Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2359/102 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IVA
ISENÇÃO
NÃO SUJEIÇÃO A IMPOSTO
ADQUIRENTE NÃO RESIDENTE NA COMUNIDADE
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I - A falta de colaboração do contribuinte com a AT no esclarecimento da sua situação tributária, faz cessar a presunção de veracidade declarativa e dos dados da sua escrita (artigos 75/2 al. b) e 59/4 da LGT).
II - Passa então a caber ao contribuinte o ónus de prova de que, não obstante os indicadores de omissão declarativa e de entrega do imposto, estão em causa operações não sujeitas a imposto, no caso, o IVA.
III - E essa prova tem de ser concludente, não aproveitando ao contribuinte uma situação de dúvida, a qual deverá ser processualmente valorada contra si.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO



A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por B… contra as liquidações de IVA e Juros Compensatórios dos anos de 2007 e 2008, nos montantes respectivos de 12.498,50 euros e 803,87 euros, alegando para tanto e conclusivamente, o seguinte:

«


















».

O Recorrido apresentou contra-alegações que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
























».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer concluindo pela improcedência do recurso por a decisão não padecer de quaisquer vícios, nomeadamente, os que lhe vêm imputados.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.


II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação, a questão central do recurso consiste em saber se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir que o impugnante logrou provar que os rendimentos de trabalho independente que declarou para efeitos de IRS dos anos de 2007 e 2008 respeitam unicamente a operações não tributáveis em Imposto sobre o Valor Acrescentado.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«





















«Imagem em texto no original»























».

B.DE DIREITO

Fazendo uma sinopse do que revelam os autos e o probatório, constata-se que o impugnante declarou para efeitos de IRS dos anos de 2007 e 2008 como rendimento da prestação de serviços de advogado – actividade para que estava colectado – os montantes de 28.850,00 euros e 32.200,00 euros, respectivamente.

Foi notificado pela Administração tributária para proceder à “entrega de todas as declarações periódicas de IVA em falta, por via electrónica, respeitante aos anos de 2007 e 2008, por força do disposto nos artigos 29.º e 41.º do Código do IVA.
Ou, em alternativa, informar estes serviços da justificação legal para a não liquidação, caso esta exista”.

O impugnante não respondeu, nem procedeu à apresentação das declarações periódicas reportadas ao período em causa, pelo que, em seguimento, foi apurado oficiosamente IVA de 6.058,60 euros e 6.440,00 euros para aqueles mesmos anos de 2007 e 2008.

A questão que se coloca consiste em saber se as operações que deram origem ao rendimento de trabalho independente declarado pelo impugnante com relação aos anos de 2007 e 2008, constituem operações tributáveis em IVA, sendo que, nessa eventualidade, haveria obrigação de apresentação da declaração periódica e entrega do correspondente imposto.

Sucede que o impugnante alega processo judicial, que as operações em causa se referem a prestações de serviços de advogado não tributáveis em território nacional, não se verificando, assim, qualquer facto tributário para efeitos de IVA, como erroneamente o assumiu a Administração tributária.

A sentença deu razão ao impugnante no entendimento de que foi feita prova ou, pelo menos, lançada a dúvida sobre a existência do facto tributário, a demandar a anulação das liquidações por erro nos pressupostos, com o que se não conforma a recorrente Fazenda Pública.

Que dizer?

Dispunha, à data, o art.º 53/1 do CIVA: «Beneficiam da isenção do imposto os sujeitos passivos que, não possuindo nem sendo obrigados a possuir contabilidade organizada para efeitos do IRS ou IRC, nem praticando operações de importação, exportação ou actividades conexas, nem exercendo actividade que consista na transmissão dos bens ou prestação dos serviços mencionados no anexo E do presente Código, não tenham atingido, no ano civil anterior, um volume de negócios superior a (euro) 10 000», definido este nos termos do art.º 42.º do mesmo Código, conforme n.º 5 do mesmo art.º 53.º, do CIVA.

Como o rendimento declarado pelo impugnante nos anos de 2007 e 2008 foi superior a 10.000 euros, assumiu a AT que aquele estaria naqueles aludidos anos, excluído do regime de isenção.

As isenções são benefícios fiscais. E os benefícios fiscais, mesmo automáticos (art.º 5.º do EBF), estão sujeitos à fiscalização da Administração tributária, dispondo o art.º 7.º do EBF, que «Todas as pessoas, singulares ou colectivas, de direito público ou de direito privado, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da Direcção-Geral dos Impostos e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respectivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios».
Se em procedimento de fiscalização, o contribuinte, notificado para tanto, não esclarece a sua situação tributária, nomeadamente no que respeita à falta de apresentação das declarações periódicas de IVA, a que como sujeito passivo está em regra obrigado (art.º 29/1 do CIVA), seja por via de isenção, seja por via de não sujeição a imposto das operações que pratica e estão na origem dos rendimentos declarados, a AT fica legitimada a corrigir as declarações indiciariamente omitidas, à luz do disposto no art.º 75/2, alínea b), da Lei Geral Tributária.

