Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:91/18.8BELSB-A
Secção:CA
Data do Acordão:05/14/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:RENDAS DA ENERGIA;
PRESTAÇÃO DE GARANTIA PARA SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ATO;
ARTIGO 51.º, N.º 2 DO CPTA
Sumário:I. O incidente de prestação de garantia, nos termos do artigo 50.º, n.º 2 do CPTA tem por finalidade obstar à eficácia dos atos impugnados, tendo como pressupostos: (i) que esteja em causa apenas o pagamento de uma quantia certa, (ii) sem natureza sancionatória e que (iii) se trate de uma garantia por qualquer das formas previstas na lei tributária.

II. Sendo exigível a existência de uma quantia certa, está em causa a quantia que tenha sido exigida, referente a factos ou eventos pretéritos ou já ocorridos, excluindo do seu âmbito quaisquer quantias que possam vir a ser exigidas no futuro.

III. A idoneidade ou suficiência da garantia prestada afere-se por equivalência ao valor da quantia que está em causa no ato impugnado e não qualquer outra.

IV. Quaisquer outras quantias que venham a ser exigidas no futuro, através do ato impugnado ou de novos atos consequentes ou de execução não integram o objeto do presente incidente de prestação de caução, nem a garantia prestada, não relevando para aferir se a garantia é idónea ou suficiente.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

O Ministério do Ambiente e da Transição Energética, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 29/07/2019, que no âmbito da ação administrativa instaurada por E....................., SA.., julgou procedente o incidente de prestação espontânea de caução deduzido pela Autora e, em consequência, julgou idónea a garantia bancária oferecida tendo em vista a suspensão de eficácia dos atos administrativos proferidos pelo Secretário de Estado da Energia, consubstanciados nos Despachos n.ºs 9371/2017, de 10/10 e 9955/2017, de 31/10, na parte em que traduzem a obrigação de pagamento concretizada nas notas de débito e faturas emitidas pela R…………………, SA, com referência a 2017, no valor de € 9.614.769,10.


*

Formula o aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

- O Tribunal a quo incorreu em múltiplos e evidentes erros de julgamento tanto sobre a apreciação da matéria de facto, como sobre a aplicação do direito ao caso presente, ao ter julgado procedente o incidente de prestação espontânea de caução deduzido pela Requerente, ora Recorrida, pois que além de se verificar uma exceção dilatória por ilegitimidade processual passiva, que deveria determinar a absolvição do Requerido, ora Recorrente, da instância, verifica-se ainda que a garantia prestada não é idónea e suficiente para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 50º do CPTA.

- Assim sendo, importará, de forma prejudicial, advertir que o Tribunal a quo incorreu, desde logo, em erro de julgamento ao não ter considerado verificada, quanto ao presente incidente, a exceção dilatória de ilegitimidade processual passiva em virtude da falta de indicação dos contrainteressados e, deste modo, por não ter determinado a absolvição do ora Recorrente da instância.

- Pois que, não obstante ter sido requerido na ação principal e neste incidente o Ministério da Economia, atualmente, o Ministério do Ambiente e da Transição Energética que tem, de facto, legitimidade processual passiva, uma vez que o autor dos atos administrativos impugnados é o Secretário de Estado da Energia, a verdade é que aquele não poderia apresentar-se desacompanhado na ação principal, e bem as- sim neste incidente de prestação espontânea de caução.

- Porquanto, nos termos do disposto no artigo 57.º do CPTA, em articulação com o preceituado no artigo 10.º, n.º 1, também do CPTA, resulta evidente que, além da entidade autora do ato impugnado (neste caso, o ora Recorrente), são obrigatoriamente demandados nas ações de impugnação de atos administrativos, como acontece na causa principal, os contrainteressados, quem tenha um interesse contraposto ao da autora e a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado.

- Ora, uma vez que, atenta a matéria em apreço, se verifica que o interesse contraposto ao da Recorrida não é o do Estado, mas antes o dos consumidores de energia elétrica, já que o pagamento em apreço ou a falta dele terá uma clara e direta repercussão nas tarifas de eletricidade praticadas em Portugal, em concreto na Tarifa UGS, poderá concluir-se que, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo, aqueles consumidores são contrainteressados tanto na ação principal como também no presente incidente.

- Assim sendo, verifica-se, claramente, uma situação de ilegitimidade processual passiva, por falta de indicação dos contrainteressados a quem a procedência do processo principal e o presente incidente pode diretamente prejudicar, que consubstancia uma exceção dilatória que determina a absolvição do Recorrente da instância nos termos do artigo 89.º, nº 2 e nº 4, alínea e) do CPTA, tendo, por isso, o Tribunal a quo laborado em erro de julgamento ao ter julgado improcedente esta exceção.

