Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03872/10
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:09/21/2010
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IRC
OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
CONHECIMENTO OFICIOSO DA INCONSTITUCIONALIDADE.
VIOLAÇÃO DO DIREITO/DEVER DE EXAUSTÃO DOS MEIOS GRACIOSOS
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DOS NORMATIVOS CONSTANTES DO N°1 DO ART.°58° - A E 129.°AMBOS DO CIRC
Sumário:I) -A sentença só enferma de nulidade por omissão de pronúncia quando não se pronuncia sobre questão que foi invocada violando o disposto na alínea d) do n°1 do art.° 668.° do CPC – cfr. artº 125º do CPPT.

II) -Não obstante o tribunal tenha também o dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso quando suscitadas pelas partes na p.i. (cfr. parte final do n° 2 do artigo 660° do CPC), a omissão de tal dever constituirá nulidade.

III)-O acto tributário impugnado em aplicação de norma de direito ordinário inconstitucional, não violadora do conteúdo de direito fundamental mas apenas do princípio da legalidade tributária, está ferido de vício de violação de lei que o torna meramente anulável.

IV)- Na ordem de apreciação dos vícios do acto tributário logra prioridade a inconstitucionalidade da lei em que se baseou o acto recorrido pois se trata de matéria de conhecimento oficioso, embora a intervenção do tribunal se tenha de circunscrever à fiscalização concreta da constitucionalidade pois a fiscalização abstracta incumbe em exclusivo ao Tribunal Constitucional (cfr.artº.281º da C.R.P.).

III) - O que vem dito significa que na sentença e/ou no recurso dela interposto para o TCA pode ser suscitada pelas partes ou “ex-officio” a inconstitucionalidade das normas que definem os elementos da tributação, mesmo que a questão não tenha, antes, sido suscitada, já que se trata de matéria que vem sendo entendida como de conhecimento oficioso, não integrando questão nova a alegação, em recurso jurisdicional, de inconstitucionalidade de normas aplicadas pela sentença ou ao abrigo das quais o acto administrativo foi praticado.

IV) - A oficiosidade do conhecimento da inconstitucionalidade das normas resulta ainda do princípio de que os tribunais administrativos e fiscais devem recusar a aplicação de normas inconstitucionais ou que contrariem outras de hierarquia superior.

V) - Estamos aqui perante uma emanação do princípio do valor conformador dos preceitos constitucionais, que terão de prevalecer sobre outras normas legais, quando com elas se mostrem incompatíveis em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade das normas jurídicas, apreciando, por impugnação dos factos ou oficiosamente, a existência da inconstitucionalidade das normas aplicáveis ao caso concreto submetido a julgamento.

VI) –Sendo os valores declarados na escritura inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e que se trataram de transmissões onerosas em que o valor constante do contrato era inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, sendo este, por força da lei, o valor que tinha de ser considerado pelo alienante e adquirente para determinação do lucro tributável matéria conforme o regime previsto no procedimento regulado no art. 129°/3 do CIRC.

VII) -O art. 129.°, n.° 7, do CIRC prevê expressamente que a impugnação judicial da liquidação do imposto que resulte de correcções efectuados por aplicação do disposto no art. 58.°-A, n.° 2, do CIRC depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.° 3.

VIII) -Como o contribuinte não deduziu tal pedido de revisão contra a liquidação apurada resultante da fixação da matéria colectável não pode o mesmo impugnar judicialmente, de forma directa, essa mesma liquidação dado que a quantificação se tornou caso resolvido ou decidido, ficando prejudicada a possibilidade de impugnar judicialmente, com tal base de fundamentação, as liquidações de imposto, por via da falta da condição legal, prévia e necessária de procedibilidade da impugnação judicial, conforme resulta do n° 7 do art. 129° do CIRC.

