Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:274/17.8BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/31/2018
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:EFEITO DO RECURSO
JÚRI
SUSPEIÇÃO
PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
Sumário:I – O CPTA não prevê a possibilidade, nos casos em que o recurso tem efeito meramente devolutivo nos termos do n.º 2 do artigo 143.º, de ser requerida ao juiz a substituição desse efeito por um efeito suspensivo.

II – A verificação da causa de suspeição prevista na alínea d) do nº 1 do art. 73.º do CPTA exige a demonstração da possibilidade séria da afectação da imparcialidade do decisor, por no caso existir uma inimizade grave ou uma situação de grande intimidade.

III – Da prova da existência de meras relações profissionais, ainda que de longa data, não se extraem indícios suficientes que permitam concluir com razoabilidade duvidar seriamente da imparcialidade dos membros do júri.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Fernanda …………………. (Recorrente), interpôs recurso jurisdicional da sentença de 6.09.2017 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, proferida ao abrigo do artigo 121.º do CPTA que, no âmbito do processo cautelar intentado contra o Hospital Professor Doutor …………….., E.P.E. (Recorrido), e os Contra-Interessados que indica a fls. 8 do r.i., «julgou a lide supervenientemente impossível, quanto ao pedido de declaração de nulidade do despacho proferido pelo Presidente do Júri do Concurso, em 06.06.2016», que lhe indeferira o incidente de suspeição relativamente a todos os membros do Júri e o pedido improcedente «relativamente ao demais peticionado».

A ora Recorrente havia pedido, na acção principal, que o Hospital ora Recorrido fosse condenado a deferir o “pedido de suspeição do júri do concurso para provimento em lugar de assistente hospital graduado sénior de medicina interna da carreira especial médica /carreira médica, ao qual se refere o anúncio nº33/2016, DR 2ª Série, nº 22 de 02.02.2016 e a suspender o concurso até à nomeação de novo Júri.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

I- A sentença recorrida julgou improcedente o pedido de deferimento do incidente de suspeição oposto pela recorrente ao presidente e ao 1° vogal, também ao 2° vogal hegemonizado do júri do concurso, para preenchimento de vagas de assistente hospitalar sénior de medicina interna, aberta no quadro do Hospital Professor Doutor …………..

II - Apresentou como motivos não ter ficado demonstrado pela recorrente haver uma intimidade perniciosa à transparência e imparcialidade da deliberação graduada do oponentes ao concurso pelo júri, mas apenas uma camaradagem profissional que não recobraria a intensidade bastante a um juízo negativo, sendo vulgar e aceitável que os membros do júri e os oponentes naquelas circunstâncias se tratassem por tu e de elogio durante a discussão pública do currículo.

III - Porém, defende a recorrente que esta circunstância já de si é suficiente para a suspeição, sobretudo face-a-face a uma opinião pública cada vez mais exigente da seriedade e perfil honesto dos actos públicos, principalmente dos actos administrativos de recrutamento do pessoal médico de tanto melindre e necessidade social.

IV - Mas acontece que a actuação do júri e que o R. não desmentiu ponto por ponto, face à crítica que lhe foi apresentada pela recorrente e que nesta peça ficou reproduzida ad nauseam, demonstra ser corolário, ponto por ponto também, de uma actuação intransparente e parcial do júri em questão, no que diz respeito ao favorecimento do oponente ao concurso, cuja camaradagem profissional com o presidente e o 1° vogal a própria sentença recorrida aceita como provada, e correlativo concreto prejuízo da recorrente.

V - Assim, a sentença recorrida infringe o disposto no art°73°/1/d do CPA, quando, pelo contrário, deveria ter aceite e tirado as consequências necessárias de uma suspeição dos elementos hegemónicos do júri, manifesta e patente sob uma saliência objectiva incontornável.

O Hospital Recorrido apresentou contra-alegações, concluindo do seguinte modo:

A) A Recorrente coloca em crise a legalidade da deliberação proferida pelo Conselho de Administração do ora Recorrido no dia 30 de janeiro de 2017, pugnando pela anulação daquela deliberação e, consequentemente, da Sentença proferida pelo Tribunal a quo.

B) A Recorrente que perpetua uma errónea interpretação das regras das garantias de imparcialidade constantes nos artigos 69° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, em especial do artigo 73° n°l alínea d) do Código do Procedimento Administrativo, o que a leva a concluir que uma alegada relação de camaradagem profissional entre membros do júri (presidente e 1° vogal) e um dos oponentes no procedimento concursal que teria de conduzir, necessariamente, ao deferimento do pedido de suspeição por si deduzido pelo Conselho de Administração do Réu.

C) Debalde, a Recorrente absteve-se de percorrer, uma vez mais, o trilho legal das regras relativas às garantias de imparcialidade enunciadas no Código do Procedimento Administrativo, razão pela qual desconhece as razões de fato e de direito que edificaram a decisão do Conselho de Administração do Recorrido e da Sentença proferida pelo Tribunal a quo ora em crise.

D) Ora, como bem diz a Sentença recorrida da matéria de facto provada (designadamente dos pontos 4 a 7) ficou demonstrada a existência de relações de camaradagem entre o Presidente do Júri e o primeiro vogal com um dos candidatos, contudo, conclui a Sentença recorrida que “tal relação de camaradagem não traduz uma situação de grande intimidade entre os candidatos José A......... e os membros do júri, nem tão pouco uma situação a partir da qual se possa com razoabilidade duvidar seriamente da imparcialidade dos membros do júri", prosseguindo no parágrafo seguinte concluindo ser "normal e expectável que os membros do júri, por força dos seus percursos profissionais, conheçam ou tenham colaborado profissionalmente com algum ou alguns candidatos (e que até se tratem "por tu") sem com isso significar ou colocar em causa a sua imparcialidade como membros do júri em procedimentos concursais", pelo que, entende o Recorrido que tal factualidade dada com provada na Sentença recorrida, mesmo que acompanhada de fotografias que apenas demostram uma relação profissional entre os visados pela suspeição, não se traduz ou manifesta uma circunstância pela qual se possa com razoabilidade duvidar seriamente da imparcialidade dos membros do júri, nem tão pouco uma situação de grande intimidade entre um dos candidatos e os membros do júri.

