Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1607/13.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:REVERSÃO.
ARTIGO 24.º/1/B), DA LGT.
Sumário:Não é possível concluir, com segurança, quanto à culpa do gerente, quando o mesmo, no período de pagamento da dívida exequenda, pratica actos de saneamento financeiro da empresa e uma vez verificada a impossibilidade de sucesso dos mesmos, requer, prontamente, a sua insolvência. A adopção de tais medidas, a par do requerimento imediato de insolvência, em face da impossibilidade verificada, constituem causa dirimente da culpa do oponente. Ocorreu, pois, a ilisão da presunção.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão


I- Relatório


F......., melhor identificado nos autos, deduziu oposição à execução fiscal n.° ......., instruída pelo Serviço de Finanças de Cascais - 2 (Carcavelos) originariamente instaurada contra a sociedade "M......., Lda”, para cobrança coerciva de dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas (IRS) - retenção na fonte, de 2012, no valor de € 3.926,00, peticionando a extinção da reversão da execução fiscal, com fundamento na ilegitimidade do devedor subsidiário. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida a fls. 221 e ss. (numeração do SITAF), datada de 15/01/2020, julgou a acção procedente. Desta sentença foi interposto recurso, conforme requerimento de fls. 248 e ss. (numeração do SITAF). A Fazenda Pública recorrente formula as seguintes conclusões:

«(…). II - A Sentença ora recorrida, socorrendo-se da factualidade dada como assente no seu segmento III - Fundamentação, que aqui damos por plenamente reproduzida para todos os efeitos legais, postulou que o Oponente actuou como um gerente competente e criterioso da sociedade originária executada, empreendendo diversas diligências que lograram ilidir a presunção de culpa ínsita na alínea b) do n.° 1 do artigo 24.° da LGT, sendo a situação de insuficiência patrimonial daquela sociedade ditada por factores exógenos, não imputáveis ao Oponente.

III - O presente recurso tem como escopo demonstrar o desacerto a que, com o devido respeito e na perspectiva da Fazenda Pública, chegou a Sentença recorrida, ao considerar que foram provados factos que atestem uma actuação diligente do Oponente na condução dos destinos da sociedade devedora originária e que a respectiva insuficiência patrimonial se ficou a dever a factores exógenos, que não imputáveis ao Oponente, incorrendo, por isso, em erro de julgamento no seio da apreciação da prova e dos factos perante a conjugação dos elementos trazidos aos autos e que suportaram a sua decisão.

IV - Com efeito, nos termos do disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 24.° da LGT, a prova de que não houve culpa do gerente na insuficiência do património para solver as dívidas fiscais ou equiparadas, impende sobre o mesmo gerente ou administrador, estabelecendo os normativos citados, uma presunção de culpa, e fazendo pesar, materialmente, sobre este o risco decorrente da necessidade de realizar a prova do contrário

V - A culpa que releva para efeitos dessa responsabilidade, não é apenas a que respeite ao incumprimento da obrigação de pagamento dos impostos, mas aquela que se reporte substantivamente ao incumprimento das disposições legais destinadas à protecção dos credores, quando desse incumprimento resulte, em nexo de causalidade adequada, a insuficiência do património da sociedade para a satisfação dos créditos fiscais

VI - Efectivamente, tal culpa afere-se em abstracto, pela diligência de um gerente medianamente diligente e respeitador das boas práticas comerciais (bonus pater famliae), operando com a teoria da causalidade, seguindo um processo lógico de prognose póstuma, por forma devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos fiscais - Cfr. arts 487.°, n.° 2 e 799.°, n.° 2 do Código Civil (CC).

VII- Portanto, cabe ao Oponente, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 74.° da LGT e no n.° 2 do artigo 350.° do Código Civil, enquanto gerente da sociedade, demonstrar e provar que, em face dessa situação, agiu com a diligência própria de um bonus pater familiae, como gerente competente e criterioso, que demonstre que fez esforços no sentido de inverter essa situação de molde a evitar que o património da sociedade se tornasse insuficiente para a satisfação das dívidas fiscais.

VIII - E aqui, antecipa-se já, nenhuma diligência empreendida pelo Oponente resultou provada nos presentes autos, para além do aumento de capital efectuado em 26-09-2011 e elencado na alínea R. da factualidade dada como assente na Sentença recorrida, com o intuito de salvar, ou pelo menos minorar, a situação financeira desastrosa da sociedade da qual era gerente.

IX - E isto porquanto, cfr. 3m:37s a 04m:50s, de 06m:54s a 07m:20s, de 20m:55s até 23m: 15s e 31 m:29s até 31 m:48s do ficheiro digital de gravação da audiência de inquirição de testemunhas, é assente que a testemunha deixou de ter qualquer contacto com a sociedade devedora originária a partir de finais de 2007, desligando-se totalmente daquela, não podendo exercer, por imperativos legais e contributivos, qualquer função na sociedade devedora originária durante um período de 3 anos, e todo o conhecimento que possui sobre os factos em apreço advém por interpostas pessoas, ou seja, não foi obtido por aquisição directa e pessoal.

X - Estamos na presença de depoimentos indiretos que resultam precisamente daquilo que lhes foi transmitido por empregados e fornecedores da sociedade devedora originária; circunstância que, só por si, é susceptível de mutilar a credibilidade do depoimento prestado em sede de audiência de inquirição de testemunhas.

XI - Não vemos, portanto, como afirmar, como fez a Sentença recorrida, que a testemunha possuía um conhecimento directo e imediato dos factos que importam para a boa decisão da causa, sobretudo se tivermos em consideração que nos encontramos perante factos posteriores ao ano de 2007 e dívidas exequendas relativas ao período de tributação de 2012.