IX)- Em direito tributário, existem várias situações de pré-contencioso, de que são exemplos os actuais art. 86°/5 e 91º da LGT e os artigos 117°/1, 131°/1, 133°/2e 134°/7 do CPPT e a doutrina e a jurisprudência sempre entenderam tais normas (já existentes no anterior CPT) como opções legislativas fiscais sem inconstitucionalidade associada, permitindo o debate de determinadas matérias no seio de órgãos colegiais que, pela sua composição, representatividade e tecnicidade, melhor estarão habilitados a discuti-las, ainda em sede graciosa.

X) - E a existência da imposição da condição de procedibilidade, não consubstancia uma restrição ou limitação desmesurada ou inadmissível ao exercício do direito de impugnar, porquanto através do procedimento do art. 129°/3 do CIRC, a AT tem, ainda, a possibilidade de (re)avaliar e se pronunciar expressamente quanto à situação controvertida, podendo vir a decidir de modo favorável ao contribuinte, evitando-se, assim, um recurso inútil aos Tribunais. Nessa perspectiva sempre se dirá que a interpretação dada pela recorrente aos questionados princípios e incisos legais não padece do vício de inconstitucionalidade material por violação dos princípios do lucro, da proporcionalidade e da adequação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:

1. H.F. ………………..– ………………., LDª, vem interpor recurso jurisdicional da decisão que julgou procedente a excepção da inimpugnabilidade directa da liquidação, absolvendo a Fazenda Pública da instância na impugnação judicial que deduzira contra a liquidação de IRC relativo ao exercício do ano de 2005.
Em alegação, o recorrente formula conclusões que se apresentam do seguinte modo:
“1. Por força de ter acolhido o entendimento de que deveria a recorrente, previamente à impugnação, ter lançado mão do procedimento constante do n. ° 3 do Art.° 129.° do CIRC - tal como propugnado na excepção deduzida pela Fazenda Pública - a Sentença recorrida deixou de pronunciar-se sobre questões que deveria ter apreciado com vista à boa decisão da causa;
2.Não tendo conhecido de mérito do pedido formulado;
3. "Prima facie" não conheceu da matéria alegada de 41. a 54. da P. I., acerca da admissão da prova em contrario relativamente ao valor da liquidação presumido;
4. Matéria esta, não compreendida no âmbito da excepção verificada e dada como provada na Sentença;
5. Tão-pouco conheceu acerca da invocada inconstitucionalidade material dos normativos constantes do n°1 do art.°58° - A e 129.°ambos do CIRC (55. a 82. da P.I.);
6.O que se mostrava prévio e condicionante da conclusão formulada e sentenciada, sobre a apresentação do pedido previsto no n. ° 3 do art.° 129.° do CIRC pela recorrente como condição da dedução da impugnação;
7. E devendo face a todo o exposto, revogar-se por nulidade a Sentença recorrida;
8. Devendo proferir-se Sentença, ordenando-se a anulação integral da liquidação de IRC e dos respectivos juros compensatórios impugnadas;
9. Deste modo, resultaram violadas as normas constantes da alínea a) do n.° 1 do art.° 20.° do CIRC, do art.° 73.° da LGT, do art.° 18.°, do art.° 104.° n.° 2,e do art.° 266.° da CRP e alínea d) do art. ° 659. ° do CPC, este aplicável ao processo fiscal, "ex-vi" do n.° l do art.° 2° alínea e) do CPPT.
Excelentíssimos Senhores Juizes Desembargadores: Decidindo como se conclui e vai pedido, concedendo provimento ao presente recurso, assim o julgamos, fareis uma vez mais JUSTIÇA!
Não houve contra -alegações.
A EPGA emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
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2. Antes do mais, cumpre solver a questão prévia, suscitada pelo EPGA em vista do disposto nos artigos 493º, nº 2, 494º, al. a) e 495º todos do CPC, da falta de competência hierárquica do Tribunal, por lograr de prioridade de conhecimento sobre as demais questões como se proclama no artº 660º, nº 1 al. a); 713º nº 2 e 749º, do CPC.
Fazendo a recensão, o MP limita-se a afirmar que no caso dos autos está em causa apenas matéria de direito; contudo, não demonstra que assim seja.
