Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:30/18.6BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:06/04/2020
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
CATEGORIA H - PENSÕES
RENDA/ CAPITAL
Sumário:I – A nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, prevista no artigo 125º do CPPT e no 615º, nº1, alínea c) do CPC, apenas se verifica quando a construção da sentença é viciosa, no sentido de que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.

II – Estabelece o artigo 54º, nº1 do CIRS que, para efeitos da determinação do valor tributável, se deduz a parte correspondente ao reembolso do capital.

III - Quando a parte correspondente ao capital não puder ser discriminada abate-se à totalidade da renda, para efeitos de determinação do valor tributável, uma importância igual a 85% (artigo 54º, nº 2 do CIRS).

IV - Só faz sentido pretender abater uma importância igual a 85 % se o valor recebido a título de pensão compreende, além da renda, importâncias pagas a título de reembolso de capital.

V – No caso resultou não provado que os rendimentos de pensões pagos ao Recorrido tenham uma componente de capital e uma componente de renda, pelo que não logra aplicação o disposto no artigo 54º, nº2 do CIRS.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


l – RELATÓRIO


A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé que concedeu provimento à impugnação judicial deduzida por B... e mulher H..., contra o despacho que indeferiu a reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IRS (e respectivos juros compensatórios) do ano de 2014, anulando esta liquidação, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.


Formula, para tanto, as seguintes conclusões:


«1. A douta sentença recorrida decidiu pela procedência do pedido fundamentando de Direito que os rendimentos do Impugnante B... provenientes de pensões pagos pelo “Fundo de Pensões R...”, entidade sita no Reino da Holanda, no valor de € 56.861,00 são englobados em conjunto para efeitos de tributação, não sendo possível destrinçar as suas partes constituintes, concluindo pela aplicação do art.º 54º n.º 2 do CIRS, dando razão aos impugnantes e anulando a liquidação adicional de IRS do ano de 2014 impugnada;


2. Com o sempre devido respeito, não pode a FP concordar com a decisão;


3. Na parte IIB do probatório, dá-se como não provado que as referidas pensões auferidas pelo impugnante tenham uma parte de capital e outra de renda;


4. Com efeito, os documentos constantes dos autos a fls 81 e também os de fls. 127 a 132, não permitem tal afirmação;


5. Com o sempre devido respeito, a fundamentação utilizada pelo Mmº Juiz da 1ª instância no tocante à apreciação da prova testemunhal expressa-se de uma forma menos clara ao socorrer-se de uma sucessão de formas verbais negativas;


6. Mantendo a ideia que os documentos não se encontram suficientemente discriminados;


7. Porém, da conjugação dos dois segmentos da decisão ora sob recurso, entende-se que o julgador não ficou convencido que os referidos rendimentos tenham duas componentes;


8. Atente-se ainda ao teor dos depoimentos prestados e à valorização que deve ser feita da prova testemunhal, conforme douto entendimento vertido no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 2018-01-09 e proferido no Proc.º 16/15.2GCABF.E1 que aqui invocamos;


9. A aplicação do n.º 2 do art.º 54º do CIRS estabelece uma presunção sobre a quantificação da renda tributável, afastando da tributação uma percentagem que o legislador considerou corresponder à do capital;


10. Tal presunção apenas terá aplicação quando não seja possível distinguir o valor de cada uma das componentes (capital e renda) das pensões ali legalmente previstas (n.º 1 do mesmo artigo e Código);


11. Porém, os pressupostos de aplicação da norma não são presumíveis;


12. Assim, é de aplicar o n.º 2 do art.º 54º do CIRS quando, ab initio, os rendimentos tenham essas duas componentes e só nesse caso e, partindo dessa realidade, não seja possível quantificar cada uma delas;


13. Ora, no caso concreto, tendo sido dado como não provada a existência daquelas duas componentes como integrantes no rendimento auferido pelo Impugnante, nunca será de aplicar o art.º 54º do CIRS pela não verificação dos seus pressupostos;


14. O sentido da decisão final entrou em contradição, em nossa opinião, com o probatório;


15. Tendo decidido no sentido da procedência do pedido, incorreu o julgador da 1ª instância em erro de julgamento e violou as disposições aplicáveis constantes dos artigos 11º e 54º ambos do CIRS;


Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida e substituída por outra que considere o pedido improcedente como é de inteira JUSTIÇA»


*




Os Recorridos, B... e esposa H..., apresentaram contra-alegações, com o seguinte quadro conclusivo:


«a) a questão a decidir passa por se saber do enquadramento, ou não, dos rendimentos de pensões auferidos pelo Impugnante B... no artigo 54.º, n.º 2, do Código do IRS;


b) A pensão do Impugnante é englobada no rendimento declarado como um todo, e assim, não é possível fazer a destrinça da parte que é capital e da que é renda.


c) Os rendimentos pagos ao Impugnante a título de pensões, não se encontram suficientemente descriminados, como se infere da análise da declaração emitida pelo “Fundo de Pensões R...”, que constituiu o documento de fls. 81 dos autos, bem como da análise do documento de fls. 127 a 132 dos autos, referidos no ponto 14 dos factos dados como provados.