XII - De qualquer forma, não consta do depoimento da testemunha que tenha sido assinado qualquer contrato com a R....... para a implantação de estabelecimento comercial na estação de São Pedro, nem qualquer contrato com a S....... com vista a um reforço de financiamento da sociedade devedora originária, contrariamente ao que foi postulado nas alíneas I., J., K, e L. da factualidade dada como assente na Sentença recorrida; muito menos o Oponente logrou carrear para os presentes autos qualquer prova documental que o ateste.

XIII - Também não se retira do depoimento da testemunha J....... que foram acordados pagamentos prestacionais das dívidas fiscais e contributivas e que foram acordadas rescisões com trabalhadores e renegociados os contratos de arrendamento da sociedade, contrariamente ao que foi postulado nas alíneas P. e Q. da factualidade dada como assente na Sentença recorrida. E que documentos foram juntos aos autos pelo Oponente com vista à demonstração de tais factos? Absolutamente nenhuns!

XIV - Neste quadro de incertezas e insuficiência que a prova testemunhal oferece, devemos atentar ao entendimento vertido no acórdão deste Venerando TCA Sul, de 29-05-2007, proc. n.° 1462/06m onde se extrai que "[n]ão pode considerar-se efectuada tal prova se dela apenas resultou e com base em depoimentos de testemunhas, que o oponente teve que enfrentar uma grave crise da sociedade que geria, devido à extinção das fronteiras dentro da Comunidade Europeia, o que fez com que a mesma diminuísse muito a actividade, tivesse que despedir trabalhadores e pagar-lhes as respectivas indemnizações, tendo mesmo o oponente que vender bens seus para fazer face às dívidas da sociedade, se nenhum documento foi junto aos autos que comprovasse, em concreto, qualquer desses factos e que tenha impedido o oponente de efectuar o pagamento das dívidas executadas" (destaque nosso).

XV - Resulta, ainda, da factualidade dada como assente, que o Oponente demonstrou já em 2010 ter conhecimento que a sociedade devedora originária se encontrava em dificuldades financeiras, cfr. alínea M dos probatório fixado na Sentença, e como lhe competia, caso fosse um gerente diligente e competente, o Oponente não tomou imediatamente qualquer medida necessária e adequada para reverter tal situação.

XVI - Com efeito:

-não foi realizado qualquer tipo de prova, ainda que documental, da celebração de negócios jurídicos com a R....... ou com a S......., com vista à injecção de capital na sociedade devedora originária;

-não foi junto qualquer tipo de elemento probatório, ainda que documental, que o Oponente tivesse diligenciado no sentido do pagamento prestacional das dívidas fiscais e contributivas da sociedade da qual era gerente;

-não foi junta qualquer tipo de prova, documental que fosse, que permitisse revelar uma intenção séria do Oponente em angariar novos clientes ou diversificar a oferta e abrangência de mercado;

-não existe prova, documental que fosse, sobre o renegociação dos contratos de arrendamento e sobre a redução de custos operacionais da sociedade devedora originária que haja sido empreendido pelo Oponente;

- não foi junto aos autos qualquer elemento probatório, ainda que de cariz documental, de que foi o Oponente que apresentou a sociedade devedora originária à insolvência.

XVII - Da Sentença recorrida retira-se uma conclusão absolutamente inconcebível: para fazer a prova que ilida a presunção de culpa não é sequer preciso fazer a prova. Pois se, relativamente a esta questão, não foi trazida prova documental pelo Oponente e se a testemunha, como dissemos anteriormente, sabe de factos porque lhes foi transmitido por interpostas pessoas, então não foi realizada qualquer tipo de prova admissível!

XVIII - Sendo que, a apresentação da sociedade devedora originária à insolvência também não se configura como medida susceptível de ilidir a presunção de culpa, uma vez que a mesma surge no final de uma cadeia de acontecimentos que se desconhecem. Crucial seria saber quais as medidas concretas adoptadas para inverter o curso dos acontecimentos, porque só assim estaríamos em condições de avaliar a razão pela qual os impostos não foram pagos e concluir se conseguiu ou não ilidir a presunção de culpa. O que nunca emergiu no caso subjudice, por falta de demonstração do Oponente.

XIX - Impugna-se, desta forma e para os devidos efeitos legais, a factualidade dada como assente nas alíneas I., J., K., L., P., e Q. do probatório constante da Sentença recorrida, por ancorada em prova testemunhal sem conhecimento directo e imediato dos factos e desacompanhada de qualquer outro elemento probatório, designadamente de cariz documental, que a suporte.

XX - Outrossim, não devemos olvidar que nos encontramos, nos presentes autos, perante a cobrança coerciva de dívidas refentes a IRS retido na fonte e não entregue nos cofres do Estado, pelo que nem sequer faz sentido qualquer discussão sobre quaisquer eventuais factores exógenos ou exteriores à sociedade; se a sociedade devedora originária reteve o imposto, teve-o na sua posse. Ainda que de forma negligente, pela mão do ora Oponente, seu gerente, não entregou atempadamente o imposto que declarou

XXI - "[N]os impostos retidos na fonte-, a falta de pagamento tem particular gravidade na medida em que se trata de impostos que resultam de um fluxo monetário na empresa que ao não serem entregues nos cofres do Estado, são «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objectivos» totalmente alheios à sua finalidade (...) Quando o gestor procede ao «desvio» da destinação das verbas recebidas não pode deixar de indiciar um comportamento censurável, considerando até que no caso específico do IVA, a factura ou documento equivalente constitui como que um cheque sobre o Estado", cfr. acórdão do TCA Norte de 26-10-2017, proc. n.° 00276/1 1.8BEPNF

XXII - Ou seja, no caso em análise, o Oponente tomou uma opção consciente e deliberada de não proceder à entrega do imposto retido na fonte nos cofres do Estado, canalizando-o para a satisfação de outros interesses que não os legalmente previstos, o que, por si só, atesta a incúria ou falta de diligência do Oponente na gestão da sociedade devedora originária.