- E ainda que assim não tivesse considerado o Tribunal recorrido, sempre deveria ter julgado a garantia prestada pela Recorrida manifestamente inidónea e insuficiente para os efeitos do artigo 50.º, n.º 2 do CPTA, o que não sucedeu, tendo por isso incorrido, também quanto a esta primacial questão, em erro de julgamento.

- É que, tendo em consideração os atos que são impugnados na ação principal e cuja eficácia se pretende suspender através do presente incidente, concluímos que não está ali, apenas, em causa o pagamento de uma quantia certa.

- Pois que, se é verdade que, quanto ao Despacho n.º 9371/2017, de 10 de outubro, se poderá apenas discutir a correção da liquidação feita, o que se não pretende, não é menos verdade que quanto ao Despacho n.º 9955/2017, de 31 de outubro não é possível determinar, neste momento, o seu significado e alcance.

10º - Assim, retroagindo a eficácia de tal ato a 24 de agosto de 2017 (data em que o Despacho n.º 11566-A/015 foi revogado), mas mantendo-se a produção desses mesmos efeitos até data que não é possível apurar neste momento, é forçoso concluir que não se poderá determinar a quantia que estará em causa na ação.

11º - Deste modo, sendo impossível apurar uma quantia certa, impossível é concluir pela suficiência da quantia prestada para efeitos do nº 2 do artigo 50º do CPTA.

12º - Acresce que, a garantia as Notas de Débito emitidas pela R……………….., S.A. e juntas ao requerimento inicial do presente incidente, apenas contêm, na sua descrição, que se reportam à Tarifa UGS, não resultando daí que digam respeito à aplicação dos parâmetros fixados no Despacho n.º 9955/2017 de 31 de outubro, sendo que, como se sabe, aquela Tarifa integra muitos outros fatores, como é o caso dos Custos de Manutenção de Equilíbrio Contratual (CMEC), além de que, a única entidade que poderia aferir da correção desses documentos seria a ERSE.

13º - Por outro lado, sempre cumprirá advertir que a caução ora em discussão neste incidente foi prestada a favor da REN que constitui uma terceira entidade que não é parte na demanda, não tem competência nas matérias em causa, nem sequer é titular dos interesses em causa, para além de ser uma entidade privada apenas sujeita a um controlo no âmbito do exercício da atividade concessionada e no estrito limite dos poderes que nesse âmbito são atribuídos ao concedente.

14º - Sendo, por isso, certo que, a mera advertência expressa determinada na sen- tença recorrida de que aquela entidade não deveria cancelar a garantia bancária em apreço sem que disso desse prévio conhecimento ao ora Recorrente e ao Tribunal a quo ou sem que tal fosse determinado por decisão judicial, não é adequada nem suficiente para assegurar a posição da contraparte e dos contrainteressados, caso venha a ser julgada improcedente a ação principal.

15º - Pelo que, não restam quaisquer dúvidas de que o Tribunal a quo incorreu também em erro de julgamento ao ter aceite a garantia prestada pela Recorrida, quando a mesma se revela inidónea e insuficiente, não preenchendo, por isso, os pressupostos exigidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 50º do CPTA.

16º - Pelo que, face a tudo quanto foi exposto, é manifesta a procedência do presente recurso jurisdicional, devendo, por isso, ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, determinando-se a absolvição do Recorrente da instância por verificação da exceção dilatória de ilegitimidade processual passiva por falta de indicação dos contrainteressados, ou, caso assim não se entenda, reconhecendo-se que a garantia prestada pela Recorrida é inidónea e insuficiente, não podendo ser aceite, assim improcedendo, consequentemente, o presente incidente.”.

Pede a procedência do recurso e a revogação da sentença recorrida.


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A Requerente, ora Recorrida, notificada, apresentou contra-alegações, em que concluiu do seguinte modo:

“A) Vem o presente recurso interposto de sentença que decidiu ser idónea a garantia bancária oferecida pela Recorrida tendo em vista a suspensão de eficácia dos atos administrativos impugnados na ação principal (o Despacho n.º 9371/2017 e o Despacho n.º 9955/2017, ambos do Secretário de Estado da Energia – “Atos Impugnados”), na parte em que traduzem a obrigação de pagamento do valor de € 9.614.769,10, materializada nas notas de débito e faturas referidas no ponto 4 da matéria de facto, relativamente a 2017.

B) Bem andou o Tribunal a quo a concluir pela verificação das condições para a suspensão dos Atos Impugnados relativamente à obrigação de pagamento acima referida, sendo manifestamente improcedentes os fundamentos do recurso ora interposto.

C) Para além de os Atos Impugnados serem inidóneos a proteger os interesses dos consumidores, em termos de estes serem contrainteressados, o que, em qualquer caso, é uma discussão a ter no processo principal, o presente incidente tem tão-só por objeto a verificação do preenchimento dos requisitos de suspensão dos Atos Impugnados na parte em que geram a obrigação de pagamento de uma quantia certa.

