Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05690/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/19/2015
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:OPOSIÇÃO, GERÊNCIA
Sumário:É insuficiente para se concluir pelo não exercício de facto da gerência do Oponente quando resulta da prova testemunhal que este exercia de funções na área técnica e o outro sócio gerente na área financeira da sociedade, quando resulta da prova documental que a sociedade se vincula com a assinatura dos dois únicos gerentes da sociedade, não ficando afastada portanto a conclusão de que o Oponente vinculava por meio da sua assinatura a sociedade, e porque consubstancia também a prática de actos de gerência os que são praticados com animus decidendi em outras áreas empresarias por todas estes actos condicionarem, directa ou indirectamente, com maior ou menor intensidade, os destinos da sociedade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

PROCESSO N.º 05690/12

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição apresentada por Miguel ………………………….., ao processo de execução fiscal que contra si reverteu, sob o número …………………. e apensos, visando a cobrança coerciva do montante de €35 750,00, relativo a dívidas de contribuições de segurança social dos anos de 98 e 99.

A Fazenda Pública apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

“ CONCLUSÕES:
I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a oposição à margem referenciada com as consequências ai sufragadas, por ter considerado que o oponente não praticou actos de gerência, sendo, antes, um mero director comercial e, por isso, sendo parte ilegítima.

II - Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se o oponente havia ou não exercido a gerência de facto da sociedade devedora originária e se foi por sua culpa que o património da sociedade se delapidou.

III - A Fazenda Pública considera que o oponente exerceu de facto a gerência pois a mesma era conjunta e plural e, pelo facto de haver divisão de pelouros os mesmos se inserem num acto interno da sociedade, não vinculando esta externamente, conforme cabalmente demonstrado nos art.°s 5.° a 55.° das alegações supra para as quais remetemos.

IV - Por outro lado, a vinculação é através dos actos praticados, tais como os que constam que o oponente efectuou:
> Assinaturas de cheques sendo a sua assinatura impreterível;
> Contratação de pessoal (uma vez que inquiria o pessoal futuro a contratar);
> Dirigia os empregados dando-lhes ordens;
> Quando se pensava em adquirir máquinas, a sua opinião era essencial, mencionado que máquina era adequada;
> Encomendava consumíveis da sua área, contactando com os fornecedores para saber se havia em stock;
> Participava em todas as reuniões;
> As reuniões com o TOC eram com o outro sócio, apesar de também reunir;
> Alteração da sede da sociedade.

V - Na verdade provou-se que o oponente exerceu a gerência de facto da sociedade, não tendo ilidido a culpa, nem a mesma foi alegada, conforme cabalmente demonstrado nos art.°s 56.° a 117.° das alegações supra para as quais remetemos.

VI - O oponente teve uma atitude não diligente nem criteriosa face aos rumos da sociedade, tendo violado os deveres e os direitos, desprotegendo os credores, nomeadamente a Segurança Social, pois a retenção na fonte das contribuições era uma obrigação da sociedade sendo-o, também, a sua entrega nos cofres do Estado, o que não foi feito, pelo que a sociedade através da actuação dos seus gerentes pouco criteriosa locupletou-se com o dinheiro dos trabalhadores, razão pela qual a Segurança Social intentou o processo executivo, exigindo a reposição das contribuições em falta.

VII - Neste desiderato, o oponente é parte legítima da presente oposição, pois exerceu de facto a gerência de facto da sociedade, não tendo afastado a presunção de culpa nem do acto ilícito.

VIII - Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal "ad quo", esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados nos art°s 252.°, 259.°, 260.°, 261, 78.° todos do CSC bem como do art.° 13.° do CPT e do art.° 24.° e 45.° da LGT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”

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O Recorrido, apresentou contra-alegações, conforme seguidamente expendido:
“ V - CONCLUSÕES
1. ª O prazo para interposição do presente recurso terminava dia 1 de Março de 2012, mas o requerimento de interposição do presente recurso apenas deu entrada em tribunal no dia 6 de Março de 2012, pelo que foi interposto intempestivamente, o que determina que o despacho que o admitiu deva ser revogado e substituído por outro que o rejeite.