d) São sujeitos passivos de IRS as pessoas singulares residentes em território nacional, as quais serão tributadas pela totalidade dos seus rendimentos, independentemente da origem dos mesmos se situar ou não no território nacional (cfr. os arts. 1º, nº 1, 11º, nº 1, al b), 13º, nº 1.e 15º, nº 1 do CIRS).


e) No caso dos autos resulta assente que os Impugnantes B... e H..., em 2014, eram residentes em Portugal e que o Impugnante B... auferiu rendimentos de pensões no valor bruto total de € 56.861,00, pagos por uma entidade da Holanda, o Fundo de Pensões R... – cfr. pontos 7, 14, 15 e 18 da matéria dada como provada.


f) Incide o presente litígio, sobre qual o valor, para feitos da determinação da matéria coletável, a considerar em sede de Categoria H de IRS dos Impugnantes.


g) O artigo 54.º do Código do IRS, estabelece, no n.º 1, que “quando as rendas temporárias e vitalícias, bem como as prestações pagas no âmbito de regimes complementares de segurança social qualificadas como pensões, compreendam importâncias pagas a título de reembolso de capital, deduz-se, na determinação do valor tributável, a parte correspondente ao capital”, acrescentando, no n.º 2 do mesmo artigo, que “quando a parte correspondente ao capital não puder ser discriminada, à totalidade da renda abate-se, para efeitos de determinação do valor tributável, uma importância igual a 85 %”.


h) Estabeleceu, assim, o legislador que no caso de rendas temporárias ou vitalícias bem como no caso das prestações pagas no âmbito de regimes complementares de segurança social qualificadas como pensões não haja lugar à dedução específica aos rendimentos brutos da categoria H – cfr. o artigo 53.º, n.º 7, do CIRS –, sendo os montantes percecionados considerados pelo seu valor completo, a menos que englobem uma parte de reembolso de capital, caso em que a lei prevê um regime de separação entre a componente de capital e a componente de renda.


i) Resultando a referida previsão legal, de poder estar-se perante tipos de prestações onde exista o direito de o benificiário receber importâncias a título de reembolso do capital, as quais, segundo o n.º1 do artigo 54.º, são deduzidas à prestação para efeitos de determinação do rendimento líquido tributável.


j) Nestes casos, uma parte da quantia recebida é correspondente a um capital que se entregou no momento da constituição da renda ou da pensão, que não pode ser qualificado, pois, de rendimento, Há que abatê-lo à importância recebida para determinar o rendimento líquido.


k) Se for impossível saber qual é a parte do capital nessa prestação, a lei manda abater 85%, para a determinação do rendimento líquido, ou seja, apenas 15% da quantia recebida é rendimento líquido de pensões, como dispõe o n.º 2 do art. 54º do CIRS.


l) Resulta da factualidade dada como provada que os rendimentos auferidos pelo Impugnante B..., no montante de € 56.861,00, são provenientes de pensões pagas pelo “Fundo de Pensões R...”, na sequência de contribuições efetuadas pela anterior entidade patronal do Impugnante B... para um fundo de pensões que não a segurança social Holandesa, ao longo da sua carreira contributiva e até à data da reforma do mesmo Impugnante – cfr. pontos 14 a 16 do probatório.


m) Resulta igualmente provado que os referidos rendimentos de pensões, oriundos de entidade pagadora na Holanda, são englobados em conjunto para feitos de tributação, não sendo possível fazer a destrinça das suas partes constituintes, nomeadamente qual a componente de capital e qual a componente de renda.


n) Para além das testemunhas inquiridas nos autos terem declarado que a pensão é englobada no rendimento declarado como um todo, e que, assim, não é possível fazer a destrinça da parte que é capital e da que é renda, os rendimentos pagos ao Impugnante a título de pensões não se encontram suficientemente descriminados, como se infere da análise da declaração emitida pelo “Fundo de Pensões R...”, que constituiu o documento de fls. 81, bem como da análise do documento de fls. 127 a 132 dos autos, referidos nos pontos 14 dos factos dados como provados.


o) Donde resulta não ser possível determinar, nos rendimentos da categoria H do Impugnante B..., a importância paga a título de reembolso de capital, para se deduzir a mesma na determinação do valor tributável.


p) Importa, como tal, fazer uso do estabelecido no artigo 54.º, n.º 2, do Código do IRS, e assim à totalidade dos rendimentos abater-se, para efeitos de determinação do valor tributável, uma importância igual a 85 % do valor total do valor das pensões, considerando-se, pois, como rendimento do Impugnante B..., para o ano de 2014, em sede de Categoria H de IRS, 15 % do valor de €56.861,00, o qual constituirá a componente de renda para efeitos de tributação.


q) Donde se deve concluir que assiste razão aos Impugnantes na invocada ilegalidade da liquidação de IRS dos autos, pelo que, andou bem a douta sentença recorrida ao decidir pela anulação da liquidação posta em causa por erro nos pressupostos de facto.


r) Concluindo-se que, em contrário do alegado pela recorrente, não foi violada qualquer disposição legal.


Termos em que Vossas Excelências, negado provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e mantendo inalterada a douta Sentença recorrida, farão, uma vez mais sã, serena e objectiva JUSTIÇA


*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento do recurso.

