, os factos controvertidos.
O) E fá-lo quando até já foram proferidas outras decisões judiciais que procederam à efetiva análise dos mesmo factos aqui controvertidos e, em conjugação com as normas aplicáveis, decidiram ilibar o Recorrido e o outro administrador de direito, P............., desresponsabilizando-os pelo pagamento subsidiário das dívidas;
P) A Fazenda Pública simplesmente ignorou que, acima do Recorrido e dos restantes administradores, existia alguém que se comportava como o "dono da empresa", embora sob a veste formal de um procurador, que dava as ordens, que controlava o destino da sociedade, o Sr. L............... Os demais administradores limitavam-se, como se demonstrou, a cumprir tais ordens, sem qualquer autonomia ou poder de decisão;

Q) Estranha-se que a Fazenda Pública não tenha por exemplo chamado à colação, juntamente com os inúmeros arestas por si citados, o que foi proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), no processo n.º 00313/11.6BEBRG, datado de 10/11/2016;
R) Neste aresto considerou-se, por exemplo, que a responsabilidade subsidiária "pressupõe o poder de controlar e determinar a vontade social, definindo o seu rumo e estratégia e tudo o que se relaciona com a sua estabilidade, progresso ou sobrevivência, exteriorizando as suas opções, incluindo as de pagar, ou não pagar, as dívidas tributárias";
S) Tal como se considerou que "A distinção entre o mero gerente nominal do gerente efectivo reside no poder subjacente à realização dos actos. O gerente nominal, ou «meramente de direito», pode praticar actos aparentes de gerência, mas fá-lo desacompanhado dos inerentes poderes, normalmente a «mando» de alguém que na organização societária se resguarda de «assinar» e comprometer-se, mas que ainda assim detém o poder efectivo de controlar os destinos da sociedade incluindo os de «mandar assinar» documentos da sociedade, como gerente, alguém que, de facto, o não é";
T) Para além destes factos, resulta da prova produzida que o ora Recorrido foi administrador de direito da sociedade devedora originária entre 16/ 07/ 1997 e 31/ 10/ 1998, pelo que, no momento em que foi realizada a ação de inspeção de que resultou a emissão do ato de liquidação em causa, bem como, no momento em que terá terminado o prazo para pagamento do imposto liquidado pela AT (de acordo com a certidão de dívida e com a respetiva citação, o processo de execução fiscal em causa foi instaurado em 2001, pelo que a liquidação deveria ter sido paga nesse ano), já o ora Recorrido havia renunciado à gerência;
U) Pelo que, mesmo que a Fazenda Pública pretenda agora considerar que o Recorrido é responsável pelas dívidas em causa, ao abrigo do disposto na alínea b), do artigo 24.º, da LGT, essa possibilidade fica inviabilizada também por este facto;
V) Para além disso, ficou também evidenciado que o Recorrido estava impossibilitado de prestar à AT os esclarecimentos, e fornecer os elementos necessários, para evitar as liquidações adicionais de imposto e juros compensatórios, que vierem a ser emitidas em decorrência da aplicação de métodos indiciários, pois, não sendo à data do inicio da ação de inspeção, administrador de facto ou de direito, não tinha qualquer acesso a tais elementos;
W) Donde também nunca poderá ser apontada qualquer censurabilidade da sua conduta, no que tange ao pagamento de tais dívidas, como parece presumir a Fazenda Pública no seu recurso;
X) Apenas num contexto de mero cumprimento de um dever profissional se pode admitir a interposição do presente recurso, pois é manifesta a sua falta de fundamento e inutilidade, a que acresce o facto, dado como provado nos autos e absolutamente ignorado pela Fazenda Pública, de já terem sido proferidas decisões judiciais que, em situações em tudo idênticas à vertida nos presentes autos, absolveram o Recorrido e o outro administrador de direito, P.............;
Y) O que, para além do mais, é atentatório do princípio da boa-fé a que a Fazenda Pública - enquanto entidade integrante da AT - se encontra adstrita, por força do disposto no artigo 55.º da LGT e da norma constitucional prevista no artigo 266.º, n.º 2, da CRP;
Z) Em face do exposto, deverá ser julgado improcedente o presente recurso, por absoluta falta de fundamento, bem como, ser condenada a Fazenda Pública como litigante de má-fé, precisamente pela inexistência de fundamento que justifique a dedução do recurso, em violação das normas acima referidas.