XXIII - Assim, contrariamente ao que resultou da Sentença recorrida, dos autos não resulta demonstrado, e muito menos provado, que o Oponente tenha sido um gerente diligente e, consequentemente, que a falta de pagamento das dividas exequendas não lhe seja imputável.

XXIV -Destarte, com o devido e muito respeito, a Sentença sob recurso, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 24.° da LGT, no n.° 1 do artigo 74.° da LGT e no n.° 2 do artigo 350.° do Código Civil.


X

O recorrido apresentou contra-alegações ao recurso interposto conforme seguidamente expendido:

«1.a

Em 15 de janeiro de 2020, foi elaborada sentença no processo acima identificado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a qual considerou a oposição judicial proposta contra o acto de reversão da execução fiscal n.° ......., relativa a dívida de IRS no valor de €3.926,00 (três mil, novecentos e vinte e seis euros) e acrescido, procedente, por provada, com a consequente extinção da execução fiscal revertida contra o Oponente.

2.a

A Autoridade Tributária, ora Recorrente, não se conformou com a douta decisão e interpôs recurso da mesma, alegando, em síntese, o seguinte:

a. Não foi apresentada prova da celebração dos negócios com a R....... ou a S.......;

b. Não foi apresentada prova documental da séria intenção do Oponente em angariar novos clientes ou diversificar a oferta e abrangência do mercado;

c. Dos autos não resulta demonstrado ou provado, que o Oponente tenha sido um gerente diligente e, consequentemente, que a falta de pagamento das dívidas exequendas não lhe seja imputável;

d. O tribunal a quo valorou a prova produzida de forma inadequada, violando o disposto na al. b), n.° 1 do artigo 24.° da LGT, n.° 1 do artigo 74.° da LGT e n.° 2 do artigo 350.° do CC;

3.a

Não pode o Oponente, Recorrido, concordar com o recurso apresentado pela Autoridade Tributária, porquanto entende que a sentença proferida pelo douto tribunal a quo não padece de quaisquer vícios, estando a mesma devidamente fundamentada

Desde logo,

4. a

O Ilustre Tribunal a quo identificou e elencou todos os factos e a respectiva fundamentação e motivação de facto e de direito, designadamente:

"A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou do exame dos documentos juntos aos autos e ao PEF apenso, não impugnados, e do depoimento da testemunha inquirida, conforme R.......ido em cada uma das alíneas do probatório.

A testemunha inquirida, J......., na qualidade de sócio da SDO e seu gerente até finais de 2007, demonstrou ter um conhecimento directo dos factos sobre os quais foi inquirido. Seu depoimento revelou-se consistente, isento e credível. Explicou nomeada mente que foi dito aos sócios que as vendas caíram e que os custos de pessoal eram muito elevados, sendo difícil despedir trabalhadores porque eram todos efectivos. (...) // Afirmou também que o Oponente, como sócio fundador, tinha muito carinho pelas lojas e a esperança que a SDO recuperasse, tendo tomado diversas medidas para assegurar a sua viabilidade, entre as quais: a abertura da loja na estação de São Pedro, para o que deram livranças pessoais: a celebração do contrato da S.......; a renegociação de rendas e a rescisão de contratos com trabalhadores."

Anda mal a Autoridade Recorrente ao afirmar que a prova produzida não permite, nem fundamenta a conclusão do Ilustre Tribunal a quo, como passamos a demonstrar:

5.a

Desde logo, a Testemunha revelou em todo o seu depoimento um conhecimento directo, verdadeiro e idóneo dos factos, mormente porquanto:

i. Trabalhou 27 anos na Devedora principal (vd. Gravação do depoimento a 3m:0ss a 4m:09ss);

ii. Grande maioria dos quais enquanto Sócio-gerente, responsável pela área, administrativa, operacional, comercial e financeira, revelando um conhecimento profundo da actividade da mesma;

iii. Reformou-se em Dezembro de 2007;

iv. Contudo, manteve-se Sócio da Devedora principal até à sua insolvência e extinção (vd prova documental junta e, entre outras, vd. gravação do depoimento aos 14m:30ss a 15m:15ss);

v. Na qualidade de sócio, participou nas Assembleias-gerais da sociedade (prova documental junta;

vi. Nessa qualidade de sócio foi chamado a assinar os contratos da S....... e da R....... (designadamente da prova gravada a partir do minuto 41m:00ss e até aos 52m:00ss);

vii. No caso do contrato da R......., inclusivamente foi-lhe solicitada uma livrança no valor de €50.000, que ele prestou (vd. Gravação do depoimento aos 14m:30ss e, bem assim a a partir do minuto 41m:00ss e até aos 52m:00ss);

viii. Que celebrou com a Devedora principal um contrato de arrendamento de uma garagem de sua propriedade, cujas rendas não estavam a ser pagas (vd gravação do depoimento aos 5m:20ss a 6m:20ss e mais à frente aos 40m:00ss a 40m:50ss);

ix. Manteve contacto com as lojas e com os trabalhadores, todos eles contratados por si e que nele depositavam a sua confiança;

x. Designadamente, e considerando que era fiador em contratos de arrendamento celebrados pela Devedora principal, foi chamado a intervir nessa qualidade, quando as rendas deixaram de ser pagas (vd depoimento 22m:00 a 23m:05ss).