2.ª Apesar de a recte. sustentar que a sentença proferida pelo Tribunal a quo errou no julgamento quanto aos documentos e na apreciação da prova, pelo que a mesma deverá ser revogada, em parte alguma da alegação, ou sequer nas conclusões, a recte. pede a alteração da matéria de facto que foi dada como assente e provada na sentença, não invocando qualquer dos fundamentos previstos no art. 712.° do CPCv em ordem a permitir a alteração da decisão sobre a matéria de facto.

3.a Designadamente, não podem ser atendidos os factos constantes da conclusão IV da alegação sob resposta, na medida em que contradizem a matéria de facto que foi dada como assente e provada e/ou a sua consideração importaria a alteração da decisão sobre a matéria de facto, o que está vedado ao Tribunal ad quem fazer, por tal não lhe ter sido solicitado pelas partes, nem os referidos factos se encontrarem provados nos autos, muito menos por meios de prova dotados de força probatória plena.

4.a Conforme se expôs nos n.°s 27 a 47 antecedentes, que aqui se dão por reproduzidos, são totalmente improcedentes os argumentos invocados pela recte. para sustentar que o ora recorrido tinha exercido a gestão de facto da devedora originária ou que a insuficiência do património desta última era imputável a culpa daquele.

5.a Com efeito, a recorrente limita-se a invocar normas jurídicas, gerais e abstractas, e a transcrever longos extractos de doutrina e jurisprudência que as interpretam, tentando deles retirar a existência de factos que integrassem o preenchimento dos requisitos de culpa previstas nos art. 13.° do CPT e 24.° da LGT, o que, necessariamente, se traduziu num esforço infrutífero.

6.a Acresce que as normas invocadas são totalmente irrelevantes para a boa decisão da causa, porquanto nos presentes autos a questão controvertida prende-se com a responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas fiscais e equiparadas, que segue um regime especialíssimo, já que não basta ser gerente para se ser automaticamente responsável por aquelas dívidas. A lei restringe essa responsabilidade apenas aos gerentes de facto, isto é, àqueles que efectivamente exercem o poder de determinar os destinos da sociedade, designadamente no que toca às questões financeiras e contabilísticas.

7.a Assim, não restam dúvidas que a boa decisão da causa tem de se fundar, antes de mais, na matéria de facto que foi dada como assente e provada nos autos, a qual deve ser subsumida no direito aplicável, pelo que bem decidiu a sentença recda. ao entender que o oponente, ora recdo., não pode ser responsabilizado pelo pagamento da dívida sub judice, por não se verificarem os requisitos de que depende a responsabilidade subsidiária por dívidas fiscais e equiparadas.

8.a Para a correcta apreciação da questão da legitimidade do oponente como responsável subsidiário, importa considerar 3 situações distintas:
a) a dívida emergente da falta de pagamento da contribuição relativa ao
mês de Outubro de 1998, vencida em Novembro de 1998;
b) as dívidas emergentes da falta de pagamento das contribuições relativas ao mês de Dezembro de 1998, vencida em Janeiro de 1999, e aos meses de Fevereiro a Junho de 1999, vencidas entre Março e Julho de 1999;
c) a dívida emergente da falta de pagamento da contribuição relativa ao
mês de Julho de 1999, vencida em Agosto de 1999.

9.a Na primeira hipótese, os requisitos substantivos da reversão devem ser aferidos em face do preceituado no art. 13.° do Decreto-Lei n.° 103/80 e no art. 13,° do CPT, o que significa que o oponente será responsável se tiver exercido funções de gerência de facto e se não conseguir provar que não foi por culpa sua que o património da devedora originária se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos exequendos.

10.a Na segunda hipótese, que abrange os casos em que o prazo de pagamento terminou após 01.01.1999, mas durante o exercício do cargo, os requisitos substantivos da reversão devem ser aferidos em face do preceituado no art. 13.° do Decreto-Lei n.º 103/80 e no art. 24.º, n.° 1, al. b), da LGT, o que significa que o oponente será responsável se tiver exercido funções de gerência de facto e se não conseguir provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento.