*

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO


- De facto


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:


«1. Os Impugnantes B... e H... apresentaram, em 4 de Abril de 2015, a declaração modelo 3 de IRS referente aos rendimentos auferidos em 2014 – cfr. documento n.º 1 da petição inicial;


2. Na declaração modelo 3 de IRS referida no ponto anterior, constava, entre o mais, o anexo “J”, referentes aos rendimentos obtidos no estrangeiro, para cada um dos Impugnantescfr. documento n.º 1 da petição inicial;


3. No anexo “J” respeitante ao Impugnante B... foi declarado no “campo 416” do “quadro 4”, rendimentos com a natureza de “Pensões” no montante de €17.507,01 – cfr. anexo “J” de fls. 19 e 20 dos autos;


4. No anexo “J” respeitante à Impugnante H... foi declarado no campo “416” do “quadro 4”, rendimentos com a natureza de “Pensões”, no montante de € 7.658,00 – cfr. anexo “J” de fls. 21 e 22 dos autos;


5. Em resultado da apresentação da declaração modelo 3 de IRS que tem vindo a referida foi emitida, em nome dos Impugnantes B... e H..., a liquidação de IRS nº 2015.4..., no montante a pagar de € 2.402,62 – cfr. documento n.º 2 da petição inicial;


6. Aos Impugnantes B... e H... foi realizada, pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro, e ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2..., uma acção de inspecção interna parcial em sede de IRS para controlo da troca de informação em matéria de IR cfr. ponto II do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), que constitui o documento n.º 3 da petição inicial;


7. Do Relatório de Inspecção Tributária elaborado no procedimento inspectivo referido no ponto anterior, consta, no que respeita ao ponto “Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável”, designadamente o seguinte:

“ (…)
Conforme consta do cadastro da AT, em 2014, o sujeito passivo B..., nif 1…, possui a sua residência habitual em Portugal na Estr. R...– Praia da Rocha – Portimão, pelo que nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 19.º da Lei Geral Tributária (LGT) a mesma constitui o seu domicílio fiscal.
Assim, e em conformidade com a al. a) do n.º 1 do art.º 16.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), na redacção em vigor à data dos factos, o sujeito passivo tem o estatuto de residente em Portugal.
O nº 1 do art.º 15.º do CIRS estipula que no caso dos sujeitos passivos serem considerados residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos rendimentos auferidos, incluindo os obtidos fora desse território.
No entanto, e de forma a evitar situações de dupla tributação gerada por eventuais duplas residências, são celebradas Convenções sobre Dupla Tributação (CDT) entre os vários Estados.
Neste caso em concreto e relativamente ao ano em análise (2014), este sujeito passivo não declarou a totalidade dos rendimentos auferidos em sede de categoria H (rendimentos de pensões), uma vez que ao abrigo da troca de informações fiscais contemplada na Convenção para evitar a Dupla Tributação Internacional que foi celebrada entre Portugal e Holanda ao abrigo da Directiva 2011/16/EU, de 15/02, foram comunicados à AT, os seguintes rendimentos obtidos naquele país:
Entidade Pagadora: Stg. Pens. Fonds R...;
País: Holanda;
Categoria de Rendimentos: Categoria H;
Tipos de Rendimentos: Pensões – SP A; Valor: 56.861,00 €;
Imposto Pago: - €; Totais:
Valor: 56.861,00 €;
Imposto Pago: - €;
Conforme sintetiza o quadro supra, o sujeito passivo em apreço, obteve na Holanda, no exercício de 2014, rendimentos de pensões no montante bruto total de 56.861,00 €, pagos por uma entidade na Holanda, tendo declarado ter residência fiscal em Portugal, facto pelo qual não foi objecto de tributação naquele país relativamente a tais rendimentos.
A referida Directiva, vem esclarecer no artigo 8.º, n.º 1 alínea d) que “…a autoridade competente de cada Estado-Membro comunica à entidade competente de qualquer outro Estado-Membro, mediante troca-automática, as informações disponíveis sobre os períodos de tributação a partir de 1 de Janeiro de 2014 relativas a residentes nesse outro Estado- Membro, no que refere às seguintes categorias específicas de rendimentos e de património tal como devem ser entendidas nos termos da legislação nacional do Estado-Membro que comunica as informações: d) Pensões”.
Dado que este sujeito passivo tem residência fiscal em Portugal, estes rendimentos, apesar de auferidos fora do território nacional, estão sujeitos a tributação em Portugal e são enquadráveis na categoria H do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), conforme estipula o n.º 1 do artigo 1.º, com o n.º 1 do artigo 13.º e com o n.º 1 do artigo 15.º, todos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).
O sujeito passivo B..., nif 1…, é casado com H..., nif 2…, tendo a Sr.ª H..., auferido o rendimento de pensões no valor de 7.658,00€, o qual foi declarado na respectiva declaração de IRS entregue.
Assim sendo, irá efectuar-se a seguinte correcção ao rendimento colectável, para efeitos de tributação em sede de IRS, relativamente ao exercício de 2014, no valor de 43.457,99€ = (60.415,00€ - 16.957,01€), conforme quadro abaixo descriminado:
Rendimentos obtidos no estrangeiro: Rendimentos Pensões
Declarado (1): 25.165,01 €;
Correcção (2): 39.353,99 €;
Corrigido (3)=(1)-(2): 64.519,00 €;
Deduções específicas (art.º 53.º do CIRS) Declarado (1): 8.208,00 €;
Correcção (2): 4.104,00 € *;
Corrigido (3)=(1)-(2): 4.104,00 €;
Rendimento colectável corrigido Declarado (1): 16.957,01 €;
Correcção (2): 43.457,99 €;
Corrigido (3)=(1)-(2): 60.415,00 €;
(Legislação em vigor em 2014)
* Dedução específica calculada nos termos do n.º 5 do art.º 53.º do CIRS.
Na declaração modelo 3 de IRS entregue pelo sujeito passivo e respectivo agregado familiar foi apurado o imposto a pagar no valor de 2.290,02 €, o qual se encontra pago.
Nos cálculos efectuados ao rendimento no âmbito do procedimento inspectivo foi apurado o imposto a pagar no valor de € 18.044,44.
Pelo que o sujeito passivo obteve uma vantagem patrimonial de € 15.754,42 € = (18.044,44€ – 2.290,02€).
(…)” cfr. documento n.º 3 da petição inicial, maxime fls. 30 e 31 dos autos;


