Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05535/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/03/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA UM COMPORTAMENTO.
PEDIDO DE REEMBOLSO DE IVA.
INQUÉRITO.
SUSPENSÃO DO PEDIDO.
Sumário:1.À AT cabe aquilatar do pedido de reembolso de IVA e não o satisfazer ou suspender o seu deferimento, se o sujeito passivo se encontrar fora das condições legais que permitem o seu deferimento;

2. O meio processual de intimação para um comportamento apenas pode ter lugar em caso de omissões da administração tributária lesivas de quaisquer direitos ou interesses legítimos, e perante a existência de um direito já definido na esfera jurídica do sujeito passivo, não servindo este meio processual para o definir;

3. Se a AT justificou a suspensão do reembolso de IVA por indícios de fraude fiscal, então tal direito do contribuinte não se apresenta como evidente na sua titularidade, não podendo obter a procedência deste meio processual.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A ………– T…….. – Comércio ……………, Lda, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a intimação para um comportamento deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


i. A douta sentença recorrida preconizou uma errada apreciação da matéria de facto, pois, não se retira do probatório, que o inquérito tenha sido instaurado contra a recorrente, ou que os factos em causa no inquérito se relacionem com os pedidos de reembolso em causa nos presentes autos, razão pela qual deve o recurso desde logo proceder.
ii. Não consta como causa de suspensão do prazo de reembolso, a pendência de processo judicial de qualquer espécie, nem do Despacho Normativo nº 18A/2010, de 01/07/2011, nem do Código do IVA, nem tão pouco resulta de qualquer outro diploma legal.
iii. Ainda que a situação de incumprimento declarativo do sujeito passivo possa determinar a suspensão do prazo de reembolso, tal suspensão não ocorre sem prazo, devendo o sujeito passivo ser notificado para regularizar a falta no prazo máximo de 30 dias, sob pena de indeferimento do pedido de reembolso (al. b) do art. 3° e art. 5° do Despacho Normativo nº18A/2010).
iv. Ao contrário do propugnado na douta Sentença recorrida, o disposto no n° 1 do art. 31° do CPA, não é aplicável ao prazo de reembolso de IVA.
v. A aplicação do CPA é supletiva e apenas poderá ser efectivada nos casos omissos, o que não é o caso, pois a lei tributária especifica quais as circunstâncias que determinam a suspensão do prazo de reembolso.
vi. Acresce que a aplicação no caso sub Judice do nº 1 do art. 31° do CPA, acarretaria uma diminuição das garantias da ora recorrente, pelo que nunca poderia tal norma ser aplicável por força do preceituado no n° 7 do art. 2º do CPA (neste sentido, vide, Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA, "in Código de Procedimento . . .cit., pág. 64 e Acórdão do STA de 16/04/1997, proferido no Recurso n° 021260).
vii. Para além de que, não estamos perante questão prejudicial cuja decisão final dependa da decisão de tribunal judicial.
viii. Pelo contrário, se a Administração Tributária tiver dúvidas relativamente ao cumprimento das obrigações declarativas por parte da ora recorrente, deverá lançar mão do procedimento de inspecção tributária, (neste sentido, vide, o Acórdão do STA de 30/09/2009, proferido no Recurso nº 0682/09).
ix. Liquidando imposto se reunidos os respectivos pressupostos, procedimento este passível de originar a suspenso do processo penal tributário e não o contrário (nº 1 do art. 47º do RGIT).
x. A existência de um processo penal contra a ora recorrente, não pode só por si postergar o seu direito a que sejam apreciados os pedidos de reembolsos efectuados, deixando tal avaliação para o trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.
xi. Para além de vigorar o princípio da presunção de inocência, princípio de direito processual penal que cruza o nosso ordenamento jurídico e impõe o sacrifício mínimo dos direitos dos arguidos (art. 32º da CRP),
xii. A Administração Fiscal actua vinculada ao princípio da proporcionalidade, que a impede de afectar os direitos ou interesses legítimos dos administrados em termos não adequados e proporcionais aos objectivos a realizar (art. 266.º, n.º2 da CRP, art. 5.º, n. 2, do CPA e art. 55 da LGT).
xiii. O princípio dá proporcionalidade obriga a Administração Tributária a abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações que sejam desnecessárias à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir, (neste sentido, vide, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMJM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária.,.cit., p 164).
xiv. Deixar para o momento do trânsito em julgado da decisão sobre o processo penal a apreciação dos pedidos de reembolsos, é manifestamente desnecessária, por a Administração Tributária ter ao seu dispor os meios necessários para se poder pronunciar.
xv. Resulta claro que os reembolsos são vitais para a manutenção da actividade comercial da recorrente, conduzindo a respectiva suspensão necessariamente à sua extinção, pois não lhe seria possível subsistir, o que constitui uma afectação dos seus direitos e interesses legítimos, em termos não adequados e desproporcionais.
xvi. Assim por todo o exposto, a suspensão do prazo dos reembolsos é ilegal e a intimação para um comportamento sempre deveria ter procedido, padecendo a douta Sentença recorrida de erro de julgamento e não podendo em consequência, permanecer na ordem jurídica.