11.a Por último, a terceira hipótese compreende o caso em que a dívida exequenda se constituiu durante o período da gerência do oponente, mas cujo prazo legal de pagamento só terminou após a renúncia ao cargo, o que reconduz o caso à previsão da al. a) do art. 24.° da LGT, para além, naturalmente, da previsão do art. 13.° do Decreto-Lei n.° 103/80, o que significa que o oponente será responsável se tiver exercido funções de gerência de facto e se a Administração Tributária provar que foi por culpa do oponente que o património da devedora originária se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos exequendos.

12.a Resulta com clareza dos autos e do processo executivo apenso que a Administração Tributária não provou - e nem sequer alegou - em momento algum no processo de execução que o oponente tenha tido culpa na insuficiência do património da sociedade executada, o que significa que o oponente não pode ser subsidiariamente responsabilizado pela dívida de contribuição para a segurança social relativa ao mês de Julho de 1999, no montante de € 6.102,60 (PTE 1.223.461$00), e respectivos juros de mora, por não se verificarem os pressupostos da reversão previstos no art. 24.°, n.° 1, al. a), da LGT, o que determina a ilegitimidade do oponente e a procedência da presente oposição nessa parte.

13.a Também no que toca às restantes dívidas exequendas importará concluir que o oponente igualmente não pode ser responsabilizado subsidiariamente pelo seu pagamento, uma vez que decorre dos factos assentes e provados e foi reconhecido pela sentença recda, que o oponente nunca foi gerente de facto da devedora originária, já que a gestão da parte contabilística, financeira e dos impostos era da exclusiva responsabilidade do outro sócio, e não do oponente, o qual sempre limitou a sua actuação no seio da empresa aos aspectos técnicos, tendo nela apenas desempenhado funções de director de produção e de director técnico, e sendo chamado a intervir apenas nesse âmbito.

14.a Ainda que assim não se tivesse entendido, o que apenas como hipótese e por dever de patrocínio se refere, sem conceder, importa considerar que dos mesmos factos se retira, por um lado, que também não pode ser imputado ao oponente a falta de pagamento das contribuições de Segurança Social relativas aos meses de Dezembro de 1998 e de Fevereiro a Junho de 1999, já que era o sócio gerente Miguel ……………… quem decidia e procedia aos pagamentos, designadamente de contribuições à Segurança Social.

15.a Por outro lado, tendo ficado demonstrado que o oponente nunca teve intervenção nas questões administrativas e financeiras da sociedade, que esta ainda se manteve em funcionamento, com clientela e encomendas, após a saída do oponente e que a insuficiência do património da sociedade para solver os créditos fiscais exequendos ocorreu apenas em finais de 2003, ou seja, mais de 4 anos após o oponente ter deixado a gerência formal da sociedade, igualmente se deve concluir que nunca poderá ter sido por sua culpa que o património da sociedade execda. se terá tornado insuficiente.

16.a Deste modo, não pode deixar de se concluir que não estão reunidos os requisitos de que depende a legalidade da reversão, pelo que a sentença recda. bem decidiu ao julgar procedente a presente oposição.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. a quanto alegado, deve ser rejeitado o presente recurso por intempestivo ou, se assim não se entender, o que apenas como hipótese se refere, sem conceder, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.”


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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de conceder provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta, porquanto, conforme fundamentação infra, não se verifica a intempestividade do recurso.
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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir do erro de julgamento de direito e de facto, na medida em que a Recorrente entende que o Oponente é parte legítima na execução fiscal, considerando que foi gerente de facto da sociedade executada originária, não tendo afastado a presunção de culpa.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

III - 1.Dos factos
Com interesse para a decisão da causa, com base nos documentos existentes nos autos e no processo de execução, consideramos assente a seguinte factualidade:


A) A sociedade Páginas …………….. - …………………, Lda., foi constituída por escritura pública em 18/8/1993, por dois sócios, o Oponente e Miguel ………………….., ambos designados gerentes, prevendo-se como forma de obrigar a sociedade a intervenção de dois gerentes ou de dois procuradores - cf. fls. 16;

