Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:299/20.6BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
FALTA DE OBJECTO
ATAQUE À SENTENÇA
Sumário:Na falta de ataque, o recurso carece de objecto e a sentença transitou em julgado (cfr. art. 628º do CPC).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

M..., com os sinais nos autos, veio, em conformidade com o n.º 1, do artigo 280.º e o n.º 3, do artigo 282.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 19 de outubro de 2020, a qual julgou verificada a excepção dilatória de falta de objeto da reclamação apresentada por A... - COMÉRCIO E RECUPERAÇÃO DE AUTOMÓVEIS, LDA, e M..., com os sinais nos autos, no seguimento da notificação do Serviço de Finanças de Sesimbra, efectuada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2240201... e apenso, para proceder à entrega do imóvel vendido nesse processo, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do Castelo sob o artigo n.º 2..., e que, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido. Mais, aquela sentença, fixou à causa o valor de €33.715,27 e condenou os Reclamantes nas custas.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:
A - Da sentença recorrida não consta nos “Factos Provados” e “Não Provados”, como provada ou não provada, a data em que o mandatário, com procuração no processo de execução fiscal de execução fiscal n.º 2240201... e apenso, há largo tempo, foi ou não notificado do teor do ofício 1025 de 26/02/2020.
B - Nem se do ato de notificação falta ou não a indicação do autor do ato e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data.
C - Assim, entende a recorrente, que deve ser ampliada a matéria de facto a coberto do artigo 662º nº 2 alínea c) 2 ”in fine” com anulação da decisão da 1ª instância, já que nos deparamos com uma falta objetiva de factos que são relevantes para a decisão de direito, revelando-se a ampliação indispensável.
D - Determina o artigo 36.º n.º 2 do CPPT, que as notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o ato notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências.
E - Por sua vez, preceitua o artigo 39.º n.º 12 do mesmo normativo legal, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012-31/12, que o ato de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do ato e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data.
F - No que concerne ao sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, é entendimento da recorrente, que se tais atos forem praticados por funcionário no uso de delegação de competência do Chefe do Serviço de Finanças de Sesimbra, impõe-se na notificação, a indicação de que o ato é praticado nessa qualidade, o que não se evidencia claramente, ao contrário do que sustenta a sentença recorrida.
G - Ora da pretensa notificação subjacente ao ato reclamado, protagonizada a coberto do ofício 10125 de 26/02/2020, dirigida à A... Lda., verifica-se que está aposta a assinatura de A....
H - Todavia não se faz qualquer menção aos seus poderes, se foram exercidos na sequência de delegação de competências ou subdelegação, pelo que o ato de notificação será nulo, por falta de indicação do autor do ato e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data.
I - O Serviço de Finanças de Sesimbra, notificou no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2240201... e apenso, a recorrente A... Lda, para proceder à entrega do imóvel vendido nesse processo, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do Castelo sob o artigo n.º 2....
J - A notificação não foi efetuada ao mandatário constituído, e no seu escritório, razão conducente á aplicação do artigo 40º nº 1 do CPPT, preceito que constitui norma especial no contexto legal das notificações no diploma em apreço
L - A notificação feita pelo Serviço de Finanças de Sesimbra, objeto da presente reclamação é ineficaz feita diretamente ao executado, por força do artigo 40º do CPPT.
Nestes termos, atentos os factos e fundamentos expendidos, requer-se;

Nestes termos, nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e revogada a douta Sentença do Tribunal “a quo”, com todas as consequências legais daí advindas.
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A Fazenda Pública, notificada, não apresentou contra-alegações.
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:

