Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04232/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/12/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IMT. DIREITO DE AUDIÇÃO.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. O direito de audição consagrado nas normas dos art.ºs 267.º n.º5 da CRP e 60.º da LGT, confere aos contribuintes o direito a serem ouvidos e a pronunciarem-se nos procedimentos que lhes digam respeito, antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados do sentido dela;
2. Porém, por força daquela norma constitucional, é o mesmo exercido de acordo com a regulamentação da lei ordinária, e a norma do art.º 60.º da LGT, dispõe sobre as formas dessa participação, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso;
3. No âmbito da liquidação do IMT, devem ser observadas as formas de participação do contribuinte hoje previstas nos respectivos Códigos (CIMT e CIMI), como seja no procedimento de avaliação, normas destes mesmos Códigos que devem ser aplicadas em bloco ou globalmente, por prescreverem no tal sentido diverso, a que se refere a citada norma da LGT;
4. Na liquidação adicional de IMT, no caso de o contribuinte aceitar e se conformar com o resultado da avaliação do prédio que lhe foi notificado, não requerendo a 2.ª avaliação, nenhuma norma deste CIMT impõe que ao contribuinte seja notificado do projecto de decisão da liquidação adicional correspondente, não tendo assim o mesmo de ser ouvido acerca da mesma liquidação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..., veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A) A douta sentença a quo julgou a presente impugnação procedente, com fundamento nos artigos 60° n° 1 alínea a) da LGT e 267° nº5 da CRP, tendo anulado a liquidação adicional de IMT n° 1333122 de 23/08/2007 no valor de € 6.083,02.
B) A sentença recorrida propugna ter existido por parte da AT preterição/restrição do direito de audição, porquanto o impugnante não foi ouvido antes da emissão da liquidação adicional supra identificada, quando estava em causa fixação de matéria de facto relevante, mostrando-se por isso obrigatória tal audição.
C) No ano de 2004, o impugnante adquiriu 353/400 indivisos de um prédio rústico a destacar de um outro prédio, que por sua vez se encontrava pendente de um processo de divisão cadastral.
D) Uma vez concluído o processo cadastral, e dado tratar-se de uma nova realidade predial cuja transmissão ocorre já na vigência do artigo 15° nº1 do Decreto-lei 287/2003 de 12 de Novembro, foi o prédio adquirido sujeito à correspondente avaliação predial.
E) Em resultado de tal avaliação foi atribuído ao prédio um valor patrimonial de € 148.135,34.
F) O ora impugnante não requereu uma segunda avaliação, nem em qualquer outro momento contestou tal valor, pelo que o mesmo se tomou definitivo.
G) Nos termos dos artigos 28° e 31° do CIMT, se o valor patrimonial encontrado for superior ao valor declarado para efeitos de liquidação de IMT, a primeira liquidação efectuada deverá ser corrigida através de uma liquidação adicional, de forma a cobrar o imposto em falta nos cofres do Estado.
H) Dispõe o artigo 60º n° 1 alínea a) da LGT que os contribuintes podem participar nas decisões que lhes respeitem através do exercício do direito de audição, sempre que a lei não disponha em sentido diverso.
I) Assim, o exercício do direito de audição estará afastado, não só quando se verificarem as situações previstas nas alíneas daquele normativo legal, mas também, sempre que a lei preveja uma forma especial de participação dos interessados nas decisões que lhes digam respeito. (Ac. 837/07 de 19/11/2008 do STA, Ac. 584/05 de 11-01-06 do STA, Ac. 1240/09 de 02-06-2010 do STA)
J) Ora, a forma especial de participação do contribuinte traduz-se na possibilidade de requerer uma segunda avaliação, pois que o direito de audição consubstancia um "direito de participação na formação da decisão e não um direito de impugnar, administrativa ou judicialmente, decisões já elaboradas." (Ac. 2269/08 de 23/02/2010 do TCAS)
L) A liquidação adicional de IMT consubstancia uma mera operação aritmética, que leva em conta 2 factores previamente fixados: a taxa (sobre a qual não restam dúvidas, pois que se trata de um prédio rústico) e o valor patrimonial (que o impugnante nunca colocou em causa).
M) Desta feita, naquele momento, o resultado/valor da liquidação adicional não poderia ser outro que não aquele, pelo que, qualquer participação do impugnante seria de todo irrelevante uma vez que já não teria possibilidade de actuar sobre os dois factores em causa (taxa e valor patrimonial).
N) Não tendo colocado em crise o valor patrimonial do prédio e sendo este superior ao declarado para efeitos da 1ª liquidação, a liquidação adicional de IMT é efectuada de forma automática, no exercício de poderes vinculados.
O) Conforme refere o Ac. n° 2269/08 de 23/02/2010 do TCAS, existiria preterição/violação do direito de audição prévia, se o impugnante pudesse, mesmo pouco esperançadamente, com a sua intervenção/participação, naquele momento, influenciar o sentido/valor da liquidação adicional.
P) Mais defende o mesmo aresto, que o direito de audição só se traduz numa formalidade essencial caso se demonstre que uma vez cumprido, de forma evidente e objectiva, a decisão final do procedimento seria diferente. (no mesmo sentido vide António Uma Guerreiro, in Lei Geral Tributária anotada, 2001. pág. 280)
Q) Assim, a douta sentença incorreu em erro na apreciação da matéria de facto e direito aplicável para a decisão da causa (artigo 125° do CPPT) verificando-se por isso a sua nulidade, porquanto a liquidação adicional de IMT ocorre no exercício de poderes vinculados aos quais a AT se encontra adstrita.
R) A participação do contribuinte, ora impugnante, revelar-se-ia inócua e desnecessária porquanto a liquidação de IMT controvertida é efectuada pelas duas componentes, taxa e valor patrimonial, cujos valores o impugnante não poderá influenciar, visto que a primeira (taxa) decorre da lei e a segunda (valor patrimonial) tomou-se definitivo, por não ter sido contestado.

