Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2765/12.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/31/2019
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores: IMI – AVALIAÇÃO PATRIMONIAL – REVISÃO OFICIOSA
Sumário:1. A errada fixação do VPT, em 2003, pode ser arguida através do pedido de revisão oficiosa das liquidações, nos termos conjugados dos artigos 78.º da LGT e 115.º do CIMI, ainda que o contribuinte não tenha reagido atempadamente contra essa fixação.
2. Para a fixação do VPT dos prédios urbanos inscritos na matriz até 1972, operada em 2003 ao abrigo do disposto no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que aprovou o CIMI, não concorrem as actualizações do VPT posteriores a 1972 e anteriores ao ano de 2003.
3. São passíveis de revisão oficiosa as últimas quatro liquidações baseadas em VPT que infringe o regime previsto no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, por erro imputável aos serviços.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
1 - Relatório
1.1. As partes
A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação deduzida por M......., veio interpor o presente recurso jurisdicional
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1.2. O Objecto do recurso
1.2.1. Alegações
Nas suas alegações a recorrente formulou as seguintes conclusões:
1.ª A questão a decidir é a de saber se o valor patrimonial tributário calculado em 2003 é susceptível de ser impugnado e, concluindo-se que sim, se esse valor patrimonial tributário foi calculado de forma ilegal viciando as liquidações subsequentes, nomeadamente as respeitantes aos anos de 2008 a 2011, últimos quatro anos anteriores à data da interposição da acção.
2.ª O Tribunal a quo decidiu pela improcedência da questão prévia suscitada pela Fazenda Pública determinando que não ocorre a inimpugnabilidade do acto de actualização do valor patrimonial, nem a impropriedade do meio utilizado pela Impugnante
3.ª O artigo 1150 do CIMI permite a revisão oficiosa das liquidações quando tenha havido atraso na actualização das matrizes, quando tenha havido nova avaliação ou quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido ou quando havendo lugar a isenção, esta não tenha sido considerada ou concedida.
4.ª Contudo, e como o único vício apontado pela Impugnante diz respeito actualização do valor patrimonial efectuada em 2003 e não propriamente às liquidações de IMI dos últimos quatro exercícios, não seria de aplicar o artigo 115.º do CIMI mas sim o artigo 20.º do Regime Transitório do DL 287/2003, normativo que prevê a possibilidade de reclamação da actualização do valor patrimonial tributário.
5.ª Pelo que, tendo a actualização resultado da aplicação do artigo 16.º do Regime Transitório, deveria a impugnante ter reclamado nos termos e prazos do artigo supra mencionado.
6.ª Ultrapassado o prazo para reclamar ou solicitar a determinação do VPT de acordo com as regras do CIMI, nos termos do disposto no artigo 20.º do Regime Transitório, o sujeito passivo apenas poderia reclamar do valor patrimonial tributário com base no artigo 130.º do CIMI (Reclamação das matrizes),
7.ª Em anotação ao artigo 20.º do Regime Transitório, escrevem J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, Os Impostos sobre o Património, Ed. Engifisco, 1.ª edição, 2005, pagina 70: “O prazo
de 90 dias para a reclamação contou-se a partir da data limite de pagamento do IMI da primeira.

8.ª Ou única prestação referente a 2003, isto é, de 30 de Abril de 2004. (…) De observar que, relativamente às liquidações referentes a 2004 e seguintes, o interessado poderá ainda, em nosso entender, reclamar a todo o tempo, de erros de facto ou de direito cometidos nas referidas actualizações de valores, conforme previsto na alínea m) do n.º 3 do artigo 130.º do CIMI, caso em que a correcção deverá produzir efeitos em relação ao ano em que o pedido for apresentado, conforme previsto no n.º 7 do mesmo artigo”.
