Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:362/13.0BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:03/11/2021
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:RECURSO DE REVISÃO;
TEMPESTIVIDADE.
Sumário:I. O recurso de revisão é um recurso extraordinário, que visa combater um vício ou anomalia processual de especial gravidade, de entre um elenco taxativamente previsto.

II. No âmbito do contencioso tributário, o recurso de revisão deve ser apresentado no prazo de 30 dias de acordo com o art. 293º do CPPT, contado nos termos das três alíneas do art.º 697.º, n.º 2, do CPC, e dentro do prazo de quatro anos a contar do trânsito em julgado da decisão revidenda.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO


H....... vem apresentar recurso jurisdicional da decisão proferida a 17 de Junho de 2019 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou intempestivo, o requerimento de revisão por si apresentado.

O Recorrente, nas suas alegações formulou conclusões nos seguintes termos:

1ª - O despacho recorrido, violou as normas legais aplicadas ao caso dos autos ínsitas no artigo 154º e ss do CPTA, normas oportunamente invocadas pelo recorrente nas suas alegações/motivações de recurso;

2ª - Aplicando-se o disposto no citado artigo 154º do CPTA o prazo de interposição da revisão é de 60 dias, conforme estipula o artigo 697º nº 2 do CPC.

3ª - A aplicação de outra norma adjectiva, designadamente o artº 293º do CPPT, constituiria inconstitucionalidade por impedir o recorrente de exercer o seu direito, ofendendo os princípios de universalidade e igualdade ínsitos na CRP.

4ª - O artº 293º do CPPT não admite invocar um documento verdadeiro, aceite como tal por decisão transitada em julgado, para alterar uma anterior decisão judicial;

5ª - Pelo que o despacho recorrido mostra-se ferido de ilegalidade e por conseguinte deverá ser revogado por outro que admita o recurso e ordene a ulterior tramitação processual.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa doutamente suprirá deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogado in totum o despacho recorrido, substituindo-o por outro que admita a revisão com todas as consequências legais, com o que se fará a costumada JUSTIÇA.”.

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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se o despacho padece de erro de julgamento ao ter considerado intempestivo o requerimento de interposição do recurso de revisão.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Por se revelarem relevantes para a decisão e porque provados documentalmente nos presentes autos, nos termos do art. 662º, nº 1 do CPC aplicável ex vi do art. 281º do CPPT, alinham-se os seguintes factos:

1.Em 01/09/2017 transitou em julgado o Acórdão proferido por este Tribunal nos termos do qual foi negado provimento ao recurso interposto pelo ora Recorrente e, em consequência, manteve a decisão de improcedência da impugnação judicial com referência às liquidações adicionais de IVA dos anos de 2008, 2009 e 2010 no montante de € 200.317,15 (como consta de fls. 336 a 411 dos presentes autos).

2. Em 11/12/2018 deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada o requerimento de recurso de revisão apresentado pelo ora Recorrente invocando o disposto no art. 154º e ss do CPTA e art. 696 e ss do CPC, tendo formulado conclusões nos seguintes termos:
1a A decisão revidenda deverá ser revogada e substituída por outra que acolha as pretensões do recorrente, julgando procedente a impugnação deduzida nestes autos.

2a A douta sentença aqui oferecida como doc. 1. é superveniente à luz do disposto no artigo 696° do CPC e como tal constitui fundamento para o recurso de revisão ora formulado.

3a Há que aplicar nos presentes autos todos os efeitos emergentes da referida sentença proferida no processo n° 52/13.3IDSTB, do Juízo Local Criminal do Montijo anulando-se em consequência as liquidações adicionais de IVA nos anos de 2008, 2009 e 2010 e julgar-se procedente por provada a impugnação judicial das mesmas feita nestes autos.

Termos em que, sempre com o douto suprimento de V. Exas, deverá a presente revisão ser concedida com todas as consequências legais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”

(cfr. teor de fls. 434 a 437 dos presentes autos).

3. Sobre o requerimento mencionado no ponto anterior, em 17/06/2019 foi proferido despacho pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada com o seguinte teor:
Nos termos do disposto no artigo 293º do CPPT, o prazo para deduzir o pedido de revisão é de trinta dias contados do novo documento com base no qual o recorrente pretende fazer valer a sua pretensão.
No caso dos autos a decisão proferida no âmbito do processo comum que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal do Montijo sob o nº 52/13.1IDSTB, transitou em julgado a 24/10/2018.
O prazo de trinta dias terminou no dia 22/11/2018.
O requerimento que está na origem do presente pedido de revisão foi remetido a este tribunal no dia 11/12/2018, ou seja, quando já se encontrava expirado o sobredito prazo de trinta dias.
Nestes termos indefiro o pedido de revisão apresentado.” (cfr. teor de fls. 466 do processo físico).

4- Em 28/06/2019 foi apresentado recurso jurisdicional do despacho mencionado no ponto anterior (cfr. fls. 467/469 do processo físico).

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Nos presentes autos vem o Recorrente alegar que o Tribunal a quo errou na sua decisão defendendo que o recurso de revisão é tempestivo face ao disposto nos artigos 154º e seguintes do CPTA e nº 2 do art. 697º do CPC porquanto consagra o prazo de 60 dias para a interposição do recurso de revisão.

Vejamos então.


O recurso de revisão é um recurso extraordinário que visa impugnar uma decisão transitada em julgado mediante fundamentos taxativamente indicados na lei. E, nos processos tributários regula-se pelo regime previsto no art. 293º do Código de Procedimento e Processo Tributário.