Assim, dadas as razões supra expendidas
A representação da Fazenda Pública requer seja revogada a sentença recorrida,
Por erro na apreciação da matéria de facto e direito aplicável para a decisão da causa.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito suspensivo.


Também o recorrido veio a apresentar as suas alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem:


1. O presente acto de liquidação é sequente a processo de avaliação previsto no artigo 15° n.1 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 13 de Novembro.
2. Tendo sido transmitida gratuitamente à impugnante uma alíquota de terreno rústico, a Administração Fiscal procedeu a avaliação do mesmo, de acordo com o comando normativo citado. No entanto:
3. A liquidação do presente acto tributário em sede de IMT não foi precedida da audição prévia ao acto de liquidação, nos termos, nos termos do artigo 60° n.1 al a)
da LGT.
4. A sentença, que anulou o acto tributário impugnado, em suma refere que foi violado o artigo 60° n.º 1 al a) da LGT que prescreve a obrigatoriedade do direito de audição antes da liquidação, princípio este que encontra consagração
constitucional, nos termos do artigo 267° n.º 5 da CRP.
5. Não tem qualquer razão a Administração Fiscal quando argumenta nas suas alegações que por um lado, o impugnante não contestou o valor patrimonial fixado do prédio, por outro, o impugnante não refere na impugnação elementos que
pudessem ter influenciado a liquidação e finalmente que a audição prévia, no presente caso, seria inócua e inútil, porque a presente liquidação adicional de IMT, consubstanciada no acto tributário impugnado, resulta de uma mera operação aritmética.
6. Derivando e sendo o acto tributário sequente a uma sucessão ordenada de actos e formalidades previstas na Lei, o contencioso de impugnação dos actos tributários visa a aferição da legalidade dos mesmos e, em caso de ilegalidade, a respectiva anulação. (Cf. artigos 96.º e sgts. do CPPT)
7. Ou seja, deve aferir-se, perante as normas que disciplinam a formação do acto tributário, se o acto tributário obedeceu aos comandos legais imperativos, esgotando-se a sua conformação após a sua notificação ao contribuinte pela Administração Tributária.
8. Em termos dos princípios conformadores do direito fiscal, aplicáveis ao presente caso, não faz qualquer sentido, depois da produção do acto tributário, pretender que o contribuinte explique a argumentação que teria usado no caso de lhe ter sido atempadamente dada a possibilidade de pronunciar-se em sede de audição prévia.
9. Não pode é a Administração Fiscal preterir uma formalidade legal imperativa à formação do acto tributário e pretender que o mesmo, pelas razões por si invocadas, não seja potencialmente anulável.
10. Basta, no caso em apreço, a inexistência de audição prévia anterior à liquidação adicional de IMT para que o acto tributário seja anulável, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 60 n.º 1 al a) e 99 al d) do CPPT.