9.ª O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-10-2012, Processo 0822/12 estipula o seguinte: “Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, tratando-se de actos destacáveis e inexistindo qualquer restrição relativa às ilegalidades que podem ser objecto de impugnação contenciosa, os vícios de que enferme o referido acto de avaliação apenas poderão ser arguidos em impugnação do acto de avaliação e não do acto de liquidação que seja praticado com base naquele, já que a atribuição da natureza de acto destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vícios desse acto para efeitos de impugnação contenciosa” (ibidem). O que significa, para além do mais, que o sujeito passivo do IMI deverá ser notificado da avaliação e do resultado da mesma – a fixação do VPT – antes de ser efectuada e notificada a liquidação do imposto”.
É certo que, transitoriamente, o VPT pode resultar, não de avaliação, mas de actualização, de acordo com o disposto no Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Dezembro, por que se operou a reforma da tributação do património imobiliário, nomeadamente mediante a aprovação do CIMI. Neste diploma legal foi previsto um regime transitório de actualização dos valores patrimoniais tributários até que esteja concluída a avaliação geral dos prédios urbanos, para a qual foi fixado um prazo de dez anos (Actualmente, tendo por base a emergência de medidas que se conformem com o “Memorando de Entendimento com a Troika” e que necessidade de controlar o défice e descontrolo das contas públicas, o Governo determinou, através das Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro, a aprovação de alterações o referido Decreto-Lei, tendo em vista a regulamentação do regime da Avaliação Geral de Prédios Urbanos e avançando, assim, com a avaliação de todos os prédios, ainda não avaliados, no âmbito do CIMI. Mas, ainda nesse caso, o sujeito passivo do IMI deverá ser notificado do resultado da avaliação – em que influem diversos factores, designadamente o facto de estarem ou não arrendados – o qual, nos termos do art. 20.º pode dar lugar a reclamação para a determinação do VPT através das regras do CIMI (n.º 4) ou mesmo a impugnação judicial (n.º 5) (sublinhado nosso).
10.ª Não tendo a Impugnante recorrido aos mecanismos presentes no artigo 20.º do Regime Transitório do DL 287/2003 de 12 de Novembro para reagir à actualização do valor patrimonial tributário somente o poderia fazer através do mecanismo previsto no artigo 130.º do CIMI, cujos efeitos só se produziriam na liquidação respeitante ao ano em que for apresentada a reclamação ou promovida a rectificação.
11.ª Defende a Impugnante que o VPT foi incorrectamente actualizado em 2003 por aplicação das regras previstas no artigo 16 do Regime Transitório do DL 287/2003: “ o valor da respectiva inscrição na matriz expurgada de quaisquer correcções efectuadas posteriormente a esse ano, multiplicado pelo coeficiente respectivo (39,34 conforme Portaria n.º 1337/2003 de 5 de Dezembro), i.e., 3474,63 x 39,34 = €136, 691, 94".
12.ª A sentença de que se recorre determinou que valor a ter em consideração é o valor do prédio à data da sua inscrição na matriz, em 1972, isto é, € 3474,63, que é o valor patrimonial expurgado de e todas as actualizações ocorridas ao longo dos anos pelo que a actualização impugnada decorrendo de errada interpretação das disposições legais aplicáveis, padece de vício de erro sobre os pressupostos de direito, não se podendo manter, impondo-se a sua anulação. No entanto, não pode a Fazenda Publica concordar com o estipulado pelo Tribunal, uma vez que o valor patrimonial do imóvel em causa nos presentes autos resulta da correcta aplicação das normas legais correspondentes, nos termos que se pausará a expor.
13.ª Primeiramente, importa salientar que não é ao rendimento colectável que o artigo 16 do Regime Transitório do DL 287/2003 manda aplicar o coeficiente, com efeito, quer da epígrafe do artigo 16.º, quer da redacção das várias alíneas, quer da Portaria 1337/2003, resulta claramente que os coeficientes são aplicados ao valor patrimonial tributário e o valor que a impugnante refere de € 3.474,63 não corresponde ao valor patrimonial tributário.