Defende o Recorrente a aplicação do regime de recurso de revisão previsto no art. 145º e seguintes do CPTA, mas não tem razão.

O CPTA é aplicável ao contencioso tributário apenas a título subsidiário quando ocorrer caso omisso, como resulta da alínea c) do art. 2º do CPPT. Ora no caso do recurso de revisão no contencioso tributário não existe caso omisso porquanto o CPPT expressamente consagra o recurso de revisão no já mencionado art. 293º do CPPT.

O art. 293º do CPPT, na redacção vigente à data dos factos, consagrava sob a epígrafe “Revisão de sentença” o seguinte
“1 - A decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão no prazo de quatro anos, correndo o respectivo processo por apenso ao processo em que a decisão foi proferida.
2 - Apenas é admitida a revisão em caso de decisão judicial transitada em julgado declarando a falsidade do documento, ou documento novo que o interessado não tenha podido nem devia apresentar no processo e que seja suficiente para a destruição da prova feita, ou de falta ou nulidade da notificação do requerente quando tenha dado causa a que o processo corresse à sua revelia.
3 - O requerimento da revisão é apresentado no tribunal que proferiu a decisão a rever, no prazo de 30 dias a contar dos factos referidos no número anterior, juntamente com a documentação necessária.
4 - Se a revisão for requerida pelo Ministério Público, o prazo de apresentação do requerimento referido no número anterior é de 90 dias.
5 - Salvo no que vem previsto no presente artigo, a revisão segue os termos do processo em que foi proferida a decisão revidenda

A Lei nº 118/2019 de 17/09 veio introduzir alterações ao art. 293º do CPPT passando este a ter a seguinte redacção:
1 - A decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão, com qualquer dos fundamentos previstos no Código de Processo Civil, no prazo de quatro anos, correndo o respetivo processo por apenso ao processo em que a decisão foi proferida.
2 - (Revogado.)
3 - O requerimento da revisão é apresentado no tribunal que proferiu a decisão a rever, no prazo de 30 dias a contar dos factos referidos no número anterior, juntamente com a documentação necessária.
4 - Se a revisão for requerida pelo Ministério Público, o prazo de apresentação do requerimento referido no número anterior é de três meses.
5 - Salvo no que vem previsto no presente artigo, a revisão segue os termos do processo em que foi proferida a decisão revidenda.”.

Do exposto resulta que o n.º 2 do art.º 293.º do CPP, na sua redação originária, enunciava os fundamentos suscetíveis de fundamentarem o recurso de revisão (ainda que fosse subsidiariamente aplicável o CPC).

Com a redação dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, passou o n.º 1 a remeter diretamente para o regime do CPC, pelo que, nos termos do art.º 696.º do CPC:
A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções;
b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida;
c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou;
e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:
i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;
ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;
iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior;
f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português;
g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude.
h) Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte”.

O recurso de revisão deve ser apresentado no prazo de 30 dias (cfr. art.º 293.º, n.º 3, do CPPT) e dentro do prazo de quatro anos a contar do trânsito em julgado da decisão revidenda (cfr. art.º 293.º, n.º 1, do CPPT), no tribunal que proferiu tal decisão (cfr. art.º 697.º, n.º 1, do CPC).

O mencionado prazo de 30 dias é contado nos termos das três alíneas do art.º 697.º, n.º 2, do CPC. Trata-se de um prazo de caducidade, contado atendendo ao disposto no art.º 279.º do Código Civil.

Nesse sentido veja-se o Acórdão do STA de 26/11/2014 no proc. 1753/13-30 ao enunciar que “Os prazos de dedução do recurso de revisão a que alude o artigo 293.º do CPPT, configuram-se como prazos peremptórios de caducidade, substantivos, cuja contagem obedece ao disposto nos artigos 279.º, 328.º e 331.º, todos do Código Civil, não se suspendendo, por isso, durante as férias judiciais”.

Mais importa refutar a alegação do Recorrente de que a aplicação do art. 293º do CPPT constituiria inconstitucionalidade por impedir o recorrente de exercer o seu direito, ofendendo assim os princípios da universalidade e igualdade (cfr. conclusão 3ª das alegações de recurso).

Encontrando-se consagrada para o contencioso tributário a possibilidade de apresentação de recurso de revisão com os pressupostos previstos na mencionada disposição legal, não vislumbramos como pode ser impedido o recorrente de exercer o seu direito. Na verdade, o exercício do direito processual à interposição do recurso de revisão encontra-se assegurado no contencioso tributário nos termos do art. 296º do CPPT que consagra os formalismos e requisitos processuais para o exercício desse direito, e por outro lado os princípios da igualdade e da universalidade não significam que todos os meios processuais tenham de ser uniformizados, podendo o legislador criar especificidades quanto ao exercício de cada um desses direitos, pelo que a aplicação do disposto no art. 296º do CPPT não configura qualquer inconstitucionalidade.

No caso em apreço resultou provado que o requerimento de recurso de revisão foi apresentado em 11/12/2018 tendo sido invocado o disposto nos artºs 145º do CPTA e art. 697º do CPC, e sido junto certidão da sentença proferida no processo comum que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Criminal do Montijo, sob o nº 52/13.1IDSTB transitada em julgado em 24/10/2018.

A decisão recorrida indeferiu o pedido por não ter sido apresentado no prazo de 30 dias, tendo considerado o recurso de revisão extemporâneo.

Em face de tudo o que vem exposto conclui-se que a decisão recorrida não padece de qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade, pelo que nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas a cargo do Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.

Lisboa, 11 de Março de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha].
Luisa Soares