Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03470/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/28/2009
Relator:Magda Geraldes
Descritores:RECLAMAÇÃO DECISÃO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL – ARTº 276º CPPT
REGIME DE SUBIDA
INVOCAÇÃO EXISTÊNCIA PREJUÍZO IRREPARÁVEL – ARTº 278º, Nº3 CPPT DESPACHO DE ADMISSÃO LIMINAR E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Sumário:I - A subida imediata da reclamação ocorrerá sempre e só quando, sem ela, ocorrerem prejuízos irreparáveis que não sejam os inerentes a qualquer execução e quando a reclamação perca a sua utilidade por ser retida a sua subida.
II - O fundamento legal da existência de prejuízo irreparável decorrente da penhora efectuada tem de ser invocado nos autos pela reclamante, com alegação dos factos pertinentes, pois o prejuízo irreparável não se pode presumir.
III – O despacho de admissão liminar da reclamação e consequente notificação da Fazenda Pública para contestar, não sendo susceptível de admissão de recurso, não determina a preclusão do conhecimento das questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar – cfr. artº 234º, 5 do CPC e artº 87º, nº 1-a) do CPTA , aplicáveis ex vi artº 2º do CPPT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam no TCAS, Secção Contencioso Tributário, 2º Juízo


A FAZENDA PÚBLICA interpôs recurso jurisdicional da sentença do TAF de Leiria que julgou procedente a reclamação apresentada por MARIA ..., nos termos do disposto no artº 276º do CPPT, do despacho que ordenou a penhora em bem comum efectuada no âmbito do processo de execução fiscal nº 1430200501000101 e apensos, instaurado no Serviço de Finanças de Peniche.

São as seguintes as conclusões das alegações de recurso:

“A. As dívidas dos autos reportam-se a IRS de 2001, 2002, IVA de 2002 e 2003 e Coimas Fiscais, tudo no valor de € 6.447,35 exequendas através do PEF nº 1430200501000101.
B. Para garantia de cobrança da dívida exequenda, o Serviço de Finanças de Peniche efectuou penhora de um prédio rústico, inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de Atouguia da Baleia, Concelho de Peniche, distrito de Leiria, sob o artº 69º, adquirido pela ora reclamante e marido por escritura de compra e venda, datada de 05.03.2002.
C. Em 10.07.2002 a ora reclamante instaurou acção de divórcio litigioso contra o então marido, Daniel Camilo Santos, cuja sentença de divórcio transitou em julgado em 23.02.2004.
D. Alegando que o prédio em causa é bem comum e que as dívidas não são da sua responsabilidade, a ora reclamante entende que a penhora efectuada só deveria incidir na meação do ex-marido, ou seja metade do prédio.
E. A douta sentença recorrida deu razão à reclamante, considerando que, dado que nos termos do artº 1789, nº1 do Código Civil, os efeitos patrimoniais do divórcio, retroagem até à data da propositura da acção, que esta ocorreu em 2002, já não havia agregado familiar em 31.12.2002 e, portanto, já não havia bens comuns, mas sim compropriedade dos bens do acervo familiar, não sendo sequer necessário que a reclamante suscitasse a separação de bens.
F. Não concordando com essa tese, julga-se que, cessado o vínculo conjugal, necessário se torna proceder à partilha dos bens comuns e levantamento dos bens próprios, após conferência de dívidas.
G. Não estando esse desiderato cumprido, o Serviço de Finanças competente, limitou-se a dar cumprimento nos termos do artº 220º do CPPT em conjugação com o artº 239º, nº1 do mesmo diploma legal tomando em linha de conta o cumprimento do artº 864º-B do CPC.
H. Tendo sido citada para proceder à separação de bens, a inércia da ora reclamante deu origem à presente situação, sendo que ainda hoje o prédio se encontra registado no Sistema informático do Património da direcção geral de Impostos, em nome do executado ex-marido.
I. Não tendo sido declarada a alteração de domicílio fiscal da reclamante até 2005, como era sua obrigação, não lhe tendo sido adjudicado o bem, objecto da presente acção, nem tendo sido feita qualquer declaração nesse sentido, nada fazia supor da existência do divórcio.
J. Também nada garante que seja à reclamante que vai caber o prédio em sede de partilhas, pelo que, em cumprimento do artº 232º do CPPT e em respeito pelo artº 826º do CPC, consideramos que deve prosseguir a penhora na totalidade do prédio.
K. Não só pelos argumentos já invocados mas ainda tendo em atenção que as dívidas contraídas pelo ex-maridos da reclamante, o foram quando ainda eram casados, já que os pressupostos do artº 1789º, nº1 do Código Civil, têm valor, salvo melhor opinião em contrário, apenas nas relações patrimoniais entre os cônjuges não sendo oponíveis a terceiros, concretamente à Administração Fiscal, até ao trânsito em julgado da Sentença que decretou o divórcio.
L. Deverá, pois, manter-se a penhora, nos termos em que foi efectuada.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste TCAS a Exmª Magistrada do MºPº emitiu parecer no sentido de ser revogada a decisão recorrida, devendo a reclamação ser enviada à AT para conhecimento a final, entendendo que a sentença fez uma errada interpretação do artº 278º do CPPT.