6.a

De tal forma que chega a ser perturbante o entendimento que a AT quer fazer passar do depoimento da testemunha. Este depoimento é muito explicito e claro quanto ao envolvimento pessoal da testemunha na vida da sociedade. Sociedade da qual ele é sócio e não um mero cliente ou transeunte que "metia" conversa com os empregados, como quer fazer crer a AT. Face às numerosas citações contidas no ficheiro digital de gravação (acima efectuadas), fica-se perplexo quanto à ligeireza das afirmações efectuadas pela AT no seu recurso, mas mais ainda quanto ao que possa ser o seu propósito em fazê-las.

Relativamente aos factos que a Autoridade Recorrente afirma não terem sido provados, cumpre discordar absolutamente, dado que:

7.a

Conhecimento da assinatura dos contratos da R....... e S.......

A partir do minuto 41m:00ss da gravação do depoimento da Testemunha e daí para a frente, esta respondeu de forma clara às questões colocadas pela Representante da Fazenda Pública e pelo Tribunal a quo, explicando que o contrato com a R....... foi celebrado entre a Devedora Principal e a R......., que ele próprio, enquanto sócio da Devedora principal, bem como o ora Recorrido, foram chamados não apenas a assinar o contrato, mas também a prestar uma livrança de €50.000.

8.a

Não apenas validou a formalização do contrato, como referiu o porquê de o mesmo ter sido celebrado: que se tratava de uma medida de gestão de forma a escoar a mercadoria e diversificar o risco, recordando que a sociedade tinha produção própria (i.é, a parte da fábrica) e que, com os mesmos custos, abrindo uma nova casa, esta iria potenciar um maior escoamento dos produtos e um aumento das vendas.

9. a

Relativamente ao contrato de S....... (Vd gravação do depoimento aos 42m:35ss e 52m:00ss), da qual também teve conhecimento directo, pois também foi informado da celebração do mesmo, este tinha o mérito de num primeiro momento financiar a própria sociedade, neste caso, em cerca de €70.000,00.

10.a

Mais referiu que este tipo de contratos era normal e que era uma forma normal de as sociedades se financiarem para fazerem face a carências de tesouraria.

11.a

Pagamentos em prestações das dívidas fiscais

Na verdade, e contrariamente ao Oponente que, desde que se viu forçado a apresentar-se à insolvência deixou de poder aceder aos registos contabilísticos da devedora principal, a Autoridade Recorrente tem pleno acesso aos pedidos de pagamento em prestações realizados desde o ano de 2008 até 2012 pela devedora principal, incluindo a informação sobre os gerentes que os solicitaram, bem como todos os pagamentos realizados e penhoras feitas.

12. a

Ora, o n.° 2 do artigo 74.° da LGT, pretende precisamente dispensar os contribuintes de provar os elementos de prova quando esses elementos de prova estiverem na posse da própria Administração Tributária - como é o caso dos pedidos de pagamentos em prestações apresentados perante a Autoridade Tributária. Sendo certo que, quer os elementos, quer o local onde se encontram são conhecidos da própria AT, porquanto foram entregues junto do órgão da execução fiscal, como determina a lei, e devem estar no próprio portal das finanças - ao qual o Oponente não tem acesso desde que apresentou a Devedora Principal a insolvência.

13.a

Ainda que assim não fosse, o que não se concede, em vários momentos do depoimento Testemunha, a própria afirma do conhecimento que teve da existência de dívidas de natureza fiscal e perante a segurança social e dos vários planos prestacionais que estavam em curso, bem como de pagamentos realizados e penhoras efectuadas por aquelas entidades.

14.a

Rescisões com trabalhadores

A Testemunha afirmou claramente que no início da crise da Devedora principal esta tinha 56 trabalhadores e que quando se apresentou à insolvência estes já seriam cerca de 31/32 (vd designadamente, gravação depoimento aos 8m:25ss a 9m:00ss e aos 26m:25 a 26m:38).

15.a

Excepto se os mesmos tivessem desaparecido por "artes mágicas", os seus contratos de trabalho teriam que ter terminado, ou por vontade dos trabalhadores, ou por vontade da entidade empregadora... sendo certo que outros não foram contratados para o seu lugar!

16. a

Renegociados os contratos de arrendamento

Também aqui o seu testemunho revela conhecimento pessoal e directo, quer na qualidade de ser ela própria senhoria com rendas em atraso, quer pelo facto de se ter mantido fiadora de contratos de arrendamento que deixaram de ser cumpridos e sobre os quais foi chamado a intervir nessa qualidade de fiadora, designadamente numa das "lojas da Madorna" (vd depoimento 22m:00 a 23m:05ss).

Como se esta abordagem não fosse já grave, a Autoridade Recorrente nos artigos 40.° e seguintes, enceta uma nova linha de orientação que consiste em fazer alegações de facto e de direito sobre a natureza da dívida em discussão apelando a regras, não legais, mas de moralidade tributária.

17.a

Com efeito, a Autoridade Recorrente aqui não aponta nenhum vício à douta sentença recorrida, mas cumpre ao ora Recorrido o dever de, à saciedade, prestar alguns esclarecimentos sobre o invocado.

18. a

Não pode aceitar-se que se afirme que "o imposto foi retido e como tal inserido na esfera patrimonial da sociedade devedora" (artigo 43.° das alegações de recurso), ou pior, ser "acusado" de  "desvio" da destinação de verbas recebidas"(artigo 45.° das alegações), como se efectivamente alguma vez a devedora principal ou o ora recorrido tivessem tido na sua esfera patrimonial a disponibilidade dessas verbas - o que não corresponde à verdade!