E) Não está em causa, sublinhe-se, uma eventual circunstância dos candidatos e membros do júri terem, entre si, uma relação de amizade, ou uma alegação no sentido de serem "visitas de casa" uns dos outros ou mesmo terem por hábito tomar refeições juntos, estando em causa, apenas e só, a circunstância de um dos candidatos e dois dos membros do júri haverem sido co-fundadores, em 1994, do Núcleo de Estudos de Doenças Auto-imunes da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna.

F) Daqui não resulta, ao contrário do que alega a Recorrente a existência de relações de amizade e, mais ainda, de grande intimidade que colocariam em causa a imparcialidade de tais elementos, sendo certo que o facto de alguém haver participado na fundação de um determinado núcleo ou associação não implica, necessariamente, uma profunda intimidade cornos restantes fundadores de tal núcleo, nem tampouco é susceptível de evidenciar qualquer tipo de diminuição das garantias de imparcialidade.

G) Em suma: as garantias de imparcialidade previstas no CPA reconduzem-se em grande medida a situações de parentesco (artigo 69° e artigo 73°) ou de grande intimidade ou inimizade (ex vide o artigo 73° n°l aliena d)) e não censuram relações profissionais e de cordialidade entre membros de um júri de um concurso, a título de exemplo, e candidatos, pelo que, outra não poderia ser a decisão tomada pelo Conselho de Administração do Recorrido, na medida em que e na ausência de melhor prova, não existiam indícios suficientes que permitam concluir com razoabilidade duvidar seriamente da imparcialidade dos membros do júri, sendo certo ainda realçar que a referida deliberação foi tomada após audição de todos os membros do júri – relativamente às suspeitas levantadas pela Recorrente.

H) Termos que, a deliberação tomada pelo Conselho de Administração do Recorrido no dia 30 de janeiro de 2017 não merece qualquer censura e, consequentemente, a Sentença recorrida, a qual acolheu a legalidade daquela deliberação, deverá manter-se nos exatos termos em que foi exarada.

I) Mais a mais, sempre se deverá referir que a simples leitura da deliberação colocada em crise é demonstrativa da lisura e da transparência da decisão tomada pelo Conselho de Administração do Recorrido faz do requerimento da Recorrente, no qual elenca de forma genérica alegadas "ilegalidades" imputáveis ao júri na avaliação de todos os candidatos (e não apenas do Oponente Dr. José ….).

J) Neste segmento de decisão, o Conselho de Administração do Réu realizou uma apreciação dentro do que são os limites da discricionariedade técnica do júri do procedimento, isto é, não é pelo facto do Conselho de Administração -eventualmente- discordar de uma qualquer decisão do júri que deverá concluir no sentido de que tal decisão foi tomada por tal órgão com a deliberada intenção de beneficiar um dos candidatos.

K) Termos em que a decisão tomada pelo Conselho de Administração da demandada foi no sentido de que as questões relacionadas com a atribuição de pontuações não indiciavam qualquer intenção de prejudicar ou beneficiar qualquer dos candidatos e, bem assim, e no que se refere à alegada intimidade entre os membros do júri e um dos candidatos, que inexistia prova que permitisse concluir no sentido de existir uma qualquer diminuição das garantias de imparcialidade.

L) Pelo exposto, na ausência da alegação pela Recorrente de factos que traduzam circunstâncias pelas quais se possa com razoabilidade duvidar seriamente da imparcialidade da conduta e decisão do júri não poderia ter o Tribunal a quo decidido de forma diversa daquela que decidiu, sob pena de violar a lei.


Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto foi notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º, n.º 1 do CPTA, nada tendo dito.


Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

I. 2. Questão prévia: do efeito do recurso:

Antes de entrarmos na apreciação do presente recurso jurisdicional, importa conhecer da questão prévia que vem suscitada e que se prende com o efeito a atribuir a este recurso.

A ora Recorrente requereu a fixação do efeito suspensivo ao recurso, invocando o art. 143.º, nº 5, do CPTA.

No tribunal a quo, não foi fixado efeito ao recurso.

A matéria relativamente aos efeitos dos recursos jurisdicionais mostra-se regulada no artigo 143.º do CPTA, prevendo-se aí o seguinte:

1 - Salvo o disposto em lei especial, os recursos ordinários têm efeito suspensivo da decisão recorrida.

2 - Para além de outros a que a lei reconheça tal efeito, são meramente devolutivos os recursos interpostos de:

a) Intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias;

b) Decisões respeitantes a processos cautelares e respectivos incidentes.

c) Decisões proferidas por antecipação do juízo sobre a causa principal no âmbito de processos cautelares, nos termos do artigo 121º.

3 - Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, o recorrente, no requerimento de interposição de recurso, pode requerer que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo.

4 - Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adopção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos.

5 - A atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso é recusada quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos.

O artigo 143º do CPTA estabelece, assim, duas regras quanto aos efeitos a atribuir aos recursos jurisdicionais: a primeira é a de que os recursos ordinários têm efeito suspensivo da decisão recorrida, salvo o disposto em lei especial (cfr. n.º 1); a segunda, a de que os recursos interpostos de decisões em intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias, de decisões respeitantes a processos cautelares e respectivos incidentes e decisões proferidas por antecipação do juízo sobre a causa principal têm efeito meramente devolutivo (cfr. n.º 2).

Contudo, nos casos em que, por regra, o recurso tem efeito suspensivo nos termos do n.º 1 do artigo 143.º do CPTA, diz a lei que o recorrente pode requerer que lhe seja atribuído efeito meramente devolutivo se a suspensão dos efeitos da sentença for passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos (cfr. n.º 3). Se assim suceder, isto é, se o interessado requerer que ao recurso que, por regra, tem efeito suspensivo, seja atribuído efeito meramente devolutivo (cfr. n.ºs 1 e 3 do artigo 143º do CPTA), o tribunal pode determinar a adopção de providências adequadas a evitar ou minorar os danos que possam resultar da atribuição desse efeito e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos (cfr. n.º 4) ou indefere o pedido quando os danos que resultam da atribuição de efeito meramente devolutivo se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos (cfr. n.º 5) – neste sentido, o ac. deste TCAS de 14.07.2016, proc. n.º 13348/16.

Resulta do exposto também que “a previsão dos n.ºs 4 e 5 pressupõe que tenha sido requerida a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso, nos termos do n.º 3. Não é, por isso, aplicável às situações de efeito devolutivo por determinação da lei, que directamente decorrem do disposto no n.º 2” (cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª ed. revista, 2010, p. 943). Desse modo permite-se a execução provisória das sentenças (art. 647.º do CPC) - a execução fundada em sentença pendente de recurso com efeito meramente devolutivo é, por sua própria natureza, provisória (art. 704.º, n.º 1, do CPC).