D) A suspensão dos efeitos pecuniários certos de um ato administrativo, estando acautelada por garantia bancária, é inofensiva para os interesses em presença, sendo corolário disso o facto de a lei prescindir de requisitos de mérito ou sequer de proporcionalidade para a concessão da suspensão, que é um verdadeiro direito potestativo do autor.

E) Não se verifica, por conseguinte, a exceção de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário. Mesmo que assim não fosse, tal não conduziria à absolvição da instância mas ao suprimento da exceção mediante a notificação da Recorrida para demandar os contrainteressados através de intervenção provocada, nos termos da lei.

F) Não tem igualmente razão o Recorrente quando alega que a garantia prestada é inidónea e insuficiente para cobrir as responsabilidades pecuniárias objeto de suspensão.

G) Efetivamente, dos Atos Impugnados resulta o pagamento de uma quantia pecuniária certa no valor de € 9.614.769,10, correspondente valor que resulta das notas de débito e faturas emitidas pela R…. enquanto gestor global do sistema elétrico, relativas ao ano de 2017, como resulta do ponto 9 da matéria de facto provada, e é esse o valor da garantia prestada, nos termos do ponto 5 da mesma matéria de facto provada.

H) O Recorrente não questiona que o Despacho n.º 9371/2017 se traduza no pagamento de uma quantia certa, nem que o valor resultante da aplicação do Despacho n.º 9955/2017 seja certo relativamente ao ano de 2017, alegando apenas que este despacho poderia continuar a vigorar no futuro e como tal gerar ulteriores prestações pecuniárias.

I) Sucede que a suspensão decretada pelo Tribunal a quo apenas incidiu sobre o valor resultante da execução dos Atos Impugnados que se materializam nas notas de débito e fatura acima referidas, a que corresponde o valor da garantia prestada. Os possíveis efeitos pecuniários ulteriores do Despacho n.º 9955/2017 não estão abrangidos pela suspensão (como resulta, para além da decisão, da carta da R…. transcrita no ponto 8 da matéria de facto assente (em especial, das alíneas a) e b)).

J) O ato administrativo do qual decorre o pagamento de uma quantia em parte certa e noutra parte incerta (v.g. para o futuro) pode ver a sua eficácia suspensa apenas no que se refere à parte que é certa. Não há fundamento de ordem material que legitime a conclusão inversa, pois, havendo garantia sobre o valor suspenso, está cumprido o fim legal, sendo que o n.º 2 do artigo 50.º do CPTA apenas visa evitar a suspensão mediante garantia de prestações de facto ou de coisa ou de obrigações pecuniárias incertas.

K) Interpretação diversa do n.º 2 do artigo 50.º do CPTA redundaria na violação do princípio da igualdade constitucionalmente previsto, por tratar desigualmente, sem razão bastante, a situação do destinatário de ato com efeitos pecuniários certos da situação do destinatário de ato com efeitos parcialmente certos e incertos que pretenda a suspensão dos primeiros.

L) A inserção das notas de débito e fatura referidas no ponto 4 da matéria de facto provada no âmbito da execução dos Atos Impugnados é facto assente (cfr. ponto 9 da matéria de facto provada) e resultante de prova feita pela Recorrida, não podendo o Recorrente impugná-lo com base em desconhecimento, por ter obrigação de o conhecer enquanto concedente do serviço público de que a R…. é concessionária e em cuja qualidade emitiu as referidas notas de débito e faturas, para além de o Recorrente não cumprir o ónus associado à impugnação da matéria de facto.

M) Finalmente, a garantia emitida com vista à suspensão foi legitimamente prestada à ordem da R…, por ser à R……….. que as quantias resultantes da execução dos Atos Impugnados teriam de ser pagas. Visando a garantia acautelar o pagamento, a mesma deve ser naturalmente prestada à ordem do credor, credor esse que é o concessionário a quem o Estado confiou a execução do serviço público que inclui a gestão global do sistema elétrico.

N) A decisão judicial de suspensão vincula a R……., não obstante a mesma seja terceiro, nos termos do n.º 2 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, e do n.º 1 do artigo 158.º do CPTA.”.

Pede que o recurso seja julgado totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.


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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nele não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, a apreciar se a decisão enferma de erro de julgamento, com fundamento em:

1. Ilegitimidade processual passiva, por falta dos contrainteressados;

2. Inidoneidade e insuficiência da garantia.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“1. Em 15.10.2015, foi publicado em Diário da República, II Série, o Despacho n.º 11566-A/2015, de 03.10, proferido pelo Senhor Secretário de Estado da Energia, através do qual se estabeleciam os “os parâmetros necessários para o processo de determinação das tarifas reguladas do Setor Elétrico Nacional”, aí se determinando, a certo ponto, que:

“(…) 11 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º da Portaria 288/2013, de 20 de setembro, alterada pela Portaria n.º 225/2015, de 30 de julho, i = 1 é a medida ou evento registado em Portugal e identificado no estudo a que se refere o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 74/2013, de 4 de junho, que decorre do artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, alterado pelas Leis n.os 82-B/2014, de 31 de dezembro de 2014, e 33/2015, de 27 de abril.