B) O Oponente renunciou à gerência em 30/7/1999, facto registado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa - 4a Secção, em 7/10/1999- cf. fls. 17;

C) Corre termos no Serviço de Finanças de Lisboa - 11, contra Páginas ……………. - ………………………, Lda., o processo de execução fiscal n° número …………………. e apensos, visando a cobrança coerciva de € 35 750,00 relativa a dívidas de contribuições da segurança social dos meses de Outubro e Dezembro de 98 e Fevereiro, Maio, Julho e Agosto a Dezembro de 99, cuja data limite de pagamento era o dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitam - cf. certidão emitida em 27/6/2000 a fls. 46;

D) A executada originária foi citada em 14/11/2000 - cf. fls. 47 e 48;

E) Foi ordenada a penhora de bens da executada, e verificando-se que a penhora de todos os bens encontrados em nome da executada se revelaram "insuficientes para ao pagamento dos autos. Não são conhecidos quaisquer outros bens susceptíveis de penhora em nome da devedora originária afim de proceder ao pagamento coercivo" por despacho de 12/1/2004 foi determinada a audição prévia dos gerentes inscritos na Conservatória do Registo Comercial, invocando-se os artigos 13° do DL 103/80, de 9/5, 13° e 239°, no 2 alínea b) do CPT e artigos 23° e 24° da LGT - cf. fls. 54;

F) Após notificação para audição prévia, foi determinada a reversão da referida execução contra o Oponente e outros nas respectivas proporções com as seguintes menções: "De acordo com os elementos junto aos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, (...) nos termos dos artigos n° 13° do DL 103/80, de 9/5, 13° e 239º, nº 2 alínea b) do CPT (...)" - cf. fls. 57;

G) O Oponente foi citado através do ofício no 2496 de 19/2/2004 - cf. fls. 58 e sg;

H) O oponente até 1996 foi Director Comercial passando até 1999 a desempenhar as funções de Director Técnico, incumbindo-lhe a organização dos turnos dos cerca de 10 trabalhadores da executada, dirigindo todos à excepção da funcionária administrativa, determinava que equipamentos deveriam ser adquiridos e devido ao seu contacto com fornecedores alertava o sócio Miguel …………………………, para a necessidade de efectuar compra de bens ou equipamentos e de efectuar os respectivos pagamentos - cf. documento de fls. 19 e depoimento da testemunha João ………………………..;

I) O oponente assinava cheques quando necessário, algumas vezes em branco, que depois eram preenchidos por Miguel ………………………….., de acordo com as necessidades - cf. depoimento prestado por João …………………….. e Dora ………………………………………..;

J) O sócio do Oponente - Miguel ……………………….., desempenhava as funções de Director Administrativo e Financeiro, a quem incumbia contactar com clientes, contratar com fornecedores, efectuar o pagamento de fornecedores, e efectuar todos os contactos com o contabilista contratado - cf. fls. 19 e depoimento da testemunha João …………………………….;

K) A contratação de pessoal era efectuada, de acordo com a área, pelo Oponente ou pelo Director Comercial, sendo a remuneração acordada directamente com o Director Financeiro - Miguel …………………..- cf. depoimento da testemunha Nuno ……………….;

L) Em finais do ano de 1999 a executada tinha clientes e encomendas, e encontrava-se em laboração, verificando-se a falta de pagamento - cf. depoimento das testemunhas Nuno …………………. e Dora …………………………;
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Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos alegados e não provados.
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A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, bem como da prova testemunhal produzida, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”

Dá-se como provado a seguinte factualidade, ao abrigo do artigo 662.º do CPC, com relevo para a decisão do recurso:

M) A dívida exequenda que foi revertida contra o ora Oponente diz respeito a contribuições para a segurança social de Outubro e Dezembro de 1998, e de Fevereiro a Julho de 1999, cujo prazo de pagamento terminou no dia 15 do mês seguinte a que respeitam (cfr. fls. 44, 58 dos autos).
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2. Do Direito

Antes de passarmos ao mérito do recurso, cumpre apenas referir que não se verifica a intempestividade do mesmo conforme vem invocado nas contra-alegações da Recorrida (conclusão 1.ª das contra-alegações).