Foi exercido o contraditório em vista do disposto no artº 3º nº 3 do CPC, vindo a recorrente manifestar oposição à declaração da incompetência hierárquica nos termos da resposta que consta de fls. 136 por, fundamentalmente, a decisão recorrida não conter qualquer matéria de facto dada como provada, sendo certo que está em causa é a não verificação da excepção da procedibilidade da acção, o que tudo obriga à análise da matéria de facto.
Vejamos.
No artº 26º, nº 1, al. b) do ETAF, atribui-se competência à Secção do Contencioso Tributário do STA para conhecer «...dos recursos interpostos das decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito».
O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma de facto, emergente de diversas disposições legais, passa por saber se o recorrente faz apelo, na causa de pedir, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na decisão recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação ou se também à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso.
Nessa óptica, o que é verdadeiramente determinante é o efeito que o recorrente pretenda retirar de tais asserções cujo conhecimento envolva a elaboração de um dado juízo probatório que não se resolva por meio de uma simples constatação sobre se existiu ofensa de uma disposição legal expressa que implique uma dada espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de certo meio de prova, caso em que a competência caberá já não ao tribunal de revista, mas ao Tribunal Central Administrativo por força do artº 41º, nº 1, al. a) do ETAF.
E, pela voz da doutrina, não se olvida o pensamento de MANUEL DE ANDRADE, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 91, que nos ensina ser a competência dos tribunais aferida em função dos termos em que a acção é proposta, «seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes). A competência do tribunal – ensina REDENTI – “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)”, é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor. E o que está certo para os elementos objectivos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes.»
«A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão» (Obra e local citados).
Este entendimento está, aliás, em sintonia com o direito que a todos os cidadãos é garantido de acederem aos tribunais com o escopo de verem apreciados os direitos de que se arrogam (n.º1 do artigo 20º da Lex Fundamentalis) e tem vindo a ser aceite, no essencial, pelo STJ, STA e Tribunal de Conflitos (veja-se, entre outros, os Acs. do T. Conflitos, de 31.01.91, AD 361 e de 6-7-93 (Conflito nº 253); do STJ, de 03.02.87, in BM 364º-591, de 202-90. BMJ 394º-453, de 12.01.94 e do STA, de 09.03.89,Rec. 25084, de 13.05.93, Rec. 31478, de 27.01.94, Rec. 32278, de 28.05.96, Rec. 39911, de 26.09.96, Rec. 267, de 27.11.96,Rec. 39544, de 19.02.97, Rec. 39589, de 24.11.98, Rec. 43737 de 03.03.99, Rec. 40222, de 23.03.99, Rec. 43973, de 26.05.99, Rec. 40648, de 13.10.99, Rec. 44068, de 26.09.00, Rec. 46024, de 06.07.00. Rec. 46161, de 03.10.00, Rec. 356 e de 11.07.00, Rec. 318).
Temos, assim, que a competência do tribunal se afere face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao «quid disputatum» e não ao «quid decisum», isto é, dito por outras palavras, a competência determina-se pelo pedido do Autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do seu mérito.
Ora, a identificação dos fundamentos do recurso colhe-se nas conclusões das alegações porque é nelas que o recorrente tem de condensar as causas de pedir que tenham susceptibilidade jurídica para, segundo o seu prisma, justificar a censura da decisão recorrida.
Patenteiam as transcritas conclusões das alegações que se levantam questões cuja solução passa pela análise da factologia fornecida pelos autos.
Na verdade, pese embora não tenha impugnado de forma expressa a matéria de facto dada como provada em 1.a instância e justificadamente pois nela foi fixado um deficiente probatório, a Recorrente expôs argumentos cuja compreensão requer uma atenta apreciação dos factos que estão na base do litígio. E, não obstante se possa reconhecer que o recurso versa essencialmente sobre matéria de direito, a apreciação da decisão recorrida não dispensa, antes exige, a análise atenta dos factos, mormente dos vertidos nos artigos 41. a 54. da P:I, como sustenta nas conclusões 3ª e 4ª, o que sempre impunha o exame dos factos que estão na origem do processo.