TERMOS EM QUE deverá ser julgado improcedente, por infundado, o recurso apresentado pelo Digno Representante da Fazenda Pública, devendo, em consequência, manter-se a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa nos autos de impugnação judicial acima identificados e ser anulado o despacho de reversão em crise, tudo com as demais consequências legais.»
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
As questões a decidir, em sede recursória, são as seguintes:
- impugnação da matéria de facto;
- se a sentença de que se recorre incorreu em erro de julgamento ao concluir que o Oponente não exerceu a gerência de facto da devedora originária e, nessa medida, era parte ilegítima para a execução.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A. Em 16 de Abril de 2001, foi, pelo Serviço de Finanças de Oeiras 3 (Algés), instaurada a execução n.º ........................, para cobrança coerciva de dívidas da sociedade devedora originária G....................., S. A., com o NIPC ..............., referentes a IRC do ano de 1995, no montante de € 24.511,77 (cf. print de tramitação do processo de execução fiscal, a fl. 153, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e fls. 1 e segs. do processo de execução fiscal apenso);
B. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da Certidão de teor da matrícula e de todas as inscrições em vigor respeitantes à sociedade devedora originária, junta a fls. 126 e segs., na qual consta o objecto social “comercialização de produtos informáticos e serviços conexos, manutenção, reparação, assistência e fabrico ou montagem de equipamentos informáticos e afins” e a designação do Oponente, de F............. e de E............., como membros do conselho de administração da mesma sociedade devedora originária, desde a sua constituição em 24 de Maio de 1993, sendo a sua forma de obrigar vinculada pela assinatura de dois administradores ou de um procurador;
C. Pela AP 05/960308, foi registada a nomeação como membros do conselho de administração para completar o mandato em curso (93-96), como presidente, F............. e como vogais e administradores delegados, o Oponente e P............. (cf. doc. 3, junto com a p. i. a fls. 47 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
D. Em 27 de Novembro de 1997, o Oponente e P............. outorgaram escritura de aumento de capital e alteração de pacto da sociedade devedora originária (cf. fls. 80 e segs. do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
E.Pela AP 43/991220, foi registada como provisória por dúvidas a renúncia de funções por parte do Oponente e de F............., tendo a mesma caducado pela An. 01 OF/010927 (cf. doc. 3, junto com a p. i. a fls. 47 e segs.);
F. Pela AP 91/20060828 foi registada a renúncia de funções por parte do Oponente em 30 de Outubro de 1998 (cf. Certidão de teor da matrícula e todas as inscrições respeitantes à sociedade devedora originária junta a fls. 126 e segs.; cf. ainda doc. 7, junto com a p. i. a fl. 5, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
G. Em 15 de Abril de 2002, foi extraído mandado de citação da sociedade devedora originária, o qual não foi cumprido por E............., na qualidade de seu sócio gerente, não se encontrar no lugar indicado, pelo que foi afixado aviso com indicação de hora certa para o dia 17 de Abril de 2002, pelas 10h00m (cf. fls. 6 e segs. do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
H. Nessa data e à hora indicada ninguém se encontrava no local, pelo que foi efectuada a citação mediante afixação e enviada carta registada à sociedade devedora originária, a qual veio devolvida (cf. fls. 13 e segs. do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
I. Em 19 de Julho de 2002, foi elaborado auto de diligências, no qual consta que a sociedade devedora originária é desconhecida no local, “desconhecendo-se o paradeiro do executado” (cf. fl. 19 do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
J. Em 25 de Outubro de 2002, foi proferido o despacho a determinar a notificação dos responsáveis subsidiários para efeitos do exercício do direito de audição prévia, com vista à reversão do processo de execução fiscal (cf. fls. 28 e segs. do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
K. Em 16 de Maio de 2003, foi elaborada informação na qual se conclui pela “total inexistência de bens penhoráveis em nome da empesa”, sugerindo a “reversão imediata contra os responsáveis subsidiários”, “em virtude da inexistência de bens e valores em nome da empresa susceptíveis de penhora e de a mesma se encontrar sem actividade” (cf. fls. 64 e segs. do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
L. Por despacho de 15 de Setembro de 2005, proferido sobre informação dos serviços com a mesma data, foi convertido em definitivo o projecto de reversão do processo de execução fiscal, nos seguintes termos essenciais (cf. fls. 55 e 56 do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido): “Aos 2005/09/15 faço estes autos conclusos cumprindo-me informar que os gerentes da sociedade executada (...) L........................ NIF ............... notificados para o exercício do direito de audição nos termos do artigo 60° da LGT não o exerceram. (...).
DO CHAMAMENTO A EXECUÇÃO
Relativamente ao facto gerador da responsabilidade, conclui-se pela análise das certidões de divida constantes do processo em apreço que será de aplicar o regime previsto no artigo 13° do Código do Processo Tributário a todos os processos, com excepção do Processo n° .............. instaurado para cobrança de IRC de 1999, que cai no âmbito do disposto no art.º 24° da Lei Geral Tributaria. Em função dos referidos preceitos legais quem exerce funções de administração de uma sociedade é responsável subsidiariamente pelas dívidas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo, mas também é responsável pelas dívidas cujo prazo legal de pagamento tenham terminado no mesmo período. (...)
Assim, de acordo com os elementos constantes dos autos, nomeadamente a certidão da Conservatória do Registo Comercial de Cascais e o Relatório da Direcção de Finanças de Lisboa sou de parecer que deverá a presente execução reverter em definitivo contra os administradores referidos em epígrafe, na qualidade de responsáveis subsidiários da executada G..............,SA.. (...)
DESPACHO
Face à informação que antecede e em conformidade com os elementos constantes dos autos, converto em definitivo, nos termos dos artigos 13° e 239° n.º 2 do CPT, 24° da LGT e 153° do CPPT a reversão das dívidas da executada contra os responsáveis subsidiários acima identificados com fundamento no facto de a mesma não possuir quaisquer bens susceptíveis de penhora.
Proceda-se à citação dos executados por reversão, nos termos do artigo 160° do CPPT e do n.º 5 do artigo 23° da LGT”;
M. Por carta registada em 28 de Outubro de 2005, foi o Oponente citado, na qualidade de responsável subsidiário, para os termos da execução (cf. fls. 54 e 55 do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
N. É o seguinte o teor do Ofício de citação (cf. doc. 1, junto com a p. i. a fls. 42 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
«imagem no original»




