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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08845/15
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/23/2015
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA DEVIDO A FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO.
ARTº.615, Nº.1, AL.B), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
PENHORA EM EXECUÇÃO FISCAL.
DIREITO DE NOMEAR BENS À PENHORA. ARTº.215, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
TOMADOR DO SEGURO E BENEFICIÁRIO. NOÇÃO.
REGIME DE IMPENHORABILIDADE PARCIAL PREVISTO NO ARTº.738, DO C.P.CIVIL.
Sumário:1. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário.

2. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).

3. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

4. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.

5. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.

6. A penhora consiste numa apreensão de bens e sua afectação aos fins do processo de execução fiscal. Realizada a penhora, o executado continua a poder dispor e onerar os bens penhorados, mas os actos que pratique são ineficazes em relação ao exequente (cfr.artº.819, do C.Civil). A maior parte da doutrina nacional atribui à penhora a natureza de garantia real (cfr.artº.822, nº.1, do C.Civil).

7. O artº.215, do C.P.P.Tributário, consagra o direito de nomear bens à penhora, o qual cabe sempre ao exequente (Fazenda Pública/órgão de execução fiscal) no âmbito do processo de execução fiscal, devendo, no entanto, ser admitida a penhora de bens indicados pelo executado, desde que daí não resulte prejuízo para o processo e, concretamente, para a cobrança da dívida exequenda e acrescido (cfr.artº.217, do C.P.P.Tributário).

8. O tomador do seguro é a entidade/pessoa que celebra o contrato de seguro com o segurador e fica responsável pelo pagamento do prémio, sendo o titular do mesmo contrato. Já o beneficiário consiste na pessoa singular ou colectiva a favor de quem reverterá a prestação do segurador (indemnização ou entrega de capital) decorrente de um contrato de seguro ou de uma operação de capitalização, independentemente de ser ou não parte no contrato de seguro.