8. Em resultado das correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária, foi emitida, em nome dos Impugnantes B... e H..., a liquidação de IRS e juros compensatórios n.º 2017 4…, no valor total a pagar de € 19.064,37 cfr. documento n.º 4 da petição inicial;


9. Com a liquidação referida no ponto anterior foi efectuado, pela Autoridade Tributária, um acerto de contas com a liquidação melhor identificada no ponto 4 supra, de que resultou a um valor final a pagar de imposto referente ao exercício de 2014 de €16.661,75 – cfr. documento n.º 5 da petição inicial;


10. Em 23 de Janeiro de 2017, o Impugnante B... apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRS n.º 2017 4… – cfr. fls. 2 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos;


11. Em 20 de Setembro de 2017, foi elaborada informação na Direcção de Finanças de Faro, no âmbito do referido processo de reclamação graciosa, na qual se pode ler, além do mais, o seguinte:

“(…) PARECER
Refere o artigo 54.º do CIRS, no seu n.º 1 que, “Quando as rendas temporárias e vitalícias bem como as prestações pagas no âmbito de regimes complementares de segurança social qualificadas como pensões, compreendam importâncias pagas a título de reembolso de capital, deduz-se, na determinação do valor tributável, a parte correspondente ao capital”.
Refere ainda o n.º 2 do mesmo artigo que “quando a parte correspondente ao capital não puder ser discriminada, à totalidade da renda abate-se para efeitos de determinação do valor tributável, uma importância igual a 85%”.
Analisada a reclamação apresentada, bem como os documentos constantes dos autos, conclui-se não ser possível aferir da qualidade dos rendimentos por forma a saber se têm enquadramento na referida legislação. O Reclamante, ainda que solicitado a fazê-lo, não apresentou documentos que levem a concluir a origem dos mesmos. Deveria ter sido apresentado o respectivo documento emitido pelas autoridades fiscais Holandesas, que se referissem aos rendimentos em causa, bem como certificado emitido pela entidade pagadora R..., onde conste que as quantias pagas correspondem a reembolso de capital e rendas, bem como a sua percentagem.
Assim, na falta de documentação, sou de parecer que a presente reclamação não poderá proceder.
III – PROPOSTA DE DECISÃO
Nos termos do presente parecer, propõe-se que a reclamação seja: Indeferida.
(…)”
– cfr. fls. 47 a 48-v do processo de reclamação graciosa apenso aos autos;


12. Pelo ofício n.º 9040, de 21 de Setembro de 2017, foi comunicado a B... o projecto de decisão referido no ponto antecedente, bem como para, no prazo de 15 dias, exercer o seu direito de audição – cfr. fls. 49 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos;


13. Em 25 de Outubro de 2017, a Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Faro converteu em definitivo o projecto de indeferimento previsto do pedido de reclamação graciosa apresentado pelos Impugnante B... – cfr. fls. 51do processo de reclamação graciosa apenso aos autos.


14. O Impugnante B... auferiu em 2014 rendimentos de pensões pagos pelo “Fundo de Pensões R...”, no valor de € 56.861,00 – facto que se extrai das declarações a fls. 81 e fls. 127 a 132 dos autos;


15. O valor de € 56.861,00 corresponde à soma das pensões mensais do ano de 2014 cfr. depoimento da testemunha D...;


16. A pensão referida nos pontos anteriores resulta de contribuições efectuadas pela então entidade patronal do Impugnante B... para um fundo de pensões que não a segurança social Holandesa, ao longo da sua carreira contributiva até à data da reforma do mesmo Impugnante – cfr. depoimento da testemunha D... e que se extrai, igualmente, da declaração a fls. 127 a 132 dos autos;


17. Os Impugnantes B... e H... tinham, em 2014, residência fiscal em Portugal – por acordo.


II- B - DOS FACTOS NÃO PROVADOS


A) Que os rendimentos de pensões pagos ao Impugnante B... tenham uma componente de capital e uma componente de renda.