E passa a caber ao contribuinte, desprovido da presunção legal do art.º 75/1 da LGT, por falta de colaboração com a AT no esclarecimento da sua situação tributária (art.º 59/4 da LGT), fazer a prova de que não há qualquer omissão que lhe seja imputável, seja de tipo declarativo, seja de entrega do imposto devido (art.º 74/1 da LGT e 341º e 342/1 do Código Civil).

Nesse desiderato e como o ilustram os autos, o impugnante veio alegar que as operações praticadas, na origem dos rendimentos declarados da actividade profissional independente, consubstanciavam operações não localizadas para efeitos de sujeição a IVA, porquanto, se trataram de serviços de advogado prestados a pessoa estabelecida ou domiciliada fora da Comunidade.

De facto, nos termos do n.º 9 do art.º 6.º do CIVA, «As prestações de serviços referidas no número anterior [nas quais de incluem os serviços de advogado – n.º 8, al. c)] não são tributáveis, ainda que o prestador tenha no território nacional a sua sede, estabelecimento estável ou domicílio, nos seguintes casos:
a) …..
b) Quando o adquirente for pessoa estabelecida ou domiciliada em país não pertencente à Comunidade Europeia».

E a questão decisiva reconduz-se a saber se o impugnante logrou fazer prova de que prestou serviços de advogado a adquirentes não residentes no território da Comunidade, como alega.

Do probatório, não impugnado eficazmente nos termos do art.º 640.º do CPC, apenas constam dois factos relevantes e a propósito, os vertidos nos pontos M) e N) do mesmo.

Ora, como bem salienta a recorrente, desacompanhados de quaisquer outros elementos, mostra-se insuficiente para prova de que o adquirente dos serviços prestados foi um não residente na Comunidade, a mera junção aos autos de cinco documentos particulares denominados recibos, passados a clientes identificados como domiciliados em Angola e com a menção “Isento ao abrigo do n.º 9 do artigo 6.º do CIVA”, os quais não estão acompanhados de qualquer explicação sobre o meio de pagamento dos serviços supostamente adquiridos (cheque, transferência bancária…), nem de qualquer elemento relativo à contratualização dos serviços prestados, não se revelando de grande valia o facto extraído do depoimento da mulher do impugnante, no sentido de que ele passou a maior parte do tempo durante os anos de 2007 e 2008, a exercer a sua actividade profissional em Angola, sem nada adiantar de concreto e assertivo, nomeadamente factos que permitam relacionar as operações geradoras dos rendimentos declarados em 2007 e 2008 com a actividade profissional do impugnante alegadamente prestada a não residentes comunitários.

A sentença deu-se conta da fragilidade probatória, mas deu abrigo à pretensão anulatória do impugnante, aqui recorrido, no entendimento de que da prova produzida pelo impugnante sempre resultaria fundada dúvida sobre a existência do facto tributário (prestações de serviços de advogado sujeitas a IVA), a demandar a aplicação do disposto no art.º 100/1 do CPPT, que estabelece: «Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado».

Sucede, porém, que tal como se refere no ac. deste Tribunal de 01/28/2021, tirado no proc.º 332/13.8BEFUN, «…a jurisprudência é pacífica em afirmar que o disposto no art.º 100.º do CPPT não se aplica quando cessa a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita, uma vez que, nesses casos, o ónus da prova cabe ao contribuinte, e nessa medida, existindo dúvida tem de ser processualmente valorada contra este, por ser quem tem o ónus da prova (nesse sentido, cf. Acórdão do STA de 24/10/2007, proc. n.º 0479/07, Ac. do TCAN de 30/10/2014, proc. n.º 00390/05.9BEBRG, Ac. do TCAS de 22/01/2015, proc. n.º 06240, Ac. do TCAS de 22/02/2018, proc. n.º 08342/15, acórdão do TCAS de 05/11/2020, proc. n.º 98/11.6BEALM).
Esse também é o entendimento de Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário-anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 133, escreve ainda que “[o] alcance inequívoco da cessação da presunção nestas situações, é o de determinar que, quando elas ocorrem, será sobre o contribuinte que recai o ónus da prova dos factos declarados ou inscritos na sua contabilidade ou escrita sobre que existem dúvidas probatórias. Sendo de aplicar esta regra também no processo judicial, pelo que se disse, e harmonizando-a com a regra do n.º 1 do art. 100 .° do CPPT, será de concluir que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele n.º 1, justificarem a anulação do acto impugnado. Na verdade, o n.º 1 do art. 100.º do CPPT consubstancia uma norma de carácter geral de que resulta recair sobre a administração tributária o ónus da prova dos factos que relevem para quantificação da matéria tributável. Por isso, nas situações em que a lei, em normas especiais, impõe esse ónus ao contribuinte, fica afastada a aplicação daquela regra de carácter geral.” (…)».

Não podendo a pretensão anulatória apoiar-se na fundada dúvida, nem tendo o impugnante feito prova, positiva e concludente, de que os serviços de advocacia foram prestados a adquirente não residente na Comunidade, a impugnação está vitada ao insucesso.

A sentença incorreu nos apontados erros de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica.

O recurso merece provimento.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação improcedente.

Condena-se o Recorrido em custas.



Lisboa, 18 de Maio de 2023



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Vital Lopes



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Luísa Soares



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Tânia Meireles da Cunha