O. Por requerimento de 28 de Novembro de 2005, o Oponente veio arguir a nulidade da sua citação (cf. fls. 59 e segs. do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
P. Tal requerimento foi indeferido por despacho da Chefe do Serviço de Finanças de 5 de Dezembro de 2005 (cf. fl. 63 do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
Q. A p. i. da presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Oeiras 3 (Algés) em 5 de Dezembro de 2005 (cf. carimbo aposto na p. i. a fl. 3, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
R. Em Fevereiro de 1995, o Oponente foi admitido como trabalhador da sociedade devedora originária, com a categoria de director comercial (cf. doc. 2, junto com a p. i. a fl. 46, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
S. Em 30 de Outubro de 1998, o Oponente rescindiu o seu contrato de trabalho com a sociedade devedora originária, tendo L.............. respondido que aceitava a rescisão do contrato de trabalho, dispensando o Oponente do aviso prévio e declarando que iria proceder ao acerto de contas pertinente (cf. docs. 4, 5 e 6, junto com a p. i. a fls. 54 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
T. No mesmo dia, o Oponente foi admitido, pelo mesmo L.............., na sociedade P…….. (cf. doc. 8, junto com a p. i. a fl. 58, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
U. Em 1 de Novembro de 1998, o Oponente renunciou ao cargo de administrador delegado da sociedade devedora originária (cf. doc. 7, junto com a p. i. a fl. 57, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
V. Era L.............. quem mandava, quem era o dono e detinha o poder efectivo na empresa, nada sendo feito sem o seu aval, sem prejuízo da prática de actos em representação da sociedade devedora originária por parte dos responsáveis por cada área, como sejam a escolha, por parte do Oponente, responsável pela área das vendas, dos colaboradores para integrar a respectiva equipa (cf. depoimentos de todas as testemunhas inquiridas, que se revelaram isentos e credíveis);
I. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da sentença proferida por este Tribunal na oposição deduzida pelo Oponente com os mesmos fundamentos de facto e de direito, mas relativa à execução fiscal instaurada para cobrança coerciva de dívidas referentes a IRC de 1997, que correu termos neste Tribunal sob o n.º 360/06.0BESNT e julgou procedente a oposição, com base nos seguintes fundamentos direito (cf. doc. junto com as alegações do Oponente).»