No caso, o efeito legalmente fixado ao recurso é o devolutivo e é esse o efeito a observar.

Como os mesmos Autores ensinam: “a atribuição de efeito devolutivo, neste caso, tem plena justificação na medida em que a antecipação do juízo sobre o mérito da causa corresponde, na prática, a uma decisão que, substituindo a decisão do processo cautelar intentado, se consubstancia na recusa da adoção da providência cautelar que tinha sido requerida e a sujeição ao regime-regra dos efeitos do recurso inutilizaria a própria antecipação do julgamento sobre o mérito da causa, fazendo com que o interessado permanecesse, durante a pendência do recurso, na mesma situação em que se ficaria colocado se o juiz se tivesse limitado a indeferir a providência cautelar” (idem, p. 1101).

E explicam ainda que: “a lei não prevê a possibilidade, nos casos em que o recurso tem efeito meramente devolutivo, nos termos do n.º 2, de ser requerida ao juiz a substituição desse efeito por um efeito suspensivo. A solução explica-se porque a atribuição do efeito meramente devolutivo ao recurso, nos casos previstos no n.º 2, é justificada, como foi explicado na nota precedente, pelas razões de especial urgência que estão na base da utilização dos meios processuais em causa (intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, tutela cautelar e antecipação do julgamento de mérito no âmbito do processo cautelar), e, no que refere às decisões respeitantes a processos cautelares, também pelo facto de o juiz já ter procedido, no âmbito desses processos, à ponderação de interesses de que os n.ºs 4 e 5 do presente artigo fazem depender a decisão do juiz de alterar os efeitos do recurso” (cfr. idem, p. 1103).

Pelo que, terá que fixar-se o efeito devolutivo ao presente recurso.



I. 3. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao não ter concluído pela violação do disposto no art. 73.º, nº 1, al. d), do CPA.




II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos, em decisão que aqui se reproduz ipsis verbis:

1. A Autora é oponente ao concurso conducente ao recrutamento de pessoal médico para a categoria de assistente graduado sénior da área hospitalar - Medicina Interna - da carreira médica e especial médica hospitalar do Hospital Professor Doutor ……………. aberto pelo Anúncio n° 33/2016, publicado no DR, 2ª Série, n° 22, de 02.02.2016.

2. Foi nomeado Presidente do júri: Luís ……………. - Assistente Graduado Sénior de Medicina Interna do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E.; foi nomeado 1° Vogal efectivo: Carlos …………………… - Assistente Graduado Sénior de Medicina Interna do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra; foi nomeado 2° Vogal efectivo: Francisco …………….. - Assistente Graduado Sénior de Medicina Interna do Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E. (cfr. aviso supra referido).

3. Na 1ª reunião do júri, realizada em 23-12-2015, foram definidos e fixados os parâmetros de avaliação, sua ponderação, grelha classificativa e sistema de valoração relativo a cada um dos métodos de selecção, conforme ata n° 1 junta ao processo administrativo cujo teor se dá por integralmente reproduzido. Como métodos de selecção foram fixados a prova de avaliação e discussão curricular e a prova de avaliação prática (que constaria da apresentação e discussão de um plano de gestão clínica).

4. Antes do início das provas, no café da entrada principal do HPDFF o Dr. José …… dirigiu-se em voz alta ao Dr. Luís ………, Presidente do Júri, chamando-o: “ó Luís...ó Luís” (acordo).

5. Durante a prestação da prova, o Presidente do Júri, o 1° Vogal do Júri e o Dr. Luís ……….trataram-se “por tu” (acordo).

6. Os três foram co-fundadores, em 1994, do Núcleo de Estudos de Doenças Autoimunes (NEDAI) da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna e aí têm vindo a partilhar várias funções (acordo).

7. Há mais de uma década que os três médicos são figuras de destaque como organizadores, preletores e membros de conselhos científicos nas várias reuniões anuais do NEDAI nos congressos nacionais de autoimunidade, nas reuniões anuais de autoimunidade da medicina interna, no Porto e em algumas reuniões da Sociedade Portuguesa de Reumatologia (acordo).

8. Foi a Autora notificada do projeto de lista de classificação final, tendo ficado posicionada em último lugar, lista essa que é do seguinte teor:
1) José ………………..: 18,12 valores;
2) João ……………….: 16,42 valores;
3) Maria ……………….: 15.84 valores;
4) Pedro ……………………: 14,44 valores;
5) Fernando ………………….: 13,76 valores;
6) Fernanda ……………….: 13,27 valores
(cfr. fls. 12 dos autos cautelares)

9. Em 16 de maio de 2016, a Requerente dirigiu ao “Senhor Presidente e Vogais do Júri do Concurso de Provimento na Categoria de Assistente Graduado Sénior do Hospital Professor Doutor ……….. aberto pelo Anúncio n°33/2016”, o requerimento, sob doc. de fls. 13 e sgts. dos autos cautelares, o qual se dá por integralmente reproduzido, no qual deduz incidente de suspeição relativamente a todos os membros do júri, terminando da seguinte forma:
“ São todos estes argumentos que o oponente traz ao debate, perante V. Ex.°s, Exm° Júri e Exmos Vogais do Júri, em ordem a que, tomados em boa conta, possam levar a um assentimento, sem mais, ou ao despacho, pela entidade que lançou o concurso, de uma substituição arbitral dos Senhores Dr. Luis …….., Dr. Jorge ……… e Dr. Francisco ………..
Requer, portanto, a oponente, seguidos os demais trâmites que são de lei, que esta suspeição seja objeto de rigoroso exame e amparo, se necessário, com a subida hierárquica superior do expediente.”
(cfr. doc. de fls. 13 dos autos cautelares)

10. Em 06.06.2016 foi proferido despacho de indeferimento do requerimento de suspeição, despacho subscrito pelo Presidente do Júri, Dr. Luís ………., junto sob doc. de fls. 152 e 153 e sgts. da ação principal, o qual se dá por integralmente reproduzido, no qual, em síntese, se refere que em função do percurso profissional dos médicos em causa, é natural que os membros do júri conheçam e tenham graus de conhecimento pessoal e de relação com o Prof Dr. José ……… e que o júri está convicto da sua isenção, seriedade e sentido de justiça na classificação atribuída.