Nestes termos deve a sentença recorrida manter-se na ordem jurídica, com todos os efeitos legais.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, já que o valor patrimonial se encontrava fixado por mor da 1.ª avaliação de que o ora recorrido não contestou, e que a não audição antes da liquidação se degradou em formalidade não essencial, já que o acto assentou em dados já assentes – o seu valor e respectiva taxa – que sempre seriam de aplicar, pelo que o acto em causa sempre não poderia ter outro conteúdo, citando jurisprudência do STA que no mesmo sentido terá decidido.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se no caso de liquidação adicional de IMT em que o contribuinte foi notificado do resultado da avaliação e a não veio colocar em causa, já não deve, de novo, ser notificado antes dessa mesma liquidação.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) Em 2004.06.28, o Impugnante preencheu e entregou no Serviço de Finanças de Ferreira do Alentejo, declaração para liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis - Mod. 1, na linha IV, nas observações inscreveu: parte prédio rústico, artigo 60-HH1, proc. cad. Nº 79/04, de 28.04.04;
B) Na sequência foi emitida a liquidação 160104010632603, no montante de € 1 323,75, com data limite de pagamento de 2004.06.29;
C) Em 2007.08.23 foi enviado ofício registado com aviso de recepção, assinado em 2007,08.27, do qual se transcreve:
a. Fica V. Exa. notificado, nos termos do artigo 31/4 do CIMT e do artigo 36° CPPT, da liquidação adicional do IMT efectuada em resultado da avaliação ao bem objecto de transmissão, nos termos da parte final do artigo 32/2 CIMT, com fundamento nos artigos 12/1 e 14/4 do CIMT, e no artigo 27/1.a) do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro;
b. O pagamento do IMT deverá ser efectuado no quantitativo e no prazo indicado no documento de cobrança (DUC) anexo, utilizando-se o código constante da referência de pagamento;
c. Da liquidação do IMT poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 70°. 99° e 102° CPPT;
d. Não sendo efectuado o pagamento no prazo acima referido, haverá lugar a procedimento executivo, nos termos do artigo 38/3 CIMT;
e. (...);
D) Em 2008.01.03 o Impugnante reclamou do acto para o Director Distrital de Finanças, com fundamento em não ter sido cumprido o artigo 60/1.a) da LGT que obriga à audição antes da liquidação de qualquer acto tributário;
E) Em 2008.07.21 foi elaborado projecto de despacho de indeferimento e ordenada a notificação do Reclamante para efeitos de audição prévia;
F) Este projecto de despacho foi comunicado por carta registada com aviso de recepção assinado em 2008.07.29;
G) Por despacho de 2008.09.08, o Director de Finanças indeferiu o pedido;
H) Da informação para que remete extracta-se:
a. Findo o processo de avaliação é dada ao contribuinte a faculdade de reagir contra o valor patrimonial atribuído ao prédio;
b. Não exercendo esse direito, aquele valor torna-se definitivo, originando a liquidação adicional, se se apurar que existiu imposto em falta nos cofres do estado;
c. A partir daí, todo o procedimento da liquidação (...) é efectuado segundo os trâmites previstos na lei e por imposição da mesma, de um modo automático e transparente, em que a Administração Fiscal actua no âmbito de poderes vinculados, não se mostrando obrigatória e/ou necessária a intervenção do contribuinte, aliás conforme o veiculado pela Circular 13/99, de 8 de Julho, da Direcção de Serviços da Justiça Tributária;
d. Em face do exposto vai a presente proposta no sentido do indeferimento total da pretensão do reclamante;
I) Deste indeferimento o contribuinte reclamou hierarquicamente;
J) E, em 2009.03.03, no serviço de Finanças de Ferreira do Alentejo deu entrada a presente impugnação.
b) Factos não provados
Nada mais tem importância para a decisão da causa.
IV - Motivação
A decisão da matéria assente, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo.