Com efeito, invoca o Recorrido que “[o] prazo para interposição do presente recurso terminava dia 1 de Março de 2012, mas o requerimento de interposição do presente recurso apenas deu entrada em tribunal no dia 6 de Março de 2012, pelo que foi interposto intempestivamente, o que determina que o despacho.”

Porém, labora em erro o Recorrido quanto à data da entrada do requerimento de recurso, pois ao contrário do alegado, este deu entrada por meio de telecópia em 27/02/2012 (cfr. fls. 228 dos autos) – cfr. art. 150.º, n.º 2, al. c) do CPC na versão anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.

Deste modo, considerando que a sentença recorrida foi remetida à Fazenda Pública por ofício datado de 16/02/2012, e o requerimento de recurso interposto em 27/02/2012, é manifesto que se encontra cumprido o prazo de 10 dias previsto no art. 280.º, n.º 1 do CPPT, e nessa medida, o recurso é tempestivo.

Passemos, então, ao conhecimento do mérito do recurso.

Conforme resulta dos autos, a sentença recorrida entendeu que o Oponente é parte ilegítima na presente execução, porquanto, não exerceu de facto a gerência na sociedade executada originária.

A Recorrente Fazenda Pública, ao invés, entende que o Oponente exerceu de facto a gerência (conclusão IV das alegações de recurso) considerando a prova documental e testemunhal.

Ora, relativamente ao erro de julgamento quanto à prova testemunhal, a Recorrente não dá cumprimento ao disposto no art. 640.º do CPC [“Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”], a que corresponde ao anterior art. 685.º-B do CPC, aplicável aos autos o que tem por consequência jurídica, a rejeição da impugnação da matéria de facto, nos termos do n.º 1, alínea b), e n.º 2 daquele preceito legal.

Com efeito, e aplicando o disposto no art. 685.º-B do CPC ao caso dos autos, na parte em que o Recorrente impugna a matéria de facto com o fundamento da não apreciação devida da prova testemunhal (que constitui indicação do meio probatório que sustenta a impugnação cumpria-lhe, de igual modo, indicar, concretamente:
_ quais os pontos de facto, constantes da sentença recorrida que considera incorrectamente julgados;
_ indicar as passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

Ora, a Recorrente não indicou, concretamente, o que exige o disposto no art. 685.º-B do CPC, pelo que, in casu, face ao incumprimento daquele preceito legal, rejeita-se o recurso nesta parte, nos termos do disposto no n.º 1, alínea b) e n.º 2 daquele preceito legal.

Ora, se o facto de a Recorrente Fazenda Pública não ter cumprido com aquele ónus relativamente à prova testemunhal, e portanto, não poderão ser alterados os factos que resultam da produção prova testemunhal, já quanto as ilações que desses factos se tiram na sentença recorrida, nada obsta a que se conheça do erro de julgamento invocado.

Deste modo, analisando o discurso fundamentador da sentença recorrida constata-se, com efeito, que se verifica erro de julgamento de facto relativamente às ilações que se retiram dos factos provados, pois aqueles não são adequados e suficientes para sustentar o juízo que deles se retiram.

Vejamos então.

A dívida exequenda que foi revertida contra o ora Oponente diz respeito a contribuições para a segurança social de Outubro e Dezembro de 1998, e de Fevereiro a Julho de 1999, cujo prazo de pagamento terminou no dia 15 do mês seguinte a que respeitam [cfr. alínea M) aditada aos factos provados], sendo que o Oponente renunciou à gerência da sociedade executada originária e 30/07/1999 [cfr. alínea B) dos factos provados].

Na sentença recorrida afirma-se que “Resulta da matéria de facto apurada nos autos que a sociedade executada foi constituída por dois sócios, ambos designados gerentes no pacto social, obrigando-se a sociedade com a assinatura dos dois ou de dois procuradores (cf. alínea A) do probatório).”, e mais se afirma que “A vinculação da sociedade passava sempre, impreterivelmente pela assinatura do Oponente.”. Não obstante, acaba por se entender que “não pode concluir-se ter o Oponente exercido de facto a gestão da devedora originária”.