A) Em 26.08.2019, os Reclamantes apresentaram junto do Serviço de Finanças de Sesimbra reclamação contra a decisão da Chefe do Serviço de Finanças de Sesimbra, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2240201... e apenso, que determinou a entrega do imóvel vendido, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do Castelo sob o artigo n.º 2..., a qual deu origem ao processo de reclamação n.º 774/19.5BEALM, que correu termos neste Tribunal (fls. 31 a 38 dos autos de reclamação n.º 774/19.5BEALM, na numeração do SITAF);
B) Por sentença proferida em 28.10.2019, nos autos de reclamação mencionados na alínea que antecede, foi absolvida a Fazenda Pública da instância de reclamação, por falta de constituição de advogado (fls. 47 dos autos de reclamação n.º 774/19.5BEALM, na numeração do SITAF);
C) Por ofício datado de 29.10.2019, foram as partes notificadas da decisão referida na alínea anterior (fls. 48 e 49 dos autos de reclamação n.º 774/19.5BEALM, na numeração do SITAF);
D) Não foi apresentado recurso da sentença mencionada supra (autos de dos autos de reclamação n.º 774/19.5BEALM);
E) Por carta registada com aviso de recepção, o Serviço de Finanças de Sesimbra remeteu ao executado, ora Reclamante, ofício datado de 26.02.2020, recepcionado em 03.03.2020, do qual consta o seguinte:
Na sequência da rejeição limiar relativamente ao processo n.° 774/19.5BEALM que coreu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, fica V Ex notificado para o prazo de 15 dias, proceder à entrega efetiva e imediata do imóvel (art.°s 757.º, 828.° e 861 do CPC e 861° do CPC), inscrito na matriz sob o artigo 2... da freguesia do Castelo - Sesimbra sito na Rua ..., a adquirente do bem - BANCO S... SA. com sede na Rua … 1100-063 Lisboa, devendo disso dar conhecimento a este Serviço de Finanças . ou no mesmo prazo prazo proceder á entrega das chaves neste Serviço de Finanças, sob pena de ser marcado dia e hora para proceder á diligência de entrega com recurso a força policial e eventual arrombamento” (cfr. documentos de fls. 1 e 2 dos autos);
F) Deu entrada no Serviço de Finanças de Sesimbra a petição inicial que deu origem à presente reclamação, remetida por correio postal registado em 18.03.2020 (cfr. fls. 39 dos autos).”
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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte: “não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão.”.
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A convicção do Tribunal assentou “no exame dos documentos constantes dos autos, não impugnados, tudo conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.”.
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II.2. De Direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida absolveu a Fazenda Pública da instância com base em dois fundamentos:
- verificar-se a excepção dilatória de falta de objecto da reclamação, e mesmo que se considerasse que a reclamação tinha objecto, sempre se teria que concluir pela
- manifesta intempestividade da reclamação.
Para tal, fundamentou do seguinte modo:
«Como resulta dos autos [cfr. alíneas E) e F) do probatório], a presente reclamação foi apresentada no seguimento de notificação efectuada pelo órgão de execução fiscal para a executada, ora Reclamante, proceder à entrega do imóvel vendido, face à “rejeição limiar relativamente ao processo n.º 774/19.5BEALM”.
Ou seja, a decisão do órgão de execução que determinou a entrega do imóvel vendido na execução já havia sido anteriormente tomada e, aliás, sido objecto de reclamação, nomeadamente no processo de reclamação n.º 774/19.5BEALM, conforme decorre da factualidade assente em A) do probatório, constituindo a notificação supra mencionada, de que os Reclamantes aqui reagem, um mero acto tendente a dar execução a anterior decisão já consolidada na ordem jurídica.
De resto, a própria decisão que determina a entrega do imóvel não tem, por si só, uma lesividade autónoma, própria, já que, também ela, constitui um acto consequente do acto de venda, este sim, o verdadeiro acto lesivo e, como tal, sempre susceptível de reclamação.
Assim, sendo o conteúdo daquela notificação o objecto da presente reclamação, como decorre do petitório da petição inicial, impõe-se concluir que a reclamação não incide sobre qualquer decisão susceptível de lesar qualquer interesse legítimo ou direito do executado, motivo por que não pode ser objecto de reclamação deduzida ao abrigo do artigo 276.º e seguintes do CPPT.
Verifica-se, assim, a excepção dilatória de falta de objecto da reclamação, o que consubstancia excepção dilatória de conhecimento oficioso, determinante da absolvição da instância da Fazenda Pública.
Sublinha-se, por outro lado, que mesmo que a pretensão dos Reclamantes fosse atacar o acto objecto da reclamação n.º 774/19.5BEALM, para além de se impor concluir no mesmo sentido já supra exposto, esta reclamação, para além do mais, seria intempestiva.