Notificadas as partes para se pronunciarem sobre a questão suscitada pelo MºPº, momento da subida da reclamação, nada disseram nos autos.

Importa decidir a questão prévia do regime de subida da reclamação.

OS FACTOS

I - Mostram-se assentes os seguintes factos, com interesse para a decisão, extraídos dos presentes autos:
a) – para cobrança de dívida no montante de € 9.267,91, incluindo juros de mora e custas, relativo ao IRS de 2001 e 2002, IVA de 2002 e 2003 e coimas fiscais, foram instaurados processos executivos a Daniel ... – fls. 10 dos autos;
b) – no âmbito destes processos foi registada em 07.11.08, a título definitivo, a penhora do prédio rústico “Alcoentras”, inscrito sob o artº 69º, secção V da freguesia da Atouguia da Baleia – fls. 10 dos autos;
c) – a reclamante foi notificada da penhora do prédio, como ex-cônjuge, em 29.05.09 – fls. 10 dos autos;
d) – o prédio referido em b) não foi objecto de partilha – fls. 10 dos autos;
e) – o prédio referido em b) foi adquirido em 2002 na constância do matrimónio da reclamante com Daniel ... – fls. 10 dos autos;
f) – a reclamante divorciou-se de Daniel ... por sentença de 11.02.04, transitada em julgado em 23.02.04 – fls. 7 dos autos;
g) – a reclamação apresentada pela ora recorrida deu entrada no Serviço de Finanças de Peniche em 08.06.09 – fls. 3 dos autos;
h) – a fls. 11 dos autos encontra-se lavrado despacho pelo Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Peniche, em 18.06.09, do seguinte teor: “Mantenho a decisão que levou à penhora do imóvel e uma vez que a reclamação não se fundamenta em prejuízo irreparável, junte-se a reclamação aos presentes autos, nos termos do nº1 do artº 278º do CPPT, ficando a aguardar a realização da venda judicial do prédio penhorado.”;
i) – a reclamação referida em g) foi enviada ao TAF de Leiria e deu entrada neste 24.06.09 – fls. 2 dos autos.