A Meritíssima juíza do TT de Lisboa alicerça o seu juízo no facto “Da prova testemunhal produzida decorre que as contratações efectuadas em nome da sociedade eram efectuadas pelo sócio Miguel ……………………….. quem geria a parte administrativa e financeira da empresa efectuando todos os pagamentos, negociando os contratos e financiamentos. Sendo de salientar que o Oponente tinha a seu cargo as questões técnicas, sem autonomia quanto à negociação da efectivação das despesas inerentes à contratação de pessoal, equipamento ou consumíveis, função que era desempenhada pelo outro sócio, (…)”.

No entanto, o facto de o Oponente não estar encarregue da parte administrativa e financeira e de ter a “seu cargo as questões técnicas, sem autonomia quanto à negociação da efectivação das despesas inerentes à contratação de pessoal, equipamento ou consumíveis” não são factos suficientes para pelo não exercício de facto da gerência da executada originária pelo Oponente, desde logo porque, como a própria sentença reconhece “A vinculação da sociedade passava sempre, impreterivelmente pela assinatura do Oponente” e a sociedade obrigava-se com a assinatura dos dois únicos gerentes.

Ou seja, considerando que a vinculação da sociedade passava pela assinatura dos dois únicos gerentes de direito da sociedade, o facto de um deles apenas estar encarregue da parte técnica empresarial, não afasta a conclusão que daquele outro facto se retira, ou seja, que o Oponente sempre teria de assinar vários documentos (mesmo os de cariz financeiro) com o outro sócio gerente, pois era assim que a sociedade se vinculava. Aliás na alínea I) do probatório deu-se como provado que o Oponente assinava cheques.

Por outro lado, pese embora da prova testemunhal produzida possa decorrer “que as contratações efectuadas em nome da sociedade eram efectuadas pelo sócio Miguel ……………………….. quem geria a parte administrativa e financeira da empresa efectuando todos os pagamentos, negociando os contratos e financiamentos” a verdade é que esses factos, não são suficientes para excluir a gerência de facto do Oponente, pois a prática de actos de gestão não se reduzem à prática de actos financeiros.

Repare-se que numa estrutura empresarial existem várias áreas funcionais: financeira, recursos humanos, gestão stocks, técnica, etc., e por conseguinte, é natural que havendo mais que um gerente haja uma repartição de responsabilidades no exercício das várias funções.

Agora será que essa divisão funcional importa, necessariamente a não gerência de quem pratica actos nos sectores não financeiros da empresa? Claro que não. Também consubstanciam actos de gerência todos aqueles que consubstanciam decisões condicionadoras do rumo da sociedade, todos aqueles que são praticados com animus decidendi no exercício de uma gerência de direito devidamente formalizada, ainda que esses actos sejam praticados em áreas não financeiras da empresa.

Com efeito, gerir uma empresa não implica apenas uma gestão financeira. Estar à frente na área técnica é também uma forma de gerir a empresa, de condicionar o destino empresarial, porquanto o exercício dessas funções também implica um impacto directo na situação financeira da empresa. Uma gestão descuidada ou até mesmo errada na área técnica, ou em qualquer outra área funcional da empresa, conduz directa ou indirectamente, com maior ou menor grau, à diminuição de proveitos. Todos os actos praticados nas diversas áreas funcionais de uma empresa são susceptíveis de se repercutir na sua saúde financeira.

Assim sendo, não se poderá concluir pela não gerência de facto do Oponente quando resulta da prova documental que a sociedade se vincula com a assinatura dos dois únicos gerentes da sociedade, e da prova testemunhal que aquele exercia de funções na empresa na área técnica.

Para sustentar a tese da sentença seria necessária a produção de uma prova mais robusta, mais contundente da qual resultassem factos dos quais se pudesse extrair a completa irrelevância para a sociedade dos actos praticados pelo Oponente no exercício das funções técnicas, com por exemplo, a ausência de no exercício dessas funções, demonstrada através da instrumentalização do Oponente pelo outro gerente.