Nestes termos, atentos os fundamentos expendidos, nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o recurso interposto ser julgado procedente, pelas razões expendidas, revogada a douta sentença recorrida e intimada a Administração Tributária a analisar os pedidos de reembolsos efectuados, com a maior brevidade possível, com todas as consequências legais daí advindas.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, por não se encontrar demonstrado nos autos o requisito da alínea b) do art.º 3º do Despacho-Regulamentar n.º 18.º-A/2010, de 1 de Julho, devendo os autos baixar à 1.ª Instância para averiguação e instrução dos mesmos quanto ao referido inquérito.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a pendência de inquérito em que a recorrente é suspeita de fraude fiscal, não impede que a AT satisfaça, no respectivo prazo, o pedido de reembolso de IVA; Se a interpretação contrária, é violadora do princípio constitucional da proporcionalidade; E se a norma do art.º 31.º, n.º1 do CPA, não tem aplicação subsidiária, no caso.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
a) Em 09.03.2011, na declaração de Janeiro de 2011, a Requerente solicitou o reembolso de IVA no montante de € 35.000,00 (cfr. fls. 7 dos autos);
b) Nas sucessivas declarações de Fevereiro, Março, Junho, Julho e Setembro de 2011, solicitou o reembolso das quantias de € 35.000,00, € 30.000,00, € 40.000,00, € 120.398,18 e € 35.000,00, respectivamente (cfr. fls. 20, 29, 40, 61 e 67 dos autos);
c) Por ofício datado de 19.07.2011, a Requerente foi notificada da suspensão dos reembolsos solicitados “por indícios de fraude fiscal, na sequência do processo de inquérito 31/10.2T3GDR que decorre no Tribunal da Comarca do Alentejo Litoral, ao abrigo do abrigo do qual os documentos contabilísticos se encontram apreendidos." (cfr. fls. 79 dos autos);
d) Em 05.08.2011, a Requerente solicitou informação sobre a base legal de tal suspensão, sem que tenha obtido qualquer resposta (cfr. fls. 81 dos autos).

A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo e acima expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório.

Não há factos relevantes para a discussão da causa que importe registar como não provados.

A que, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do Código de Processo Civil (CPC), se acrescenta ao probatório mais uma alínea em ordem a dele constar, de forma mais cabal, o conteúdo do citado doc. de fls 79 dos autos, dirigido à ora recorrente, sobre a suspensão do pedido de reembolso:
e) O citado documento, sob a epígrafe, Assunto: Pedido de Esclarecimento – reembolso de IVA, dispõe:
Na sequência do vosso pedido de esclarecimento datado de 16/07/2011, informa-se que o reembolso solicitado na declaração de Janeiro de 2011, no montante de 35.000,00 euros, se encontra suspenso por indícios de fraude fiscal...


4. Para julgar improcedente o presente meio processual de intimação para um comportamento considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que se encontra justificada a utilização do presente meio processual mas que a AT apresentou justificação suficiente para a suspensão dos pedidos de reembolso solicitados, por haver dúvidas quanto às concretas operações invocadas, desta forma inexistindo omissão ilícita por parte da mesma.

Para a requerente e ora recorrente, é contra esta fundamentação que vem a esgrimir argumentos tendentes a este Tribunal reexaminar a decisão recorrida em ordem a sobre ela emitir um juízo de censura conducente à sua revogação, pugnando que a pendência de processo judicial não constitui fundamento legal para a suspensão do reembolso solicitado, o que seria violador de diversos princípios constitucionais como o da proporcionalidade, quando nem sequer se encontra provado que a matéria sobre que versa o inquérito se relacione com a relativa aos pedidos de reembolso.

Vejamos então.
O actual Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), veio, inovatoriamente, introduzir pela norma do seu art.º 147.º, como um meio processual tributário, a intimação para um comportamento, no seguimento da entrada em vigor da LGT, por cuja norma do seu art.º 101.º, veio elencar esta como uma das formas processuais tributárias, cujo campo de aplicação desde logo a circunscreveu a caso de omissões da administração tributária lesivas de quaisquer direitos ou interesses legítimos, visando dar satisfação ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, contido no n.º4 do art.º 268º da CRP, nesta área tributária em que nos encontramos.

Aquele art.º 147.º regulamentou este meio processual tributário em termos precisos, quer de subsidariedade – só tem aplicação quando, vistos os restantes meios contenciosos previstos neste CPPT, ele seja o mais adequado para assegurar a tutela, plena e eficaz dos direitos ou interesses em causa, seu n.º2 – quer de pressupostos, só constituindo o meio processual próprio em caso de omissão, por para da administração tributária, do dever de qualquer prestação jurídica susceptível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária, seu n.º1 – em suma, legalmente ou por via de outro acto, existe já definido a favor do particular no universo jurídico esse dever de pronúncia ou de prestar, sendo o equivalente à execução dos julgados, mas deles diferindo pelo seu objecto, já que estes assentam em decisões judiciais.