Alteração oficiosa da decisão sobre a matéria de facto
Por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, altera-se, a coberto do estatuído no artigo 662.º, nº.1, do CPC ex vi artigo 281.º do CPPT, a redacção do ponto A. do probatório, a qual passa a ter a seguinte redacção:
A.Em 16 de Abril de 2001, foi, pelo Serviço de Finanças de Oeiras 3 (Algés), instaurada a execução n.º ........................, para cobrança coerciva de dívidas da sociedade devedora originária G....................., S. A., com o NIPC ..............., referentes a IRC do ano de 1995, no montante de € 24.511,77, com data limite de pagamento voluntário a 17.01.2001. (cf. print de tramitação do processo de execução fiscal, a fl. 153, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e fls. 1 e segs. do processo de execução fiscal apenso);
E, adita-se ao probatório, a seguinte factualidade:
J.No dia 24.05.1993, foi objecto de registo a constituição da sociedade anónima «G…………… S.A.», matriculada sob o n.º ………. na Conservatória do Registo Comercial de Cascais, sendo a administração exercida por um conselho de administração composto da seguinte forma: Presidente - F............. e dois Vogais- E............. e M............................... (doc. fls. 47 a 54 dos autos)


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Impugnação da matéria de facto
A primeira das questões suscitadas no presente recurso, prende-se com a impugnação da matéria de facto, visto que a recorrente pretende que se dê como provada a matéria identificada alínea C) do corpo das alegações de recurso, a saber:
«W. A dívida exequenda respeita a créditos resultantes de tributos cujo prazo legal de pagamento ou entrega terminou no período do exercício da administração por parte do Oponente, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, al. b), da LGT.
X. O Oponente possuía responsabilidades na área do recrutamento de pessoal para o exercício de funções no departamento comercial da sociedade devedora originária, competindo-lhe, ademais, a representação da sociedade devedora originária perante potenciais colaboradores para a área comercial, sendo-lhe conferido um relevante papel decisório sobre os destinos a seguir por tal sociedade quanto a tal departamento. cfr.depoimento da testemunha A............., constante do respectivo suporte digital da gravação da audiência de inquirição de testemunhas (2.ª volume), de 01:25m até 01:42m, de 05:58m até 06:26m e de 09:28m até 10:29m.
Y. O Oponente tomava as rédeas da sociedade devedora originária, apondo a sua assinatura em vários documentos indispensáveis ao respectivo giro comercial, designadamente por força das viagens e/ou ausências de L.............., cfr. depoimento da testemunha P............., constante do respectivo suporte digital da gravação da audiência de inquirição de testemunhas.» cfr. depoimento da testemunha P............., constante do respectivo suporte digital da gravação da audiência de inquirição de testemunhas, de 14:59m até 15:08m».
No que respeita à matéria identificada no item W. as expressões que a integram extravasam o campo da pura matéria de facto, por integrarem um juízo de feição conclusiva ou valorativo que há-de resultar da subsunção jurídica da globalidade dos factos apurados.
Não pode, assim, integrar tal matéria o elenco dos factos provados.
Relativamente à matéria identificada nos itens X e Y., diremos, o seguinte:
O artigo 640.º, n.º 1, alínea b) do CPC estabelece que quando impugne a decisão sobre a matéria de facto o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
E a alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo é muito clara ao exigir que o recorrente indique com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
No caso a recorrente indica expressamente a matéria factual que considera erradamente apreciada pelo tribunal de primeira instância, indicam o sentido em que, na sua perspectiva, devia ter sido julgada, apontando os meios probatórios em que amparam essa sua conclusão. Sendo assim, mostra-se integralmente o ónus exigido no âmbito do artigo 640.º do CPC.
Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
A modificabilidade da matéria de facto pelo Tribunal « ad quem » tem necessariamente lugar nos casos de manifesta desconformidade entre as provas produzidas e a decisão proferida, traduzida num erro evidente na apreciação das provas, que não pode deixar de implicar uma decisão diversa.
Tal pressupõe uma clara distinção entre erro na apreciação da matéria de facto e discordância do sentido em que se formou a convicção do julgador
Como refere MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, a revisão ou reponderação das provas em 2ª instância satisfaz-se com a averiguação de saber se, dentro dos condicionalismos da instância recorrida, essa decisão foi adequada, pelo que esses recursos controlam apenas a "justiça relativa" dessa decisão (Estudos sobre o novo Processo Civil, 374).
Nesta perspectiva sempre que o tribunal de 2ª instância está perante uma situação que permite a modificabilidade da decisão de facto nomeadamente, através da valoração da prova testemunhal, não poderá deixar de ter presente que tal reapreciação não pode subverter o princípio, já aqui chamado à colação, da livre apreciação da prova consagrado.
Pois bem.
Os depoimentos testemunhais, que a recorrente pretende que sejam agora valorados diversamente do que o foram pela Mmª Juiz «a quo», de molde a levarem à alteração da matéria de facto, são, consabidamente, elementos de prova a apreciar livremente pelo tribunal (artigos 396.º do C.Civil e 655.º, n.º 1, do CPC).
Note-se que, como é sabido a respectiva credibilidade dos depoimentos testemunhais se afere, nuclearmente, pela inerente razão de ciência, tanto mais relevante quanto mais detalhada e precisa for, correlacionada com as circunstâncias de tempo, lugar e modo de ocorrência dos factos sobre que depõem, nos precisos termos do que se encontra consagrado no artigo 638.º, n.º1 do CPC.
Revertendo-nos ao caso em apreço verifica-se que a matéria pretendida (identificada nos itens X. e Y.) aditar por não estar concretizada no tempo nem balizada temporalmente, não se pode saber se os factos ocorreram antes ou depois do período temporal a que respeita a dívida exequenda, consequentemente, não assumem relevância para a solução do litígio. De resto, inclui expressões conclusivas (documentos indispensáveis), o que sempre, desacompanhada de qualquer início de prova documental, seria inócua para a solução do litígio.
Pelo que se julga improcedente este fundamento do recurso.