11. Em 09.06.2016, a Requerente interpôs providência cautelar no sentido da suspensão da eficácia do concurso, tendo obtido vencimento de causa em primeira instância (cfr. processo n° 1326/16.7 BELSB em anexo).

12. A Requerente dirigiu ao Presidente do Júri o requerimento sob doc. de fls. 150 e 151 da ação principal cujo teor se dá por integralmente reproduzido, onde se pode ler designadamente o seguinte:
“...O Senhor Presidente do Júri subscreve a resposta, que datou de 06.06.2016, em nome pessoal, pelo que a opoente espera ainda, mas que tardam, as respostas dos senhores vogais.
(..) Em todo o caso, a função do presente requerimento é a de prevenir o júri ter de ser decidido o incidente de suspeição, não pelo próprio júri, mas pela entidade que o nomeou, isto é, o conselho de administração do HFF, que subscreveu o anúncio 33/2016, de 02.02, publicado em DR... "

13. Cada um dos membros do júri, respectivamente, em 21, 22 e 25 de junho de 2016, conforme declarações juntas a fls. 152 a 158 da ação principal, pronunciam-se no sentido do indeferimento do requerimento de suspeição referido em 9..

14. Em 15.12.2016 foi proferido acórdão pelo TCAS, junto aos autos principais, a fls. 128 e sgts., que confirmou a decisão da 1ª instância (embora com fundamentação diferente) e que concluiu que “a decisão do incidente de suspeição pelo presidente do júri é obviamente ilegal, por violação do princípio da imparcialidade objectiva, por violação do dever de fazer a comunicação prevista no artigo 70° do CPA e, quanto ao incidente (de suspeição), por violação do artigo 41° do CPA - decisão assim anulável, também por violar claramente o artigo 69°. n° 1 a) e o artigo 70o, n° 4, este ex vi artigo 75°, n° 1 do CPA, sem esquecer o artigo 71º, n°1."

15. O mesmo acórdão determinou que, para os efeitos disciplinares previstos no artigo 76°, n° 2 do CPA, atenta a conduta do presidente do júri, fosse remetida cópia do acórdão ao conselho de administração do HFF como “participação de infracção disciplinar grave, ao abrigo dos artigos 69, n° 1. a), 70° e 76°, n° 2 do CPA."

16. Nesta sequência o CA do HFF tomou providências no sentido da abertura do processo disciplinar, nos termos expressos no oficio constante de fls. 107 da ação principal, que dirigiu à Presidente do Conselho de Administração do CHLO:

No âmbito do procedimento concursal comum conducente ao recrutamento de pessoal médico, para a categoria de assistente graduado sénior, da área hospitalar da Especialidade de Medicina Interna, da carreira especial médica aberto pelo Anúncio nº33/2016, de 2 de fevereiro de 2016, foi recentemente proferida uma decisão pelo Tribunal Central Administrativo Sul, de 15-122016, na qual é determinado remeter cópia do acórdão à entidade requerida, HFF, para efeitos de participação de infracção disciplinar relacionada com a conduta do Sr. Dr. Luís …………….., enquanto Presidente do referido procedimento.

Nesse sentido, atendendo a que o Conselho de Administração deste Hospital não tem o necessário poder disciplinar, remete-se a V. Excelência o referido acórdão que integra o acervo documental da deliberação do Conselho de Administração do HFF, de 2-02-2017, pela qual foi proferida decisão sobre o incidente de suspeição deduzido por uma candidata ao referido concurso (num total de 21 Fls., incluindo a presente.

17. Na sequência do acórdão do TCAS, o CA do HFF dirigiu ao júri do concurso o documento de fls. 60 e 61 dos autos cautelares, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, pedindo esclarecimentos sobre as questões suscitadas pela A. no incidente de suspeição

18. O Júri veio responder a esses pedidos de esclarecimento conforme documento de fls. 61 (verso) a 64 dos autos cautelares, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, salientando-se os seguintes esclarecimentos:
Ao pedido de esclarecimento: “ Qual o critério que presidiu à atribuição de igual classificação a todos os candidatos do item classificativo relativo à classificação obtida na avaliação da prova para obtenção do grau de consultor na área de medicina interna, quando, nos termos da grelha classificativa e nesse item é tido em conta a “classificação obtida na avaliação da prova para obtenção do grau de consultor na área de Medicina Interna ”, sendo o candidato mais pontuado, classificado com a classificação máxima e os restantes serão pontuados de forma proporcional de 0 a 1 valores?
O Júri respondeu: “a decisão de atribuir a nota máxima a todos os candidatos teve por fundamento o facto de dois dos candidatos, o Dr. Pedro ……… e o Dr. João …………, terem apresentado a classificação de apto, tal como era determinado legalmente na altura em que efectuaram esta graduação, não tendo apresentado classificação numérica. Esse facto impediu o júri de fazer uma classificação proporcional em relação a todos os candidatos, pelo que entendeu dar a nota máxima a todos. ”
(...)
Ao pedido de esclarecimento: “É verdade a alegação relativa ao 1° classificado, Dr. José …., de que “A sua actividade clínica, académica e científica se centra quase exclusivamente nas doenças auto-imunes? E a ser verdade tal alegação, consideram que fica colocada em causa a abrangência exigida no concurso (como questiona a Dra Fernanda ……..?)
O júri respondeu: “ É falso na medida em que o Prof. José ….. é director do serviço de medicina interna do HFF no qual demonstrou que a patologia auto-imune apenas corresponde a cerca de 10% dos doentes internados. Acresce que o Prof. José ………. nas suas funções académicas estava inserido na cadeira de farmacologia clínica que é uma cadeira básica do curso de medicina. ”

19. O Dr. José ……. obteve a nota de 16,55 valores na prova para o grau de consultor na área da medicina interna (cfr. fls. 52 do seu curriculum vitae junto ao doc n° 7 do processo n°1326/16.7 BELSB).

20. A Autora teve 17, 7 valores na prova para o grau de consultor na área da medicina interna e o Dr. Fernando…….. teve 11,35 valores na mesma prova (cfr. respectivos curricula vitae juntos ao processo administrativo).