Donde que, em atenção ao que se deixou dito, a solução da divergência não será resultado de uma actividade de interpretação e aplicação de normas jurídicas.
Colocando-se a questão da competência hierárquica perante o circunstancialismo atrás sumariado, deve concluir-se que para solucionar a matéria alegada e controvertida pelas partes se torna necessário fazer um juízo sobre questões probatórias e/ou averiguar da materialidade alegada como eventualmente interessando a outras plausíveis soluções de direito.
Daí a conclusão final de que o recurso não tem exclusivo fundamento em matéria de direito, pertencendo a este Tribunal a competência para dele conhecer, o que passará a fazer-se.
*
3. – Na sentença considerou-se como contexto processual relevante que
- A Autora vem impugnar judicialmente a liquidação de IRC referente ao ano de 2005, resultante de correcções aos valores por si declarados referentes à venda de dois imóveis, no ano de 2005.
-A presente acção foi interposta sem o prévio pedido, regulado no art. 129.°, n.° 3, do CIRC.
-A liquidação foi levada a cabo na decorrência de correcções à matéria colectável, com referência ao exercício de 2005, com base no disposto no art. 58.°A, do CIRC.
Foi face a este circunstancialismo que a Mª Juíza conheceu da excpecionalidade suscitada pela Fazenda Pública na sua resposta decorrente da falta da prévia interposição do procedimento do art. 129°/3 do CIRC que constitui causa obrigatória de procedibilidade da impugnação judicial das liquidações de imposto que resultem das correcções efectuadas por aplicação do art. 58°-A/2 do CIRC ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável resultantes do mesmo preceito legal, não havendo lugar a reclamação graciosa, isso como determina o disposto no n° 7 do artigo 129° do CIRC.
E dos autos flui (vd. Relatório dos SIT a fls. 28) que os imóveis em causa foram vendidos no ano de 2005, sendo avaliados nos termos do CIMI, por se tratar da primeira transmissão após a entrada em vigor daquele Código, resultando a fixação de valores patrimoniais tributários definitivos superiores aos valores de venda que haviam sido declarados nos exercícios envolvidos, facto que implica a aplicação do disposto nos n°s 1 e 2 do art. 58°-A do CIRC.
Prescrevem estes que:
"1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável, nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 - Sempre que nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente para determinação do lucro tributável. "
Tendo em conta esta regime legal, a decisão recorrida sustentou que, para obstar à sua aplicação em sede de IRC, a impugnante deveria ter requerido o procedimento do art. 129°/3 do Código respectivo, sede própria e legal para fazer a demonstração de que o preço de venda por si declarado quanto aos imóveis em causa, correspondia ao preço efectivamente praticado.
Ainda de acordo com a decisão recorrida, os vícios de excesso de rendimento colectável, erro aritmético e indevida utilização dos métodos indirectos são subsumíveis a erro na quantificação ou pressupostos da determinação da matéria tributável, que, só podem ser conhecidos em sede de impugnação judicial depois do esgotamento dos meios administrativos.
E, na verdade, o art. 129.°, n.° 7, do CIRC prevê expressamente que a impugnação judicial da liquidação do imposto que resulte de correcções efectuados por aplicação do disposto no art. 58.°-A, n.° 2, do CIRC depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.° 3.
Como o Autor não deduziu tal pedido de revisão contra a liquidação apurada resultante da fixação da matéria colectável não pode o mesmo impugnar judicialmente, de forma directa, essa mesma liquidação dado que a quantificação se tornou caso resolvido ou decidido, ficando prejudicada a possibilidade de impugnar judicialmente, com tal base de fundamentação, as liquidações de imposto, por via da falta da condição legal, prévia e necessária de procedibilidade da impugnação judicial, conforme resulta do n° 7 do art. 129° do CIRC.