Como se pronuncia Jorge Lopes de Sousa (1), a utilização deste procedimento, visando obter o cumprimento de um dever pela AT, supõe que esteja definida previamente a existência deste.
Tal definição da existência de um dever pode resultar directamente da lei, quando se esteja em face de actos de aplicação ou decorra necessariamente de determinada situação fáctica.
Pode também resultar de acto administrativo ou tributário firmado ou contrato de que derive o derive da AT realizar uma prestação a favor do contribuinte.

Em igual sentido se pronuncia a jurisprudência dos nossos tribunais, designadamente a do STA, como dos seus acórdãos de 30-9-2009 e de 30-3-2011, proferidos nos recursos n.ºs 682/09 e 894/11, respectivamente, se pode colher, onde se faz ressaltar que tal meio processual não é o adequado para a definição dos direitos e interesses em matéria tributária, antes visando assegurar, de forma rápida e efectiva, a efectivação de direito cuja existência na titularidade do requerente seja evidente.

No caso, face à matéria constante das alíneas a), b) e c) e e), esta, ora acrescida, do probatório fixado na sentença recorrida, ainda que colocada em causa pela ora recorrente, mas de forma que não pode deixar de improceder face aos documentos em que se funda, quanto ao primeiro dos reembolsos, relativo a Janeiro de 2011, a AT já se pronunciou, informando que tal pedido se encontra suspenso, face a indícios de fraude fiscal, pelo que nenhuma omissão já existe e se a recorrente discorda de tal despacho, então já não é através deste meio processual que poderá ver discutida a legalidade ou acerto de tal decisão de suspensão desse reembolso, mas sim através da acção administrativa especial, prevista no art.º 97.º, n.º1, alínea p) e n.º2 do CPPT e 46.º e segs do CPTA, onde poderá colocar em causa o acerto de tal decisão e da sua invocada ilegalidade (2).

E quanto aos restantes pedidos de reembolso, elencados em b) do probatório, firmado na mesma sentença, que tal despacho directamente não abrange e sobre que a AT, não emitiu expressa pronúncia, porém, face à existência de tal inquérito, não é evidente ou claro que a recorrente tenha direito a tais reembolsos, para que possa ser exercitado o presente meio processual tributário de intimação, pairando sobre a escrita da mesma a suspeita da sua falta de correspondência com a realidade das reais operações efectuadas e sobre os resultados escriturais que fez inscrever nos pedidos de reembolso em causa, pelo que, se a final, aos mesmos tiver direito, sempre terá direito aos juros indemnizatórios, como bem se fundamentou na sentença recorrida, interpretação esta das normas em presença, que não vimos que possa ofender qualquer norma ou princípio constitucional, designadamente o da proporcionalidade, como a recorrente veio a invocar.

Como se não encontra em causa, nos termos do disposto nos art.ºs 22.º, n.ºs 8 e 10 do CIVA e 3.º e 5.º do Despacho Normativo n.º 18.º-A/2010, de 1 de Julho, o direito ao reembolso do imposto em crédito para com o sujeito passivo depende de análise e aferição pela AT, quer dos seus elementos formais, quer da eventual desconformidade da sua substância, e quando como no caso, existir tal suspeita da falta de correspondência com a realidade das operações efectuadas, não se encontra vinculada a, não obstante, processar tais pedidos de reembolso, antes poderá vir a sofrer como sanção, se tal suspeita se não confirmar, que seja compelida a pagar juros indemnizatórios ao sujeito passivo, nos termos do disposto no art.º 43.º, n.º3, alínea a) da LGT.

Quanto à aplicação no caso, a título subsidiário (que a recorrente confunde com supletivo, na matéria da sua conclusão v.) da norma do art.º 31.º, n.º1 do CPA, aqui já se não acompanha a fundamentação da sentença recorrida, por se entender que tal norma não tem aqui aplicação subsidiária, quer porque o direito ao reembolso de IVA se encontra perfeitamente regulamentado em leis tributárias, quer porque, no caso, não foi invocado e nem se vê que para a decisão da decisão dos pedidos de reembolso pela AT, exista ou tenha de existir uma resolução de qualquer uma outra autoridade administrativa ou tributária ou de qualquer tribunal, que funcione como causa prejudicial, para o efeito, e é neste âmbito que tem aplicação a citada norma, como logo o seu título de questões prejudiciais, sugere.

Quanto à posição da Exma PGA, junto deste Tribunal, no seu parecer, de os autos baixarem à 1.ª Instância para ser averiguado em termos concretos as reais circunstâncias dos elementos constantes em tal inquérito, no âmbito deste meio processual em que nos encontramos e como acima se fundamentou, tal instrução não deve ter lugar, já que este meio processual apenas tem lugar quando seja evidente a existência do direito na titularidade do requerente, não se destinando o mesmo a demonstrá-lo.


Improcede assim, nestes termos, a matéria das alegações das conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida, com a presente fundamentação.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida, com a presente fundamentação.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 3 de Julho de 2012
Eugénio Sequeira
Aníbal Ferraz
Jorge Cortês

(1) In Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado, 2.ª Edição, 2000, Vislis, nota 3, pág. 679.
(2) Cfr. no mesmo sentido o acórdão do STA de 22-4-2009, recurso n.º 1083/08-30, tirado em caso similar de reembolso de IVA.