4. Para julgar procedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que não pode haver lugar ao aproveitamento do acto (final) por estar em causa a fixação da matéria de facto relevante para a decisão e que a audição, obrigatória, repercutiu-se em vício de anulação da decisão final.

Para a recorrente Fazenda Pública, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta fundamentação que se vem a insurgir, por no caso não haver lugar a tal direito de audição, já que tal direito de participação tem lugar nos termos do disposto no art.º 60.º da LGT, caso outra forma de participação não seja prevista, e no caso estava, pelo que não havia lugar a esta, não podendo o contribuinte influenciar o resultado da mesma liquidação, citando doutrina e jurisprudência que no mesmo sentido terão decidido.

Vejamos então.
(1) É certo que os contribuintes têm direito a ser ouvidos e a pronunciar-se nos procedimentos que lhes digam respeito, antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados do sentido dela: Cfr. 267° n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP), arts. 8° e 100° e ss do Código de procedimento Administrativo (CPA), art.º 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e art.45° do CPPT.

No caso, estamos perante uma liquidação adicional, cuja causa reside na constatação de se ter efectuado uma liquidação de IMT por montante inferior ao devido mercê da avaliação a que o prédio foi sujeito, valor que o ora recorrido aceitou e com o qual se tendo conformado, não tendo requerido uma segunda avaliação, como não sofre dúvidas.

Uma liquidação adicional consubstancia um acto de 2°grau (na terminologia de Freitas do Amaral, in «Direito Administrativo», vol. III. pág. 199) ou acto secundário, na terminologia de Alberto Xavier «Conceito e Natureza do Acto
Tributário», Almedina, 1972, pág. 125. ­

Na verdade, parafraseando as palavras de Alberto Xavier «O acto tributário adicional- (...) - é o acto pelo qual a Administração, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado: porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos ao acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração. Longe de o destruir, o novo acto «adiciona-se» ao primeiro, concorrendo ambos para a definição da prestação legalmente devida. Por todas estas razões, o acto tributário adicional, embora mantenha sensíveis semelhanças com o acto tributário definitivo que corrija uma “liquidação provisória insuficiente”, dele se distingue com clareza, enquanto o acto que revê não tem natureza provisória, carecida de conversão ou consolidação retroactiva, mas definitiva, e é dotado de uma eficácia própria que o acto adicional se limita a respeitar.»

É essa a situação dos autos: existiu um acto administrativo primário consubstanciado na liquidação de determinado montante de IMT a qual foi efectuada com base na declaração apresentada pelo contribuinte onde indicava o valor do bem imóvel; posteriormente, apurou-se que esse montante ficava aquém do que legalmente era devido em função da avaliação efectuada no mesmo imóvel e que fixou um valor mais alto, dado que não se podia proceder à anulação da anterior liquidação mas havendo que proceder de acordo com a legalidade (reposição da quantia em causa nos cofres do Estado), havia que lançar mão da liquidação adicional por forma a que, conjuntamente com a liquidação originária anterior, "concorrendo ambas para a definição da prestação legalmente devida".

Ora, a doutrina (Cf. Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido de Pinho, «Código de Procedimento Administrativo», Anotado e Comentado, 4ª edição, da Almedina, pág. 380 e autores aí citados) é unânime no sentido de que nos actos de grau ou actos secundários é dispensada a audiência prévia, exactamente por o contribuinte já ter sido ouvido no acto primário ou de 1 ° grau e porque se entende que subjacente ao direito de audição está a existência de instrução procedimental (Cfr. acórdãos do STA, de 15.02.996, recurso n.º 33 612, de 30.04.996, recuso n.º 36 001) e de 09.06.998, recurso n.º 42 382),o que não é o caso.

Concluindo, a audiência prévia do impugnante não era exigível quanto à liquidação adicional de IMT aqui em causa inexistindo, por isso, a invocada preterição da formalidade consistente na sua falta.

Por outro lado, conforme doutrina expressa no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 03/05/2005, no Recurso n° 1076/03, "o direito de audição reclamado pelo impugnante integra o princípio da participação dos contribuintes consignado no Art.º 267/5 da CRP e 60 e segs. da LGT [sendo dispensada no caso de a liquidação se efectuar com base em (...) reclamação ou petição favorável. (n.º 2 do Art.º 60 LGT e 103/2, b) do CPA].