12 - Para efeitos do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 3.º da Portaria 288/2013, de 20 de setembro, alterada pela Portaria n.º 225/2015, de 30 de julho, i = 2 é a medida ou evento registado em Portugal e identificado no estudo a que se refere o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 74/2013, de 4 de junho, que decorre do Decreto-Lei n.º 138-A/2010, de 28 de dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 172/2014, de 14 de novembro. (…)” (cf. cópia do despacho junta a fls. 51-52 do processo electrónico n.º 91/18.8BELSB ao qual os presentes autos se encontram apensos, documento que se dá por integralmente reproduzido).

2. Em 24.10.2017, foi publicado em Diário da República, II Série, o Despacho n.º 9371/2017, de 10.10, proferido pelo Senhor Secretário de Estado da Energia, através do qual foi declarada “a nulidade parcial do Despacho n.º 11566 - A/2015, de 3 de outubro, do Secretário de Estado da Energia (Diário da República, 2.ª série, n.º 202, de 15 de outubro de 2015) em relação às decisões contidas nos seus n.os 11 e 12” e solicitada “à ERSE que pondere no cálculo da tarifa UGS do próximo ano, a recuperação, em benefício das tarifas pagas pelos consumidores, dos montantes indevidamente nelas incluídas nos anos anteriores (2016 e 2017)” (cf. cópia do despacho junta a fls. 49 do processo electrónico n.º 91/18.8BELSB ao qual os presentes autos se encontram apensos, documento que se dá por integralmente reproduzido).

3. Em 17.11.2017, foi publicado em Diário da República, II Série, o Despacho n.º 9955/2017, de 31.10, proferido pelo Senhor Secretário de Estado da Energia, cujo teor se transcreve parcialmente infra:

“(…) Tendo a ERSE procedido, tal como solicitado, à apresentação das respetivas propostas, impõe-se proceder à sua aprovação e publicação, por forma a evitar a manutenção, para além do razoável, de uma situação de ausência de definição daquela repartição e daqueles parâmetros.

Porém, foi aprovada, entretanto, a Proposta de Orçamento do Estado para 2018, sendo nela previsto o fim parcial e progressivo da isenção do ISP, o que implicará, desde logo e necessariamente, uma alteração relevante dos pressupostos utilizados pela ERSE na elaboração das propostas apresentadas e nomeadamente na ponderação para a aplicação do número de horas de isenção por central e tipo de tecnologia.

Não sendo aconselhável, aguardar pela aprovação do Orçamento do Estado para 2018 que, para além do mais, apenas entrará em vigor no dia 1 de janeiro daquele ano, e não se sabendo os termos exatos em que o mesmo vai ser aprovado, impõe-se a definição daqueles valores e parâmetros, com efeitos a 24 de agosto de 2017, adotando a proposta da ERSE, sem prejuízo de se solicitar à Entidade Reguladora que apresente novas propostas assim que seja aprovado o Orçamento do Estado para 2018.

Visa-se, desta forma, evitar um período de indefinição, mas com a preocupação de ajustar os valores e parâmetros em causa à realidade, por forma a evitar a penalização dos produtores de energia ou os consumidores.

Assim:

1 - Determino, com efeitos a 24 de agosto de 2017, que os valores dos parâmetros Pem e (lambda)(índice it), sejam os seguintes:

Parâmetro Pem: 4,75 (euro)/MWh; Parâmetro (lambda)(índice it): Valor nulo.

2 - Solicito à ERSE que após a aprovação e publicação do Orçamento do Estado para 2018, apresente nova proposta, ouvida a DGEG, de definição do valor dos parâmetros Pem e (lambda)(índice it), em que sejam considerados os efeitos da entrada em vigor daquele instrumento, por forma a poderem ser aplicados a partir do início do ano de 2018.” (cf. cópia do despacho junta a fls. 54-55 do processo electrónico n.º 91/18.8BELSB ao qual os presentes autos se encontram apensos, documento que se dá por integralmente reproduzido).