Foi com base em tal fundamentação que a Mª Juíza julgou verificada a excepção invocada pela Fazenda Pública, com a consequente absolvição da mesma da instância, por força do disposto no artigo 493.°, n.° 2, do C.P.C., aplicável por força do art. 2.°, al. e), do C.P.P.T.
Contra o assim fundamentado e decidido se insurge a recorrente por duas razões fundamentais, a saber:
-Omissão de pronúncia sobre determinada factualidade, concretamente a alegada nos artigos 41º a 54º da P.I. e acerca da invocada inconstitucionalidade material dos normativos constantes do n°1 do art.°58° - A e 129.°ambos do CIRC (55. a 82. da P.I.).
Mas, a nosso ver, a recorrente não tem razão.
Em primeiro lugar, não ocorre omissão de pronúncia pois a materialidade fáctica vertida nos citados artigos da petição tem a ver com os factos que justificavam a aplicação do princípio da exaustão dos meios graciosos nos termos perfilados na decisão recorrida.
Isso mesmo decore da mera leitura dos referidos artigos, que se transcrevem:
“41.°
A alegada errónea quantificação da matéria colectável e do imposto - IRC - desta decorrente, sempre revelaria de uma outra ordem de razões, qual seja, a de a presunção decorrente da aplicação da citada norma contida no art.° 58.°-A do CIRC, dever ceder perante a realidade dos factos em obediência ao princípio do lucro real, da verdade material.
Com efeito,
42.°
dispõe o art.° 73.° da Lei Geral Tributária:
"As presunções consagradas nas normas de incidência tributária, admitem sempre prova em contrário".
43.°
Normas de incidência objectiva, são as que indicam os bens, actividades ou situações, sobre que assenta a tributação e as que determinam o quantitativo do tributo, incluindo as que indicam a matéria colectável e as taxas.
("in" Lei Geral Tributária, comentada e anotada de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, ed. Da VISLIS Editores de 1999).
Ora,
44°.
dúvidas não restarão, que por força da aplicação do aludido preceito, a matéria colectável corrigida, resultou presumida.
45°.
Como presumido, resultou o IRC liquidado.

46°.
Acontece, que as vendas em causa, não foram realizadas pelos valores assim presumidos.
47°.
Mas sim, pelos montantes constantes e declarados nas respectivas escrituras e que concorreram para o IRC auto liquidado pela impugnante (alínea a) do n°. l do art°. 20°. do CIRC), como se segue:

Artigo Fracção Valor da escritura
……..Q 80.000,00 €
………..H 80.000,00 €
48°.
Valores estes, que os SIT aliás não sindicaram, e cuja validade e correcção, não foram postas sequer em causa.
49°.
Bem desejaria a impugnante, ter procedido à sua venda por valores superiores, quer se tratasse do resultante da avaliação nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (que determinou as correcções), quer quaisquer outros, desde que fossem superiores aos das respectivas vendas.
50°.
Acontece porém, que os preços pelos quais os aludidos 2 imóveis foram vendidos, foram os possíveis de obter segundo as regras de mercado livre, não se compadecendo com as regras de avaliação - absolutamente artificiais, diga-se - resultantes do citado art°. 58-A do CIRC.
51°.
Avaliação da qual resultaram valores superiores ao preço de mercado, em virtude de para o seu cálculo, se ter estabelecido para a vila do ……………, um coeficiente de localização elevado e a despropósito, que por tal facto, está à presente data, em vais de revisão.
52°.
Foram os valores a que se acaba de aludir em 47. - e não quaisquer outros - pelos quais foram vendidos os 2 imóveis em causa.
53°.
Razões porque, nos termos do preceito a que acima se alude em 42., deverão ser os efectivos e reais preços de venda, os que concorrem para o correcto apuramento da matéria colectável e consequente lucro tributável, por serem os que reflectem a verdade material das transacções realizadas.
54°.