Compulsados os autos, analisados os articulados e atenta a prova documental constante dos mesmos, não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão, atento o objecto do litígio, que devam julgar-se como não provados.


II- C – FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO


Os factos acima enunciados encontram-se, todos eles, comprovados pelos documentos acima discriminados, que não foram impugnados pelas partes nem há indícios que ponham em causa a sua genuinidade, e foram tidos em consideração por haverem sido articulados pelas partes ou por deles serem instrumentais [cfr. artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil], relevando igualmente a prova testemunhal produzida.


A testemunha D..., cujo conhecimento dos factos deriva de ser o consultor fiscal dos Impugnantes (e de outros através da Sociedade “E...” que presta apoio fiscal a cidadãos de outras nacionalidades), esclareceu o Tribunal acerca do preenchimento das declarações fiscais dos Impugnantes, que tiveram, para o que ora interessa, por base a declaração emitida pelo “Fundo de Pensões R...”, entidade que paga uma pensão ao Impugnante B... em resultado de contribuições efectuadas pela entidade patronal ao longo da carreira profissional deste, até à sua reforma.


O depoimento desta testemunha e da testemunha T..., que trabalha para a referida sociedade “E...”, não permitiram, ao Tribunal, formar convicção diferente de que os rendimentos de pensões pagos ao Impugnante B... não tenham, em si, uma componente de capital e uma componente de renda, pois, conjuntamente com a análise dos documentos de fls. 81 e de fls. 127 a 132 dos autos, quanto aos rendimentos auferidos pelo Impugnante B..., não resultar que os mesmos sejam rendimento de capital, de renda, ou de capital e de renda.


Ou seja, além das testemunhas terem declarado que a pensão é englobada no rendimento declarado como um todo, e que, assim, não é possível fazer a destrinça da parte que é capital e da que é renda, é, igualmente, convicção do Tribunal de que os rendimentos pagos ao Impugnante a título de pensões, não se encontram suficientemente descriminados, como se infere da análise da declaração emitida pelo “Fundo de Pensões R...”, que constituiu o documento de fls. 81, bem como da análise do documento de fls. 127 a 132 dos autos, referidos nos pontos 14 dos factos dados como provados.»


*

- De Direito

Os Impugnantes, ora Recorridos, deduziram impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2014, no valor de € 19.064,37, no seguimento do indeferimento de reclamação graciosa.

Alicerçou-se tal impugnação, em síntese, na ilegalidade da liquidação por a mesma não observar o regime previsto no artigo 54º do CIRS, respeitante à distinção entre capital e renda, em concreto o nº 2 de tal preceito, nos termos do qual “Quando a parte correspondente ao capital não puder ser discriminada, à totalidade da renda abate-se, para efeitos de determinação do valor tributável, uma importância igual a 85 %”.

A impugnação foi julgada procedente e, em consequência, foi anulado o acto tributário contestado.

Com efeito, considerou a sentença que “importa fazer uso do estabelecido no artigo 54.º, n.º 2, do Código do IRS, e assim à totalidade dos rendimentos abater-se, para efeitos de determinação do valor tributável, uma importância igual a 85 % do valor total do valor das pensões, considerando-se, pois, como rendimento do Impugnante B..., para o ano de 2014, em sede de Categoria H de IRS, 15 % do valor de € 56.861,00, o qual constituirá a componente de renda para efeitos de tributação”.

A Fazenda Pública discorda do decidido nos termos que constam das conclusões da alegação de recurso, sendo certo que, como se sabe, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Percorridas as conclusões da alegação de recurso, temos que a Fazenda Pública entende que:

- a sentença decidiu em contradição com o facto não provado, segundo o qual não ficou provado que “os rendimentos de pensões pagos ao Impugnante B... tenham uma componente de capital e uma componente de renda”, facto este devidamente alicerçado nas provas testemunhal e documental produzidas;

- a sentença incorreu em erro de julgamento, porquanto, no caso concreto, tendo sido dado como não provada a existência das duas componentes – capital e renda – como integrantes do rendimento auferido pelo Impugnante, nunca será de aplicar o artigo 54º do CIRS pela não verificação dos seus pressupostos.

Vejamos, então, iniciando a nossa análise pela alegada contradição da decisão com a factualidade não provada.

Diga-se, desde já, que não está aqui em causa qualquer nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, tal como prevista no artigo 125º do CPPT e no 615º, nº1, alínea c) do CPC, pois tal nulidade apenas se verifica quando a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, o que no caso, como se vê da transcrição que faremos seguidamente, não ocorreu.

Com efeito, lê-se na sentença o seguinte:

“(…)

Resulta igualmente provado que os referidos rendimentos de pensões, oriundos de entidade pagadora na Holanda, são englobados em conjunto para feitos de tributação, não sendo possível fazer a destrinça das suas partes constituintes, nomeadamente qual a componente de capital e qual a componente de renda.

Dito de outro modo, não é possível determinar nos rendimentos da categoria H do Impugnante B... a importância paga a título de reembolso de capital, para se deduzir a mesma na determinação do valor tributável.