4. Em 31.12.2017, a REN emitiu os seguintes documentos à Requerente, com a referência “TUGSP [período] // USO GLOBAL DO SISTEMA PRODUÇÃO”:

Tipo de
documento
N.º do
documento
    Período
Valor (EUR)
Nota de débito
    3100305587
      jul-17
1.327.047,63
Nota de débito
    3100305590
    ago-17
2.081.179,23
Nota de débito
    3100305593
    set-17
1.858.361,19
Nota de débito
    3100305596
    out-17
1.073.238,32
Nota de débito
    3100305599
    nov-17
2.056.583,80
Factura
    3100408954
    dez-17
1.368.051,73

(cf. cópias das notas de débito, factura e documentos de suporte juntas a fls. 16-44 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

5. Em 16.01.2018, a C.........., S.A., prestou, em nome e a pedido da Requerente, uma garantia autónoma, à primeira solicitação, a favor da R….., até ao montante máximo de EUR 9.614.769,10, com vista a garantir as obrigações emergentes das notas de débito e factura (esta última, até ao valor de EUR 1.218.358,93) a que se aludem no ponto anterior, aí se determinando que a mesma “é válida a contar da data da sua emissão e até que a BENEFICIÁRIA [R…..] comunique à EMITENTE [C.........., S.A.] o respectivo cancelamento” (cf. cópia da garantia bancária junta a fls. 11-14 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

6. Em 17.01.2018, a Requerente apresentou a juízo a p.i. da acção administrativa autuada sob o n.º 91/18.8BELSB, com vista à impugnação dos actos administrativos contidos nos despachos a que se aludem nos pontos 2. e 3. firmados supra (cf. petição inicial e respectivo comprovativo de entrega juntos a fls. 1-44 do processo electrónico n.º 91/18.8BELSB ao qual os presentes autos se encontram apensos, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

7. Em 19.01.2019, foi proferido despacho judicial no âmbito do processo n.º 91/18.8BELSB, reconhecendo “o efeito suspensivo automático associado à propositura da presente acção administrativa” e, bem assim, determinando a notificação da R….. “para que aquela se abstenha de executar os actos ora impugnados” (cf. despacho junto a fls. 559 do processo electrónico n.º 91/18.8BELSB ao qual os presentes autos se encontram apensos, documento que se dá por integralmente reproduzido).

8. Em 08.02.2018, a R….. remeteu um ofício a este Tribunal, aí dando conta que: “a) Enquanto o pagamento em causa não for efetuado não poderá a R…., enquanto operador da rede de transporte de eletricidade, transferir a totalidade ou parte do montante em causa (€ 9.614.769,10) para o comercializador de último recurso, conforme estaria obrigada nos termos do Ponto IX.1.5 - Transferências para o Comercializador de Último Recurso, da Diretiva n.º 2/2018 – Tarifas e preços para a energia elétrica e outros serviços em 2018, da ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (Publicada em DR, 2ª Série, nº3, de 4 de janeiro de 2018).

Note-se que nos termos da referida Diretiva da ERSE estas transferências efetuar-se-ão em função dos montantes recebidos, no mês subsequente ao recebimento por parte do operador da rede de transporte, sendo feitas “... no âmbito do mecanismo regulatório para assegurar o equilíbrio da concorrência no mercado grossista de eletricidade decorrente da aplicação do decreto-lei n.º 74/2013, de 4 de junho e do n.º 2 do artigo 4º da portaria n.º 225/2015, de 30 de julho ...”; (…)

Nestes termos, entende a R……, salvo melhor interpretação, que:

a) Exceto mediante ordem em contrário por parte deste douto tribunal a suspensão será apenas aplicada aos montantes considerados para efeitos de constituição da garantia prestada e descritos pela Autora.

b) A faturação ainda não emitida, correspondente ao ano de 2018, bem como a faturação correspondente a períodos futuros, continuará a ser emitida e considerada, na medida em que os correspondentes valores (a apurar) não se encontram abrangidos pela garantia bancária prestada pela Autora.

c) Para que as importâncias futuras referentes a 2018 e seguintes, bem como relativamente a outras que não tenham sido expressamente identificadas na p.i., sejam também objeto de suspensão, carecerá a Autora de o requerer expressamente, prestar garantia adequada, e obter do Tribunal a necessária decisão de suspensão, após verificação do cumprimento das disposições legais vinculativas e prévias à declaração de suspensão.” (cf. cópia do requerimento junta a fls. 572-573 do processo electrónico n.º 91/18.8BELSB ao qual os presentes autos se encontram apensos, documento que se dá por integralmente reproduzido).

9. As notas de débito e factura (esta última, até ao valor de EUR 1.218.358,93) a que se aludem no ponto 4. supra traduzem o acerto da tarifa de uso global do sistema de produção liquidada pela R….. à Requerente como consequência dos despachos a que se aludem nos pontos 2. e 3. supra.

Conforme referido a respeito de cada facto provado, a prova realizada assenta no teor dos documentos juntos aos autos.

No que tange à prova do facto 9. acabado de fixar, a mesma resulta do facto de tais documentos consistirem, essencialmente, em notas de débito (e não facturas, o que apenas sucede relativamente a Dezembro de 2017) – id est, documentos contabilísticos que são usualmente utilizados para proceder à rectificação de valores anteriormente debitados –, de os respectivos documentos de suporte elaborados pela R…… fazerem menção a “acertos” e de a R….., no ofício que remeteu a este Tribunal, referido no ponto 8. supra, não infirmar, por qualquer forma, que tais notas de débito e factura traduzem efectivamente a aplicação dos despachos impugnados (maxime, do Despacho n.º 9955/2017).