Devendo soçobrar, as correcções realizadas a coberto do art°. 58.°-A do CIRC, por advirem e assentarem em presunções e não corresponderem aos efectivos preços de venda.”
Como facilmente se conclui, tal matéria estava coberta pelo regime previsto no procedimento regulado no art. 129°/3 do CIRC, pois esses factos apontam para que os valores declarados na escritura eram inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e que se trataram de transmissões onerosas em que o valor constante do contrato era inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, sendo este, por força da lei, o valor que tinha de ser considerado pelo alienante e adquirente para determinação do lucro tributável.
Assim sendo, uma vez que a decisão recorrida deu por verificada – e bem – uma excepção decorrente da falta de uma condição de procedibilidade/impugnabilidade que determinou a absolvição da instância, não teria de se pronunciar quanto ao mérito da causa pois a isso conduziria o pretendido pela recorrente, ou quanto a quaisquer outras questões suscitadas na petição inicial, salvo quanto ao que infra se dirá quanto à questão da inconstitucionalidade material dos normativos constantes do n°1 do art.°58° - A e 129.°ambos do CIRC.
Assim, sendo certo que o juiz deve conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido ao seu veredicto e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada, bem como que só pode conhecer das questões que lhe tenham sido colocadas, com excepção das que sejam do conhecimento oficioso, sob pena de, num como noutro caso, a sentença ficar ferida de nulidade (cfr., para além do art. 125.º do CPPT, os arts. 660.º, n.º 2, e 668, n.º 1, alínea d), do CPC).
A omissão de pronúncia, verifica-se apenas em relação a questões e não em relação a argumentos ou razões invocadas: - as “questões” não se confundem com os “argumentos” ou “razões” pois o tribunal, devendo embora «resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação» e não podendo «ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras» (art. 660.º, n.º 2, do CPC), não está vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes, do mesmo modo que não está impedido de, na decisão, usar considerandos por elas não produzidos.
Regressando ao caso sub judice, é inquestionável que na decisão recorrida não houve pronúncia sobre a referida questão da inconstitucionalidade material dos normativos constantes do n°1 do art.°58° - A e 129.°ambos do CIRC mas, como se disse, a nulidade de omissão de pronúncia ocorre apenas quando se verifica violação do dever processual que o tribunal tem em relação às partes, de se pronunciar sobre todas as questões por elas suscitadas.
Todavia, embora o tribunal tenha também o dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (parte final do n.° 2 do artigo 660.° do CPC), a omissão de tal dever não constituirá nulidade, mas sim erro de julgamento se acaso não foi a questão suscitada inicialmente pois, de contrário, ocorre a omissão de pronúncia sobre questões que também são de de conhecimento oficioso.
No ponto, se é certo que tem sido vasta e uniforme a jurisprudência dos Tribunais Superiores no sentido de que o vício de inconstitucionalidade de uma norma torna o acto praticado à sua sombra meramente anulável, também o é que a mera anulabilidade desse acto não impede que o vício de inconstitucionalidade não possa ser de conhecimento oficioso.
Na verdade, a CRP proibe os tribunais de, nos feitos submetidos ao seu julgamento, aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados – cfr. artº 204 da CRP de 1997 ou o artº 207º na redacção de 1992.
Ora, louvando-nos no Prof. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional II, Tomo II, pág. 441, Lisboa, “ O juiz, dado que não está sujeito a invocação da inconstitucionalidade por uma das partes, não tem de aplicar normas que repute inconstitucionais.”
Daí que, insofismavelmente, é de conhecimento oficioso a inconstitucionalidade das normas como, entre muitos, se fundamenta nos Acórdão do STA de 3/2/93,Rec. Nº 13 621, 25/10/95, Rec. Nº 15 287, 17/6/98, Rec. Nº 22 421 e de 13/12/2000, Rec. Nº 24 319.
Deve, no entasnto, assentar-se em que o acto tributário impugnado em aplicação de norma de direito ordinário inconstitucional, não violadora do conteúdo de direito fundamental mas apenas do princípio da legalidade tributária, está ferido de vício de violação de lei que o torna meramente anulável.