Destarte, importa fazer uso do estabelecido no artigo 54.º, n.º 2, do Código do IRS, e assim à totalidade dos rendimentos abater-se, para efeitos de determinação do valor tributável, uma importância igual a 85 % do valor total do valor das pensões, considerando-se, pois, como rendimento do Impugnante B..., para o ano de 2014, em sede de Categoria H de IRS, 15 % do valor de € 56.861,00, o qual constituirá a componente de renda para efeitos de tributação.

Pelo exposto, impõe-se concluir que assiste razão aos Impugnantes na invocada ilegalidade da liquidação…”.

Como se percebe, o discurso fundamentador alinhado na sentença e que levou à decisão extraída é, em si mesmo, coerente e, na verdade, levaria – como levou – à solução alcançada, pois todo o raciocínio externado é de evidente recondução da situação à previsão do artigo 54º, nº2 do CIRS. Neste sentido, a decisão não surpreende, ou não é imprevisível, face a fundamentação aduzida.

A este propósito, não percamos de vista que, como escreve Amâncio Ferreira “a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento” (A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).

Em bom rigor, o que se nos afigura ter-se verificado foi antes – isso sim – a indevida falta de consideração, pelo tribunal de 1ª instância, de factualidade assente (mormente não provada) que revela incontornavelmente interesse para a decisão da causa e que não poderá deixar de ser considerada no julgamento da questão atinente à legalidade da liquidação de IRS, em concreto a alegada violação do artigo 54º, nº 2 do CIRS.

Reconduz-se isto à questão já antes autonomizada de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento, porquanto, no caso concreto, tendo sido dado como não provada a existência das duas componentes – capital e renda – como integrantes do rendimento auferido pelo Impugnante, não será de aplicar o artigo 54º do CIRS pela não verificação dos seus pressupostos.

Vejamos, então, tal erro de julgamento, lembrando o preceito legal cuja aplicação está em causa nos autos. Dispõe o artigo 54º do CIRS o seguinte:


“Artigo 54.º

Distinção entre capital e renda


1 - Quando as rendas temporárias e vitalícias, bem como as prestações pagas no âmbito de regimes complementares de segurança social qualificadas como pensões, compreendam importâncias pagas a título de reembolso de capital, deduz-se, na determinação do valor tributável, a parte correspondente ao capital.

2 - Quando a parte correspondente ao capital não puder ser discriminada, à totalidade da renda abate-se, para efeitos de determinação do valor tributável, uma importância igual a 85 %. (negrito nosso)

3 - Não é aplicável o disposto nos números anteriores relativamente às prestações devidas no âmbito de regimes complementares de segurança social, seja qual for a entidade devedora ou a sua designação, se as contribuições constitutivas do direito de que derivam tiverem sido suportadas por pessoa ou entidade diferente do respetivo beneficiário e neste não tiverem sido, comprovadamente, objeto de tributação.

4 - Considera-se não terem sido objeto de tributação no respetivo beneficiário, designadamente, os prémios e as contribuições constitutivos de direitos adquiridos referidos no n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º que beneficiarem de isenção”.

Comecemos por circunscrever os factos relevantes.

Resulta dos autos que, em 04/04/2015, os impugnantes entregaram a sua declaração de rendimentos de 2014, na qual declararam, no anexo J, campo 416, valores referentes a pensões.

Em concreto, o Recorrido/Impugnante B..., declarou o valor global de €17.507,01, correspondente à soma da totalidade da pensão SVB paga pela Segurança Social Holandesa, no montante de € 8.978,00, com € 8.529,01, montante este correspondente a 15% do valor de € 56.861,00, o qual foi pago na Holanda pela entidade R... ao contribuinte B.... Por sua vez, a Recorrida/ Impugnante H... declarou a totalidade da pensão SVB paga pela Segurança Social Holandesa, no montante de €7.658,00.

Em resultado de tal declaração foi emitida a liquidação de IRS referente ao ano de 2014, no valor de € 2.402,62, o qual foi pago.

Na sequência de controlo da troca de informações em matéria de Imposto sobre o Rendimento com as autoridades fiscais da Holanda, veio a ATA a apurar que o sujeito passivo B… obteve, no ano de 2014, rendimentos de pensões no montante total de € 56.861,00, pagos por uma entidade na Holanda. Consta do RIT que, tendo declarado ter residência fiscal em Portugal, tal rendimento não foi objecto de tributação da Holanda.

Até aqui, e para fazer um ponto de ordem, nenhuma controvérsia se suscita entre as partes.

Assim, considerando a residência fiscal em Portugal dos sujeitos passivos e invocando os artigos 13º, nº1 e 15º, nº1 do CIRS, a AT efectuou as correcções em conformidade, emitindo uma liquidação de IRS que reflecte um acréscimo aos rendimentos de pensões omitidos de € 39.353,99.

Repete-se: na origem da diferença assinalada e, como tal, da correcção efectuada subjacente à liquidação impugnada, está o valor pago ao Impugnante, em 2014, pela entidade holandesa R....