21. Foi decidido pelo CA do HFF, na reunião de 02.02.2017, por unanimidade, não declarar a suspeição do júri, decisão na qual se pode ler designadamente o seguinte:
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DO INCIDENTE DE SUSPEIÇÃO DO JÚRI
1- A decisão do Conselho de Administração “CA", tomada na presente data em não declarar o impedimento em análise e conducente à substituição do Júri, tem por fundamento não se encontrar razoavelmente demonstrada a invocada suspeição quanto a isenção dos referidos membros do Júri, em particular, no que tange aos aspectos estritamente vinculado do júri colocados em causa (os que desorbitam a margem para a discricionariedade técnica), ou por qualquer outra circunstância que pudesse levar o CA a duvidar seriamente da imparcialidade da conduta ou decisão do Júri.
2- Nesse sentido, os aparentes vícios considerados por este CA como provavelmente procedentes, nomeadamente, os erros reconhecidos pelo Júri na sua pronúncia, incutiu neste CA a convicção de que, a serem confirmados, não resultam de atitude intencional de prejudicar a requerente do incidente, ou qualquer outro candidato. Note-se que tais candidatos, após a divulgação da lista de classificação final, poderão, querendo, reagir em sede graciosa ou judicial.
3 - Com vista a apreender o iter cognoscitivo (ou o raciocínio) seguido pelo aqui órgão decisor, que o levou a decidir pela não declaração do impedimento (conducente a substituição do Júri), na medida em que foram apreciados os aspectos estritamente vinculados na decisão do júri quanto aos parâmetros postos em causa (aqueles que desorbitam a permitida margem de discricionariedade técnica), passamos a expor o seguinte juízo critico a cada uma das posições em causa:
- "O Júri não incluiu na grelha classificada o resultado da avaliação final do internato médico de Medicina Interna, obrigatória por lei e um dos critérios de ordenação preferencial dos candidatos em caso de classificação idêntica"
Afigura-se-nos não resultar do disposto na alínea d) do nº3, conjugada com o nº4, do artigo 20° da Portaria nº207/2011, de 24/05, republicada pela Portaria nº229-A/2015, de 3 de agosto (adiante Portaria nº22S-A/2015), que a classificação obtida na avaliação final do internato médico da respectiva área de formação específica deva ser ponderada para a avaliação curricular na categoria de assistente sénior graduado.
Pelo contrário, salvo melhor opinião, os resultados dessa avaliação curricular (internato médico) não são exigidos para a categoria em apreço (a de assistente sénior graduado).
- “Nas classificações atribuídas na alínea e) não se mostram observados os critérios previamente fixados na Grelha nem os parâmetros que constam da Portaria nº229- A/2015."
Com efeito, a alínea e) do nº3, conjugada com o nº4, do artigo 20º da citada Portaria nº229- A/2015, de 3 de agosto, determina graduar a classificação obtida na avaliação na prova para obtenção do grau de consultor de 0 a 1 valores.
O que significa que, consoante a classificação obtida na referida prova de avaliação, aparentemente, a mesma dá lugar à avaliação curricular de 0 a 1 valores - o que não aconteceu.
Ao invés, sem fundamentar tal decisão, o Júri atribuiu 1 valor (o valor máximo) a todos os candidatos, sendo que a grelha previa a classificação máxima à melhor nota e proporcional aos restantes.
Acresce ainda que, nos termos do ponto 11.2 do aviso de abertura do concurso, a não apresentação da classificação obtida determina a exclusão do candidato. Parece resultar da pronúncia do Júri terem atribuído classificação máxima a todos os candidatos, visando não prejudicar aqueles que no momento em que prestaram prova não era exigível classificação numérica.
Ora, sendo questão controvertida, contudo, considerando a pronúncia do Júri consideramos não demonstrado que a decisão do Júri tivesse tido a intenção de prejudicar qualquer dos candidatos.
- Da avaliação da prova prática
Quanto à alegada forma desprimorosa ou desrespeitosa com a que a requerente do incidente terá sido tratada durante a apresentação da prova em apreço, entendemos que tais alegações dependem de prova que não foi produzida no incidente, sendo que o Júri, na sua pronúncia negou tais alegações.
No que concerne à suscitada alteração da redacção do enunciado no artigo 21º da referia portaria, alterando a redacção "da apresentação e discussão de um plano de gestão clínica do serviço ou unidade", da área de especialização à qual concorre, para "apresentação e discussão de um plano de gestão clínica de um serviço ou unidade funcional, envolvendo internamento e/ou ambulatório da especialidade", entendemos que a norma em causa é susceptível de diferentes interpretações. Contudo, a resposta do júri não aponta inequivocamente para a alegada intenção em prejudicar qualquer dos candidatos em prova.
-"DA INTIMIDADE EXISTENTE ENTRE O 1º CANDIDATO AO CONCURSO, SENHOR DR. JOSÉ …….., E MEMBROS DO JÚRI, SENHORES DRS LUÍS ………… E JORGE ……….., Presidente e Vogal, respectivamente."
Entendemos que tais alegações consubstanciam juízos conclusivos e dependem de prova que não foi produzida no incidente, sendo que os membros do Júri negaram na sua pronúncia tais conclusões.
Pelo exposto e considerando as demais questões do incidente e atendendo à pronúncia do Júri, o CA, salvo melhor opinião, considera não ter ficado demonstrada qualquer circunstância pela qual se pudesse duvidar seriamente da imparcialidade da sua conduta ou decisão.
(cfr. fls 57 dos autos cautelares)

22. O vogal do CA, Dr. João ………, que votou a deliberação referida no ponto anterior, emitiu a seguinte declaração de voto:
“Não obstante as respostas do Júri ao questionário não terem sido totalmente esclarecedoras, em particular, quanto à atribuição de 1 valor a todos os candidatos na avaliação da classificação no grau de consultor, considero que, na dúvida, não devo formular qualquer juízo de intencionalidade imputável ao júri.” (cfr. fls. 58 dos autos cautelares)

23. A vogal do CA do DFF, Dra. Margarida …….., que também votou a deliberação, emitiu a seguinte declaração de voto:
“Não obstante as respostas do júri ao questionário não terem sido totalmente esclarecedoras, em particular, quanto à atribuição de 1 valor a todos os candidatos na avaliação da classificação no grau de consultor e que o júri não cumpriu com o previsto na alínea e) do n° 3, conjugado com o n° 4 do artigo 20° da citada Portaria n° 229-A/2015, de 3 de agosto, que determina graduar a classificação obtida na avaliação na prova para obtenção do grau de consultor de 0 a 1 valores.
Voto no sentido de que o incidente não deve ser declarado, tendo em conta que não existem evidências objectivas e inequívocas para ser declarado como tal, assim considero que, na dúvida, não devo formular qualquer juízo de intencionalidade imputável ao júri.” (cfr. fls. 58 - verso - dos autos cautelares).