14.ª Em 1972 estava em vigor o Código de Contribuição Predial e do Imposto sobre a Industria Agrícola e, de acordo com o artigo 113° desse diploma legal, o rendimento colectável dos prédios urbanos quando arrendados, é igual às rendas efectivamente recebidas em cada ano
15.ª O rendimento colectável para efeitos de contribuição predial não pode, de modo algum, contundir-se com o conceito de valor patrimonial tributário introduzido pelo Código da Contribuição Autárquica, e, ainda que porventura fosse de aplicar a norma referida pela Impugnante (artigo 16° n.º 4 do Regime Transitório), haveria que converter o valor inscrito na matriz como rendimento colectável em valor patrimonial tributário, porquanto o artigo 16.º é muito claro: procede-se às actualizações do valor patrimonial tributário.
16.ª Por força das regras de conversão do rendimento colectável em valor patrimonial (artigo 6°, n.º 1, do DL 442-C/88), foi inscrito o valor patrimonial tributário correspondente, ou seja, €542.190,42 (€35.140,02 x 15).
17.ª A entrada em vigor do CIMI veio introduzir novas regras na determinação do valor patrimonial dos imóveis„ baseado em critérios objectivos, prevendo-se que todos os imóveis viessem a ser avaliados, não obstante, enquanto não fossem avaliados, foi determinada uma actualização do valor patrimonial dos imóveis por aplicação de coeficientes de desvalorização da moeda a fixar por Portaria (artigo 16° do Regime Transitório do DL 287/2003 e Portaria 1337/2003).
18.ª Aos prédios que se encontrassem arrendados poderia ser aplicado o regime transitório previsto no artigo 17.º do mesmo DL 287/2003 desde que os seus proprietários cumprissem com o ónus da apresentação da participação prevista no artigo 18° do mesmo diploma, sendo qua a falta de apresentação tem como efeitos a actualização por aplicação do regime previsto no referido artigo 16.º (n.º 4 do artigo 18.º do DL 287/2004)
19.ª A impugnante admite que não lhe aplicável o disposto no artigo 17.º do DL 287/2003 que previa que o valor patrimonial tributário, para efeitos exclusivamente de IMI, é o que resultar da capitalização da renda anual pela aplicação do factor 12 se tal valor for inferior ao determinado nos termos do artigo anterior (au seja, artigo 16° do DL 287/1200.
20.ª Por força da aplicação das regras do artigo 16.º n.º 1 e n.º 5 do Regime Transitório do DL 267/2003, a actualização incidiu sobre o VPT de 1986, aplicando-se o coeficiente desse ano por não existir qualquer comunicação do valor das rendas para efeitos do imposto sobre o património posteriormente a essa data (Cfr. A Actualização do valor patrimonial na reforma da tributação do património, José Maria Fernandes Pines, ed. DGCI, 2003. Fls. 52 a 67 dos autos)
21.ª Assim, como foi referido na informação que sustenta o indeferimento do pedido de revisão, ao valor patrimonial tributário de €542.190,42 foi aplicado o factor de 2,22 correspondente a esse ano, pelo que dessa actualização resultou o VPT de €1.203.463,73_
22.ª E de referir que a insustentabilidade da pretensão da impugnante fica mais evidenciada se observarmos que o valor que aquela pretende ver inscrito como VPT em 2008 (€142.792.70) corresponde a menos de um terço do valor patrimonial do imóvel em 1989 (€542.190,44), valor que resultou da aplicação das regras previstas no artigo 6.º do DL 442-C/88, de 30-11, valor que a impugnante nem sequer veio discutir.
23.ª O valor a ter em conta não é o de 1972, mas o de 1988, dado que o prédio esteve arrendado, sendo artigo 16.º aplicável porque, como já se mencionou, a Impugnante não apresentou a participação prevista no artigo 18.º, devendo assim utilizar-se o último ano em que as rendas foram comunicadas, ou seja, 1998.