19.a

A retenção na fonte é um mecanismo estabelecido na lei fiscal, mormente no artigo 34.° da LGT, que estabelece a obrigatoriedade de dedução a um determinado rendimento pago ou posto à disposição de um titular através da figura da substituição tributária.

20.a

Ora, desde já, e resulta inequívoco dos autos, a Devedora Principal tinha salários em atraso, i.e., remunerações que, infelizmente, não foram pagas, nem colocadas à disposição dos seus titulares, pelo que não tendo sido os salários pagos, nem seria possível ao Oponente determinar o "desvio" ou o "acréscimo" da esfera patrimonial da devedora principal.

21.a

Não basta invocar um dever moral de cumprimento de uma obrigação. Para que esse dever se constitua, era necessário que a Devedora Principal tivesse meios para pagar os salários sobre os quais essa retenção era devida: o que não tinha!

22.a

Invocar Acórdãos relativos a matéria de IVA, parece-nos uma equiparação despudorada (a menos que se avente a possibilidade dos representantes da fazenda pública não saberem distinguir a mecânica dos impostos), pois não estamos de facto perante valores cobrados de terceiros e não entregues, estamos perante uma obrigação de retenção na fonte de um rendimento que, por razões alheias à vontade do ora Recorrido, não existir e não pôde ser colocado à disposição dos seus trabalhadores!

23ª

Não é verdade que o Oponente "... tomou uma opção consciente e deliberada de não proceder à entrega do imposto retido na fonte nos cofres do Estado, canalizando-o para a satisfação de outros interesses que não os legalmente previstos." (artigo 46. das alegações da Recorrente).

24.a

Contudo, e ainda que fosse, o que não se concede, este é um facto que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 74.° da LGT, teria a Autoridade Recorrente, que os invoca, de os demonstrar. Pois até no caso do IVA, pode suceder, e na maioria das vezes sucede, o IVA liquidado não corresponde ao IVA cobrado ou recebido. No caso, teria a AT que demonstrar (e não apenas lançar suspeições) de que a Devedora principal e os seus gerentes, retiveram as quantias efectivamente e as desviaram do seu fim legal.

Donde, por todo o exposto:

Como resultou demonstrados nos autos, à saciedade, o Oponente, ora Recorrido, tudo fez para suprir as deficiências financeiras da Devedora Principal de forma a cumprir com as suas obrigações, designadamente colocando o seu próprio dinheiro (sem contrapartidas) na sociedade e prestando garantias pessoais.

Donde, andou bem a sentença recorrida, ao julgar procedente, por provada, a oposição apresentada pelo Oponente, ora Recorrido, determinando-se a extinção da execução fiscal objecto da Oposição.

Ora,

25.a

O artigo 607°, n° 5 do Código de Processo Civil (aplicável ex. vi artigo 2.° do CPPT) determina que

" O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes."

26.a

No caso em análise, a Autoridade Recorrente vem pôr em causa o R.......ido princípio, ao alegar que a prova produzida não foi suficiente para que o Mmo Juiz a quo pudesse decidir de forma favorável ao Oponente, ou seja, pela procedência da Oposição. Porém, fá-lo com base em factos que não têm correspondência com a realidade da produção de prova destes autos.

27.a

Conforme exposto supra, a Autoridade Recorrente não se limita a desconsiderar o que foi dito pela testemunha apresentada pelo Oponente. Ao invés, afirma que a testemunha não se pronunciou sobre factos invocados pelo Oponente, o que, como V. Exas. poderão verificar, não é verdade.

28.a

Acresce que, a Autoridade Recorrente não indica um único motivo pelo qual o depoimento da testemunha apresentado pelo Oponente não deva ser considerado plausível, verdadeiro e, por isso, admissível. Está em causa uma testemunha idónea e que, contrariamente ao que a Autoridade Recorrente afirma, disse muito mais do que o que resulta das alegações de recurso.

29.a

Por fim, a Autoridade Recorrente vem invocar que apenas a prova documental seria suficiente para a prova de determinados factos invocados pelo Oponente e considerados provados pelo tribunal a quo. Porém, não justifica essa exigência com fundamentação legal, como seria de esperar. E desta forma, desvirtua o princípio da livre apreciação da prova pelo Mmo Juiz, para quem a prova produzida nos autos pelo Oponente foi suficiente para a formação da sua convicção!

X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, foi regularmente notificado e pronunciou-se pela procedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X

II- Fundamentação.

A sentença recorrida assentou na seguinte fundamentação de facto:

«A. O Oponente foi um dos sócios fundadores da sociedade devedora originária, “M......., Lda.’’ (adiante, SDO), constituída em 1981, tendo por objecto social a exploração de estabelecimentos de mercearias finas, charcutaria, leitaria, pastelaria, cervejaria e café (provado por documento, a fls. 19 a 33 do PEF apenso);

B. Ao longo dos 30 anos de existência, a SDO abriu estabelecimentos comerciais sob a denominação comercial de pastelaria “L.......” (facto não controvertido);

C. A primeira pastelaria da SDO foi adquirida com financiamento próprio do Oponente, sendo os subsequentes investimentos realizados com recurso à Banca (facto não controvertido);

D. O Oponente era o sócio de capital e os demais sócios eram trabalhadores do sector que, devido à sua experiência, geriam os estabelecimentos comerciais (facto não controvertido);

E. Em 2007, a SDO tinha 5 estabelecimentos abertos e resultados positivos (facto não controvertido);

F. No período compreendido de Dezembro de 2007 a Dezembro de 2010, o sócio- gerente V....... era o responsável pela parte da indústria de pastelaria e padaria e o sócio-gerente A...... o responsável pela gestão operacional e financeira da sociedade (facto não controvertido);