Ora, no entendimento do Impugnante, e como já havia sido invocado na reclamação graciosa, a correcção efectuada é ilegal por violar o disposto no nº2 do artigo 54º, do CIRS, pois que, como vem defendendo, o montante de € 8.529,01, incluído no valor de € 17.507,01, declarado no anexo J, corresponde precisamente a 15% do valor de € 56.861,00, pago na Holanda pela R....

Ou seja, para os Impugnantes, ora Recorridos, a situação dos autos reconduz-se à situação prevista no citado nº 2 do artigo 54º do CIRS, em que a parte correspondente ao capital não pode ser discriminada.

Já vimos que o TAF de Loulé deu razão aos ora Recorridos. Vimos, também, que o fez considerando que:

“resulta da factualidade dada como provada que os rendimentos auferidos pelo Impugnante B..., no montante de € 56.861,00, são provenientes de pensões pagas pelo “Fundo de Pensões R...”, na sequência de contribuições efectuadas pela anterior entidade patronal do Impugnante B... para um fundo de pensões que não a segurança social Holandesa, ao longo da sua carreira contributiva e até à data da reforma do mesmo Impugnante – cfr. pontos 14 a 16 do probatório.

Resulta igualmente provado que os referidos rendimentos de pensões, oriundos de entidade pagadora na Holanda, são englobados em conjunto para feitos de tributação, não sendo possível fazer a destrinça das suas partes constituintes, nomeadamente qual a componente de capital e qual a componente de renda.

Dito de outro modo, não é possível determinar nos rendimentos da categoria H do Impugnante B... a importância paga a título de reembolso de capital, para se deduzir a mesma na determinação do valor tributável.

Destarte, importa fazer uso do estabelecido no artigo 54.º, n.º 2, do Código do IRS, e assim à totalidade dos rendimentos abater-se, para efeitos de determinação do valor tributável, uma importância igual a 85 % do valor total do valor das pensões, considerando-se, pois, como rendimento do Impugnante B..., para o ano de 2014, em sede de Categoria H de IRS, 15 % do valor de € 56.861,00, o qual constituirá a componente de renda para efeitos de tributação”.

Vejamos.

Nos termos do nº1 do artigo 13º do CIRS, ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.

Quanto à incidência real, preceitua o mesmo diploma, entre o mais, sobre o valor anual dos rendimentos de pensões (artigo 1º, n.º 1, do Código do IRS) que, segundo o artigo 11º, n.º 1, se devem considerar: “a) As prestações devidas a título de pensões de aposentação ou de reforma, velhice, invalidez ou sobrevivência, bem como outras de idêntica natureza, incluindo os rendimentos referidos no nº 12 do artigo 2º, e ainda as pensões de alimentos; b) As prestações a cargo de companhias de seguros, fundos de pensões, ou quaisquer outras entidades, devidas no âmbito de regimes complementares de segurança social em razão de contribuições da entidade patronal, e que não sejam consideradas rendimentos do trabalho dependente; c) As pensões e subvenções não compreendidas nas alíneas anteriores; e d) As rendas temporárias ou vitalícias”.

Dispõe igualmente este diploma legal que, sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território (artigo 15º, nº 1).

Em suma, no que para aqui releva, são sujeitos passivos de IRS as pessoas singulares residentes em território nacional, as quais serão tributadas pela totalidade dos seus rendimentos, independentemente da origem dos mesmos se situar, ou não, no território nacional.

Como a sentença evidenciou, “No caso dos autos resulta assente (e, em rigor, nem controvertido) que os Impugnantes B... e H..., em 2014, eram residentes em Portugal e que o Impugnante B... auferiu rendimentos de pensões no valor bruto total de € 56.861,00, pagos por uma entidade da Holanda, o Fundo de Pensões R... – cfr. pontos 7, 14, 15 e 18 do probatório”, importando responder à questão sobre o valor, para feitos da determinação da matéria colectável, a considerar em sede de Categoria H/ Pensões, de IRS dos contribuintes B... e H....

É aqui que importa fazer apelo ao artigo 54º do CIRS, já transcrito.

A propósito deste regime, em concreto à determinação do rendimento colectável dos rendimentos de pensões, escreve Paula Rosado Pereira, in Manual de IRS, 2019, 2ª edição, págs. 280 e 281, o seguinte:

“Um outro aspeto atinente à determinação do rendimento coletável da categoria H prende-se com a distinção entre capital e renda, quando estamos perante rendas temporárias e vitalícias, bem como perante prestações pagas no âmbito de regimes complementares de segurança social qualificadas como pensões, que compreendam importâncias pagas a título de reembolso do capital.

Nestes casos, estabelece o artigo 54º, nº1 do CIRS que, para efeitos da determinação do valor tributável, se deduza a parte correspondente ao reembolso do capital.

Quando a parte correspondente ao capital não puder ser discriminada (v.g. pela entidade devedora das rendas), abate-se à totalidade da renda, para efeitos de determinação do valor tributável, uma importância igual a 85% (artigo 54º, nº 2 do CIRS).

Todavia, não é aplicável o regime descrito nos parágrafos anteriores - excluindo-se a dedução da parte correspondente ao capital -, relativamente às prestações devidas no âmbito de regimes complementares de segurança social, seja qual for a entidade devedora, se as contribuições constitutivas do direito de que derivam tais prestações tiverem sido suportadas por pessoa ou entidade diferente do respetivo beneficiário e neste não tiverem sido, comprovadamente, objeto de tributação (artigo 54º, nº 3 do CIRS). Neste caso, é sujeito a imposto o total do valor recebido”.