24.ª Podemos assim concluir que as pretensões da Impugnante carecem de sustentação porquanto, se por um lado o meio utilizado se revela inadequado à obtenção do resultado pretendido, por outro lado ficou igualmente evidenciado que o VPT pretendido pela Impugnante não encontra qualquer sustentação
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1.2.3. Contra-alegações
A recorrida M....... apresentou contra-alegações concluindo pela improcedência do recurso.
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1.3. Parecer do Ministério Público
O EMMP junto deste Tribunal emitiu parecer propendendo no sentido do improvimento do recurso.
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1.4. Questões a decidir
As questões a dirimir são as seguintes:
1. Saber se podem ser objecto de revisão as liquidações de IMI com fundamento em errada fixação do valor patrimonial tributário (VPT) de prédio urbano, que se consolidou por falta de oportuna impugnação;
2. Em caso afirmativo, determinar se ocorre erro na fixação desse VPT;
3. Caso ocorra, apurar os efeitos para as liquidações cuja anulação é pedida.
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2. Fundamentação
2.1. De facto
Por não ter sido impugnada a matéria de facto, remete-se, ao abrigo do artigo 666.º, nº 3, do CPC, para os termos da decisão recorrida.
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2.2. De Direito
2.2.1. Do mérito da impugnação
A sentença decidiu considerar procedente a impugnação, considerando improcedente a questão prévia da inimpugnabilidade do acto, arguida pela FP, por considerar que tendo a reclamação da impugnante sido apreciada como revisão oficiosa no âmbito do artigo 78.° da LGT, e que abrangendo este normativo a “revisão dos actos tributários (em sentido lato) pela entidade que os praticou, por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributaria, no prazo de quatro anos após a liquidacao”, não existindo uma incompatibilidade do mesmo com o disposto no artigo 115.° do CIMI, tendo a reclamação da recorrida sido apreciada sem “que tivesse sido colocada a questão da impropriedade do meio, criando nela a expectativa e a confiança na qualificação jurídica do meio”, improcedia a suscitada “inimpugnabilidade do acto sub judice” e, consequentemente, a referida “questão prévia”, implicando, por isso, a apreciação da impugnação, na vertente da avaliação da actualização do valor patrimonial tributário fixado em 2003.
A recorrente insiste na impropriedade do meio e impugnabilidade do acto, alegando o que consta das conclusões 1.ª a 10.ª, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
O artigo 78.º da LGT é, como sustentado na sentença, compatível com o artigo 115.º do CIMI, cujo n.º 1 principia por consagrar a ressalva daquele normativo. Em ambos os casos se disciplina a revisão de actos tributários, os quais, na acepção da doutrina tradicional de que Alberto Xavier é o expoente, são, por excelência, o acto de liquidação(1) e bem assim os actos de fixação da matéria tributável.
O acto de fixação do VPT não se encaixa neste conceito, visto que é encarado, de forma pacífica, como acto administrativo em matéria tributária, destacável e autonomamente impugnável.
É verdade que uma vez firmada a fixação do VPT, por não ter sido utilizado qualquer dos meios de defesa ao dispor do contribuinte, nos termos do artigo 20.º do Decreto-Lei 267/2003, esse VPT servirá de base às liquidações de IMI subsequentes, até eventual alteração do seu valor.
De facto, deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, nem assim fica impossibilitado de arguir a ilegalidade do VPT fixado, embora com efeitos restritos às liquidações posteriores à reclamação. Defender o contrário é o mesmo que defender a perpetuidade da conduta ilegal da Administração, o que repugna ao bom senso e ao Direito admitir.
Assim, no plano do Direito o artigo 115.º do CIMI constitui uma válvula de escape para tais situações, devendo o respectivo mecanismo ser desencadeado pela Administração, por sua iniciativa ou a impulso do interessado.
Ora, uma das hipóteses contempladas neste normativo é a eliminação de erros de que resulte uma colecta de montante superior ao devido [al. c) do n.º 1].