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B. DO DIREITO

Estabilizada a matéria de facto, a questão que seguidamente se coloca é a de saber se o Oponente pode ou não ser subsidiariamente responsabilizado pelo pagamento da dívida exequenda proveniente de IRC do exercício de 1995, de que é devedora originária sociedade denominada «G....................., S. A.».

Vejamos, então.

A sentença recorrida julgou procedente a oposição com a seguinte fundamentação: «Vejamos, então, se o Oponente, em 1995, teve uma intervenção na condução da vida sociedade devedora originária que possa ser qualificada como a correspondente a um gerente de facto. (…)

No caso vertente, em face da prova produzida, para além da prova da base da presunção contida na máxima da experiência de todos os dias, de quem é nomeado para um cargo o vai exercer, na realidade, como aconteceu com o Oponente que, desde logo, foi nomeado gerente da sociedade devedora originária e até à data em que dela renunciou, porém, durante todo esse período de tempo, o único acto que se prova que o mesmo tenha praticado em nome e por conta da sociedade devedora originária foi a outorga, em 27 de Novembro de 1997, da escritura pública de aumento de capital e alteração de pacto, acto este isolado e desconexionado com qualquer prática sucessiva, que entendemos ser insuficiente para caracterizar o exercício de tal actividade de gerência, preenchendo-o, a qual pressupõe um conjunto de actos ordenados para um certo fim, de prosseguimento do seu objecto social e das deliberações dos sócios, que não se prova que o mesmo tenha exercido. Assim, ainda que o Oponente tenha praticado tal acto vinculativo da sociedade devedora originária (cf. letra D do probatório) e outros em representação da mesma sociedade, como sejam a escolha dos colaboradores para integrar a respectiva equipa, o certo é que era L.............. quem mandava, quem era o dono e dispunha de poder efectivo na empresa, nada sendo feito sem o seu aval (cf. letra V do probatório). O gerente nominal ou “meramente de direito” pratica actos de gerência, mas fá-lo desacompanhado dos inerentes poderes, normalmente a “mando” de alguém que na organização societária se resguarda de “assinar” e comprometer-se, mas que ainda assim detém o poder efectivo de controlar os destinos da sociedade incluindo os de “mandar assinar” documentos da sociedade, como gerente, alguém que, de facto, o não é.