Antes da entrada em vigor da LGT, aprovada pelo DL 398/98, de 17/12, não havia no CPT regulamentação expressa para o direito de audição, não obstante o disposto no Art.º 19º alínea c) instituir este direito como garantia dos contribuintes.
Mas como refere Pedro Machete (in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, pp. 304) sendo a regulamentação da audiência dos interessados concretizadora do princípio da participação procedimental consagrado no art.º 267 n.º 5 da Constituição, tal instituto é, salvo indicação expressa em contrário, de aplicação obrigatória mesmo nos procedimentos especiais, independentemente de a respectiva disciplina jurídica ser anterior ou posterior ao início de vigência daquele Código.

Assim, na falta de regulamentação expressa sobre o direito de audição, e como forma de cumprir o comando constitucional, havia que recorrer, subsidiariamente, às normas previstas nos Art.º 100º e segs. CPA [por força do art.º 2.° alínea b) do CPT].

Não sendo a decisão impugnada favorável ao contribuinte, não podia ser dispensada a sua audição.
Ao preterir-se a formalidade essencial de audição prévia, o acto tributário está ferido de invalidado, por vício de forma.
Contudo, esta invalidade não é geradora de nulidade mas sim de mera anulabilidade, uma vez que a lei não comina a sanção, mais severa, de nulidade.
Mas da preterição daquela formalidade não resultaram lesados os direitos do contribuinte, pelo que, ...nestas condições, deve considerar-se sanada a irregularidade invocada."

(2) "O princípio da audiência prescrito nos artigos 100.º e seguintes do C.P.A. assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação consagrado no artigo 8.º do mesmo Código, surgindo na sequência e em cumprimento da directriz constitucional contida no n.º 4 do art.º 267.º da C.R.P., obrigando o órgão administrativo competente a, de alguma forma, associar o administrador à preparação da decisão final, transformando tal princípio em direito constitucional concretizado.
Segundo Freitas do Amaral estamos aqui perante “a dinamização de preceitos constitucionais» (cfr. "O Novo Código do Procedimento Administrativo", in “O Código do Procedimento Administrativo", I.N.A., 1992, a pág.31l).

Hoje a LGT, que veio adequar a disciplina do procedimento tributário ao Código do Procedimento Administrativo e à Constituição (vd. relatório do Decreto-Lei n.º 398/98, de l7 de Dezembro) consagra expressamente e regulamenta a audiência prévia no procedimento.
Porém, ao fazê-lo, visa mais a concretização do princípio democrático na sua dimensão participativa, e não tanto a ideia garantística inerente ao princípio do Estado de Direito, pois o que aí está em causa é fundamentalmente um princípio de organização e acção administrativa, sendo por isso que já anteriormente o CPA veio estabelecer como forma de participação no procedimento administrativo a audiência dos interessados regulada nos seus artigos 100.º e seguintes, que, no essencial, pressupõe o reconhecimento do direito de os interessados se pronunciarem sobre o objecto do procedimento antes da decisão final e assegurar que a Administração não tome nenhuma decisão sem ter dado ao interessado oportunidade de se pronunciar sobre as questões que importam a essa mesma decisão.
...
Porque estamos em presença de um conflito entre interesses e as correspondentes posições subjectivas, diríamos que estamos no âmbito do contraditório e por isso não se impunha a audiência pretendida pela recorrente.
Acresce que em nosso critério a violação do art. 100.º CPA se reconduz a um vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial, estando essa formalidade instituída para assegurar as garantias de defesa da interessada, por forma a garantir a justeza e correcção do acto final do procedimento.
Ora, tratando-se de um trâmite destinado a assegurar as garantias de defesa dos particulares a possibilidade de também aqui ser possível ocorrer a sua degradação em formalidade não essencial, quer dizer que a preterição não implica necessariamente a invalidade do acto final.
...
Ou seja, mesmo a admitir a aplicabilidade do regime do artº 100° do CPA, como pretende a recorrente, não obstante tal preterição, veio a atingir-se o resultado que com ela se pretendia alcançar então, que é a defesa contra o acto tributário, pelo que o vício de forma não terá efeitos invalidantes.
....