9. O artº.738, do actual C.P.Civil, consagra a impenhorabilidade parcial de bens, com base em razões de dignidade da pessoa humana e do consequente assegurar de subsistência do executado, na previsão da lei se enquadrando, além do mais, os vencimentos, salários, prestações de aposentação e os seguros, desde que visem assegurar a dita subsistência do executado (cfr.artº.824, do C.P.Civil de 1995).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
MARIA ………………….., com os demais sinais dos autos, deduziu salvatério dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.171 a 174 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal deduzida pelo recorrente, visando acto de penhora de seguro do ramo vida efectuado no processo de execução fiscal nº………………, o qual corre termos no 1º. Serviço de Finanças de Cascais.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.180 a 183 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Andou mal o douto Tribunal a quo na decisão proferida sobre a matéria de facto;
2- Com efeito, ao contrário do considerado na douta sentença o seguro sobre o qual recaiu a penhora é um seguro do ramo vida;
3- Sendo o beneficiário irrevogável do mesmo o marido da executada, i.e., um terceiro para efeitos do processo executivo;
4-Sendo este o titular do direito sobre a quantia segurada;
5-É, pois, ilegal a penhora de tal crédito, pois trata-se de um bem integrante do património de terceiro, em execução não instaurada contra si;
6- Apenas estão sujeitos à execução os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda;
Não concedendo,
7-Permitem as condições gerais do seguro à sua tomadora a possibilidade de resgatar capital antes do terminus do contrato;
8-O que, por necessidade, acontece anualmente (periodicamente);
9- Com efeito, a executada todos os anos resgata uma pequena parcela do seguro para pagar o seu seguro de saúde e fazer face a outras despesas pessoais essenciais;
10- Com o seu marido de 83 anos desempregado e sem qualquer rendimento e com a sua pensão penhorada até ao limite legal, é somente neste seguro que a executada encontra liquidez para pagar as suas despesas de saúde (centralizadas no pagamento anual do prémio do seu seguro de saúde);
11- O seguro penhorado é, pois, essencial para fazer face à subsistência da executada e do seu agregado familiar;
12-Este seguro seria sempre parcialmente impenhorável, nos termos do disposto no artigo 738, n.º 1, do CPC, pois dele retira a executada periodicamente a quantia necessária a assegurar a sua subsistência;
13-Assim, a decisão recorrida deveria ter dado como provado que:
a. o seguro penhorado se trata de um seguro de vida;
b. que esse seguro de vida foi constituído a favor de um terceiro;
c. que não é executado no processo executivo;
d. e que é beneficiário irrevogável do mesmo;
14- Acresce que a decisão recorrida não fundamenta a razão pela qual não dá como provados os factos discorridos pela reclamante, o que se afigura inadmissível e, salvo o devido e merecido respeito, merecedor de censura;
15-A douta decisão recorrida não analisa os documentos juntos pela reclamante nem deles retira qualquer conclusão, padecendo de erro no julgamento da matéria de facto e na aplicação do direito;
16- Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que dê como procedente a reclamação apresentada pela ora recorrente, ordenando-se o levantamento da penhora efectuada.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.200 e 201 dos autos) no sentido de se negar provimento ao recurso.
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº. 278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.171 a 173 dos autos):
1-A A. Fiscal instaurou o processo de execução fiscal nº………….. contra a ora executada, Maria …………………, o qual corre termos no 1º. Serviço de Finanças de Cascais por dívida de IRS do ano de 2003, no montante de € 273.143,93 (cfr.documentos juntos a fls.1 e 2 do processo de execução apenso);
2-No âmbito do processo referido supra foi penhorado à executada um crédito titulado pela apólice de seguro nº…………………, do ramo vida, com base em fundos de investimento, na companhia de seguros "F…………, S.A.", no montante de € 104.130,10, à data de 17/03/2014 (cfr.documento junto a fls.19 dos presentes autos);
3-Em 6/03/2006 a executada subscreveu a proposta de seguro de apólice supra referida, no montante de € 100.000,00, com a duração de dez anos, regulado pelas condições gerais aí contempladas, constante de fls.21 a 24 destes autos, do qual resulta que a executada é tomador do seguro, tendo-se designado como beneficiário por morte do mesmo P………… C……………, e de cujas cláusulas resulta que a seguradora abona, em caso de sobrevivência da pessoa segura no termo do contrato, o pagamento do capital seguro à data do vencimento ou, em caso de falecimento da pessoa segura durante a vigência do contrato o mesmo valor e a favor do beneficiário designado pelo tomador a qual pode ser livremente alterável, podendo o tomador proceder ao resgate total ou parcial do contrato durante a sua vigência (cfr."Pedido de Subscrição" junto a de fls.26 e "Extracto de conta" junto a fls.27 dos presentes autos);
4-Em 14/06/2013 e em 4/07/2013, foi efectuado o resgate parcial da referida apólice de seguro, nos montantes de € 5.240,38 e de € 3.896,72, respectivamente (cfr."Extracto de conta" junto a fls.30 dos presentes autos);
5-A executada mantém um seguro de saúde pelo qual paga um prémio anual de € 3.727,72, incorrendo em diversas despesas médicas e farmacêuticas ao longo do ano de 2013, que se dão aqui por reproduzidos, encontrando-se penhorada a sua pensão de reforma até ao limite legal (cfr.artº.15 da p.i. e documento junto a fls.50 dos presentes autos; informação exarada a fls.59 a 64 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Dos factos constantes da reclamação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade acima descrita…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, julgar totalmente improcedente a reclamação deduzida pelo recorrente, mais mantendo a penhora identificada no nº.2 do probatório.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Alega, em primeiro lugar, o recorrente que a decisão recorrida não fundamenta a razão pela qual não dá como provados os factos discorridos por si, o que se afigura inadmissível e merecedor de censura. Que a decisão recorrida não analisa os documentos juntos pelo recorrente nem deles retira qualquer conclusão (cfr.conclusões 14 e 15 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, se bem entendemos, consubstanciar uma nulidade da decisão recorrida devido a falta de especificação dos fundamentos de facto.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal pecha.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13).
Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da decisão recorrida constante de fls.171 a 174 do presente processo e das referências supra exaradas à fundamentação da decisão de facto constante da mesma, deve julgar-se improcedente a alegação do recorrente, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme mencionado acima, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão ("in casu" na vertente factual) se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Concluindo, improcede o presente esteio do recurso incidente sobre a alegada falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão recorrida.