Das regras da experiência comum resulta que o Oponente tendo sido nomeado gerente de direito, e a sociedade obrigando-se com a assinatura dos dois únicos gerentes, juntamente com o facto de o Oponente exercer funções na área técnica empresarial da sociedade executada originária, da qual era o responsável, o Oponente também tomava decisões que condicionavam o destino da sociedade na obtenção de proveitos, e nessa medida, pelo menos nessa parte, tinha o controlo da empresa, praticava actos efectivos de gestão.

Deste modo, conclui-se que o Oponente exerceu de facto e de direito a gerência, e portanto, cumpre aferir se estão reunidos os demais pressupostos para a responsabilização do oponente nos termos do art. 24.º, n.º 1 da LGT.

A alínea a) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT é aplicável quando o facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do cargo, mas postas à cobrança posteriormente à cessação do mesmo [se o facto constitutivo e a cobrança se verificarem no período de exercício do cargo é já aplicável a alínea b)] ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício.

Trata-se em ambos os casos previstos na alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT de situações em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança, pelo que só responderá se tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a satisfação da dívida tributária.

Conforme já referimos, está em causa dívidas de contribuições para a segurança social referentes ao período compreendido entre Outubro e Dezembro de 1998, e de Fevereiro a Julho de 1999, prazo de pagamento terminou no dia 15 do mês seguinte a que respeitam [cfr. alínea M) dos factos provados], e o Oponente renunciou à gerência da sociedade executada originária e 30/07/1999 [cfr. alínea B) dos factos provados].

Deste modo, relativamente as dívidas referentes às contribuições para a segurança social, cujo prazo limite de pagamento tenha terminado após o Oponente renunciar à gerência, isto é, dívidas do mês de Julho de 1999, cujo prazo legal de pagamento terminou a 15 de Agosto de 1999, é aplicável o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT.

Deste modo, e nessa parte, o ónus da prova da culpa na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária caberá à Fazenda Pública, pelo que, sublinhe-se, nesta parte, manifestamente, não merece provimento o vertido nas conclusões V 2.ª parte, VI e VII.

Sobre o regime previsto na alínea a) e b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, vide o Acórdão do STA de 15/10/2014, proc. n.º 0167/13 “ (…) o que está em causa é a culpa do oponente pela falta de pagamento da dívida (art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT) e não a culpa do oponente pela insuficiência do património da executada originária (art.º. 24.º, nº 1, alínea a), da LGT). Estando em causa a alínea b) do n.º 1 do art. 24.° da LGT, presume-se a culpa do oponente pela falta de pagamento da dívida revertida, pelo que compete ao oponente alegar e provar que a falta de pagamento da dívida revertida não lhe é imputável.”.

No Acórdão do STA de 05/02/2014, proc. n.º 01113/12 “De harmonia com o disposto no artº 24º, nº 1 da Lei Geral Tributária os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Como foi sublinhado no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 23.06.2010, recurso 304/10, inwww.dgsi.pt, «a bipartição de regimes quanto à repartição do ónus da prova que a LGT introduziu através das duas alíneas do n.º 1 do seu artigo 24.º (de forma inovadora em relação ao antes disposto no artigo 13.º do Código de Processo Tributário), parte da distinção fundamental entre "dívidas tributárias vencidas" no período do exercício do cargo e "dívidas tributárias vencidas" posteriormente (cfr. a alínea c) do n.º 15 do artigo 2.º da Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto), sendo este igualmente o sentido que lhe atribui a generalidade da doutrina que ex professo versou o tema em face do regime actual..»
Assim a alínea a) é aplicável às dívidas tributárias:
- cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do cargo, mas postas à cobrança posteriormente à cessação do mesmo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício.
Já a alínea b) é aplicável quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, o que significa que está aqui abrangida a situação em que nesse período concorrem o facto constitutivo e a cobrança (Vide, também neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.09.2010, recurso 498/10, in www.dgsi.pt.).
Ora relativamente a estas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do cargo a Lei Geral Tributária (alínea b), n º 1, do artigo 24º) faz incidir sobre o gerente ou o administrador o ónus de provar que a falta de pagamento das dívidas tributárias pela sociedade não lhe é imputável.”