Por outro lado, como bem se pronuncia a ora recorrente, nos termos do disposto no art.º 60.º da LGT, que define as formas do princípio da participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, dispõe, expressamente, que esta se pode efectuar nos termos aqui prescritos, sempre que lei não prescrever em sentido diverso...(realce nosso),ou seja, é a própria LGT, ela própria, que igualmente dá relevo a outras formas de participação dos contribuintes nas decisões que lhes digam respeito, de acordo com os vários procedimentos tributários específicos, que neste caso são os directamente aplicáveis, em bloco ou globalmente, que não o regime da mesma LGT, ainda que por remissão expressa desta.

Entende-se que se encontra neste âmbito o procedimento de avaliação regulado nos art.ºs 14.º e segs e 71.º e segs do CIMI ex vi dos art.ºs 14.º e 27.º do CIMT, ambos aprovados pelo art.º 2.º do Dec-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, bem como do art.º 15.º deste próprio Dec-Lei, ao ter sido transmitida uma quota sobre um prédio rústico, em que o IMT foi liquidado por iniciativa do ora recorrido e com base na sua declaração apresentada para o efeito e pelo montante inscrito na matriz e declarado, havendo, de seguida, necessariamente, uma avaliação desse prédio, para determinar o seu valor patrimonial, e, caso o valor dessa avaliação seja superior ao do preço declarado/convencionado, proceder-se-á a uma liquidação adicional, como expressamente dispõem as normas dos art.ºs 28.º e 31.º do mesmo CIMT.
E do resultado desta avaliação poderia o contribuinte requerer uma segunda avaliação, para a qual tinha o direito de nomear um perito ou de comparecer ele próprio, nos termos do disposto nos art.ºs 74.º e 75.º do mesmo CIMI, sendo esta a forma específica do direito de participação do contribuinte na futura liquidação do IMT adicional, que como se sabe, determinado que se encontre o valor do bem transmitido, que é a matéria que pode envolver interesses conflituantes entre a AT e o contribuinte e logo o direito de este puder intervir de forma activa na definição desse valor, desta forma bem se alcançando a sua participação nesse procedimento, já a liquidação adicional corresponde a uma simples operação aritmética de multiplicação da taxa aplicável em vigor ao tempo da transmissão sobre o valor do bem transmitido para encontrar o valor do IMT devido por essa transmissão, nos termos do disposto nos art.ºs 5.º, 12.º e 17.º e segs do mesmo Código, ou sejam todos estes, passos vinculados, a que a AT se encontra adstrita e que a participação do contribuinte em nada poderiam alterar (aliás, nem o ora recorrido na sua petição inicial de impugnação judicial, veio colocar em causa, atribuindo-lhe qualquer erro ou vício, a esses passos percorridos pela AT e conducentes a tal liquidação adicional, mas tão só o invocado vício formal de falta de audição prévia).

No caso, tendo o contribuinte e ora recorrido aceite o resultado dessa avaliação, com ela se conformando e não tendo requerido a segunda, nenhuma norma destes dois Códigos (CIMI e CIMT) dispõem, que neste caso, mesmo obstante esta concordância quanto ao valor do imóvel (onde se situa a mais potencial zona de conflito entre o contribuinte e o Fisco), tenha de ser remetido ao mesmo, um projecto de decisão com a futura liquidação adicional correspondente, possivelmente porque neste caso, em termos substantivos, esta liquidação assente em valor do prédio com que o contribuinte se conformou ou aceitou, não deixará de ser igual àquela que é efectuada por declaração do próprio contribuinte, em que igualmente é certo, inexistindo litígio quanto ao valor do bem transmitido, sem que também haja lugar ao envio de qualquer projecto de decisão com o IMT a pagar com base nesse seu valor expressamente declarado, como o próprio n.º2 do art.º 60.º da LGT expressamente consagra.
É que, como expressamente se dispunha no CPCI, no seu art.º 15.º, a declaração dos direitos tributários não depende de formalidades que não sejam estabelecidas nas leis de tributação.