Nada mais foi provado com interesse para a decisão do incidente.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa agora entrar na análise das questões colocadas para decisão, segundo a sua ordem prioritária e lógica de conhecimento.

1. Ilegitimidade processual passiva, por falta dos contrainteressados

Vem o Recorrente a juízo interpor recurso contra a decisão que julgou procedente o incidente de prestação espontânea de caução deduzido pela ora Recorrida, julgando idónea a garantia oferecida, tendo em vista a suspensão da eficácia dos atos administrativos proferidos pelo Secretário de Estado da Energia, na parte em que traduzem a obrigação de pagamento concretizada nas notas de débito e fatura, emitidas pela R…… –……., SA, referentes ao ano de 2017, no valor de € 9.614.769,10.

Alega que a decisão recorrida incorre em erro de julgamento por não ter determinado a procedência da exceção dilatória oportunamente invocada de ilegitimidade processual passiva, por falta de indicação dos contrainteressados, a que respeita o artigo 89.º, n.º 4, e) do CPTA, a qual, a ter sido apreciada e julgada, determinaria a absolvição do ora Recorrente da instância.

Sustenta que não foram indicados quaisquer contrainteressados, os quais devem figurar na ação, nos termos do artigo 57.º do CPTA.

Defende que, atenta a matéria em apreço, existe um interesse contraposto ao da Recorrida, que não é o do Estado, a não ser na defesa do interesse público e da legalidade dos seus atos, mas o dos consumidores de energia elétrica.

Segundo o Recorrente, o pagamento em apreço ou a falta dele, terá uma clara e direta repercussão nas tarifas de eletricidade praticadas em Portugal, em concreto na Tarifa UGS, que constitui uma componente fixa da Tarifa de Eletricidade.

Mais alega que este pagamento não é um pagamento feito ao Estado, mas antes ao Sistema Elétrico Nacional, pelo que a vantagem ou desvantagem patrimonial que estará em causa será dos consumidores e não do Estado.

Pelo que, defende que os consumidores de energia elétrica são contrainteressados tanto na ação principal, como no presente incidente.

Sem razão.

Em primeiro lugar impõe-se precisar que, ao contrário do que parece decorrer da alegação do Recorrente, a questão da invocada exceção de ilegitimidade processual passiva foi apreciada e decidida na decisão sob recurso, no sentido da sua improcedência.

Em segundo lugar, atenta a configuração dada ao presente litígio pelo pedido e pela causa de pedir, encontra-se em juízo na qualidade de entidade demandada o ente jurídico dotado de legitimidade, o Ministério em que se integra o autor dos atos administrativos impugnados, inicialmente, segundo a orgânica do Governo, o Ministério da Economia e, atualmente, o Ministério do Ambiente e da Transição Energética.

As pretensões formuladas pela Autora têm natureza impugnatória: (i) do despacho do Secretário de Estado da Energia consubstanciado no Despacho n.º 9371/2017, de 10/10/2017, que declarou a nulidade das decisões contidas nos n.ºs 11 e 12 do Despacho n.º 11566-A/2015, de 03/10, do Secretário de Estado da Energia, eliminando a Contribuição Extraordinária do Setor Energético (CESE) e da tarifa social como medidas ou eventos extramercado em Portugal e impedindo a sua ponderação na medição dos efeitos nos preços grossistas de eletricidade dos produtores portugueses de medidas ou eventos extramercado registados fora de Portugal e (ii) do despacho do Secretário de Estado da Energia consubstanciado no n.º 1 do Despacho n.º 9955/2017, de 31/10/2017, que fixa o valor a pagar pelos produtores portugueses em virtude do efeitos nos preços grossistas de eletricidade de medidas ou eventos extramercado fora de Portugal sem atender ao efeito nos mesmos preços das medidas ou eventos extramercado ocorridos em Portugal, como a CESE e a tarifa social.

Além disso, são formuladas pretensões de condenação do ora Recorrente, quer de condenação à prática de ato devido com o conteúdo determinado na lei, quer de condenação ao ressarcimento pelos custos suportados pela Autora, nos melhores termos explicitados na petição inicial.

Considerando que a pretensão requerida pela Autora através da dedução do presente incidente respeita unicamente à obtenção do efeito jurídico previsto no artigo 50.º, n.º 2 do CPTA, respeitante à suspensão da eficácia dos atos impugnados, por estar em causa apenas o pagamento de uma quantia certa, sem natureza sancionatória, na parte em que determinam a obrigação de pagamento das notas de débito e fatura emitidas pela R……., é de entender que o litígio em questão e, muito particularmente, o presente incidente, apenas diz respeito à entidade a quem é imputável a autoria dos atos administrativos impugnados e ao seu destinatário, a Autora e ora Recorrida.