II.2. De direito

Vem questionada no recurso a decisão do TAC de Lisboa que julgou improcedente o pedido de deferimento do incidente de suspeição oposto pela ora Recorrente no concurso para preenchimento de vagas de assistente hospitalar sénior de medicina interna no quadro do Hospital Professor Doutor …………, julgando totalmente improcedente a acção.

A Recorrente afirma que a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de um erro de julgamento porquanto infringe o disposto no artigo 73.º n.º 1 alínea d) do Código do Procedimento Administrativo. Em síntese, defende que, quer a deliberação do Conselho de Administração do Recorrido que decidiu o incidente de suspeição deduzido pela Recorrente, quer a sentença recorrida interpretaram erroneamente aquela norma legal. Na sua tese, a existência de uma camaradagem profissional entre um dos candidatos e o presidente e primeiro vogal do júri do procedimento concursal constitui uma circunstância bastante, por si, para demonstrar a suspeição nos termos o disposto no artigo 73.º, n.º 1, alínea d), do Código do Procedimento Administrativo. Pelo que a deliberação proferida pelo Conselho de Administração do ora Recorrido no dia 30 de Janeiro de 2017 é inválida e terá que ser anulada.

Neste capítulo o tribunal a quo fundamentou a decisão do seguinte modo:

Ficou provado o que consta dos pontos 4. a 7. da matéria de facto, que contêm factos que levam à conclusão que entre os três médicos existem relações de camaradagem profissional.

Contudo, tal relação de camaradagem não traduz uma situação de grande intimidade entre o candidatos José A......... e os membros do júri, nem tão pouco uma situação a partir da qual se possa com razoabilidade duvidar seriamente da imparcialidade dos membros do júri.

É normal e expectável que os membros do júri, por força dos seus percursos profissionais, conheçam ou tenham colaborado profissionalmente com algum ou alguns dos candidatos (e que até se tratem “por tu”) sem com isso significar ou colocar em causa a sua imparcialidade como membros do júri em procedimentos concursais.

Como bem aponta o Hospital Réu na oposição, as garantias de imparcialidade previstas no CPA, reconduzem-se em grande medida a situações de parentesco (cfr. artigo 69º e artigo 73º deste Código) ou de grande intimidade ou inimizade e não censuram relações profissionais e de cordialidade entre membros de um júri de um concurso e candidatos.

Em suma, a grande intimidade não está demonstrada desde logo porque não foram alegados factos que possam levar a tal conclusão.

Alega, ainda, a Autora que essa suposta (mas não demonstrada, como vimos) grande intimidade está na base da graduação em 1º lugar de um dos médicos concorrentes, o Dr. José ……., dizendo que existe correlação entre essa intimidade e as alegadas ilegalidades ou erros do itinerário da graduação levada a cabo pelo júri.

Quanto aos alegados vícios do itinerário da graduação, tal como a Autora afirma, não é esta a sede para apreciar se existiram ou não, “devendo apenas ser seriados para evidência do ambiente legitimário da suspeição”(cfr. artigos 6º e 7º da p.i. da ação principal).

Ora, a este respeito, a Autora apresenta uma perspectiva das alegadas ilegalidades que não se coaduna com o motivo da suspeição que invoca (que é a relação de grande intimidade dos membros do júri com o Dr. José A.........), situação que não permite evidenciar “o ambiente legitimário da suspeição” que a mesma invoca.

Na verdade, por um lado, a Autora começa por fazer uma invocação genérica das “alegadas ilegalidades” que não demonstra a alegada parcialidade relativamente ao 1º classificado, o Dr. José A......... (cfr. alíneas i) a vi e ix do artigo 8º da petição inicial da ação principal).

E, por outro lado, o que avulta das alegações da Autora é a circunstância de ela própria, Autora, ter sido prejudicada no contexto dos demais concorrentes (que alega terem sido beneficiados) e não o facto de o 1º classificado (Dr. José A.........) ter sido especialmente beneficiado (cfr. artigos 9º, 10º e 13º a 32º petição inicial da ação principal).

Apenas nos artigos 33º a 40º da petição inicial, a Autora se debruça sobre o candidato classificado em 1º lugar (mas, ainda assim em termos vagos), a saber:

- “o Dr. José A......... desenvolveu um trajecto profissional de preferência e quase exclusivamente na área da reumatologia/doenças auto-imunes;

- o Júri nos motivos da estimativa curricular, utilizou por oito vezes sucessivas a expressão “cumpre os limites estabelecidos para a valorização máxima”, não permitindo a justificação estabelecer e contar os factores de ponderação;

- mais uma vez o Júri utilizou, no caso do Dr. José A........., critérios adicionais de valoração, em especial, no que diz respeito à “participação em equipas de urgência de modo continuado e regular, tendo em conta o tempo de exercício e chefia das mesmas” e “classificação obtida na obtenção do grau de consultor em medicina interna.”;

- as valorações de vários itens da grelha classificativa não apresentam um cabal esclarecimento.”

Estas imputações de ilegalidade que a Autora tece relativamente ao juízo avaliativo que recaiu sobre o Dr. José A......... não aponta para que ele tenha sido especialmente beneficiado relativamente aos demais. Trata-se, no geral, de imputações que a Autora também faz relativamente aos demais concorrentes que ficaram posicionados antes da Autora na lista classificativa.

E quanto à observação atinente ao desenvolvimento de um trajeto profissional de preferência e quase exclusivamente na área da reumatologia/doenças auto- imunes, o júri do concurso, nos esclarecimentos que prestou perante o CA do HFF, veio dizer ser tal alegação falsa: “na medida em que o Prof. José A......... é diretor do serviço de medicina interna do HFF no qual demonstrou que a patologia autoimune apenas corresponde a cerca de 10% dos doentes internados. Acresce que o Prof. José A......... nas suas funções académicas estava inserido na cadeira de farmacologia clínica que é uma cadeira básica do curso de medicina.”

Ora, a Autora não veio rebater este esclarecimento do júri.

Diga-se, de resto, que o CA do HFF confrontado com a necessidade de decidir o requerimento de suspeição foi particularmente cuidadoso, tendo perguntado ao júri, especificadamente, que esclarecesse as questões levantadas pela Autora no referido incidente. E o júri veio prestar esclarecimentos.

E a Autora, em momento algum da sua alegação contraria os esclarecimentos que o júri presta.