G. O Oponente intervinha nas decisões relacionadas com grandes investimentos da SDO e sempre que era necessário apor a sua assinatura, nomeadamente em cheques e em contratos, em especial os de financiamento bancário, por ser sócio maioritário (investidor) e garante desses contratos (facto não controvertido, confirmado igualmente pelo depoimento da testemunha J.......);

H. A partir de 2009, a situação financeira da SDO começou a degradar-se, em especial devido à queda do consumo (provado por testemunha, cfr. depoimento de J.......);

I. No ano de 2010, a SDO assinou um contrato com a R....... para abertura de um estabelecimento comercial na estação de São Pedro, uma vez que a fábrica tinha capacidade para produzir mais, na expectativa de que, abrindo um novo balcão, poder escoar mais produtos (provado por testemunha, cfr. depoimento de J.......);

J. Os custos de exploração deste estabelecimento revelaram-se muito superiores ao inicialmente estimado e as receitas estimadas inferiores às efectivamente auferidas, o que motivou o seu encerramento, poucos meses após a abertura, sem recuperação do investimento inicial feito pela SDO (provado por testemunha, cfr. depoimento de J.......);

K. No ano de 2010, os sócios-gerentes A...... e V...... propuseram aos demais sócios um reforço de financiamento, que seria feito através da celebração de um contrato de exclusivo com a S......, de cerca de € 70.000,00, através do qual a SDO se obrigava a adquirir, pelo período de 5 anos, 5 toneladas de café a um preço fixo, acima do preço normalmente praticado nos contratos sem cláusula de fidelização (provado pelo depoimento da testemunha J.......);

L. O contrato com a S....... era uma forma de a SDO obter financiamento, evitando o recurso à Banca (provado por testemunha, cfr. depoimento da testemunha J.......);

M. Em finais de 2010, o Oponente teve conhecimento que a SDO não se encontrava a honrar os seus compromissos, designadamente que estavam a ser devolvidos cheques por falta de provisão, e que tinha dívidas ao Fisco, à Segurança Social e a fornecedores (provado por testemunha, cfr. depoimento de J.......);

N. A subida da taxa do IVA na restauração implicou uma contração dos lucros no sector de actividade da SDO (provado por documento, a fls. 64 a 80 dos autos);

O. Para tentar reverter a situação, em Julho de 2011, o Oponente assumiu a gerência da SDO, juntamente com L......, sem remuneração (facto não controvertido, cfr. igualmente o documento a fls. 9 a 28 do PEF apenso);

P. O Oponente efectuou acordos para pagamentos prestacionais das dívidas fiscais e à Segurança Social (facto não controvertido);

Q. O Oponente procurou implementar medidas para assegurar a viabilidade financeira e reduzir os custos fixos da SDO, nomeadamente rescindiu contratos com trabalhadores, que passaram a ser cerca de 32 (quando, em 2008, eram 56) e reduziu custos com rendas, tendo renegociado o contrato da Madorna, no valor de € 2.500 para € 1.500 (provado por testemunha, cfr. depoimento da testemunha J.......);

R. Em Assembleia-Geral realizada a 26.09.2011, os sócios acordaram num aumento de capital, no valor de € 100.000,00, que foi integralmente subscrito pelo Oponente (provado por documentos, cfr. doc. 3 junto aos autos com a p.i., a fls. 56 a 59 dos autos, e fls. 28 do PEF apenso);

S. O valor do aumento de capital foi imediatamente penhorado à ordem de processos de execução fiscal instaurados pela Segurança Social (facto não controvertido);

T. Perante este quadro, a SDO decidiu apresentar-se à insolvência (provado por documento, a fls. 8 a 14 do PEF apenso);

U. Em 12.10.2012, foi instaurado no Serviço de Finanças de Cascais - 2, em nome da SDO, o PEF n.° ......., para cobrança coerciva de dívida proveniente de IRS - retenção na fonte, de 2012, no valor de € 3.926,00 (provado por documento, a fls. 1 e 2 do PEF apenso);

V. Por sentença proferida a 20.12.2012, no âmbito do processo n.° 2213/12.3TYLSB, que correu termos no 3.° Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, foi declarada a insolvência da SDO, tendo sido determinada a imediata apreensão de todos os seus bens (provado por documento, a fls. 8 a 14 do PEF apenso);

W. A insolvência da SDO foi qualificada como fortuita (provado por documento, a fls. 15 a 18 do PEF apenso);

X. À data da insolvência, a SDO apresentava um passivo de € 751.031,49 e um activo de € 543.350,88 (provado por documento, a fls. 8 a 14 do PEF apenso);

Y. Em 08.04.2013, o Chefe do Serviço de Finanças de Cascais - 2 proferiu projecto de reversão das dívidas em cobrança coerciva no âmbito do PEF identificado na alínea U. supra, ao abrigo dos arts. 22.°, 23.°, n.° 2, 24.°, n.° 1, alínea b) da LGT, 8.° do RGIT e 148.° e 153.° do CPPT (provado por documento, a fls. 34 e 35 do PEF apenso);

Z. O Oponente exerceu o seu direito de audição invocando, em suma, que a SDO tinha (e ainda terá) património suficiente para solver a dívida exequenda e que a falta de meios financeiros não se deveu a nenhuma actuação culposa (provado por documento, a fls. 36 a 47 do PEF apenso);

AA. Em 03.06.2013, o Chefe do Serviço de Finanças de Cascais - 2 proferiu despacho de reversão contra o Oponente, ao abrigo do art. 23.° e da alínea b) do n.° 1 do art. 24.° da LGT, com os fundamentos constantes da informação elaborada nos Serviços, na qual se concluiu, na parte relevante, que: “(...) Em consulta aos autos, verifica- se ter sido efectuada várias penhoras, nomeadamente de contas bancárias e viaturas, sendo que estas viaturas ainda se encontram com a penhora efectuada, só que (...) o valor das penhoras efectuadas se mostraram de um valor muito inferior ao necessário para a satisfação da dívida exequenda e a acrescido.