Nestas condições, não existe prova segura de que a gerência de facto estivesse a cargo do Oponente, tendo ficado por provar, com razoável certeza e segurança, uma realidade susceptível de evidenciar o exercício da gerência de facto por parte do Oponente, ónus que competia à Fazenda Pública, na qualidade de exequente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência de facto por parte do Oponente. E, não se provando a gerência efectiva, está afastada a conexão pessoal necessária para fundar a presunção legal de culpa por parte do gerente

Como se observa pela análise das alegações do recurso, a Fazenda Púbica discorda do decidido, alegando em síntese que o facto do Oponente ter assinado um documento em nome e por conta da sociedade devedora originária e exteriorizando a vontade desta, é o suficiente para que se considere que praticou actos efectivos de administração desta sociedade.

Mas sem razão, como se passa a demonstrar.

É jurisprudência uniforme que pacífica que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (vide por todos o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.06.2011, proferido no processo n.º 0368/11, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

A execução fiscal, por dependência da qual foi deduzida a presente oposição, respeita a dívida de IRC do ano de 1995, inicialmente exigida à sociedade «G....................., S. A.».

Sendo assim, o regime legal da responsabilidade subsidiária aplicável é, pois, o que decorre do artigo 13.º do CPT, por ser este o regime de responsabilidade subsidiária vigente à data de constituição das dívidas. Nos termos do citado preceito legal, os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.

Seja no quadro do regime do artigo 13.º do CPT, seja no âmbito do regime do artigo 24.º da LGT, constitui pressuposto da efectivação da responsabilidade subsidiária o exercício da gerência efectiva por parte do oponente. Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

É à Fazenda Pública que compete provar a verificação da gerência enquanto requisito constitutivo do seu direito à reversão da execução. No entanto, provada que esteja a gerência de direito, dela se pode inferir, com base nos dados da experiência comum retirada da observação empírica dos factos, que com ela coincide a gerência de facto, o que dispensa a Fazenda Pública de fazer a prova desta última. Esta presunção, segundo o entendimento maioritário da jurisprudência, é de natureza judicial ou natural, só admissível nos casos em que é admitida prova testemunhal e podendo ser ilidida por qualquer meio de prova (cfr. artigos 351.º e 350.º, n.º 2, a contrario, do Código Civil).

A responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores fundamentadora da reversão abrange quer as dívidas nascidas quer as que devam ser pagas no período da respectiva gerência (cfr., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.04.95, proferido no processo n.º 18 268).

No caso dos autos, ficou provado que o Oponente está registado na Conservatória de Registo Comercial como Vogal e Administrador Delegado da sociedade executada pela Ap. 05/960308, e que cessou funções de membro do Conselho de Administração em 30.10.1998, tendo a respectiva declaração sido registada pela AP 91/20060828.

E perante esta factualidade é de concluir que no período temporal a que se reporta a dívida exequenda (1995) - data da constituição da dívida e do respectivo pagamento voluntário (17.01.2001) - o Oponente não era Administrador de direito/nominal.

Pelo que, não tendo sido alegado e provado pela Fazenda Pública que após esse período o Oponente tivesse continuado, de alguma maneira, a exercer a administração da aludida sociedade, não pode este ser responsabilizado pela dívida nascida em 1995 e posta à cobrança posteriormente no ano de 2001.

De resto, a participação do Oponente na escritura pública de aumento de capital e alteração de pacto realizada em 27 de Novembro de 1997, para além de se traduzir num acto isolado, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade no período a que se reporta a dívida exequenda.

E, como se viu, um non liquet quanto à gerência de facto determina que a decisão judicial desfavoreça a posição da Fazenda Pública, que sairia favorecida com a demonstração da ocorrência da efectiva gerência do oponente - uma vez que o ónus material da prova da gerência de facto pesa sobre a Fazenda Pública.

Improcede, pois, o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida que assim entendeu.

IV.CONCLUSÕES

I. A responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos.

II. Estando em causa dívida proveniente de IRC do ano de 1995, o regime da responsabilidade subsidiária dos gerentes relativamente a essas dívidas é o do artigo 13.º do CPT, no âmbito do qual não basta a mera gerência nominal ou de direito para responsabilizar o gerente, exigindo-se também a gerência efectiva ou de facto.

III. É à Fazenda Pública, como titular do direito de reversão da execução contra o responsável subsidiário, que cumpre fazer prova da gerência como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária.

V.DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da 1ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente.


Lisboa, 7 de Maio de 2020.



[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]