A ratio deste n.º2 do art.º 60.º da LGT, visa evitar que a audição se transforme num momento procedimental que não tenha qualquer sentido racional na perspectiva da utilidade para a formação da decisão ou deliberação tributárias. Um momento de simples decoração do procedimento, que nenhum valor substancial justifica e antes é arredado pelos princípios gerais da utilidade racional dos actos jurídicos, da celeridade, da simplicidade e da eficiência do procedimento(3).
E seria o que aconteceria no presente caso, em que embora o valor patrimonial do imóvel transmitido sobre que incidiu a liquidação adicional não tenha sido o declarado pelo contribuinte, antes tenha sido apurado a jusante por efeito da avaliação, com o mesmo valor o contribuinte se conformou, tendo-o aceite, não diferindo em termos substantivos, entre um valor patrimonial por si expressamente declarado e um valor patrimonial objecto de avaliação do prédio com o qual o mesmo concordou e aceitou, sem ter requerido uma 2.ª avaliação, pelo que mesmo à luz das normas da própria LGT, sempre essa audição seria dispensável(4).

Entende-se ainda por outro lado, que esta forma de participação do contribuinte na formação da decisão da liquidação adicional por via da sua possível intervenção no procedimento de avaliação prevista no referido Código do IMI, também não afronta a norma do art.º 267.º n.º5 da CRP, já que ela própria não define qualquer conteúdo mínimo nessa participação, antes delega tal tarefa para a lei ordinária, e que a LGT, como se viu, acolhe expressamente, quaisquer outras formas de participação do contribuinte nas decisões que lhe digam respeito, previstas em outras leis (tributárias).

Este tem sido também o entendimento de alguma da nossa doutrina, como bem se pronuncia a recorrente na matéria das conclusões das alegações do recurso, e de parte significativa da nossa jurisprudência, designadamente do STA, como se podem ver de dois dos seus mais recentes arestos tirados em casos semelhantes sob este aspecto – acórdão de 24-3-2010, no recurso n.º 1055/09 (este do Pleno da Secção e tirado por unanimidade) e de 2-6-2010, no recurso n.º 1240/09.


Procedem assim as conclusões do recurso, sendo de lhe conceder provimento e de revogar a sentença recorrida que em sentido contrário decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida, mantendo-se a liquidação impugnada.


Custas pelo recorrido, em ambas as instâncias.


Lisboa,12/04/2011

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEREIRA GAMEIRO




RECURSO JURISDICIONAL N.º 4.232/10.


Sumário


Assunto:
Impugnação judicial. IMT. Direito de audição.


Doutrina que dimana da decisão:
1. O direito de audição consagrado nas normas dos art.ºs 267.º n.º5 da CRP e 60.º da LGT, confere aos contribuintes o direito a serem ouvidos e a pronunciarem-se nos procedimentos que lhes digam respeito, antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados do sentido dela;
2. Porém, por força daquela norma constitucional, é o mesmo exercido de acordo com a regulamentação da lei ordinária, e a norma do art.º 60.º da LGT, dispõe sobre as formas dessa participação, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso;
3. No âmbito da liquidação do IMT, devem ser observadas as formas de participação do contribuinte hoje previstas nos respectivos Códigos (CIMT e CIMI), como seja no procedimento de avaliação, normas destes mesmos Códigos que devem ser aplicadas em bloco ou globalmente, por prescreverem no tal sentido diverso, a que se refere a citada norma da LGT;
4. Na liquidação adicional de IMT, no caso de o contribuinte aceitar e se conformar com o resultado da avaliação do prédio que lhe foi notificado, não requerendo a 2.ª avaliação, nenhuma norma deste CIMT impõe que ao contribuinte seja notificado do projecto de decisão da liquidação adicional correspondente, não tendo assim o mesmo de ser ouvido acerca da mesma liquidação.


O Relator



1- Seguimos aqui de perto, na parte correspondente, a fundamentação expendida no acórdão deste Tribunal de 4.10.2005, recurso n.º 6876/02, em que o aqui Relator ali foi Adjunto.
2- In acórdão deste Tribunal de 25.1.2000, recurso n.º 1076.03.
3- Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 13.11.2002, recurso n.º 977/02-30.
4- Que tal direito de audição pode ser dispensado em casos de manifesta desnecessidade se tem pronunciado o STA em inúmeros arestos, ainda que não por unanimidade – cfr. entre outros os acórdãos de 29.11.2000 e de 30.11.2005, recurso n.ºs 25.214 e 622/05, respectivamente. Em sentido contrário, cfr. acórdão do mesmo STA de 11.1.2006, recurso n.º 584/05.