(...) [O] notificado não logra afastar a presunção de gerência efectiva e/ou de facto, que para si resulta do facto de ter sido nomeado gerente da sociedade executada. (...)” (provado por documentos, a fls. 49 a 54 do PEF apenso);

BB. Através do ofício n.° 8318, da mesma data, foi remetida ao Oponente, no âmbito do PEF referido na alínea U. supra, citação, por reversão, ao abrigo do disposto nos arts. 22.°, 23.°, n.° 2, 24.°, n.° 1, alínea b) da LGT, 8.° do RGIT e 148.° e 153.° do CPPT (provado por documentos, a fls. 38 a 40 dos autos).


*

FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos que importe registar como não provados.


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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos juntos aos autos e ao PEF apenso, não impugnados, e do depoimento da testemunha inquirida, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.

A testemunha inquirida, J......., na qualidade de sócio da SDO e seu gerente, até finais de 2007, demonstrou ter um conhecimento directo dos factos sobre os quais foi inquirido. O seu depoimento revelou-se consistente, isento e credível. Explicou, nomeadamente que foi dito aos sócios que as vendas caíram e que os custos de pessoal eram muito elevados, sendo difícil despedir trabalhadores porque eram todos efectivos. referiu que o oponente só teve conhecimento da situação financeira da SDO quando os cheques começaram a ser devolvidos, em finais de 2010. Afirmou também que o Oponente, como sócio fundador, tinha muito carinho pelas lojas e a esperança que a SDO recuperasse, tendo tomado diversas medidas para assegurar a sua viabilidade, entre as quais: a abertura da loja na estação de são Pedro, para o que deram livranças pessoais; a celebração do contrato com a S.......; a renegociação de rendas e a rescisão de contratos com trabalhadores.»


X

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, rectifica-se a alínea seguinte:

«T. Em Outubro de 2012, a SDO decidiu apresentar-se à insolvência (provado por documento, a fls. 8 a 14 do PEF apenso e acordo).

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se ao probatório o elemento seguinte:

CC. A dívida de IRS de 2012, em causa nos autos, tinha como data de pagamento voluntário a de 20.09.2012 – fls. 3 do pef.


X

2.2. Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados erros de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida na determinação da matéria de facto (i) e na apreciação da matéria de facto (ii).

2.2.2. A sentença julgou procedente a oposição, considerando que falta ao oponente a legitimidade material passiva para ser chamado, como revertido, à execução. Considerou que a culpa no não pagamento da dívida não se mostra comprovada nos autos. Para tanto, estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«A prova produzida, valorada à luz das regras da experiência comum, permite concluir que o Oponente geriu a SDO com zelo, encetando diversas medidas para procurar viabilizá-la financeiramente, assim como para efectuar o pagamento das respectivas dívidas fiscais. // Como se referiu anteriormente, na aferição da diligência do gerente não podem deixar de ser apreciadas todas as circunstâncias concretas do caso. No caso em apreço, não pode deixar de relevar o empenho que o Oponente demonstrou de, sabendo as dificuldades que a sociedade atravessava, aceitar o encargo da gerência, não remunerada, e de, à custa do seu património pessoal, subscrever um aumento de capital, no significativo valor de € 100.000,00, por forma a viabilizar a sociedade que fundou e em que acreditava, para além de outras medidas de gestão anteriormente referidas, que se revelaram prudentes e adequadas, no critério de um gestor normalmente diligente».