Estando em causa no presente incidente, a prestação de garantia a título de caução, com vista a alcançar o efeito jurídico da suspensão dos efeitos dos atos impugnados e dos seus consequentes atos de execução, não tem razão de ser o chamamento a juízo dos consumidores de eletricidade na qualidade de contrainteressados, por o provimento do presente incidente não os poder prejudicar diretamente, nem se configurar que possam ter um legítimo interesse na manutenção dos atos impugnados, segundo a conceção de contrainteressados que consta do artigo 57.º do CPTA.

Subjaz aos atos impugnados a definição da política energética e da imputação dos seus respetivos custos no que concerne à fixação dos parâmetros necessários para o processo de determinação das tarifas reguladas do Setor Elétrico Nacional, não podendo associar-se inelutavelmente que a eventual procedência da ação administrativa instaurada pela Autora produza, só por si, o resultado de fazer impender sobre os consumidores de energia elétrica, os custos que os atos impugnados fizeram recair sobre a Autora e, menos ainda, que o desfecho favorável do presente incidente afete de alguma forma os consumidores de energia elétrica.

A vingar o raciocínio expendido pela Entidade Demandada, ora Recorrido, de configurar como contrainteressados na presente ação os consumidores de energia elétrica, equivaleria entender que se configuraria existir litisconsórcio necessário passivo em todas as ações administrativas em que fossem impugnados atos administrativos nas mais variadas áreas da atuação governativa, chamando a juízo todos os respetivos consumidores, utilizadores ou a coletividade em geral (v.g. nas áreas da saúde, da educação, da segurança social, da previdência e segurança social), por todos eles, pelos menos, em tese, poderem ser afetados.

Os atos impugnados na parte em que relevam para a Recorrida a obrigação de pagamento de quantias certas, não se repercutem, direta ou indiretamente da esfera jurídica de terceiros, como sejam os consumidores de energia elétrica, pelo que, não podem ser configurados como contrainteressados.

Acresce incorrer o Recorrente em contradição ao defender a procedência da exceção de ilegitimidade passiva, por preterição do litisconsórcio necessário passivo por falta de indicação dos consumidores de energia elétrica como contrainteressados e, simultaneamente, alegar no presente recurso que, de acordo com a lei (e os atos impugnados), as quantias suportadas pelos produtores de energia elétrica com a tarifa social e com a CESE não podem ser repercutidas nos consumidores de eletricidade.

Além de alegar o Recorrido que este é também o entendimento que é sufragado pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, nos seus Pareceres n.ºs 39/2012 e 4/2016.

Consequentemente, o fundamento do recurso no que se refere à ilegitimidade processual passiva é totalmente desprovido de razão.

Pelo exposto, improcede, por não provado, o erro de julgamento imputado à decisão recorrida.


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Sem prejuízo, decorre da prática dos atos impugnados e da consequente emissão de notas de débito e fatura pela R…………….., SA, assim como da própria alegação do Recorrente no âmbito do presente recurso, que a Entidade Demandada e ora Recorrente, carece da colaboração de intervenção desta outra entidade, que é a R….., enquanto concessionária da Rede Nacional de Transporte, para a integral execução dos atos administrativos impugnados.

Acresce decorrer igualmente da alegação do Recorrente no presente recurso que é a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) a entidade com a competência para o cálculo e a fixação das tarifas e preços regulados.

Embora não esteja em causa a intervenção da R…… e da ERSE como partes principais e, consequentemente, não importar o juízo de ilegitimidade processual passiva, sempre recairá sobre o ora Recorrente o ónus de promover, no processo principal, a intervenção processual da R…………………, SA e da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 10.º, n.º 10 do CPTA e artigo 311.º e seguintes do CPC, como interveniente acessória provocada (artigo 321.º e seguintes) ou como assistente (artigo 326.º).

2. Inidoneidade e insuficiência da garantia

No demais, sustenta o Recorrente que a garantia prestada não é idónea, nem suficiente, pelo que não devia ter sido aceite pelo Tribunal a quo.

Alega que quanto à idoneidade da caução prestada para efeitos de suspensão dos atos impugnados, deve o ato impugnado observar dois pressupostos: (i) ser um ato em que esteja em causa apenas o pagamento de uma quantia certa e (ii) ser um ato em que estejam em causa prestações de caracter não sancionatório.

No entender do Recorrente no caso dos atos impugnados não está apenas em causa o pagamento de quantia certa, pois no caso do despacho n.º 9371/2017 poderá discutir-se a correção da liquidação feita, mas no caso do despacho n.º 9955/2017 não é possível determinar, neste momento, o seu significado e alcance, por terem sido fixados dois parâmetros de cálculo dos CIEG, que vigorarão até à fixação de novos valores para esses mesmos parâmetros, na sequência de proposta a apresentar pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos.

Sustenta que retroagindo a eficácia de tal ato a 24/08/2017, mas mantendo-se a produção desses mesmos efeitos até uma data que não é possível neste momento apurar, tem de se concluir que não se pode determinar a quantia que estará em causa na ação.