O CA do HFF considerou verosímeis as explicações dadas pelo júri nos termos que constam do teor da sua deliberação supra transcrita na matéria de facto, e, por isso, considerou “não se encontrar razoavelmente demonstrada a invocada suspeição quanto à isenção dos referidos membros do júri, em particular, no que tange aos aspectos estritamente vinculados do júri colocados em causa.”.

O único ponto que se pode dizer que foi menos convincente (e apenas para dois vogais do CA do HFF, mas ainda assim não considerado, pelos mesmos, como apto ao deferimento da suspeição - cfr. as duas declarações de voto por parte de dois membros do CA do HFF expostas na matéria de facto) foi o esclarecimento do júri quanto à atribuição do mesmo valor a todos os candidatos no item classificativo relativo à classificação obtida na avaliação da prova para obtenção do grau de consultor na área da medicina interna, em que o júri decidiu dar a todos igual notação (quando o critério aprovado previa que o candidato mais pontuado tivesse a classificação máxima e os restantes fossem pontuados de forma proporcional de 0 a 1 valor).

Mas esta atitude do júri, porventura ilegal, não veio beneficiar especialmente o Dr. Jorge A........., que obteve a classificação de 16, 55 nessa prova, mas eventualmente o Dr. Fernando ……….., que obteve 11,35 valores na mesma prova.

Refere-se, ainda, Autora, nos artigos 41º a 55º da p.i. a um tratamento desigual que mereceu na prova prática, comparado com o acolhimento que tiveram os concorrentes Dr.s Teresa ……….., José A......... e Fernando …………, dizendo que “o presidente o 1º vogal do júri substimaram o seu trajeto profissional, pois o presidente do júri omitiu-o na apresentação que fez do currículo da Autora, tratando-a com desdém, na procura de elementos que não encontravam no “excel” não se escusando o presidente do júri a enunciar falhas de omissão em contraste com o que fez no caso do Dr. José A......... (de quem levou consigo manuscritos os elementos do currículo que pretendeu sublinhar); propuseram um tipo de questões de menor relevância que interrompiam sistematicamente o fluxo de exposição da Autora; alhearam-se da apresentação pela concorrente em “powerpoint”, da evolução de indicadores de actividade durante os cinco anos de direcção do serviço de medicina interna do HFF segundo o currículo que apresentou; não valorizaram o contributo dos estudos de avaliação como oportunidade para um aperfeiçoamento das práticas médicas que integravam o plano de gestão clínica da concorrente, em contraste com a valorização que delas faz o presidente do júri em textos e palestras; o presidente do júri chegou mesmo a adormecer, por mais de uma vez, durante a apresentação que esta fez, mas, para com os outros candidatos foi afável, coloquial e informal.”

Para além de se tratar de alegações que descrevem situações pouco concretizadas, mais uma vez não se coadunam com o motivo da suspeição invocado que é a intimidade do júri com o Dr. José A..........

Alude a Autora a um tratamento menos correto que lhe foi dispensado durante a entrevista, inculcando que foi discriminada relativamente aos demais candidatos, alegação que só teria cabimento num contexto em que a causa da suspeição fosse a inimizade relativamente à Autora, causa esse que não é por esta apontada como fundamento da suspeição invocada.

E quando se refere ao alegado tratamento discriminatório (pela positiva) de que beneficiou o Dr. José A........., a Autora fá-lo de modo genérico (cfr. artigo 54º da p.i. da ação principal) que não revela, na verdade, factos que traduzam tal circunstância.

Pelo exposto, não se vê que a Autora (sendo que é a sua pessoa que incumbe tal ónus – cfr. al. f) do nº 2 do artigo 78º do CPTA e nº 1 do artigo 342º do CC) alegue factos que traduzam circunstâncias pelas quais se possa com razoabilidade duvidar seriamente da imparcialidade da conduta e decisão do júri.

No articulado superveniente que juntou à ação principal e também no r.i. dos autos cautelares, a Autora aponta outro motivo que poderia ilustrar a parcialidade e a suspeição do júri, que é o facto de este ter incumprido a lei ao ter decidido ele próprio o incidente de suspeição aliado à circunstância de essa conduta constituir infração disciplinar grave, tal como apontado no acórdão do TCAS, que de resto, despoletou a queixa disciplinar.

É certo que o despacho do presidente do júri que decidiu o incidente de suspeição é ilegal por violação da primeira parte do nº 4 do artigo 70º do CPTA, pois, nos termos deste preceito legal, quem tem competência para o decidir é o CA do HFF.

E é verdade também que, embora o requerimento de suspeição estivesse dirigido ao júri, o júri incumpriu o dever de enviar o incidente à entidade competente para o decidir (dever previsto no artigo 41º do CPA), que é o CA do HFF, mesmo depois de (posteriormente) tal lhe ter sido solicitado pela Autora.

E é certo, ainda, que a decisão do incidente pelo próprio presidente do júri viola o dever de imparcialidade objectiva e o disposto no artigo 70º, nº 1, do CPA constituindo falta grave para efeitos disciplinares, como foi apontado no acórdão do TCAS.

Contudo, não se vê que estas vicissitudes, no contexto das demais situações que, supra, foram analisadas, possam de forma razoável concluir sobre a existência de dúvida séria sobre a parcialidade do júri.

O que sobressai do que foi analisado é uma relação de camaradagem e de convívio profissional entre o presidente do júri e o 1º vogal e o concorrente classificado em 1º lugar, a par de uma teimosia do júri em pretender decidir o incidente de suspeição, o que, não revelando uma atitude correta por parte do presidente do júri, não deixa de ser insuficiente para fundar essa dúvida séria acerca da alegada parcialidade, sobretudo quando não há outros dados no processo que permitam corroborar essa parcialidade. [sublinhado nosso]”.

E a conclusão alcançada pelo tribunal a quo é, pode já adiantar-se, acertada.