A este propósito, a sentença refere com acerto, recuperando palavras de J. G. Xavier de Basto, in IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Liquidos, coimbra Editora, 2007, pág. 484, que “Resultando a referida, a final, previsão legal, de poder estar-se perante tipos de prestações onde exista o direito de o benificiário receber importâncias a título de reembolso do capital, as quais, segundo o n.º 1 do artigo 54.º, são deduzidas à prestação para efeitos de determinação do rendimento líquido tributável. Nestes casos, uma parte da quantia recebida é correspondente a um capital que se entregou no momento da constituição da renda ou da pensão, que não pode ser qualificado, pois, de rendimento, Há que abatê-lo à importância recebida para determinar o rendimento líquido. Se for impossível saber qual é a parte do capital nessa prestação, a lei manda abater 85%, para a determinação do rendimento líquido, ou seja, apenas 15% da quantia recebida é rendimento líquido de pensões, como dispõe o n.º 2.”

Ora, para o Mmo. Juiz relevou a consideração de que “no montante de € 56.861,00, são provenientes de pensões pagas pelo “Fundo de Pensões R...”, na sequência de contribuições efectuadas pela anterior entidade patronal do Impugnante B... para um fundo de pensões que não a segurança social Holandesa” e, bem assim, que “os referidos rendimentos de pensões, oriundos de entidade pagadora na Holanda, são englobados em conjunto para feitos de tributação, não sendo possível fazer a destrinça das suas partes constituintes, nomeadamente qual a componente de capital e qual a componente de renda”. Daqui a conclusão no sentido de não ser “possível determinar nos rendimentos da categoria H do Impugnante B... a importância paga a título de reembolso de capital, para se deduzir a mesma na determinação do valor tributável” e, consequentemente, a aplicação do disposto no nº2 do artigo 54º do CIRS.

Sucede que, no caso, o que resultou provado nos autos não permite a conclusão alcançada pelo TAF de Loulé. Pelo contrário, aliás.

Efectivamente, após a instrução dos autos, produzida prova documental e testemunhal, o Mmo. Juiz considerou como facto não provado “Que os rendimentos de pensões pagos ao Impugnante B... tenham uma componente de capital e uma componente de renda”.

A decisão sobre este concreto ponto de facto (não provado) surge, aliás, justificada pelos depoimentos das testemunhas ouvidas, evidenciando o tribunal que as duas testemunhas ouvidas “… não permitiram, ao Tribunal, formar convicção diferente de que os rendimentos de pensões pagos ao Impugnante B... não tenham, em si, uma componente de capital e uma componente de renda, pois, conjuntamente com a análise dos documentos de fls. 81 e de fls. 127 a 132 dos autos, quanto aos rendimentos auferidos pelo Impugnante B..., não resultar que os mesmos sejam rendimento de capital, de renda, ou de capital e de renda”.

Ora, este facto não provado não foi, em momento algum, posto em causa.

E se assim é, fácil é concluir o que se segue relativamente ao afastamento, no caso, da aplicação do disposto no artigo 54º, nº2 do CIRS (“Quando a parte correspondente ao capital não puder ser discriminada, à totalidade da renda abate-se, para efeitos de determinação do valor tributável, uma importância igual a 85 %”), pois só faz sentido pretender abater uma importância igual a 85 % se o valor recebido a título de pensão compreende, além da renda, importâncias pagas a título de reembolso de capital (cfr. nº1 do 54º do CIRS, “Quando as rendas temporárias e vitalícias, bem como as prestações pagas no âmbito de regimes complementares de segurança social qualificadas como pensões, deduz-se, na determinação do valor tributável, a parte correspondente ao capital”.)

Ora, repete-se, resultou não provado que os rendimentos de pensões pagos ao Recorrido/Impugnante B... tenham uma componente de capital e uma componente de renda, pelo que não logra aplicação o disposto no artigo 54º, nº2 do CIRS.

Diga-se, ainda, que não sofre dúvidas que era ao Impugnante que cabia a prova de tal factualidade, pois o ónus da prova dos factos constitutivos recai sobre quem os invoque. Tendo a ATA fundadamente desconsiderado os valores declarados pelo sujeito passivo, considerando concretamente a informação obtida das autoridades fiscais holandesas, quanto às pensões obtidas na Holanda, era ao contribuinte que cabia provar os pressupostos da aplicação ao rendimento por si recebido do previsto no nº 2 do artigo 54º do CIRS. Tal não foi feito, como se viu.

Nesta conformidade, a impugnação deveria ter sido julgada improcedente e mantido o acto de liquidação contestado.

Face ao exposto, e encaminhando-nos para o final, há que, face à procedência das conclusões, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e julgar improcedente a impugnação judicial.


*




III - Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação judicial.


Custas pelos Recorridos, em ambas as instâncias.

Registe e Notifique.

Lisboa, 04/06/20


(Catarina Almeida e Sousa)

(Hélia Gameiro)

(Benjamim Barbosa)