Aduz o recorrente, em segundo lugar, que andou mal o Tribunal "a quo" na decisão proferida sobre a matéria de facto. Que ao contrário do considerado na sentença recorrida o seguro sobre o qual recaiu a penhora é um seguro do ramo vida. Que a decisão recorrida deveria ter dado como provado que:
a. o seguro penhorado se trata de um seguro de vida;
b. que esse seguro de vida foi constituído a favor de um terceiro;
c. que não é executado no processo executivo;
d. e que é beneficiário irrevogável do mesmo;
(cfr.conclusões 1, 2 e 13 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).
No caso concreto, defende o recorrente que deve ser aditada ao probatório a factualidade enumerada em alíneas de a) a d) supra exaradas, embora não cumpra o ónus previsto no citado artº.640, nº.1, do C.P.Civil, desde logo, quanto aos concretos meios probatórios constantes do processo, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto aludidos acima.
Concluindo, este Tribunal não tem obrigação de conhecer do presente esteio da apelação.
Por último, alega a apelante que o beneficiário irrevogável do seguro penhorado é o seu marido, um terceiro para efeitos do processo executivo. Que é este o titular do direito sobre a quantia segurada. Que é ilegal a penhora de tal crédito, pois trata-se de um bem integrante do património de terceiro, em execução não instaurada contra si. Que o seguro penhorado é essencial para fazer face à subsistência da executada e do seu agregado familiar, sendo parcialmente impenhorável, nos termos do disposto no artº.738, nº.1, do C.P.C., pois dele retira a executada periodicamente a quantia necessária para assegurar a sua subsistência (cfr.conclusões 3 a 12 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Apuremos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Constituindo o acervo normativo jurídico-tributário um ramo próprio do direito público, o legislador previu um processo de execução fiscal primordialmente direccionado à cobrança dos créditos tributários de qualquer natureza, estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o objectivo de conseguir uma maior celeridade na cobrança dos créditos, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/08/2012, proc.5859/12; Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, III Volume, Áreas Editora, 2011, pág.28).
A penhora consiste numa apreensão de bens e sua afectação aos fins do processo de execução fiscal. Realizada a penhora, o executado continua a poder dispor e onerar os bens penhorados, mas os actos que pratique são ineficazes em relação ao exequente (cfr.artº.819, do C.Civil). A maior parte da doutrina nacional atribui à penhora a natureza de garantia real (cfr.artº.822, nº.1, do C.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/08/2012, proc. 5859/12; José Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol.II, Coimbra Editora, 1985, pág.106; Salvador da Costa, O Concurso de Credores, Almedina, 1998, pág.29; Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, III Volume, Áreas Editora, 2011, pág.581).
No âmbito do processo de execução fiscal é o artº.215, do C.P.P.T., que consagra o direito de nomear bens à penhora, o qual cabe sempre ao exequente (Fazenda Pública/órgão de execução fiscal), devendo, no entanto, ser admitida a penhora de bens indicados pelo executado, desde que daí não resulte prejuízo para o processo e, concretamente, para a cobrança da dívida exequenda e acrescido (cfr.artº.217, do C.P.P. Tributário; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/08/2012, proc.5859/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.583; João António Valente Torrão, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Almedina, 2005, pág.840).
Revertendo ao caso dos autos, conforme se retira da factualidade provada a Fazenda Pública realizou a penhora de um crédito titulado pela apólice de seguro nº……………., do ramo vida, com base em fundos de investimento, existente na companhia de seguros "F……….., S.A.", no montante de € 104.130,10, à data de 17/03/2014, tudo no âmbito do processo de execução fiscal nº…………………., o qual corre termos no 1º. Serviço de Finanças de Cascais, visando a cobrança coerciva de dívida de I.R.S. do ano de 2003, no montante de € 273.143,93 e em que o ora recorrente surge como executado (cfr.nºs.1 e 2 do probatório).
Do exame do nº.3 do probatório e dos documentos juntos a fls.21 a 24, 26 e 27 dos autos, deve concluir-se que nos encontramos perante um seguro ligado a fundos de investimento, o qual constitui um instrumento de captação de aforro estruturado (ICAE), tudo nos termos do artº.206, do dec.lei 72/2008, de 16/4, diploma que consagra o Regime Jurídico do Contrato de Seguro. Os instrumentos de captação de aforro estruturados (ICAE), constituem instrumentos financeiros cujo risco do investimento é assumido pelo tomador do seguro, no caso concreto o executado e ora recorrente. E recorde-se que o tomador do seguro é a entidade/pessoa que celebra o contrato de seguro com o segurador e fica responsável pelo pagamento do prémio, sendo o titular do mesmo contrato. Já o beneficiário consiste na pessoa singular ou colectiva a favor de quem reverterá a prestação do segurador (indemnização ou entrega de capital) decorrente de um contrato de seguro ou de uma operação de capitalização, independentemente de ser ou não parte no contrato de seguro (cfr.José Vasques, Contrato de Seguro, Notas para uma teoria geral, Coimbra Editora, 1999, pág.172 e seg.).
No caso dos autos o actual beneficiário do contrato de seguro é o marido da recorrente P.………… C…………. (cfr.nº.3 do probatório).
Do acabado de referir, desde logo, se deve retirar a ilação de que o titular do contrato de seguro e inerente crédito penhorado no âmbito do processo de execução fiscal nº………………… é a recorrente e não o seu marido, mero beneficiário, assim podendo tal crédito ser objecto de penhora, como foi.
Por outro lado, o crédito penhorado não é abarcado pela norma que consagra a impenhorabilidade parcial de bens, com base em razões de dignidade da pessoa humana e do consequente assegurar de subsistência do executado, na previsão da lei se enquadrando, além do mais, os vencimentos, salários, prestações de aposentação e os seguros, desde que visem assegurar a dita subsistência do executado (cfr.artº.738, do actual C.P.Civil; artº.824, do C.P.Civil de 1995; José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5ª. edição, Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, pág.218 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 13ª. edição, Almedina, 2010, pág.208 e seg.). Assim é, porquanto, no caso concreto é o recorrente que reconhece que a sua pensão de reforma já se encontra penhorada até ao limite legal (cfr.nº.5 do probatório), mais não tendo produzido prova de que o crédito penhorado contribui para assegurar a sua subsistência.
Rematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 23 de Julho de 2015


(Joaquim Condesso - Relator)
(Carlos Araújo - 1º. Adjunto)

(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)