In casu, quanto as dívidas do mês de Julho de 1999, não foi feita qualquer prova pela Fazenda Pública da culpa na insuficiência do património referida na alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, sendo que tal culpa deveria resultar da análise do processo de execução fiscal, e do respectivo despacho de reversão que para o mesmo remetesse, no entanto, o despacho é completamente omisso relativamente a factos apurados pelo órgão de execução fiscal que permitissem aferir daquela culpa, ou seja, não há qualquer indício da culpa do Oponente na insuficiência do património da sociedade executada originária para pagamento da dívida tributária.

Pelo que, o Oponente, ora Recorrido é parte ilegítima na presente Oposição (alínea b) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT), relativamente à dívida de Julho de 1999.

Cumpre, também, aferir dos pressupostos da alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT relativamente às dívidas de Outubro e Dezembro de 1998, e de Fevereiro a Junho de 1999, pois relativamente a todas estas dívidas o prazo limite de pagamento terminou quando o Oponente ainda era gerente da sociedade executada originária, ou seja, quer o facto constitutivo, quer a cobrança se verificarem no período de exercício do cargo de gerente pelo Oponente.

Assim sendo, e conforme resulta da jurisprudência supra exposta, nesta parte, cabe ao Oponente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento das contribuições para a segurança social referentes a Outubro e Dezembro de 1998, e de Fevereiro a Junho de 1999.

Sucede que, não nos parece que essa prova tenha sido efectuada. Com efeito, pese embora resulte da matéria de facto dada como provada que era o outro gerente o responsável pela área financeira, também é certo que o Oponente assinava cheques, e por vezes até mesmo em branco [cfr. alínea I) dos factos provados], pelo que sempre intervinha, ainda que indirectamente, a nível financeiro.

Mas sobretudo importava fazer prova da sua não culpa na falta de pagamento, por exemplo, através de factos positivos, provando que a culpa da falta do pagamento daquelas contribuições ora em causa foi directamente e exclusivamente do outro gerente (ou até mesmo de um terceiro, por ex. alguém a quem tenha sido entregue um cheque para pagar as contribuições e não o tenha feito).

Sucede que tal prova não foi efectuada. São manifestamente insuficientes os factos apurados nos autos para conduzirem à prova necessária que conduza à ilegitimidade do Oponente.

Assim sendo, e relativamente às dívidas de contribuições para a segurança social referentes a Outubro e Dezembro de 1998, e de Fevereiro a Junho de 1999 o oponente é parte legítima na execução, e portanto, nesta parte, a sentença recorrida deve ser revogada, concedendo-se provimento ao recurso.



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3. Sumário do acórdão

É insuficiente para se concluir pelo não exercício de facto da gerência do Oponente quando resulta da prova testemunhal que este exercia de funções na área técnica e o outro sócio gerente na área financeira da sociedade, quando resulta da prova documental que a sociedade se vincula com a assinatura dos dois únicos gerentes da sociedade, não ficando afastada portanto a conclusão de que o Oponente vinculava por meio da sua assinatura a sociedade, e porque consubstancia também a prática de actos de gerência os que são praticados com animus decidendi em outras áreas empresarias por todas estes actos condicionarem, directa ou indirectamente, com maior ou menor intensidade, os destinos da sociedade.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcialmente provimento ao recurso, relativamente às dívidas referentes Outubro e Dezembro de 1998, e de Fevereiro a Junho de 1999, negando-se provimento ao recurso relativamente à dívida de Julho de 1999, mantendo-se nesta parte a decisão recorrida, mas com fundamentação diversa.
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Custas pelas partes na proporção do decaimento – art. 607.º, n.º 6 do CPC (que se fixa em 5% pela Fazenda Pública e 95% pelo Oponente, por se entender ser a adequada face às circunstâncias do caso e aos montantes das contribuições), em ambas as instâncias.
D.n.
Lisboa, 19 de Novembro de 2015.

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Cristina Flora

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Ana Pinhol

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Joaquim Condesso