Pelo que, defende que é impossível aferir se a garantia prestada é suficiente para o fim a que se destina.

Daí que invoque o Recorrido que destinando-se a garantia prestada a quantias já liquidadas, relativas ao passado, é seguro que a mesma não seja idónea a garantir os restantes valores que entretanto venham a ser apurados e que no futuro virão a ser.

Entende que, em face da indeterminabilidade da quantia em causa na ação administrativa, que é manifesta a inidoneidade da garantia prestada.

Manifestamente sem razão.

A caução prestada pela garantia tem o valor das notas de débito e da fatura emitidas pela R……, em execução dos atos impugnados, sendo esses atos os que são impugnados e sendo essas quantias as que foram exigidas à Autora e que a mesma ora pretende caucionar como forma legalmente admitida de obstar à imediata execução dos atos impugnados, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 2 do CPTA.

Defender que a garantia prestada não é idónea a garantir obrigações futuras, na sequência de novos atos administrativos ou de novos atos de execução que não existem ou não foram ainda praticados, tratando-se de atos futuros, trata-se de alegação que se encontra nos limites da normal litigância, por se traduzir em oposição cuja falta de fundamento o Recorrente não pode ignorar (artigo 542.º, n.º 2, a) do CPC).

Como decorre do disposto no artigo 50.º, n.º 2 do CPTA, a possibilidade de ser prestada garantia, por qualquer das formas previstas da lei – e o Recorrente não põe em causa que a prestação de caução constitua uma dessas formas – depende de estar em causa o pagamento de uma quantia certa.

Como tal, não se destina este mecanismo legal a obstar à eficácia de atos que determinem o pagamento de quantias que não sejam certas ou, menos ainda, que não existam, por serem quantias futuras.

Toda a alegação do Recorrente assenta em pressupostos de facto e de direito que não têm cabimento nos termos em que a Autora veio a juízo instaurar a ação administrativa e deduzir o presente incidente de prestação voluntária de caução.

Através dos atos impugnados e dos atos consequentes ou de execução praticados pela R……, foi exigido o pagamento de certas quantias – certas e líquidas – à Autora, ora Recorrida, a qual impugna e pretende obstar à sua eficácia, através da ação administrativa instaurada e do presente incidente.

Assim, neste incidente está em causa a prestação de caução para garantir o pagamento das quantias certas exigidas à Autora, relativas ao ano de 2017, no valor de € 9.614.769,10, e não quaisquer outras.

Quaisquer outras quantias certas que venham a ser exigidas pelo Recorrente à Recorrida, seja através da prática de outros atos administrativos, seja através de outros atos jurídicos ou materiais de execução, não estão abrangidas no presente incidente, nem na caução prestada, não integrando o objeto da presente causa, pelo que, é totalmente infundada a alegação do Recorrente de a garantia prestada pela Autora no valor igual ao da quantia exigida à Autora não seja idónea, nem suficiente.

A idoneidade ou suficiência da garantia prestada afere-se por equivalência ao valor da quantia que está em causa no ato impugnado e não qualquer outra.

Quaisquer outras quantias que venham a ser exigidas no futuro, através do ato impugnado ou de novos atos consequentes ou de execução não integram o objeto do presente incidente de prestação de caução, nem a garantia prestada, não relevando para aferir se a garantia é idónea ou suficiente.

Termos em que, em face de todo o exposto, será de julgar improcedente, por não provado o fundamento do recurso.

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Pelo que, será de negar provimento ao recurso jurisdicional interposto, por não provados os seus respetivos fundamentos e em manter a decisão recorrida, acrescida da fundamentação de direito antecedente.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O incidente de prestação de garantia, nos termos do artigo 50.º, n.º 2 do CPTA tem por finalidade obstar à eficácia dos atos impugnados, tendo como pressupostos: (i) que esteja em causa apenas o pagamento de uma quantia certa, (ii) sem natureza sancionatória e que (iii) se trate de uma garantia por qualquer das formas previstas na lei tributária.

II. Sendo exigível a existência de uma quantia certa, está em causa a quantia que tenha sido exigida, referente a factos ou eventos pretéritos ou já ocorridos, excluindo do seu âmbito quaisquer quantias que possam vir a ser exigidas no futuro.

III. A idoneidade ou suficiência da garantia prestada afere-se por equivalência ao valor da quantia que está em causa no ato impugnado e não qualquer outra.

IV. Quaisquer outras quantias que venham a ser exigidas no futuro, através do ato impugnado ou de novos atos consequentes ou de execução não integram o objeto do presente incidente de prestação de caução, nem a garantia prestada, não relevando para aferir se a garantia é idónea ou suficiente.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e em manter a decisão recorrida, com a fundamentação de direito antecedente.

Custas a cargo do Recorrente.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marques)


(Alda Nunes)