Por outro lado, na ordem de apreciação dos vícios invocados logra prioridade a inconstitucionalidade da lei em que se baseou o acto impugnado pois se trata de matéria de conhecimento oficioso, embora a intervenção do tribunal se tenha de circunscrever à fiscalização concreta da constitucionalidade pois a fiscalização abstracta incumbe em exclusivo ao Tribunal Constitucional (cfr.artº.281º da C.R.P.).
Vale isto por dizer que na sentença e/ou no recurso dela interposto para o TCA pode ser suscitada pelas partes ou “ex-officio” a inconstitucionalidade das normas que definem os elementos da tributação, mesmo que a questão não tenha, antes, sido suscitada, já que se trata de matéria que vem sendo entendida como de conhecimento oficioso, não integrando questão nova a alegação, em recurso jurisdicional, de inconstitucionalidade de normas aplicadas pela sentença ou ao abrigo das quais o acto administrativo foi praticado.
A oficiosidade do conhecimento da inconstitucionalidade das normas resulta igualmente da emanação do princípio do valor conformador dos preceitos constitucionais, que terão de prevalecer sobre outras normas legais, quando com elas se mostrem incompatíveis em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade das normas jurídicas, apreciando, por impugnação dos factos ou oficiosamente, a existência da inconstitucionalidade das normas aplicáveis ao caso concreto submetido a julgamento.
A ser assim, como é, não havendo a decisão recorrida apreciado a inconstitucionalidade material dos normativos constantes do n°1 do art.°58° - A e 129.°ambos do CIRC, porque a mesma, ainda que de conhecimento oficioso, fora suscitada na p.i., haverá que dar-se por verificado o vício assacado pela recorrente à sentença que, assim, se julga nula, havendo que conhecer do alegado vício do acto impugnado, em substituição, o que passa a fazer-se.
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Na p.i. a recorrente substanciou aquela inconstitucionalidade material em que o preceito legitimador das correcções que lhe são subjacentes – o artº 58º-A do CIRC- ofende o princípio constitucional do “lucro real”, bem como do regime legalmente previsto para o afastamento da sua aplicação em sede de IRC constante dos nºs 6 e 7 do artº 129º do CIRC, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da adequação.
Com efeito, os contribuintes devem ser tributados pelo lucro real pelo que, se os questionados valores não forem considerados como proveitos, porque efectivamente obtidos no exercício em causa, a impugnante não estará a ser tributada pelos lucros que teve e que o regime contestado pela recorrente visa esclarecer em seu próprio benefício, por isso sendo proporcionado e adequado à determinação do lucro real.
É que e nos termos do art. 23° do CIRC, só se consideram custos do exercício, os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora.
E o CIRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas).
Ora, patenteando o probatório a factualidade descrita, impõe-se a conclusão de que a impugnante relevou contabilisticamente custos e proveitos relativamente à sua actividade no exercício do ano de 2005.
Assim, relevante‚ para o caso é fundamentalmente a real natureza da actividade exercida pela impugnante e o significado e importância nela do real valor dos bens e determinar, após, se é passível de IRC, o que foi feito.
É que este incide sobre os lucros das sociedades comerciais que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola- cfr. artº 3º, nº 1 a) do CIRC. E tem de presumir-se que a recorrente, como sociedade comercial que é, exerce uma daquelas actividades na medida em que ela é dotada de uma organização empresarial, tendo a seu cargo a realização de actividades de natureza marcadamente económica.
Assim, o pressuposto ou razão da existência de tal tributação, era a prática de uma actividade bem caracterizada geradora de rendimento, sendo da conjugação desse facto que a lei faz depender o surgimento da relação jurídica do imposto.
E o lucro, na definição legal (artº 3º, nº 2 do CIRC) consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas no CIRC, pelo que é abrangente de todos e quaisquer ganhos que traduzam um acréscimo de valor patrimonial e não apenas o fluxo regular de rendimentos ligados às categorias tradicionais da distribuição funcional. Donde que a determinação da base de incidência supõe, necessariamente, o desenvolvimento de uma actividade, pelo sujeito passivo, de natureza comercial com base numa estrutura empresarial.