Tendo sido proferida naquela reclamação decisão de absolvição da Fazenda Pública da instância, nos termos do artigo 279.º, n.º 2, do Código de processo Civil (CPC):
“Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.”
Quer esta disposição legal significar que, proposta nova acção dentro de 30 dias após o trânsito em julgado da decisão, o efeito impeditivo da caducidade decorrente da propositura da primeira acção mantém-se.
Ora, considerando não relevar na situação em apreciação a ressalva constante da primeira parte da citada norma, temos que concluir que os Reclamantes deveriam intentar a presente reclamação dentro do prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.
Vejamos então se tal se verificou.
Resulta do probatório [cfr. alínea C)] que os Reclamantes e demais parte foram notificados da sentença de absolvição da instância proferida nos autos de oposição n.º 774/19.5BEALM por ofício datado de 29.10.2019, presumindo-se a sua notificação em 01.11.2019.
Pelo que, não tendo sido apresentado recurso da referida sentença [cfr. alínea D) do probatório], a mesma transitou em julgado em 11.11.2019, decorrido que foi o prazo de dez dias de recurso previsto, à data, no artigo 283.º do CPPT.
Assim, devendo a presente oposição ser apresentada no prazo de trinta dias após o trânsito em julgado da mencionada sentença, a mesma teria que ser deduzida até 11.12.2019. Sendo que, no limite, admitindo-se que a reclamação pudesse ser apresentada dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, perante o pagamento da multa correspondente, conforme previsto no artigo 145.º, n.º 5, do CPC, teria que ser interposta em 14.12.2019.
Contudo, como se deixou assente em F) do probatório, a presente reclamação só foi deduzida em 18.03.20 data do registo postal do envio da mesma ao Serviço de Finanças de Sesimbra. Data em que já se encontrava largamente precludido o prazo de 30 dias previsto no artigo 279.º, n.º 2, do CPC para que se mantenha o efeito impeditivo da caducidade decorrente da propositura da primeira reclamação.
Logo, mesmo que se considerasse que esta reclamação tem, afinal, por objecto o acto alvo do processo de reclamação n.º 774/19.5BEALM, além do mais, teria que se concluir pela manifesta intempestividade da presente reclamação.
Face a todo o exposto supra, impõe-se concluir pela absolvição da instância da Fazenda Pública.»
Aqui chegados, importa referir que, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas
se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a
prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Ora, compulsadas as conclusões de recurso apresentadas pela recorrente verificamos que a mesma se limita a atacar a decisão recorrida com fundamentos não apreciados pela mesma, não se descortinando qualquer ataque que ponha em causa a decisão recorrida que teve como fundamentos as já referidas: excepção dilatória de falta de objecto da reclamação, e manifesta intempestividade da reclamação.
Ora, sobre estas questões apreciadas na sentença recorrida, a recorrente não se pronunciou não pondo, assim, em causa o entendimento vertido na mesma.
Ou seja, a recorrente em momento algum exprime discordância com a sentença quando esta julga verificada a excepção dilatória de falta de objecto da reclamação e/ou a manifesta intempestividade da mesma.
Aqui chegados, a única questão que cumpre apreciar e decidir é a da utilidade do recurso, o que passa por indagar se a sentença transitou em julgado por não vir atacado nenhum dos fundamentos que determinaram a absolvição da instância da Fazenda Pública.
E a resposta não pode deixar de ser afirmativa.
Sucede que, na falta de ataque, o recurso carece de objecto e a sentença transitou em julgado (cfr. art. 628º do CPC (1)).

Consequentemente, não pode agora este Tribunal Central Administrativo Sul, por para tanto não lhe assistir poder jurisdicional, conhecer de qualquer outra questão suscitada, ainda que do conhecimento oficioso.

No mesmo sentido, de forma reiterada, vai a Jurisprudência dos Tribunais Superiores, onde se pode ler, a título de exemplo, o Acórdão do STA de 01/10/2014, Proc. 0666/14, disponível em www.dgsi.pt.

Tudo ponderado, porque a sentença não foi atacada, não tomaremos conhecimento do recurso por falta de objecto, como decidiremos a final.



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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, não tomar conhecimento do recurso.

Custas pelo Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 16 de Setembro de 2021


[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Maria Cardoso e Catarina Almeida e Sousa]

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(1) «A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.»