II – Não existem factos não provados com interesse para a decisão

O DIREITO

Nos termos do disposto no artº 278º, nº1do CPPT “1- O tribunal só conhecerá das reclamações quando, depois de realizadas a penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final. 2- (…). 3- O disposto no nº1 não se aplica quando a reclamação se fundamentar em prejuízo irreparável causado por qualquer das seguintes ilegalidades: a)Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada; b) Imediata penhora dos bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda; c) Incidência sobre bens que, não respondendo, nos termos de direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido abrangidos pela diligência; d) Determinação da prestação de garantia indevida ou superior à devida.”
Esta enumeração não pode considerar-se taxativa, pois, em todos os casos em que o diferimento da apreciação jurisdicional da legalidade da penhora, enquanto acto lesivo praticado pela administração tributária puder provocar para o interessado um prejuízo irreparável, tem de se admitir a possibilidade de impugnação contenciosa imediata, para garantir a tutela judicial efectiva constitucionalmente assegurada pelo artº 268º, nº4 da CRP.
A subida imediata da reclamação ocorrerá sempre e só quando, sem ela, ocorrerem prejuízos irreparáveis que não sejam os inerentes a qualquer execução e quando a reclamação perca a sua utilidade por ser retida a sua subida.
Ora, nos presentes autos a reclamante, na sua petição inicial, não alegou a existência de prejuízo irreparável, nem alegou qualquer facto que possa integrar tal fundamento, tendo a própria administração decidido a subida da reclamação a final.
Porém, sem qualquer explicação, os autos foram enviados ao TAF de Leiria.
Neste, foi proferida a sentença recorrida na qual, a determinado passo, se afirma: “(…) 4. A petição de reclamação apresenta deficiências, não supridas, [não indica qual o auto de penhora e o seu conteúdo, não identifica o prédio penhorado, nem prova a sua pertença comum, omite a data em que foi notificada da penhora de que reclama e omite o autor do acto de que reclama e sobretudo, não invoca expressamente o «prejuízo irreparável» para os efeitos do art. 278/3 do CPPT] que, todavia, não determinaram a sua rejeição, por isso, tramitada a reclamação com a contestação e o parecer do MP, cumpre dela conhecer de mérito. (…)”.
Admitindo a sentença recorrida que não foi invocada pela reclamante a existência de prejuízo irreparável decorrente da penhora efectuada, entendeu, mesmo assim, que a subida da reclamação devia ser imediata, passando a conhecer do mérito da mesma, para tanto referindo que, não tendo a reclamação sido rejeitada e tendo sido tramitada com a contestação e o parecer do MP, dela cumpria conhecer de mérito.
Ora, tal entendimento não se mostra o mais acertado, pois o prejuízo irreparável não se pode presumir, nem dos factos assentes nos autos se pode deduzir o mesmo. Acresce que o despacho de admissão liminar da reclamação e consequente notificação da Fazenda Pública para contestar não admite recurso, não se considerando precludidas as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar – cfr. artº 234º., 5 do CPC, e artº 87º, nº 1-a) do CPTA , aplicáveis ex vi artº 2º do CPPT.
Carecendo tal fundamento legal – existência de prejuízo irreparável decorrente da penhora efectuada – de ser invocado nos autos pela reclamante, com alegação dos factos pertinentes e respectiva prova, deveria a sentença recorrida ter feito aplicação do disposto no artº 278º, nº1 do CPPT, ordenando a devolução da reclamação à administração tributária, que indevidamente a remeteu ao tribunal.

Não tendo assim decidido, a sentença recorrida padece de erro de julgamento, por errada aplicação do disposto no artº 278º, nº3 do CPPT, procedendo a questão prévia suscitada pela Exmª Magistrada do MºPº, quanto ao momento de subida da presente reclamação.
Face à procedência da questão prévia ora decidida, fica prejudicado o conhecimento do recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública.

Pelo exposto, atentos os fundamentos invocados, acordam os juízes do TCAS, Secção Contencioso Tributário, em:

a) – julgar procedente a questão prévia suscitada pelo MP, revogar a sentença recorrida e ordenar a remessa dos autos à administração tributária;
b) – não conhecer do recurso interposto pela Fazenda Pública;
c) – condenar a recorrente nas custas em 1ª instância, não sendo as mesmas devidas nesta instância.

LISBOA, 28.10.09


Magda Geraldes
José Gomes Correia
Joaquim Pereira Gameiro (Vencido por entender que os autos de reclamação subiram correctamente dado que o que está em causa é o acto de penhora que é invocado de ilegal. Esta invocação tem enquadramento no n.º 3 al. a) do art. 278.º do CPPT daí decorrendo o prejuízo irreparável aí referido. Acresce que mesmo nos termos do n.º 1 do art. 278.º do CPPT os autos também deviam subir, como subiram, por estar em causa a penhora. Tendo os autos subido correctamente devia conhecer-se do mérito do recurso por não se verificar, no nosso entendimento, a invocada questão prévia.).