Dispõe o art. 73.º do Código do Procedimento Administrativo, a propósito dos fundamentos de escusa e de suspeição que:

1 - Os titulares de órgãos da Administração Pública e respetivos agentes, bem como quaisquer outras entidades que, independentemente da sua natureza, se encontrem no exercício de poderes públicos devem pedir dispensa de intervir no procedimento ou em ato ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública quando ocorra circunstância pela qual se possa com razoabilidade duvidar seriamente da imparcialidade da sua conduta ou decisão e, designadamente:

a) Quando, por si ou como representante ou gestor de negócios de outra pessoa, nele tenha interesse parente ou afim em linha reta ou até ao terceiro grau da linha colateral, ou tutelado ou curatelado dele, do seu cônjuge ou de pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges;

b) Quando o titular do órgão ou agente, o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, ou algum parente ou afim na linha reta, for credor ou devedor de pessoa singular ou coletiva com interesse direto no procedimento, ato ou contrato;

c) Quando tenha havido lugar ao recebimento de dádivas, antes ou depois de instaurado o procedimento, pelo titular do órgão ou agente, seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, parente ou afim na linha reta;

d) Se houver inimizade grave ou grande intimidade entre o titular do órgão ou agente, ou o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, e a pessoa com interesse direto no procedimento, ato ou contrato;

e) Quando penda em juízo ação em que sejam parte o titular do órgão ou agente, o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, parente em linha reta ou pessoa com quem viva em economia comum, de um lado, e, do outro, o interessado, o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, parente em linha reta ou pessoa com quem viva em economia comum.

2 - Com fundamento semelhante, pode qualquer interessado na relação jurídica procedimental deduzir suspeição quanto a titulares de órgãos da Administração Pública, respetivos agentes ou outras entidades no exercício de poderes públicos que intervenham no procedimento, ato ou contrato.

Como se vê em causa está o fundamento previsto na alínea d), o qual prevê como causas da suspeição a existência de “inimizade grave ou de “grande intimidade. Em relação a estes pressupostos da escusa e suspeição a avaliação do seu preenchimento terá que efectuar-se também por recurso à cláusula geral do corpo do artigo, no sentido de daí se poder extrair uma dúvida “séria” acerca da “imparcialidade da sua conduta ou decisão”. Por outro lado, terá igualmente que considerar-se que o legislador não se bastou com a existência de meros indícios de inimizade ou de intimidade, uma vez que o tatbestand da norma exige que a inimizade seja “grave” e que a intimidade seja “grande”.

Ou seja, a verificação da causa de suspeição prevista na alínea d) do nº 1 do art. 73.º do CPTA exige a demonstração da possibilidade séria da afectação da imparcialidade do decisor, por no caso existir uma inimizade grave ou uma situação de grande intimidade.

Ora, como se diz na sentença recorrida da matéria de facto provada, designadamente dos pontos 4 a 7, ficou (apenas) demonstrada a existência de relações de camaradagem entre aqueles três médicos - o candidato Dr. José A........., o Presidente do júri e o 1.º vogal do júri -, contudo, conclui que “tal relação de camaradagem não traduz uma situação de grande intimidade entre os candidatos José A......... e os membros do júri, nem tão pouco uma situação a partir da qual se possa com razoabilidade duvidar seriamente da imparcialidade dos membros do júri”. E, em asserção que se acompanha, concluiu-se ser “normal e expectável que os membros do júri, por força dos seus percursos profissionais, conheçam ou tenham colaborado profissionalmente com algum ou alguns candidatos (e que até se tratem “por tu”) sem com isso significar ou colocar em causa a sua imparcialidade como membros do júri em procedimentos concursais”.

Como contra-alegado, não está em causa uma eventual circunstância dos candidatos e membros do júri terem, entre si, uma relação de amizade, ou uma alegação no sentido de serem “visitas de casa” uns dos outros ou mesmo terem por hábito tomar refeições juntos , estando em causa, apenas e só, a circunstância de um dos candidatos e dois dos membros do júri haverem sido co- fundadores, em 1994, do Núcleo de Estudos de Doenças Autoimunes da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna.

E daqui não resulta, ao contrário do que pretende a Recorrente a existência de relações de amizade e, mais ainda, de grande intimidade susceptíveis de colocar em causa a imparcialidade de tais elementos. Como diz o Recorrido, “é absolutamente normal, razoável e expetável que os membros do júri, médicos ao serviço do SNS há décadas, em diversas áreas científicas, conheçam ou tenham colaborado profissionalmente com algum ou alguns dos candidatos, sem com isto significar ou colocar em causa a sua imparcialidade como membros do júri em procedimentos concursais, pelo que, um entendimento em sentido contrário, significará fazer tabula rasa do que é o bom nome e consideração que qualquer médico (ou pessoa) deve merecer. // (…) sendo certo que o facto de alguém haver participado na fundação de um determinado núcleo ou associação não implica, necessariamente, uma profunda intimidade com os restantes fundadores de tal núcleo, nem tampouco é suscetível de evidenciar qualquer tipo de diminuição das garantias de imparcialidade.

As garantias de imparcialidade previstas no CPA, plasmadas nos artigos 69.º e 73.º, não censuram relações profissionais, nem de cordialidade entre membros de um júri de um concurso e candidatos ao mesmo.

A violação do princípio da imparcialidade consagrado no n.° 2, do artigo 266.° da CRP e também no artigo 9.° do CPA (anteriormente no art. 6.º), se não está dependente da prova de concretas actuações parciais, não dispensa a demonstração de que uma determinada conduta faz perigar as garantias de isenção, de transparência e de imparcialidade.

Assim, perante o probatório fixado, como amplamente explicitado na sentença recorrida, em causa está, de acordo com a suspeição deduzida pela ora Recorrente, a existência de meras relações profissionais, pelo que não existem indícios suficientes que permitam concluir com razoabilidade duvidar seriamente da imparcialidade dos membros do júri.

Pelo que, deverá manter-se a sentença recorrida que decidiu que a deliberação de 30.01.2017 do Conselho de Administração do Recorrido não padecia do vício que lhe vinha imputado, sendo portanto válida, com o que improcede o recurso na totalidade.




III. Sumário

Sumariando:

I – O CPTA não prevê a possibilidade, nos casos em que o recurso tem efeito meramente devolutivo nos termos do n.º 2 do artigo 143.º, de ser requerida ao juiz a substituição desse efeito por um efeito suspensivo.

II – A verificação da causa de suspeição prevista na alínea d) do nº 1 do art. 73.º do CPTA exige a demonstração da possibilidade séria da afectação da imparcialidade do decisor, por no caso existir uma inimizade grave ou uma situação de grande intimidade.

III – Da prova da existência de meras relações profissionais, ainda que de longa data, não se extraem indícios suficientes que permitam concluir com razoabilidade duvidar seriamente da imparcialidade dos membros do júri.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Indeferir o pedido de fixação de efeito suspensivo ao recurso, requerido pela ora Recorrente;

- Negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2018


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Pedro Marchão Marques


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Maria Helena Canelas


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Cristina Santos