Por conseguinte, não se pode falar em verdadeira impropriedade do meio, sendo certo que ainda que se admita essa hipótese, como a administração apreciou o direito da recorrida, tal apreciação fez nascer na esfera jurídica desta o direito à impugnabilidade da decisão, nos termos do artigo 268.º, n.º 4, da CRP.
Restringir ou eliminar essa impugnabilidade constituiria, outrossim, uma agressão manifesta ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, plasmado nessa norma constitucional.
Questão diferente será a de saber a partir de que momento produz efeito uma decisão jurisdicional que acolha a pretensão da recorrente, de alteração do VPT.
Improcedem, portanto, as conclusões 1.ª a 10.ª.
Quanto ao cerne da questão:
A decisão em crise considerou que a actualização do valor patrimonial tributário (VPT), ocorrida em 2003, está viciada por errada interpretação da lei, isto é, por erro nos pressupostos de direito.
Isto porque, estando provado que a recorrida não apresentou a participação a que alude o artigo 18.º, n.º 1, do Regime Transitório do CIMI (Dec.-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro), era-lhe aplicável o artigo 16.º, n.º 3, desse Regime Transitório, que determinava que “enquanto não se proceder a avaliação geral, o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos, para efeitos de IMI, e o valor que resulta da aplicação ao valor do prédio do coeficiente que lhe corresponder ao ano da inscrição matricial previsto na Portaria 1337/2003, de 5/12, que no caso sub judice é de 39,34”.
Contrapõe a recorrente que em “1972 estava em vigor o Código de Contribuição Predial e do Imposto sobre a Industria Agrícola e, de acordo com o artigo 113° desse diploma legal, o rendimento colectável dos prédios urbanos quando arrendados, é igual às rendas efectivamente recebidas em cada ano”, e que impondo o artigo 16.º do Dec.-Lei n.º 287/2003 a actualização “do valor patrimonial tributário”, tal VPT era o que resultava do “ VPT de 1986, aplicando-se o coeficiente desse ano por não existir qualquer comunicação do valor das rendas para efeitos do imposto sobre o património posteriormente a essa data”.
Sustenta, por isso, que a pretensão da impugnante é claramente infundada na medida em que o VPT de 1989 (€542.190,44), “resultou da aplicação das regras previstas no artigo 6.º do DL 442-C/88, de 30-11, valor que a impugnante nem sequer veio discutir”.
Sucede que este entendimento não encontra apoio legal.
Nos termos do artigo 16.º, n.º 3, do Dec.-Lei n.º 287/2003, “Aos valores dos prédios inscritos nas matrizes até ao ano de 1970, inclusive, é aplicado o coeficiente que lhe corresponder nesse ano e, aos dos prédios inscritos posteriormente, aquele que corresponder ao ano da inscrição matricial”, acrescentando o n.º 4 que “Em qualquer dos casos previstos no número anterior, o coeficiente é sempre aplicado aos referidos valores já expurgados de quaisquer correcções efectuadas posteriormente ao ano de 1970 e aos anos da respectiva inscrição matricial” (negrito nosso).
Como refere a sentença, a recorrida aceita que não apresentou a declaração a que se refere o artigo 18.°, pelo que lhe é aplicável o regime do artigo 16.º do referido diploma legal.
Daí que a sentença assevere, e bem, que o VPT in casu era, em 2003, resultante da “aplicação ao valor do prédio do coeficiente que lhe corresponder ao ano da inscrição matricial previsto na Portaria 1337/2003, de 5/12, que no caso sub judice é de 39,34, como defende a Impugnante”.
Aliás, a sentença apoia-se em doutrina que claramente refuta a aplicação de actualizações posteriores a 1972, como é o caso de José Maria Fernandes Pires, mencionado no próprio PAT, pelo que não se compreende esta insistência da FP na aplicação de um regime claramente desfavorável para o contribuinte, que a correcta interpretação legal não consente, insistência que raia a litigância de má-fé.