2.2.3. Do alegado erro de julgamento na determinação da matéria de facto. A recorrente impugna «a factualidade dada como assente nas alíneas I., J., K., L., P., e Q. do probatório constante da Sentença recorrida, por ancorada em prova testemunhal sem conhecimento directo e imediato dos factos e desacompanhada de qualquer outro elemento probatório, designadamente de cariz documental, que a suporte». Estão em causa as alíneas do probatório seguintes:
«I. No ano de 2010, a SDO assinou um contrato com a R....... para abertura de um estabelecimento comercial na estação de São Pedro, uma vez que a fábrica tinha capacidade para produzir mais, na expectativa de que, abrindo um novo balcão, poder escoar mais produtos (provado por testemunha, cfr. depoimento de J.......)»
«J. Os custos de exploração deste estabelecimento revelaram-se muito superiores ao inicialmente estimado e as receitas estimadas inferiores às efectivamente auferidas, o que motivou o seu encerramento, poucos meses após a abertura, sem recuperação do investimento inicial feito pela SDO (provado por testemunha, cfr. depoimento de J.......)»
«K. No ano de 2010, os sócios-gerentes A...... e V...... propuseram aos demais sócios um reforço de financiamento, que seria feito através da celebração de um contrato de exclusivo com a S......, de cerca de € 70.000,00, através do qual a SDO se obrigava a adquirir, pelo período de 5 anos, 5 toneladas de café a um preço fixo, acima do preço normalmente praticado nos contratos sem cláusula de fidelização (provado pelo depoimento da testemunha J.......)»
«L. O contrato com a S....... era uma forma de a SDO obter financiamento, evitando o recurso à Banca (provado por testemunha, cfr. depoimento da testemunha J.......)»
«P. O Oponente efectuou acordos para pagamentos prestacionais das dívidas fiscais e à Segurança Social (facto não controvertido)»
«Q. O Oponente procurou implementar medidas para assegurar a viabilidade financeira e reduzir os custos fixos da SDO, nomeadamente rescindiu contratos com trabalhadores, que passaram a ser cerca de 32 (quando, em 2008, eram 56) e reduziu custos com rendas, tendo renegociado o contrato da Madorna, no valor de € 2.500 para € 1.500 (provado por testemunha, cfr. depoimento da testemunha J.......)».
No que respeita às alíneas I), J), K) e L), para além do carácter conclusivo da alínea L), verifica-se que as mesmas são esteadas no depoimento de uma testemunha. Tal quesito, sem o cruzamento com prova documental, que ateste a celebração dos contratos em causa, bem como documentos que registem na contabilidade os lançamentos determinados pela execução dos mesmos, não permite afiançar da veracidade e precisão dos elementos em apreço. Pelo que os mesmos não se podem manter.
No que respeita às alíneas P) e Q), as mesmas também não se podem manter, dado que, na primeira, estão em causa elementos – os planos de pagamentos em prestações - que compete ao gerente da sociedade apresentar, no que respeita à segunda, trata-se de rescisões e de renegociações de contratos de arrendamento, pelo que tais actos devem estar suportados em documentos e registados na contabilidade da sociedade devedora originária, pelo que a prova testemunhal, assente no depoimento de uma testemunha, não se oferece suficiente para os comprovar. Pelo que tais alíneas não se podem manter.
No que respeita a todos os quesitos em presença, cumpre referir que a prova dos mesmos constitui ónus do oponente e não do oponido, dado que está em causa a comprovação da falta de culpa do gerente na omissão de pagamento da dívida exequenda (omissão de entrega de IRS retido - artigo 24.º/1/b), da LGT).
Em face do exposto, impõe-se eliminar as alíneas I), J), K) e L), P) e Q).
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.4. No que respeita ao alegado erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, a recorrente invoca, em síntese, que: «nenhuma diligência empreendida pelo Oponente resultou provada nos presentes autos, para além do aumento de capital efectuado em 26-09-2011 e elencado na alínea R. da factualidade dada como assente na Sentença recorrida, com o intuito de salvar, ou pelo menos minorar, a situação financeira desastrosa da sociedade da qual era gerente».

No caso em exame, está em causa a reversão da execução fiscal contra o oponente, por dívida de IRS, retenção na fonte de 2012. Trata-se da efectivação da responsabilidade subsidiária do oponente ao abrigo do disposto no artigo 24.º/1/b), da LGT.

«Neste caso, o ónus da prova inverte-se contra o gestor, competindo-lhe provar que a falta de pagamento não lhe é imputável. Presume-se a culpa do gestor porque, terminando o prazo de pagamento do tributo durante o exercício do seu cargo, considera-se que, em princípio, não pode desconhecer a existência da dívida e, portanto, ao colocar a empresa na situação de insuficiência patrimonial está a causar danos ao Fisco. Assentando a responsabilidade subsidiária numa actuação ilícita e culposa, que se presume, cumpre ao gestor elidir tal presunção, demonstrando que à época do vencimento da obrigação tributária usou da diligência de um bónus pater familiae, não violando quaisquer regras de gestão (designadamente as do art. 32º da LGT e 64º do CSC), mas apesar disso a empresa não tinha meios financeiros para a pagar»[1].

Mais se refere que «há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável»[2].

No caso em exame, do probatório resultam os elementos seguintes:

i) A partir de 2009, a situação financeira da SDO começou a degradar-se, em especial devido à queda do consumo (alínea H).

ii) Em finais de 2010, o Oponente teve conhecimento que a SDO não se encontrava a honrar os seus compromissos, designadamente que estavam a ser devolvidos cheques por falta de provisão, e que tinha dívidas ao Fisco, à Segurança Social e a fornecedores (alínea M)

iii) Para tentar reverter a situação, em Julho de 2011, o Oponente assumiu a gerência da SDO, juntamente com L......, sem remuneração (alínea O).

iv) Em Assembleia-Geral realizada a 26.09.2011, os sócios acordaram num aumento de capital, no valor de € 100.000,00, que foi integralmente subscrito pelo Oponente (alínea R).

v) O valor do aumento de capital foi imediatamente penhorado à ordem de processos de execução fiscal instaurados pela Segurança Social (alínea S).

vi) A dívida de IRS de 2012, em causa nos autos, tinha como data de pagamento voluntário a de 20.09.2012 (alínea CC).

vii) Em Outubro de 2012, a SDO decidiu apresentar-se à insolvência (alínea T).

Perante o quadro descrito, suscita-se a questão de saber se a falta de pagamento da dívida exequenda se deve a culpa do oponente? Julgamos que a resposta é negativa. O oponente assumiu a gerência, não remunerada da sociedade, numa situação deficitária; realizou um aumento substancial de capital da mesma, à custa do seu património e, após penhora do montante em referência por parte da Segurança Social, requereu a insolvência da sociedade devedora originária. Com este comportamento, o oponente adoptou diligências com vista à satisfação das dívidas em falta, incluindo a ora exequenda. Perante a impossibilidade de saneamento financeiro da empresa, requereu, prontamente, a insolvência da mesma. Pelo que, perante as medidas adoptadas pelo oponente, não é possível concluir com segurança no sentido de que a falta de pagamento da dívida exequenda seja imputável a comportamento censurável do mesmo. O que implica a ocorrência de causa dirimente do nexo de imputação ao oponente do incumprimento em causa.

Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.

Termos em que se julga improcedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1ª. Adjunta)



 (2ª. Adjunta)

___________________-

[1] Acórdão do STA, de 20.06.2012, P. 01013/11.

[2] Acórdão do TCAS, de 06.04.2017, P. 456/13.1BELLE