Ao identificar a comercialidade da actividade da sociedade com base no carácter empresarial das operações económicas realizadas, o CIRC centra a qualificação a efectuar na noção de empresa como realidade jurídico económica à qual é necessária a combinação de meios técnicos, humanos e financeiros com a finalidade de intervir na produção ou distribuição de bens ou serviços.
Ora, tendo a impugnante uma actividade é a partir dela que pode falar-se em volume de negócios e a consequência prática é a de que devem considerar-se os valores em causa como proveitos ou ganhos sujeitos a IRC.
A justiça material não é, por força do princípio da legalidade fiscal, a justiça no exclusivo interesse de qualquer das partes mas a justiça distributiva, que é a visada pelo direito fiscal.Com efeito, a justiça tributária alcança-se pela tributação de cada um, de acordo com a sua capacidade contributiva (art°103-l da CR, versão actual, anterior art°106-l).
É claro, que o conceito de justiça, tal como o conceito de capacidade contributiva, por serem a transposição jurídica de axiomas éticos, não têm uma definição exacta e precisa, antes surgindo, como princípios orientadores do ordenamento jurídico tributário.
No caso das empresas, a sua capacidade contributiva é, na verdade, revelada fundamentalmente pelo seu lucro real, por opção legal e constitucional (cfr. n°2 do art°104º da CR, anterior n°2 do art°107º).
A não declaração de todos os custos e proveitos obtidos ou incorridos em determinado ano ou exercício económico, é que constitui não só violação do princípio da especialização de exercícios, como também viola o princípio da tributação do lucro real, porque se não forem declarados, pelo contribuinte, num determinado ano ou exercício, todos os proveitos e lucros a ele economicamente imputáveis, o lucro que vier a apurar não pode, naturalmente, corresponder ao lucro real desse ano ou exercício, e é em relação a esse período de tempo, que o lucro real, para efeitos de tributação, deve ser aferido, como vimos. Assim como também não podemos falar de lucro real de um determinado exercício, se nele se considerarem custos ou proveitos de outros anteriores. E isto é assim, independentemente de quem ficar prejudicado - o contribuinte ou o Fisco -com o cumprimento da lei.
O certo é que, como sustentou a FP na sua resposta, em direito tributário, existem várias situações de pré-contencioso, de que são exemplos os actuais art. 86°/5 e 91º da da LGT e os artigos 117°/1, 131°/1, 133°/2e 134°/7 do CPPT e a doutrina e a jurisprudência sempre entenderam tais normas (já existentes no anterior CPT) como opções legislativas fiscais sem inconstitucionalidade associada, permitindo o debate de determinadas matérias no seio de órgãos colegiais que, pela sua composição, representatividade e tecnicidade, melhor estarão habilitados a discuti-las, ainda em sede graciosa.
Acresce ainda que a existência da imposição da condição de procedibilidade, não consubstancia uma restrição ou limitação desmesurada ou inadmissível ao exercício do direito de impugnar, porquanto através do procedimento do art. 129°/3 do CIRC, a AT tem, ainda, a possibilidade de (re)avaliar e se pronunciar expressamente quanto à situação controvertida, podendo vir a decidir de modo favorável ao contribuinte, evitando-se, assim, um recurso inútil aos Tribunais. Nessa perspectiva sempre se dirá que a interpretação dada pela recorrente aos questionados princípios e incisos legais não padece de tais vícios.
Termos em que improcedem «in totum» as conclusões de recurso.
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4. - Termos em que se judicia conceder provimento ao recurso, anular a sentença e, conhecendo em substituição, julgar improcedente a impugnação mantendo, em consequência, o acto tributário impugnado.
Custas pela recorrente mas apenas em 1ª instância.
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Lisboa, 21/09/2010
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Lucas Martins)