Donde, como justamente refere a sentença, o VPT a considerar resulta do “valor do prédio à data da sua inscrição na matriz, em 1972, isto e, € 3474,63, que é o valor patrimonial expurgado de todas as actualizações ocorridas ao longo dos anos, pelo que a actualização impugnada decorrendo de errada interpretação das disposições legais aplicáveis, padece de vicio de erro sobre os pressupostos de direito não se podendo manter, impondo-se a sua anulação”.
Aqui chegados impõe-se então determinar a partir de que momento deve ser atendida a pretensão da recorrida: a partir de 2008, isto é, abrangendo as liquidações efectuadas a partir deste ano, ou só a partir da data em que foi apresentada a reclamação?
A fixação do VPT constitui, como se disse, um acto administrativo em matéria tributária, destacável e, por isso, passível de impugnação autónoma. A impugnação autónoma dos actos destacáveis tem como propósito oferecer uma maior garantia aos administrados, permitindo-lhes reagir atempadamente de molde a evitar a produção de efeitos lesivos, que se projectam no acto final do procedimento ou em actos externos a este.
A impugnabilidade autónoma constitui um desvio ao princípio da impugnação unitária (cfr. artigo 54.º do CPPT), que postula que em princípio só é possível impugnar o acto final do procedimento tributário, por só este apresentar efeitos lesivos na esfera jurídica do contribuinte. Este artigo prevê a possibilidade de impugnabilidade autónoma dos actos imediatamente lesivos e a possibilidade de, na impugnação do acto final de liquidação, serem invocados todos os vícios de que padeçam os actos prévios a essa liquidação (actos instrumentais, preparatórios ou prodrómicos dessa decisão final).
Como assim, sendo a fixação do VPT um acto destacável, ele goza de possibilidade de impugnação autónoma, independentemente da existência ou não de liquidação, impugnação essa que no caso era permitida pelo artigo 20.º do Dec.-Lei 287/2003.
Portanto, não tendo sido impugnada a fixação do VPT, facto que a recorrida aceita, parece que a consequência seria a de aceitar que as liquidações feitas a coberto desse VPT, enquanto não fosse alterado, não podiam também ser alteradas com tal fundamento.
Mas o problema pode ser olhado de outro prisma.
Em regra, os actos da Administração, com excepção dos actos viciados de nulidade, consolidam-se juridicamente se não forem impugnados nos prazos estabelecidos na lei.
Todavia, mesmo fora das situações de nulidade o legislador tributário, ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afectam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido.
É o que sucede com o artigo 78.º da LGT, que prevê a possibilidade de revisão dos actos tributários com fundamento em ilegalidade ou erro, mecanismo que se encontra presente na legislação tributária de outros países, como sucede em Espanha com o artigo 219.º da Ley General Tributária.
O artigo 78.º da LGT consagra um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respectivos montantes, que não estejam previstos na lei.
Todavia, como já se disse, o artigo 78.º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação e qualquer tributo(2). O que não quer dizer que seja de todo imprestável para o caso sub judice, visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida.
Ora, ultrapassada que está actualmente a questão de saber se a iniciativa de revisão pela administração pode ser desencadeada a impulso do interessado, da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços.
O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas.
Erro esse que, independente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão ao abrigo do n.º 4 do normativo em questão, se o n.º 1 não fosse inteiramente aplicável.
O que reforça o entendimento de que o direito que a recorrida reclamou, de ver as últimas quatro liquidações anteriores à reclamação serem anuladas, ter pleno apoio legal.
Donde, bem andou a sentença recorrida em julgar procedente a impugnação in tottum.
Consequentemente, é de negar provimento ao recurso.
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3 - Dispositivo
Em face de todo o exposto acordam os juízes da 1.ª Subsecção da Secção de Contencioso do TCA Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 2019-10-31
(Benjamim Barbosa)
(Ana Pinhol)
(Isabel Fernandes)


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(1) Conceito e Natureza do Acto Tributário, Coimbra, Almedina, 1972, p. 45
(2) Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, Rei dos Livros, p. 344.